AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

O POVO FALHOU

 Como penso que terá acontecido com muita gente, acompanhei ontem à noite a divulgação dos resultados das legislativas e, não podia deixar de ser, as reacções, análises, comentários que iam merecendo.

Para além de sublinhar o recuo significativo da abstenção, vale a pena retomar o que considero ser a mais notável análise que foi produzida.

Quando já parecia certa a maioria absoluta do PS, a RTP inquiriu a Senhora Deputada Isabel Meirelles, ex-vice-presidente do PSD, sobre o que teria falhado.

De forma rápida e dura afirmou que “o que falhou foi o povo português”. Notável.

Pois é Senhora Deputada, esta modernice de ser o “povo” a escolher quem entende que deve gerir os destinos do país só dá problemas. Não sabem, não compreendem, não pensam, não estudam e pronto, dá nisto, votam errado.

Só vejo duas hipóteses para prevenir este desconsolo. Ou a Senhora Deputada muda o regime e dispensa este processo arriscado de ser o povo a decidir e, claro, decidir mal, ou a Senhora Deputada arranja outro povo, assim mais clarividente e que não falhe aos seus desejos.

Uma terceira hipótese, que não sei se ajudará, seria pedir a alguém próximo que lhe explicasse o que é democracia. No PSD encontra facilmente quem o possa fazer e sem ter que se misturar com essa gente mais perigosa da esquerda.

 

PS – Preferia que não se tivesse verificado maioria absoluta. As negociações e acordos são uma forma de regulação e escrutínio que minimiza riscos de prepotência, de confusão entre os interesses do país e os interesses do partido, além de que alargam perspectivas e consensos.

FRIO NA ESCOLA

 Apesar da precaução, a família próxima acabou por contactar com o “bicho”, sim ele existe, felizmente sem grandes complicações e tudo agora está bem. O neto pequeno, cinco anos, foi o último a ser apanhado pois, como ele dizia, tinha montado os ímanes ao contrário e o bicho não conseguia chegar-se a ele.

Hoje era dia de retorno à escola.

Quando a mãe bem cedinho acordou o Simão, está no 3º ano com um horário desdobrado e “pega às oito”, avisando ser tempo de levantar, ele afirmou que “estava com saudades da escola, mas não tinha saudades do frio”.

Como é sabido as escolas são “aconselhadas” a funcionar de forma arejada, com as janelas das salas de aula abertas. Como é de calcular, com as temperaturas desta altura do ano e ainda mais de manhã cedo, umas janelas abertas para a sala de aula criam um clima bastante amigável de que o Simão não tem saudades.

Sim, eu sei que os tempos são complexos, que o equilíbrio entre a protecção à saúde e a protecção da educação e do bem-estar educativo é difícil, que os todos os profissionais têm demonstrado um empenho e sentido de missão que devemos reconhecer e agradecer, mas a verdade é que o frio é inimigo de processos educativos.

Todos sabemos e falamos da importância de um bom clima de sala de aula. Também na vertente meteorológica assim acontece. Conhecemos de há muito os problemas que muitas escolas sentem no Inverno em manter ambientes acolhedores para crianças e adultos, a festa da Parque Escolar não chegou para tudo e em algumas situações as mantas tornaram-se material didáctico, facilitador das aprendizagens.

Agora somámos-lhe o “arejamento” criando nova emergência climática nas salas de aula.

Esperemos que a Primavera chegue depressa.

domingo, 30 de janeiro de 2022

DIA DE ELEIÇÕES

 Dia de eleições. Não consigo evitar que em todos os dias que se realizam eleições me lembre dos dois primeiros actos eleitorais em que me envolvi e sei bem por que razão os recordo. E hoje, mais do que nunca, assim é.

Em primeiro lugar, as eleições para a então Assembleia Nacional em Outubro de 1969, durante a chamada “Primavera” Marcelista, tempo que aparentava uma pequena abertura no regime. Concorreram a União Nacional, a Comissão Eleitoral de União Democrática, a Comissão Eleitoral Monárquica e a Comissão Democrática Eleitoral. Participei em algumas acções durante esta campanha embora ainda não pudesse votar.

Lembro-me de assistir a alguns comícios muito bem vigiados pela polícia política e enquadrados pelas forças policiais, lembro-me por exemplo da interrupção, por decisão policial, de uma acção em Almada em que participava José Afonso, lembro-me de alguns “incómodos” na família e em famílias conhecidas causados pelo envolvimento nestas actividades. Por curiosidade e para os mais novos, a União Nacional, o “partido” do regime ficou “surpreendentemente” com a totalidade dos 130 deputados eleitos. (Como curiosidade e para comparação com os tempos actuais os resultados foram assim divulgados na RTP na noite das eleições).

O segundo acto eleitoral de que sempre me lembro foi o que se realizou em 1975 para a Assembleia Constituinte, as primeiras eleições livres. Um dia que com muita luta tardou em chegar e absolutamente inesquecível.

Creio que já aqui referi, passei uma manhã inteira numa interminável fila para, finalmente, poder votar, pela primeira vez, sem constrangimentos. Na rua, a gente falava de votar como de algo mágico. Desde esse tempo muita coisa se passou, umas mais bonitas, outras menos bonitas, os últimos tempos têm sido particularmente feios, mas é bom não esquecer.

Hoje, provavelmente, estaremos também a votar com o objectivo de mostrar que não valorizamos, não queremos, as figuras sinistras que ameaçam estes tempos. Conhecemos bem demais o que representam para que possamos aceitar que venham a poder decidir sobre nós.

Façam o que quiserem com o voto, e esta é a questão essencial, eu faço o que quero com o meu voto. Também me parece que seria bom que os partidos que têm vindo a transformar a democracia numa partidocracia capturando consciências e participação cívica não se esquecessem.

Pouco a pouco começamos a guardar os nossos votos e decidimos não os dar a ninguém, sobe a abstenção, ainda assim uma decisão nossa, má decisão, mas nossa.

sábado, 29 de janeiro de 2022

DIA DE REFLEXÃO

 Manda a liturgia e o quadro legal dos processos eleitorais que o dia anterior à votação seja dedicado à reflexão. Como em outras ocasiões tenho afirmado, não estou muito de acordo com este cenário e enquanto existir aqui me manifesto. Aliás, já se vão conhecendo discursos questionando a sua necessidade.

Do meu ponto de vista e ainda que pareça estranho, a haver um dia de reflexão deveria ser o dia seguinte.

A decisão em matéria de voto não exige um dia de reflexão. Aliás, gostaria de saber se existe algum estudo sobre o peso que o dia de reflexão terá na decisão relativa ao voto.

Em primeiro lugar não julgo necessário o dia de reflexão antes do acto eleitoral porque não entendo que essa reflexão influencie significativamente os resultados eleitorais pois, se por um lado a abstenção tem crescido, deixando cada vez mais o voto no eleitorado fidelizado, por outro lado, o eleitorado flutuante não decide na véspera, decide, creio, face a contextos e circunstâncias.

Acresce que esta campanha eleitoral foi particularmente elucidativa, o que ocupa tempo de campanha tem menos a ver com os problemas reais das pessoas. Exceptuando alguns dos debates a gritaria, o soundbite, as alterações de discursos como se nada tivesse sido dito, marcaram os últimos dias.

Em segundo lugar, porque na verdade, em termos de futuro parece ser mais significativo reflectir nos resultados eleitorais que se verificarem. Estas eleições são um claro exemplo disso mesmo, por exemplo a partir da votação que receberá a extrema-direita ou o que indiciarão sobre os acordos que assegurarão a governabilidade.

No entanto e desde já, aproveito o dia de reflexão para deixar um apelo muito sentido.

Apelo vivamente aos senhores integrantes da classe política que a propósito das eleições de amanhã se inibam de elaborar comentários como “queria felicitar o povo português pela forma tranquila como está a decorrer, ou decorreu, o acto eleitoral”, “quero registar a normalidade que o povo português evidencia no cumprimento do seu dever cívico”, “os cidadãos mais uma vez mostram a sua maturidade democrática” ou ainda “o acto eleitoral está a decorrer, ou decorreu, com toda a normalidade em todo o território”. Considero afirmações desta natureza um insulto à esmagadora maioria dos cidadãos eleitores em Portugal. Que diabo pensam de nós, para se surpreenderem com a “normalidade” do nosso comportamento?

Então não é de esperar que participar num acto eleitoral, das diferentes formas possíveis, seja algo de normal e tranquilo?

Lembro-me daqueles pais e professores que ao falarem de miúdos acrescentam de imediato “e até se portam bem”, como se o comportamento adequado seja uma surpresa e a excepção. Como se dizia no PREC, “repudio veementemente tais afirmações”.

Já agora, nós, os cidadãos que votamos, ou não, com normalidade democrática, gostávamos de poder comentar as campanhas dos políticos dizendo que tudo decorreu com a elevação, sentido ético e de esclarecimento normais. Mas não, existem sempre os insultos, a demagogia, a trafulhice nas ideias e nas promessas, a falta de esclarecimento e debate sério, etc.

A campanha que ontem terminou constituiu um autêntico manual. Aliás, achei até que um povo que vota com “normalidade democrática” e “maturidade cívica” merecia melhor.

A actividade política das lideranças é que, demasiadas vezes, não decorre com “tranquilidade e maturidade democráticas”.

Não tratem os cidadãos como gente incapaz a quem se saca o voto, mas de quem sempre parece esperar-se o pior.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

EDUCAÇÃO INCLUSIVA, UM PROGRAMA QUE É PASSADO

 Em período pré-eleitoral, para além dos debates e soundbites diários, é interessante conhecer os programas com que os diversos partidos se propõem gerir a comunidade.

No meu caso estou mais atento às questões da educação e em particular, foi toda a minha vida profissional, à resposta educativa às diferenças entre os alunos.

Nesta tentativa de esclarecimento tropecei com esta pérola:

 

(…)

Como se deve processar a inclusão de alunos com necessidades especiais?

Os alunos com necessidades especiais devem ser enquadrados na escola de uma forma que atenda à gravidade das suas necessidades. Se essas necessidades foram compatíveis com um ritmo normal de aprendizagem – por exemplo, se forem de natureza motora – então os alunos devem ser incluídos em turmas normais.

Se, por outro lado, as necessidades especiais não forem compatíveis com um ritmo normal de aprendizagem – por exemplo, se forem de natureza cognitiva ou comportamental – então esses alunos devem ser inscritos em turmas especiais lideradas por professores e outros profissionais devidamente habilitados para lidar com essas limitações.

Cada escola deve ter a liberdade de definir as melhores condições de aprendizagem para os seus alunos

(…)

A quem possa interessar estou a citar o Programa da Iniciativa Liberal, pg 327, tema 13 – Educação.

Apesar de ser um programa para o futuro (!?) o texto levou-me a uma viagem ao passado.

Em síntese e de forma breve, em meados de setenta quando comei a trabalhar na área da designada educação especial, era frequente, referir ensino regular e ensino especial, classe regular e classe especial, escolar regular e escola especial.

Para as escolas especiais eram enviados muitos dos alunos com deficiência, embora alguns já permanecessem nas escolas regulares em grupos separados ou mesmo em situações de integração parcial ou a tempo inteiro na sala regular.

Existiam escolas e instituições especiais, foi aqui que comecei a minha estrada, organizadas fundamentalmente por áreas de problemas diagnosticados nas crianças e jovens. A instituição em que trabalhei e muitas outras com o mesmo objectivo recebiam alunos com deficiência mental ou multideficiência, mas também um grupo numeroso de alunos designado por “caracteriais”, os que revelavam problemas de comportamento.

Bom, este era o cenário há cerca de 50 anos que a IL vem retomar em 2022 e defender para o futuro o que no passado aprendemos que não era o caminho.

Começámos a considerar direitos, equidade, inclusão como questões nucleares inalienáveis para qualquer cidadão e que inclusão é uma questão civilizacional não é opção discricionária ou circunstancial. Não preciso de dizer que não está tudo bem, que muitos discursos assentam numa espécie de visão mágica da realidade, mas é este o caminho.

A inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.

Este é o caderno de encargos que nos convoca, deveria convocar, a todos, todos os anos, todos os dias.

Talvez a IL não lide bem com estas questões, não me surpreende, mas não pode parar o tempo. Nem os dias atípicos que vivemos de “liberalismo conceptual”, em que algo pode ser o que é e o seu contrário, podem justificam tal discurso.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

TEMPO DE SECURA

 Embora a passar meio despercebida dada a pandemia e a campanha eleitoral a questão da seca surge com a maior frequência nos discursos por aqui no Alentejo, como muito provavelmente acontecerá noutras paragens. Ainda hoje na ida à vila o tema da falta de chuva foi a questão mais presente nas conversas. E parece que para os próximos dias as previsões continuam a não nos “dar água”.

É verdade que os campos estão verdes com a água do início de Dezembro, mas os pastos estão rasos, estou a regar a horta o que não é muito habitual neste tempo, e a gente bem olha para o céu à procura das nuvens que tragam a água que faz crescer. A coisa não está ainda especialmente grave porque o Inverno passado foi bem chovido.

No entanto, a seca severa que atravessamos e o risco de seca extrema que poderemos enfrentar não é só de natureza meteorológica. Estamos em seca severa do ponto de vista meteorológico, mas também atravessamos tempos de secura em várias outras dimensões que nos respeitam, ou desrespeitam, conforme a leitura.

É, na verdade, estamos em tempo de seca severa.

Vou espreitar o céu com a esperança de ver as nuvens que irão chegar com a água que lava e faz crescer, a terra e a gente.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

ESTRANHOS TEMPOS

 Estes tempos duros que atravessamos e que tardam em mudar, criam situações estranhas e pesadas no nosso quotidiano pessoal e familiar.

Dificilmente imaginaria que em plena actividade lectiva e no segundo período escolar vivêssemos este cenário.

Alunos sem professores, alguns desde o início do ano pela continuada falta de professores, situação previsível de há muito e não acautelada na gestão da carreira docentes e do número necessário de profissionais.

Alunos sem a escola de que precisam e não se consegue substituir nas actuais circunstâncias e com os meios e recursos disponíveis.

Professores sem os alunos que vão rodando em períodos de isolamento.

Professores sem a escola que dá sentido à profissão que, na sua grande maioria, escolheram.

Escola sem os professores que, tal como os alunos e funcionários, vão rodando em períodos de isolamento.

Pais que estão em casa no tempo profissional cuidando de crianças que deveriam estar na escola.

Tempos estranhos estes. Até quando?

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

A HISTÓRIA DO DIFERENTE

 A leitura de um texto interessante de Shanon K. Phelan & Paige Reeves, “(Re)imagining inclusion to foster belonging in the lives of disabled children and youth”, de 2021 na The Lancet Child and Adolescent Health e que dada a lamentável política de divulgação da produção científica não tem acesso aberto lembrou-me a História do Diferente. É assim.

Era uma vez um miúdo chamado Diferente. Quando chegou a altura de ir para a escola os Iguais pensaram que talvez fosse boa ideia o Diferente ir para a escola onde andavam os Iguaizinhos, os filhos dos Iguais.

Ao entrar na escola o Diferente achou, ainda não tinha visto muitos, que os miúdos que lá andavam também eram diferentes, isto é, não eram como ele, mas não, os Iguais explicaram aos Iguaizinhos que apenas o Diferente era Diferente, eles eram Iguaizinhos.

Assim, o Diferente foi para uma sala e os Iguais não sabendo muito bem o que fazer com um Diferente acharam melhor não fazer muita coisa, deram-lhe um brinquedo para estar entretido e aos Iguaizinhos ensinavam coisas da escola. O Diferente sentia-se aborrecido porque também gostava de aprender coisas da escola.

Aos intervalos, os Iguaizinhos iam brincar para o recreio e como os Iguais lhes tinham dito que aquele colega era um Diferente, achavam que talvez ele não soubesse brincar e, por isso, não brincavam com ele. O Diferente sentia-se triste porque gostava de experimentar brincar daquela maneira que os Iguaizinhos brincavam, mas ficava num canto a olhar.

Na altura do almoço e dos lanches, os Iguais, temendo que o Diferente pudesse não estar à vontade sentavam-no num canto do refeitório a ver os Iguaizinhos a comer e a conversar o que o deixava pouco satisfeito.

Às vezes, os Iguais levavam os Iguaizinhos a passeios e a visitas, mas como pensavam que o Diferente poderia não gostar ou sentir-se bem, deixavam-no na escola com o seu brinquedo. O Diferente não percebia porque não o levavam com os Iguaizinhos naquelas saídas.

Assim eram os dias do Diferente, naquela escola onde os Iguais, de tão cuidadosos e preocupados com ele, não deixavam que nada lhe acontecesse, mesmo nada, nem a vida.

Como se lê no artigo “(…) Evidently, there is a fundamental gap between how inclusion is theorised in practice and how inclusion is experienced in the everyday lives of disabled children. (…)

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

DIA INTERNACIONAL DA EDUCAÇÃO

 O calendário das consciências assinala hoje o Dia Internacional da Educação. O universo da educação é muito provavelmente o reúne maior número de especialistas. Raramente se encontra alguém que não tenha opiniões bem firmes sobre qualquer assunto em matéria de educação. Aliás, também não é raro que especialistas de outras áreas científicas falem de ciências da educação recorrendo a aspas e produzam com a maior facilidade discursos pejorativos generalizados sobre pessoas/instituições que estudam e trabalham durante décadas em educação. 

De facto, para muita gente, educação não é matéria de saber, é matéria de opinião e portanto … opinam.

Por coincidência estamos em plena campanha para eleições legislativas. Como cidadão que procura manter-se informado tenho acompanhado alguns debates e iniciativas, sobretudo quando são os líderes partidários a participar.

A questão é que lamentavelmente a educação tem estado arredada da agenda, certamente pelo sua pouca importância na vida e no futuro das comunidades. À excepção da discussão sobre o eventual impacto da pandemia e das restrições na vida escolar poucos aspectos interiores à educação têm merecido intervenções estruturadas e programáticas na campanha eleitoral.

A verdade é que, sou suspeito na afirmação (também tenho a minha agenda), a educação, o sistema educativo, o desenvolvimento das pessoas e das comunidades, a qualificação dos cidadãos são o motor do desenvolvimento e com impacto muito significativo em todas as áreas da vida em comunidade.

É verdade que não estranho, mas ainda assim parece-me um péssimo sinal.

Uma nota para a entrevista de José Pacheco ao DN. Julgo que vale a pena ler mesmo que tenhamos muitas ou poucas discordâncias com as afirmações.

domingo, 23 de janeiro de 2022

A HISTÓRIA NÃO VOS ABSOLVERÁ

 Estamos a entrar na última semana de campanha eleitoral, mais uma em circunstância estranhas, quer pela tragédia da pandemia, quer pela forma como fomos forçados a eleições. Não sabemos ainda como vai acabar, provavelmente alguns não esperariam o grau de imprevisibilidade que agora parece existir, e a discussão tem estado enredada na chamada governabilidade, quem se junta a quem para formar governo.

Fala-se muito em portas fechadas e portas abertas e preocupa-me que o cenário esteja, aparentemente, mais claro no lado direito do espectro político que no lado esquerdo, para ainda usar esta “arrumação”. A clareza de projectos e intenções é útil e importante para a tomada de decisão dos eleitores.

Confesso que tenho alguma dificuldade em entender que tal aconteça, pois se tentar perceber o que do ponto de vista dos envolvidos nestas decisões está em jogo, creio que ninguém ganhará e muita gente sem voz nas discussões poderá perder.

Não tenho competência nem quero substituir analistas políticos, comentadores, opinadores e demais politólogos, mas duas ou três coisas me parecem claras.

 Embora o PS tenha assumido o objectivo da maioria absoluta esta não parece estar segura. Se como pode ser mais provável, tiver maioria relativa, seria desejável que soubéssemos de antemão a disponibilidade clara para novos entendimentos à esquerda ou a opção pela tentativa de um governo com o apoio do PSD. Em nome da transparência e da seriedade política era importante conhecer o posicionamento do PS.

Por outro lado, num cenário de vitória do PSD ou de uma coligação liderada pelo PSD teremos um risco de deriva de políticas públicas no sentido da desregulação, liberalismo e um caminho de privatização em áreas chave como saúde ou educação.

Parece-me ainda bastante provável que PCP e BE saiam “chamuscados” do processo que determinou a queda do governo e comprometer a existência ou dimensão de maioria à esquerda.

Correm o risco de retornar ao que parece ser a sua vocação e zona de conforto, protestar sem assumir os encargos da governação que, em democracia, exigem negociação mantendo-se num “contrismo” que pouco beneficiará o "povo" ou o "país" como também se usa.

Aparentemente, nos últimos dias o PC, mas também o BE parecem mostrar maior disponibilidade para uma eventual convergência com o PS que insiste na não definição do que proporá face aos diferentes cenários possíveis na noite de 30 de Janeiro. Recordo que esta disponibilidade foi já anunciada pelo Livre e, de certa forma, também pelo PAN.

Fico, pois sem perceber o que verdadeiramente sustenta esta situação. Não sou simpatizante fidelizado de nenhum dos partidos potencialmente signatários de um acordo para uma nova maioria de esquerda a suportar o Governo, o que não obsta a que tenha um posicionamento de natureza ideológica, sim ideológica, que me faça assumir a necessidade e a esperança num caminho diferente do que tivemos com PSD e CDS-PP, e Chega ou IL na governação ou no apoio à governação.

As dificuldades internas e externas serão imensas e muita gente deseja também um falhanço deste acordo à esquerda, é ouvir e ler como se esforçam nesse sentido. É interessante assistir ao voo dos abutres por cima de tudo isto, os seus discursos na imprensa em que se abrigam são patéticos.

O caminho é difícil, os obstáculos e armadilhas são muitos e grandes, a margem de erro é estreita, mas não podem falhar na construção e manutenção de uma outra via mais amigável para as pessoas. É esse o sentido da mudança necessária.

Não podem falhar por responsabilidade vossa.

A história não vos absolverá.

sábado, 22 de janeiro de 2022

AINDA A QUESTÃO DA SAÚDE MENTAL

 Apesar de ainda ontem ter aqui abordado a questão da saúde mental, retomo o tema considerando o nível de sofrimento e mal-estar que afecta muita gente e tem subido significativamente sem que, por vezes, seja reconhecido.

De acordo com o Infarmed, em 2021 venderam-se em Portugal uma média diária de 28 mil embalagens de antidepressivos.

Os dados referem-se aos primeiros nove meses do ano em que foram vendidas mais de 15,7 milhões de embalagens de ansiolíticos, sedativos, hipnóticos e antidepressivos. Esta subida está em linha com anos anteriores.

A estes dados faltará do volume de situações de mal-estar não abordadas através dos fármacos, as não tratadas e o contributo da automedicação apesar da exigência de prescrição médica para este consumo. Este quadro levará a que o número de consumidores seja superior às prescrições e número global de situações de mal-estar seja bem superior aos indicadores de consumo.

Ainda não há muito tempo aqui referi um estudo divulgado em 2021 realizado pelo investigador na área da economia da saúde da Nova SBE, Pedro Pita Barros, “Acesso a cuidados de saúde - As escolhas dos cidadãos 2020, em que se referia que 10% dos portugueses não vão ao médico quando sentem algum mal-estar e que desta população, 63% recorre à automedicação.

Um outro trabalho, “Automedicação na comunidade: Um problema de saúde pública”, publicado em 2019 e desenvolvido pela Escola Superior de Saúde de Viseu -IPV, mostrou que nos participantes, zona norte e centro de Portugal, a prevalência de automedicação ao longo da vida foi de 74,1% e nos seis meses anteriores, de 59,9%.

É ainda de referir que Portugal é o quinto país da OCDE no que respeita ao consumo destes fármacos.

Tem sido também divulgado que estruturas do Serviço Nacional de Saúde ou privadas têm disponibilizado linhas de apoio de natureza psicológica como também o têm feito outras identidades ou mesmo através de iniciativas de natureza individual.

Também sabemos que o impacto de problemas de saúde mental ou de bem-estar psicológico qualidade de vida de pessoas e famílias é fortíssimo.

A situação que vivemos torna tudo mais difícil, mas importa estar atento e ter confiança que na forma como iremos saindo dela estará contemplada a promoção da saúde mental

Existe muita gente a passar mal, pode ser na casa do lado.

No entanto, como agora se diz, somos resilientes e queremos viver, seremos capazes de continuar.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

A SAÚDE MENTAL DE CRIANÇAS E JOVENS

 No Expresso lê-se que nos dois anos que vivemos neste cenário de pandemia os pedidos de ajuda ao Centro de Apoio Psicológico e Intervenção em Crise do INEM aumentaram 52,8%  nos jovens até aos 19 anos em dois anos de pandemia.

De acordo com a directora do Centro que muitas vezes os sinais de mal-estar não são percebidos e sublinha a necessidade de não desvalorização de sintomas e a importância de assumira a necessidade de apoio e atenção.

No mesmo sentido, em Agosto de 2021 foi divulgado um trabalho realizado pela Universidade de Calgary, no Canadá em que foram analisados 29 estudos de diferentes países envolvendo 80879 crianças e jovens. Como dado mais relevante constata-se que um em cada quatro crianças ou jovens tem sintomas de depressão elevados e um em cada cinco apresenta sintomas de ansiedade altos devido à pandemia da covid-19.

Complementando recordo que já em Março foi noticiado que em alguns hospitais se registou um aumento do número de crianças e jovens que chegaram ao serviço de urgência com problemas de ansiedade ou humor. No Hospital D. Estefânia, por exemplo, o número de crianças e jovens que tiveram contacto com a pedopsiquiatra através de serviço de urgência aumentou quase 50% no início de 2021 face ao mesmo período do ano passado.

De facto, têm sido múltiplos os estudos que referem esta questão, a deterioração da saúde mental de crianças e jovens, mas também de adultos, no quadro da pandemia. Os confinamentos a que se associaram os períodos de isolamento, a falta de rede social dos pares, as dificuldades de diversa ordem sentidas nos contextos familiares terão dado um contributo significativo. Os dados mais recentes acentuam a importância desta matéria

Deste quadro resulta a necessidade de atenção à saúde mental de crianças e jovens ainda que habitualmente a saúde mental seja um parente pobre das políticas públicas de saúde.

O impacto da pandemia nas aprendizagens tem sido muito referido e está a ser objecto de um plano específico, Plano 21/23 Escola + que, esperamos, mobilize os recursos e as intervenções necessárias aos que se propõe. Seria importante que a esta recuperação no plano das aprendizagens estivesse associada a uma forte preocupação com a saúde mental de crianças e jovens com os apoios e recursos necessários.

Crianças e jovens que passam mal, não aprendem, vivem pior e correm riscos sérios de comprometer o futuro pelo que os apoios e resposta não podem, não devem, falhar.

Como o povo diz, é de pequenino que se torce o … destino.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

E AGUENTAM?

 Ao ler que entre 10 e 19 de Janeiro em crianças e jovens até aos 19 anos se verificaram perto de 10000 infecções diárias é impossível não sentir uma forte inquietação.

Nas escolas uma parte significativa de alunos vai estando ausente das aulas à vez pois o tempo de isolamento foi reduzido.

Não tenho a menor dúvida que é profundamente difícil gerir equilibradamente um problema sério de saúde pública conjugado com um também sério problema de saúde educativa.

Todos os profissionais das escolas, também eles em situação vulnerável, estarão a fazer um esforço brutal para contenção de danos que importa reconhecer e evitar discursos tentadores de responsabilização em nome de uma falsa ideia de que as escolas é que decidem o que fazem, baralhando uma ideia séria de autonomia com um facilitista “desenrasquem-se”.

Lembrei-me de uma conhecida afirmação do banqueiro Fernando Ulrich a propósito das dificuldades dos portugueses no período mais pesado da austeridade, à pergunta sobre se o país aguentaria mais autoridade, respondeu levianamente “Ai aguenta, aguenta”, esquecendo-se do preço altíssimo que muita gente pagou e ainda paga.

Será que crianças, jovens, profissionais das escolas, pais, profissionais de saúde aguentam?

Quero acreditar que sim, mas preocupa-me muito o preço.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

DO MIÚDO TRISTE ÀS MÁQUINAS ENSINANTES

 Ao ler algumas coisas sobre o futuro da educação anunciado pela OCDE, a que voltarei, lembrei-me da história do miúdo chamado Triste.

Como sabem, as pessoas que se chamam Tristes não são parecidas com as pessoas que têm outros nomes. Este miúdo, o Triste, também não era assim muito parecido com os outros miúdos lá da escola. Não falava tanto como os colegas, nas aulas estava tranquilo, realizava sem sobressaltos as tarefas que lhe pediam e os resultados ficavam-se pelos mínimos. Não era muito amigo de brincadeiras, no recreio, aconchegava-se a um canto e ficava a observar os outros. Não se percebia muito bem se não se aproximava por não querer, não gostar ou outra qualquer razão.

Mas o que verdadeiramente era diferente no Triste em relação aos outros miúdos era o seu olhar. Só estando perto dele é que se percebia, os seus olhos pareciam ainda mais tristes que o seu nome. Como as pessoas, pequenas ou grandes não se aproximavam muito do Triste não percebiam como tristes eram os seus olhos.

Um dia, o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, aproximou-se devagar e sentou-se ao lado do Triste sem dizer nada. O miúdo olhou-o, mas também nada disse.

Alguns minutos depois o Triste disse "Não dizes nada Velho". "Estou a pensar" disse o Velho no seu jeito manso. "Em mim?", perguntou o Triste. "Sim, em ti. Queres falar sobre o que estou a pensar?".

"Não. Não gosto de Tristes. Como toda a gente". Disse o miúdo chamado Triste ao mesmo tempo que se levantava.

Não, a tristeza que vive em muitos miúdos não é acessível aos algoritmos de máquinas ensinantes.

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

DAS APRENDIZAGENS

 Foi divulgado um trabalho, "Portugal, Balanço Social 2021: Um retrato do país e de um ano de pandemia", realizado por Susana Peralta, Mariana Esteves e Bruno P. Carvalho da Nova School of Business & Economics no qual é feito uma análise ao impacto da pandemia.

No que respeita à educação e com base na comparação dos resultados provas de aferição nos 2.º, 5.º e 8.º anos de escolaridade realizadas em 2021 com os resultados dos anos de 2018 e 2019.

De acordo com o trabalho as diferenças são significativas e, sem surpresa, afectam fundamentalmente os alunos de meios sociais económicos mais vulneráveis. Entendem que a não recuperação destas dificuldades, que pensam ser possível, condicionará fortemente o trajecto futuro destes alunos e recordam que está em operacionalização o Plano 21/23 Escola + justamente com esse objectivo.

Deixem-me recordar o que escrevi em Setembro de 2021 quando foram divulgados os resultados das provas de aferição realizadas no 5º e 8º ano nas áreas de Matemática, Português e Inglês e no 2º ano em Matemática, Estudo do Meio e Português.

As provas não se realizaram em 2020 e comparativamente a 2018 e 2019 os resultados foram mais baixos na generalidade das disciplinas e domínios avaliados sendo ainda de registar que em 2021 apenas uma amostra de alunos participou. Também a avaliação em Inglês não é comparável, mas os resultados são também baixos.

Um outro dado relevante, mas expectável e agora na enfatizado no trabalho da U. Nova, os resultados dos alunos que não têm apoios sociais escolares “são sempre superiores aos dos alunos com Acção Social Escolar em todas as literacias, em todos os anos de escolaridade e em todos os níveis de proficiência”.

Esta diferença verifica-se mesmo quando os alunos mais com apoio da ASE têm acesso a recursos digitais.

Muitas vezes afirmo que para produzirmos boas respostas importa que façamos boas perguntas. As provas de aferição realizadas por amostra produzem alguns indicadores que serão relevantes, mas as boas respostas só podem ser dadas a partir das perguntas realizadas por cada professor, em cada escola a cada grupo de alunos, a cada aluno.

Depois e quanto ao providenciar das respostas vem a questão central, recursos humanos e materiais e dispositivos de apoio competentes e suficientes.

Como já foi referido está nas em desenvolvimento em implementação o Plano 21/23 Escola + para recuperação de aprendizagens comprometidas.

Sabemos que o maior ou menor impacto nas aprendizagens, por múltiplas razões, é extremamente diversificado em cada aluno. Parece razoavelmente claro que a diversidade de situações, o seu número, os anos de escolaridade dos alunos, as variáveis contextuais relativas a cada comunidade escolar, recursos disponíveis em cada comunidade, as necessidades específicas de muitos alunos, etc. etc. sugerem que devem ser as escolas a avaliar as necessidades, identificar os recursos necessários, estabelecer objectivos, definir metodologias e dispositivos de regulação e avaliação.

Os professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos. O que verdadeiramente é imprescindível é dotar as escolas dos recursos necessários para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Recursos suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis, técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais. Torna-se também necessária a existência de dispositivos de regulação que sustentem o trabalho desenvolvido, de processos desburocratizados.

Para além das narrativas institucionais mais “simpáticas”, por assim dizer, o que se vai sabendo das escolas mostra, sem surpresa, o conjunto de dificuldades que se continuam a sentir.

Por outro lado, considerando os indicadores relativos ao impacto das variáveis relativas ao contexto sociofamiliar e económico dos alunos nos seus trajectos de aprendizagem é preciso considerar que não é uma questão compatível com um Plano de curto prazo por melhor que seja.

Na altura referi um trabalho divulgado em Maio de 2021 pela Human Rignts Watch sobre os efeitos da pandemia na população escolar e com dados da ONU afirmava-se que “Uma em cada cinco crianças estava fora da escola antes mesmo da covid-19”.

Num cenário de desigualdades que a pandemia potenciou e que o pós-pandemia continuará a revelar ainda mais relevantes se tornam as políticas públicas.

É neste contexto que emerge a razão destas notas. Do meu ponto de vista, a questão central não deve ser definida em torno da recuperação dos efeitos da pandemia nas aprendizagens ou no bem-estar através de planos de recuperação finitos, mas sim, na mudança ao nível das políticas públicas dos diferentes países, incluindo Portugal, que, para além de forma mais imediata “recuperarem aprendizagens”, tenham impacto a prazo através de recursos suficientes e competentes, definição de dispositivos de apoio eficientes e de acordo com as necessidades, apoios sociais que minimizem vulnerabilidades que a escola não suprime, valorização da educação e dos professores, diferenciação e autonomia nas respostas das instituições educativas, etc.

Sintetizando, para além da conjuntura próxima, cuidar dos danos da pandemia, importa considerar o que é estrutural e imprescindível em nome do futuro, a qualidade da educação e uma educação de qualidade para todos.

Finalmente, gostava de fazer um convite aos leitores que por aqui passam e que estejam ligados ao trabalho em escolas do ensino básico. Apesar de algum conhecimento mais pontual gostava de conhecer um pouco melhor como está a decorrer em termos práticos o trabalho nas escolas relativamente ao Plano 21/23 Escola +. Aspectos como estratégias e metodologias, recursos docentes, técnicos e de equipamentos digitais, formas de monitorização e regulação, resultados globais, apoios, dificuldades, etc.

Agradeço alguma informação que pode ser enviada através do mail do blogue e salvaguardando a confidencialidade da forma possível.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA INDOMESTICÁVEL

 Os nossos dias são agora marcados pela tragédia da pandemia e pela campanha eleitoral. A campanha iniciou-se ontem, mas sem que se possa estranhar, é pouco provável que tenhamos aquilo que se espera de uma campanha, confronto de ideias (programas) e que esse confronto, apesar de acalorado pelas motivações, seja sempre adequado em termos cívicos de modo que nós cidadãos possamos também nos sintamos esclarecidos e motivados para a participação fundamental no exercício do voto. A ver vamos.

Entretanto e como não podia deixar de ser, o país continua viver e a mostrar o que, muito provavelmente, não será matéria de campanha eleitoral.

Com chamada a primeira página lê-se no JN que, de um universo de 2605 arguidos ou condenados à utilização de pulseira electrónica, mais de metade está envolvido em crime de violência doméstica e que muitos dos restantes indivíduos controlados por este dispositivo são vítimas de violência doméstica. Este cenário é desta configuração desde 2015.

É um quadro inquietante, pelo volume, pela gravidade e pela prevalência que persiste apesar de algumas pouco significativas mudanças.

Acresce que o mundo da violência doméstica é bem mais denso e grave do que a realidade que conhecemos, ou seja, aquilo que se conhece, apesar de recorrentemente termos notícias de casos extremos, é "apenas" a parte que fica visível de um mundo escuro que esconde muitas mais situações que diariamente ocorrem numa casa perto de si.

Por outro lado, para além da gravidade e frequência com que continuam a acontecer episódios trágicos de violência doméstica e como recorrentemente aqui refiro, é ainda inquietante o facto de que alguns estudos realizados em Portugal evidenciam um elevado índice de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.

Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de impunidade instalado, as condenações são bastante menos que os casos reportados e comprovados, bem como alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à situação de dependência que sentem relativamente ao parceiro, à percepção de eventual vazio de alternativas à separação ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos que as mantém num espaço de tortura e sofrimento. Felizmente este cenário parece estar em mudança, mas demasiado lentamente. Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época.

Torna-se ainda necessário que nos processos de educação e formação dos mais novos possamos desenvolver esforços que ajustem quadros de valores, de cultura e de comportamentos nas relações interpessoais que minimizem o cenário negro de violência doméstica em que vivemos. A educação e o desenvolvimento que sustenta constitui a ferramenta de mudança mais potente de que dispomos.

É uma aposta que urge e tão importante como os conhecimentos curriculares. Percebe-se também por estas questões a importância da abordagem do universo da “Cidadania e Desenvolvimento” nas escolas e para todos os alunos.

Entretanto, torna-se fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento acessíveis para casos mais graves e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.

A omissão ou desvalorização desta mudança é a alimentação de um sistema de valores que ainda “legitima” a violência nas relações amorosas, que a entende como “normal”.

Tudo isto tem como efeito a continuidade dos graves episódios de violência que regularmente se conhecem, muitos deles com fim trágico.

sábado, 15 de janeiro de 2022

SERENIDADE, PRECISA-SE

 Achei interessante e bem actual a entrevista que li no Expresso a Pedro Caldeira da Silva, director de Pedopsiquiatria do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central. Na entrevista, Pedro Caldeira da Silva apela ao “libertar” das crianças, ao “deixá-las em paz” face a à forma como lidamos com a actual situação pandémica hipervalorizando receios e medos que têm gerado nos mais novos um acréscimo de situações de ansiedade e depressão como várias vezes aqui tenho referido nos últimos tempos com base em dados conhecidos.

Como é óbvio, não tenho dúvidas que a maioria dos discursos e comportamentos a que se refere Pedro Caldeira da Silva decorre da preocupação com o bem-estar educativo e não só de crianças e adolescentes.

E justamente em nome do bem-estar dos mais novos creio que seria de facto necessário um discurso à sua volta que fosse tranquilizador, realista, informado e informador, mas sereno e confiante. É claro que muito tempo fora da escola, todas as circunstâncias que se têm vivenciado num clima pouco amigável, podem ser geradores de alguma ansiedade e receio em todos, mas sobretudo nos mais pequenos ou mais vulneráveis.

A motivação da estadia na escola, a relação com colegas e professores e alguma tranquilidade nos discursos e comportamentos familiares são factores de protecção para esta eventual ansiedade e receio e nesse sentido teremos de assumir maior intencionalidade nos discursos e comportamentos.

Os miúdos sentir-se-ão melhores, comportamento gera comportamento.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

E A EDUCAÇÃO GENTE?

 Após cada debate entre líderes partidários no âmbito das próximas legislativas desencadeia-se sempre e em diferentes meios de comunicação social a habitual avaliação dos intervenientes definindo quem ganhou e quem perdeu. É ainda verdade que a leitura destas avaliações é um espaço interessante para ver os filtros agendas e critérios que levam à escolha do vencedor.

Para não ficar de fora e dado que assisti ao debate de ontem uma nota de avaliação. Não consigo definir vencedores, mas parece-me clara a existência de uma derrotada, a educação. A questão da educação esteve completamente fora do debate.

Talvez se compreenda, a educação é algo de marginal em qualquer sociedade e, portanto, dificilmente pode caber em mais de hora de conversa entre dois potenciais chefes de governo.

No entanto, sou suspeito na afirmação (também tenho a minha agenda), a educação, o sistema educativo, o desenvolvimento das pessoas e das comunidades, a qualificação dos cidadãos são o motor do desenvolvimento e com impacto muito significativo em todas as áreas da vida em comunidade.

É verdade que não estranho, mas ainda asssim parece-me um péssimo sinal.


quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

NÃO, NÃO ... SIM

 Para fugir um pouco à agenda marcada pela pandemia e pelas legislativas e porque estava a realizar algumas leituras para preparação de trabalho no âmbito da educação familiar e nos desafios que se colocam recupero algumas notas.

É muito frequente receber dos profissionais que trabalham em contextos escolares referências aos comportamentos (negativos) dos miúdos, crianças ou adolescentes e como, na sua perspectiva, esse mau comportamento decorre de uma educação familiar pouco promotora de regras e comportamentos adequados.

Por diversas vezes aqui tenho afirmado, de forma mais séria ou através de estórias, sobre a ideia de como o ”não” e o ”sim” são bens de primeira necessidade na vida dos miúdos.

Acontece que, por diferentes razões, na vida das famílias, de muitas famílias, parece estar a ser progressivamente mais difícil administrar o “não” usando-se de forma, por vezes excessiva, o “sim”, seja de forma mais activa ou apenas por omissão do “não”.

Tal cenário acaba por estar associado a situações em que os miúdos evidenciam grandes dificuldades em perceber as regras e os limites do seu comportamento, uma das funções mais importantes do “não”. Como consequência, o comportamento dos miúdos torna-se despótico, desregulado, transformando-os no “pequeno ditador” de que alguns falam e muitos conhecem, gerando-se situações de grande embaraço e climas educativos e relacionais pouco saudáveis entre graúdos e miúdos.

Assistimos com muita frequência a cenas bem exemplificativas deste funcionamento, pais envergonhados e impotentes e meninos a fazer o que lhes passa pela cabeça, quando lhes passa pela cabeça.

Em muitas circunstâncias, os estilos de vida dos pais, o pouco tempo que têm para os miúdos, instalam de mansinho um sentimento de culpa que leva a que alguns pais, quase sempre sem se dar conta, se inibam, para evitar situações de tensão ou crispação que "estraguem" o pouco tempo que têm para os filhos, de dizer de forma firme e persistente, “não”, "não podes fazer isso". Acontece que o “não” inicial desencadeia no miúdo uma reacção de birra, mais ou menos exuberante, a que os pais não resistem e, é uma questão de tempo, o “não” passa a “sim” quase sempre acompanhado de um “só desta vez”, “só uns minutos” ou qualquer outra expressão que na circunstância atenue o desconforto.

Os miúdos são inteligentes, percebem muito facilmente quando um não é não ou quando o não passa rapidamente a sim. Aprendem com serenidade as regras e os limites. É, pois, fundamental que os pais se sintam confiantes e usem o “não” de forma adequada, ainda que flexível, sem medos das “birras” ou de perderem o afecto dos miúdos por serem “duros”.

Na verdade, as crianças precisam dessas regras e dos limites para estabelecer relações de afecto positivas, a sua ausência é que é um risco.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

DA ESCOLA PÚBLICA

 Não tenho assistido a todos os debates relativos às próximas legislativas, mas, sobretudo nos que envolvem PS e PSD, a questão da governabilidade e dos acordos que a sustentem têm dominado quase tudo.

Sendo particularmente atento ao universo da educação, uma das poucas referências que ouvi, no debate entre PSD e IL, prende-se com a visão sobre a escola pública. Não retomo aqui o que foi afirmado, mas quero relembrar algumas ideias.

Uma primeira ideia é que considero importante a existência de sistema privado de ensino o que é próprio de sociedades abertas e também como forma de pressão reguladora sobre a qualidade da resposta pública. Por outro lado, também me parece de recordar que nem o ensino privado é garantia de qualidade nem o ensino público é o inferno. A excelência não é um exclusivo da escola pública nem do ensino privado e todo o sistema deve ser regulado.

A este propósito pode ser útil conhecer o relatório Balancing School Choice and Equity, elaborado pela OCDE com base nos dados do PISA de 2015 e divulgado em 2019.

De acordo com o este relatório, Portugal é um dos países em que o ensino privado mais é frequentado por alunos oriundos de contextos familiares mais favorecidos. A existência de contratos de associação não parece interferir significativamente neste quadro pois em 2015 apenas cerca 3% dos estabelecimentos de ensino privado estavam envolvidos. Assim, considerando também os tempos difíceis que atravessamos, julgo necessário recordar e reafirmar algo que nem sempre parece lembrado.

Só a educação e a rede pública de qualidade podem promover equidade e igualdade de oportunidades.

Só a educação e a rede pública de qualidade podem ser verdadeiramente inclusivas e receber todos os alunos.

Só a educação e rede pública podem chegar a todos os territórios educativos e a todas as comunidades num quadro de autonomia.

Só a educação e rede pública de qualidade promovem mobilidade social em circunstâncias de equidade no acesso.

Para que tal possa ser cumprido a educação e a rede pública precisam de recursos materiais e recursos humanos valorizados e competentes e suficientes.

As políticas públicas, em particular, as políticas educativas têm em cada momento histórico a inalienável responsabilidade de garantir que assim seja.

Importa, naturalmente, combater o desperdício, mas os custos da educação e de uma rede pública de ensino com qualidade não são despesa, são investiment

Gostava de ver estas matérias integradas nos debates.

 

PS - Escrevi estas notas sem ter lido a peça no Público sobre a chamada "liberdade de educação" e que, do meu ponto de vista, reforça o que escrevi referindo também o Relatório da OCDE que citei. Folgo com a clarificação de David Justino.



terça-feira, 11 de janeiro de 2022

DOS MEDOS

 Uma das referências mais presentes nos discursos destes tempos tem sido o medo, o desconhecimento, a rapidez, os discursos falados e escritos, o impacto brutal na nossa vida, geraram uma enorme inquietação, medo. Agora que se começa a falar na reversão de algumas restrições … refere-se o medo, outra vez o medo.

No entanto, o medo, os medos, estão sempre presentes e no mundo em que me movo, a educação, os medos são objecto de questões frequentes, sobretudo em conversas com pais, mas também com os mais novos.

De uma forma geral e apesar das preocupações que sempre emergem, as falas dos pais dos gaiatos mais pequenos parecem um pouco mais serenas que as que oiço a pais de gente um pouco mais velha, adolescentes, por exemplo. Na verdade, por várias razões, os pais dos adolescentes, parecem, quase sempre, um pouco mais assustados, por assim dizer.

Por outro lado, muitos pais expressam forte inquietação com os medos que acham que os seus filhos revelam e, logo de seguida, dos muitos medos que eles próprios parecem sentir, seja pelos medos dos filhos, seja pelos seus próprios medos.

Costumo dizer que os que de nós, e somos muitos, lidamos com miúdos e o seu universo, quer como "amadores", quer como "profissionais, temos a responsabilidade de manter o optimismo necessário e suficiente para acreditar que somos capazes de com eles construir um mundo onde caibam os seus, nossos, projectos, apesar de saber, aprendi há muito, que muitos percorrerão uma estrada difícil, cheia de curvas e de riscos a que alguns, esperemos que poucos, terão grande dificuldade em sobreviver sem consequências sérias.

Apesar de nos dias de chumbo que vivemos também perceber muitos medos no que se ouve e lê vindo dos pais ou dos miúdos, continuo convicto de que chegaremos a um depois deste sonho mau e outros dias mais radiosos virão.

Vamos lá, tenho a certeza.

Por nós, pelos nossos filhos, pelos filhos dos nossos filhos …

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

OS RAPAZES QUE NÃO ACOMPANHAVAM O RITMO

 Era uma vez dois Rapazes que não acompanhavam o ritmo. Nunca se sabe muito bem qual é o ritmo. Talvez se deva entender que seria o ritmo dos outros rapazes e raparigas, mas o entendimento era que eles não acompanhavam o ritmo.

Desde pequeno que achavam que o ritmo do Primeiro Rapaz era diferente e por várias razões, ou porque mostrava algumas habilidades antes do que se esperava ou, pelo contrário, depois do que se previa. Na escola continuou a mostrar-se não conforme os outros, falava a destempo, comportava-se, por vezes, de forma estranha, não porque fosse muito indisciplinado, mas discutia com frequência sobre as matérias e notícias utilizando uma argumentação e ideias que não pareciam ajustadas à idade. Tinha interesses não muito habituais no seu grupo, tinha, por exemplo, uma paixão por fotografia. No final da adolescência, no tempo das escolhas, decidiu-se por estudar arquitectura e desenvolveu outra paixão, enamorou-se por uma bailarina. O Primeiro Rapaz que não acompanhava o ritmo acabou por se tornar num fotógrafo de reconhecidos méritos, o mais sublinhado dos quais foi a inovação.

O Segundo Rapaz que não acompanhava o ritmo teve uma história que começou da mesma maneira que a do Primeiro Rapaz, mas foi mais breve, não acompanhava o ritmo. Certamente por não acompanhar o ritmo acabou por abandonar a escola logo que pôde, entrou no alucinado ritmo da vida da rua e ainda e sempre sem acompanhar o ritmo partiu num acidente depois de um assalto que correu mal.

É sempre complicada a narrativa dos rapazes que não acompanham o ritmo, umas vezes acaba bem, outras … nem tanto.

domingo, 9 de janeiro de 2022

O REGRESSO À ESCOLA, SÓ APRENDE QUEM SE RI

 Amanhã teremos crianças e adolescentes e jovens de regresso à escola, mais uma situação atípica nestes dois anos infernais.

Não sendo um dos milhões de especialistas em saúde pública quero acreditar que os riscos de perturbação possam ir diminuindo, quer pela melhoria dos indicadores relativos à pandemia associados às suas características e aos efeitos da vacinação, quer pela alteração de regras para gerir eventuais casos de infecção. Talvez esteja a considerar os meus desejos como a realidade, o que, aliás, é frequente nos discursos em educação, mas a ver vamos.

Na linha do que cada vez mais tem sido divulgado, para além do impacto nas aprendizagens precisamos de estar particular atentos ao bem-estar dos alunos.

A experiência já vivida com os períodos de confinamento total por que passaram milhões de crianças e adolescentes em todo o mundo com o encerramento de escolas e, praticamente, de todos os serviços da comunidade de que são utentes, não podia deixar de ter implicações no seu bem-estar.

Desde logo e naturalmente pelo impacto no seu trajecto educativo e de aprendizagem, mas também no seu bem-estar, na sua saúde mental. Aliás, também nos adultos é considerável este impacto.

O confinamento a que foram sujeitos em contextos familiares em que nem sempre os factores de protecção equilibravam os factores de risco, sustentou mudanças no seu bem-estar e comportamentos e a emergência de quadros de risco que agora viajam na "mochila" que os alunos carregam para a escola.

Já são conhecidos muitos trabalhos que mostram esse efeito o que, naturalmente, aumenta a importância do retorno às escolas, mas, simultaneamente, a necessidade de que as comunidades educativas tenham os recursos ou dispositivos de acesso a esses recursos que acomodem as situações de vulnerabilidade psicológica em que muitos alunos retornam às escolas. As crianças e adolescentes com necessidades específicas estarão muito provavelmente em situação de risco acrescido. A este propósito é interessante a entrevista de Teresa Freire no DN.

Crianças e adolescentes são mais resistentes do que, por vezes, parecem, felizmente. No entanto, como já tenho escrito, importa um ambiente sereno que tranquilize e apoie alunos e pais no regresso e, naturalmente, a existência dos apoios adequados à promoção do seu trajecto educativo e desenvolvimento. É ainda necessário recordar que também professores e todos os que estão nas escolas precisam dessa tranquilidade para que possam ter mais bem-estar e melhor ensinem, apoiem e aprendam.

Estava a escrever isto e a recordar, mais uma vez a expressão que ouvi em Moçambique ao Velho Carlos Bata, “as crianças só aprendem quando se riem” e, digo eu, só se riem quando estão bem.

Não temos, longe disso, uma etapa fácil pela frente, mas temos de investir no empenho e nos recursos de diferente natureza para que não tenhamos um futuro de risco que defina a geração Covide-19.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

APRENDIZAGENS ESSENCIAIS

 Tal como a esmagadora maioria das crianças e jovens em idade escolar os meus netos cumprem a semana de contenção e aguardam com ansiedade o regresso à escola.

Estamos por aqui no Monte e, como sempre, a lida não pára. O Simão e o Tomás envolvem-se activa e desconfinada(mente) na realização de aprendizagens essenciais.

Durante a manhã, subiram a umas oliveiras, já perceberam que é mais difícil descer a árvore que subir, apanhámos uns espargos que sabem muito bem, mas os picos atrapalham e muito quando se apanham e estiveram a “fabricar” um bocado de terra com as suas ferramentas após a elaboração de um projecto que, à falta da secretária, foi pensado deitados no chão, é mais cómodo.

Ao fim da tarde, a noite vem cedo e muito fria, recolhemo-nos ao calor da salamandra e trabalhamos mais aprendizagens essenciais, inventamos histórias ou lemos histórias já inventadas, por exemplo.

E são, também assim, os dias do Alentejo. Sorte de quem os vive.



quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

FORA DO ALCANCE

 Ao que parece, as escolas voltarão a receber os miúdos a partir de 10 de Janeiro. Resisto à tentação de opinar sobre a bondade da medida em termos de saúde pública, mas entender que que é na escola que a escolaridade se cumpre.

No entanto e pode parecer estranho lembrei-me de uma expressão que o Mestre Zé Marrafa ainda há pouco referiu quando acertámos uma das tarefas para hoje, charruar terra, da qual ele acha que não me saio muito bem apesar das lições, as leiras ficam sempre tortas, coisa feia, que não luz. É verdade, resigno-me, o tractor parece que não me obedece.

Diz ele que perto é o que gente alcança e longe o que a gente não alcança, sublinhando que podemos sempre tentar alcançar e do longe fazer perto.

De facto, lembrei-me desta léria a propósito da escola e da relação que alguns miúdos estabelecem com ela. Na verdade, existem alguns gaiatos que não alcançam a escola, ou seja, na ideia do Velho Marrafa, para esses a escola estará mesmo longe, ainda que nela passando os dias.

Quem convive com os cenários educativos reconhece certamente estes miúdos, tornam-se, muitos deles, bem visíveis, quando sentem que não alcançam a escola, que ela lhes fica longe, comportam-se de tal forma que a escola não pode deixar de olhar para eles e ficam, frequentemente, os alunos mais conhecidos da escola. Outros, acabam por se tornar “invisíveis” e também eles a escola nem sempre alcança.

A questão é que enredada numa teia de burocracia, envolvida na deriva política dos interesses secundários e de alguma incompetência nas políticas públicas, por vezes sem meios e recursos, responsabilizada por tudo e mais alguma coisa e permeável à negligência e falta de competência de alguns que a servem e a gerem, a escola também não consegue, em muitas situações, alcançar estes alunos e fazê-los perceber-se perto de si.

Cumpre-se assim a narrativa de alguns miúdos, nasceram para viver fora do alcance, até deles próprios.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

CRECHES GRATUITAS, MAS DEVAGAR

 Foi publicada a legislação que torna gratuita a frequência da creche para as crianças que entrem no 1º ano em Setembro, a primeira etapa progressivamente atingir a gratuitidade para todas as crianças. Parece importante embora não seja o ideal.

Os estilos de vida, as políticas laborais e de família que carecem de urgente reflexão levam a que desde muito cedo as famílias sintam a necessidade de colocar os filhos em amas ou instituições.

Acresce que para além da dificuldade de encontrar respostas os custos elevados do acesso aos equipamentos, boa parte privada ou da rede social, são dos mais altos no contexto europeu de acordo com o relatório "Starting Strong 2017" da OCDE. Aliás esta questão é, como referi acima, contributiva para a baixa natalidade e tal como vários outros aspectos das políticas públicas, designadamente as políticas de família exigem ajustamentos significativos.

É conhecida a existência de espera de creches e jardins-de-infância no chamado sector social em que as mensalidades são indexadas aos rendimentos familiares. Esta situação afecta sobretudo zonas mais urbanas e a alternativa da resposta privada é inacessível para muitas famílias e alimenta um “mercado” clandestino de guarda de crianças.

Sabemos todos como o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela qualidade das experiências educativas familiares e institucionais nos primeiros anos de vida, de pequenino é que ...

Assim, existem áreas na vida das pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação de qualidade universalmente acessível para os mais pequenos é uma delas.

No entanto e mais uma vez, o trajecto educativo até à entrada na escolaridade obrigatória é bastante mais que a “preparação” para a escola, não deve ser entendida como uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto positivo que assume no seu trajecto escolar.

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

ELE NÃO FALA COMO A GENTE

 Na imprensa de hoje é referido o aumento significativo de alunos estrangeiros que se tem vindo a verificar nas nossas escolas.

Seria previsível pois tem vindo a aumentar a vinda para Portugal de cidadãos de outros países. Contrariamente ao que as narrativas xenófobas que se vão escutando afirmam, é importante esta vinda de pessoas de outras paragens que se radiquem por cá através de projectos de vida bem-sucedidos e contributivos para o desenvolvimento das nossas comunidades. Minimiza-se o efeito do Inverno demográfico que vivemos levando envelhecimento significativo da população portuguesa rejuvenescendo-se as populações.

Como é evidente este movimento implica a existência de crianças e a necessidade da sua educação escolar, certamente, a mais potente ferramenta contributiva para a sua boa integração na comunidade.

Segundo o JN, com base em dados do ME, nos últimos dois, 17/18 e 19/20, aumentou 47% o número de alunos estrangeiros em escolas portuguesas do básico e secundário. Em 17/18 tínhamos 56574 alunos estrangeiros e em 18/19 já eram 83307. Desconhecem-se os dados de 20/21 embora também se preveja um forte aumento.

Para além de dos alunos oriundos de países europeus parece em crescimento o número proveniente da China, do Paquistão, da Índia, do Nepal ou da Venezuela a que acresce o retorno de emigrantes com filhos em idade escolar que não dominam o português.

Este movimento não pode deixar de constituir o um enorme desafio para muitas escolas. É citado o exemplo, de um Agrupamento de Escolas em Guimarães com 17% dos seus alunos a aprender a falar português, 30 vindos de países europeus e 33 com outra origem.

O ME avançou com a criação da disciplina de Português Língua Não Materna, mas que só é criada com um número mínimo de 10 alunos.

Está, pois, criada, uma dificuldade acrescida para promover de forma eficiente o domínio da língua de aprendizagem, o português, e o impacto negativo que tal terá no seu trajecto escolar. Aliás, são bem conhecidas as enormes dificuldades que muitas comunidades portuguesas de emigrantes portugueses sentiram e sentem no processo de escolarização dos seus filhos em diferentes países da Europa.

Sabemos da enorme dificuldade de conseguir que em cada escola se consiga responder de forma eficaz às necessidades específicas da população que a frequenta, nenhuma dúvida sobre isto.

No entanto, também sabemos, o domínio proficiente da língua de aprendizagem é imprescindível a um trajecto escolar com sucesso.

Não existe normativo ou discurso em educação que não sublinhe as ideias de educação inclusiva, equidade, a diversidade, etc. A questão são as políticas públicas e os recursos de diferente natureza que este desafio exige, a retórica, não chega.

Estes alunos, tal como outros, enfrentarão sérias dificuldades e um risco grande de insucesso.

E é bom não esquecer que o seu sucesso será um forte contributo para as comunidades onde se integram, assim como poderemos ter que pagar um preço alto pelo seu insucesso e exclusão.

Uma nota final de natureza pessoal referindo a experiência rica de aprendizagem que o meu neto Simão tem vivido com o seu coleginha e amigo chinês, o  Leo, da turma do 3º ano. É boa para todos.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

DA ESCOLA

 Acabei de ler que o Secretário de Estado Adjunto e da Saúde afirmou que as aulas se irão mesmo iniciar a 10 de Janeiro. Parece-me importante que assim seja.

Na sequência fiquei a pensar na escola. A verdade é que, a educação em geral e a educação escolar mais em particular, foram e continuam a ser o meu universo profissional e a minha paixão, é difícil não “pensar” na escola.

Talvez por isso a preocupação seja maior.

O olhar para a escola, enquanto instituição, não nos (me) sugere a tranquilidade que desejaria e julgo ser necessária e não estou a considerar o impacto da situação pandémica embora, naturalmente, também não o possa esquecer.

Creio que muitos de nós ligados à educação e à escola continuamos a ter um olhar encantado sobre a sala de aula e sobre o estar com alunos, mas um olhar muito desencantado com a escola ainda que não queira produzir generalizações abusivas. Também é verdade que este olhar desencantado coexiste com uma visão e discursos que parecem assentes num exercício de “wishful thinking”, particularmente promovidos pelo ME em que (quase) tudo parece estar bem e no bom caminho.

Não vou considerar aqui os aspectos críticos ligados às questões de natureza profissional do maior grupo que está na escola, os docentes, como a sua valorização, as questões ligadas à carreira, aos modelos e impactos da sua avaliação, o estatuto salarial, as características demográficas, o cansaço e as consequências que daí advêm, entre outros. São muito importantes e exigem uma acção que tarda.

Estas notas dirigem-se mais para a escola enquanto instituição e o desencanto que parece estar a produzir. São múltiplas as dimensões contributivas para algum mal-estar.

Muitas vezes aqui tenho abordado algumas dessas questões e sem ordenar por qualquer critério creio que o modelo de governança da escola, a esmagadora carga de burocracia que consome esforço e tempo por docentes e técnicos, uma narrativa assente numa permanente ideia de inovação e mudança de paradigma que produz uma chuva de projectos e de iniciativas, muitas vezes, vindas do exterior quer em programas de intervenção, quer em programas de formação que consomem recursos (tempo, materiais e humanos) com avaliações que nem sempre são suficientemente sólidas, são alguns exemplos.

Apesar de algum aumento continua a sentir-se falta de técnicos e docentes que sobrecarregam os profissionais que existem e ainda assim continuamos ter alunos demasiado tempo sem professores a algumas disciplinas. A escola carece de dispositivos de apoio suficientes e competentes para alunos e professores bem como de recursos que sempre se anunciam, mas sempre se atrasam, meios digitais, por exemplo.

A autonomia das escolas e dos profissionais que estão na escola associada a caminhos nem sempre claros de municipalização e regionalização também são varáveis desta equação.

Como disse, não tenho qualquer intenção de produzir discursos negativos e muito menos catastrofistas, confio na escola, mas para que assim seja importa que tenhamos uma perspectiva realista dos problemas, a única maneira de poder procurar um caminho mais positivo.

Como contributo para a reflexão sobre este caminho, parece-me interessante o texto de Paulo Prudêncio no Público, “Mude-se a escola para que regressem os professores”.

Vamos ter eleições legislativas que darão início a um novo ciclo governativo. Que pensa sobre estas matérias (e outras respeitantes à educação”, quem se propõe governar?

sábado, 1 de janeiro de 2022

O HOMEM QUE FAZIA PLANOS

 Era uma vez um homem que, como quase todas as pessoas, quando se aproximava o fim do ano estabelecia planos para tentar mudar na sua vida os aspectos que menos o satisfaziam. É claro que estas mudanças seriam tentadas a partir do dia primeiro do ano que vinha novo. Nos seus planos de mudança, tanto cabiam as decisões de maior envergadura e dificuldade, procurar mudar de emprego por exemplo, andava desmotivado, achava-se subaproveitado e mal pago, como também cabiam aspectos de outra natureza como não responder (quase) sempre friamente à mulher, falar mais com os miúdos, cuidar melhor de si, ser mais simpático com os colegas, etc.

O problema é que durante os anos, todos os anos, as promessas mantinham-se, eram basicamente as mesmas e as mudanças ficavam por cumprir, todas.

O mal-estar do homem avolumava-se num ciclo crescente, mais promessas, ausência de mudanças, mais frustração e a situação tornou-se insustentável. Um dia, perto do fim do ano, tomou a grande decisão, acabaram-se as promessas, deixou de dar corda ao relógio, o tempo parou, o Ano Novo não chegou e o homem adormeceu.

Ainda não acordou.