AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

LIVROS, LEITURA, LEITORES

 Foi divulgado um estudo realizado pela Fundação Gulbenkian e pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, “Práticas Culturais dos Portugueses”. Os resultados estão em linha com os de outros trabalhos com o mesmo objectivo e sublinham o que está por caminhar no sentido de aumentar o consumo de produtos culturais, ferramenta imprescindível no desenvolvimento das sociedades.

Do vasto conjunto de indicadores umas notas direccionadas para a área dos livros e leitura.

No último ano 61% dos inquiridos não leu um livro impresso e em formato digital apenas 10% o fizeram. A leitura por prazer é referida por 10%.

Sem surpresa é também evidenciado pelo estudo a importância do estatuto socioeconómico e nível de literacia familiar, sendo que os leitores mais assíduos têm formação superior ou com pais com esse estatuto académico.

Estando comprovado o impacto relevante que os estímulos à leitura em contexto familiar assumem na promoção de hábitos de leitura, é muito significativo registar essa falta incentivo expressa pela maioria dos inquiridos, 71% nunca foi levado a uma livraria, 77% a uma biblioteca e 75% a uma feira do livro. Também 47% afirmam nunca ter recebido um livro e 54% referem que ninguém lhes leu um livro enquanto crianças.

São, na verdade, dados preocupantes, mas que, lamentavelmente não surpreendem e, naturalmente, reflectem-se no consumo de bens culturais.

Os bens culturais em Portugal parecem continuar a ser percebidos como bens supérfluos e não um bem de que necessitamos. O universo da cultura ainda vive numa apagada e vil tristeza orçamental. Sabe-se como os museus têm dificuldade em manter portas abertas, para não falar de investimento e manutenção nos respectivos espólios. As visitas aos museus têm aumentado, mas sobretudo devido aos visitantes estrangeiros. Muito do que se realiza em Portugal em matéria de cultura está dependente de apoios privados, carolice ou mecenato.

Por outro lado, e no que respeita ao mercado livreiro, creio que uma das grandes razões para o preço dos livros será o reduzido volume de consumo desse bem por parte do cidadão comum. De facto, à excepção de alguns, poucos, nomes, edições reduzidas dificultarão, por questões de escala, o abaixamento do preço. Algumas editoras ou grupos editoriais têm experimentado o lançamento de colecções com obras a mais baixo custo, mas muitos dos potenciais compradores dessas obras, já as terão adquirido pelo que, mais uma vez será difícil que sejam bem-sucedidas essas edições. Se considerarmos o caso particular da poesia a situação pode ser um pouco mais negra, basta atentar nas montras ou nas listas dos mais vendidos.

Acresce que o mercado assenta cada vez mais numa meia dúzia de pontos de venda que asseguram o grosso do "rendimento" e por uma distribuição que trata, muitas vezes, o livro como apenas um produto e não o distribui como um "bem". Importa ainda considerar o aumento exponencial das vendas online cujo circuito acaba por deixar de fora a livraria mais tradicional, espaço de descoberta, troca de informação e partilha com gente conhecedora que conhece e ama os livros

No entanto e já o tenho aqui afirmado, penso que a grande aposta deveria ser no leitor e não no livro, ou seja, criando mais leitores, talvez as edições, que poderiam em todo o caso ser menos exigentes em papel e grafismo, ficassem mais acessíveis como se verifica noutros países. Esta batalha ganha-se na família, na escola e na comunicação social como os dados agora conhecidos reconhecem.

Será consensual, que a questão central, embora importante, não assenta nos livros, bibliotecas (escolares ou de outra natureza) ou na presença crescente e atractiva dos "tablets", a questão central é o leitor, ou seja, o essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros por exemplo, espaços ou recursos, biblioteca, casa ou escola e suportes diferente, papel ou digital. 

Creio que também estaremos de acordo que um leitor se constrói desde o início do processo educativo. Desde logo assume especial importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação pré-escolar e 1º ciclo deveriam, muitas vezes são, ser estimuladas e para as quais poderiam ser disponibilizadas aos pais algumas orientações. Os dados agora conhecidos mais uma vez sublinham esta importância.

Nos primeiros anos de escolaridade é fundamental uma relação estreita com a leitura, não só com os aspectos técnicos, por assim dizer, da aprendizagem da leitura e da escrita da língua portuguesa, mas um contacto estreito e regular com a actividade de leitura acomodando motivações e culturas diferenciadas a dos alunos e das famílias.

Só se aprende a ler, lendo, só se aprende a escrever, escrevendo, etc.

Recordo dados divulgados no final de 2021 dados no âmbito do estudo “Práticas de Leituras dos estudantes do ensino básico e secundário”, realizado pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE em parceria com o Plano Nacional de Leitura 2017-2027.

Os indicadores são relativos a alunos do 1º ciclo (3º e 4º ano) e do 2º ciclo e devem ser lidos tendo em conta o que foi encontrado numa fase anterior em alunos do 3º ciclo e secundário.

Aos 10 anos verifica-se uma percentagem de 11% de alunos que afirmam só ler quando só obrigados, a partir dos 11 anos a percentagem sobre significativamente até aos 25% sendo que existem diferenças significativas entre rapazes e raparigas com estas a evidenciarem hábitos de leitura mais robustos.

Na fase anterior do estudo envolvendo o 3º ciclo e o secundário a percentagem de alunos que só lêem quando obrigados foi de 32% e de 25%.

A situação é preocupante e creio que mesmo no ensino superior os hábitos de leitura dos alunos não serão ser muito robustos.

É certo que existe em actividade o Plano Nacional de Leitura que, parece, estará a dar alguns resultados, mas na comunicação social generalista o espaço dedicado aos livros é pouco significativo, ainda se mantém veremos até quando o JL, e na comunicação televisiva o panorama não é melhor e o que existe parece pouco eficaz.

Insisto, é um problema de leitores não de livros, aliás e estranhamente, o volume de obras publicadas é significativo, o que é motivo de reflexão.

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