AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quarta-feira, 31 de março de 2021

UM TESTE NACIONAL ?!

 Apesar de já ter sido divulgada há alguns dias um pequeno comentário à entrevista do Professor Nuno Crato ao DN.

Logo no início da entrevista e como seria previsível foi abordada a questão de como responder à situação de muitos alunos que reconhecidamente passaram e passam por dificuldades resultantes das situações de confinamento e de tudo o que esteve envolvido, metodologias utilizadas, recursos das escolas e famílias, literacia digital das famílias, assimetrias sociais e económicas, necessidades individuais, etc.

Sobre estas situações e como também já aqui tenho referido, o primeiro passo é identificar o real impacto verificado nos alunos e isso só os professores desses alunos com tempo e recursos podem fazer. As situações são tão diversas e complexas, desde as diferenças individuais, aos anos de escolaridade e sempre associadas a varáveis como as que referi acima.

O Professor Nuno Crato começa por referir a avaliação desta natureza e acaba por concluir pela imprescindibilidade da realização de testes nacionais. Tinha de ser, a paixão de Nuno Crato por exames nacionais, muitoS exames, permanece e a ênfase que põe na sua defesa transformou, aliás esta proposta, em título da entrevista por parte do DN.

Certamente que o Professor Nuno Crato, enquanto Ministro da Educação, não teve tempo para instituir exames nacionais em todos os anos de escolaridade e até mesmo um exame nacional no fim da educação pré-escolar para avaliar o estado de “prontidão” das crianças para a entrada na escolaridade obrigatória. Permanece centrado na crença mágica de que tudo se resolve com a medida, não com a avaliação que, obviamente, sendo também medir é bem mais do medir.

Para que fique claro, não tenho qualquer dúvida sobre a imprescindível necessidade de avaliação externa, sem a qual não teremos uma regulação externa do sistema que contribua para a sua qualidade e equidade.

Mas um teste nacional para avaliar o impacto dos confinamentos nos trajectos educativos dos alunos? A realizar quando e ao fim de quanto tempo teríamos resultados e que resultados? O que chegaria às escolas e quando chegaria às escolas? Trata-se certamente de incompetência ou incapacidade da minha parte, mas não vejo qualquer utilidade na realização de um teste nacional nestas circunstâncias. Não é possível medir de forma normalizada o que não me parece normalizável. A situação exige, como disse, avaliação cuidada e competente de forma diferenciada, em cada turma, em cada escola.

O que me parece, de facto, necessário entre outros aspectos e como escrevi há dois dia, é dotar as escolas dos recursos necessário para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Recursos suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis, técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais.

terça-feira, 30 de março de 2021

"DES CONFINAR"

 Um companheiro de estrada de há muitos anos nestas lides da educação e da educação inclusiva, Joaquim Colôa, amigo das letras, das palavras, das imagens e das viagens que nos permitem conhecer está a divulgar mais um E-book, “Des Confinar”, cuja edição promoveu e coordenou.

O “Des Confinar”, produto da colaboração que muitos de nós demos à generosa iniciativa do Joaquim Colôa, constitui um desafio oportuno, desconfinar o olhar para as coisas do mundo, também da educação.

Como cantavam no “Fado” os Heróis do Mar, “são coisas do mundo, só se podem ver ao longe”.

O “Des Confinar” propõe olhar para longe, onde se vêem as coisas do mundo.

Espreitem e levem o "Des Confinar". Boa viagem.


segunda-feira, 29 de março de 2021

"DIAGNÓSTICO DE AFERIÇÃO DAS APRENDIZAGENS", QUE FAZER COM ESTES RESULTADOS?

 Quando foi anunciada a realização pelo IAVE do “Diagnóstico de Aferição das Aprendizagens” primeiro para Setembro e depois para o início de Janeiro, apesar de reconhecer como imprescindíveis os dispositivos de avaliação externa exprimi alguma dificuldade em compreender a sua realização naquela altura, com aquela metodologia, conteúdos e objectivos.

O diagnóstico, contrariamente aos previstos 30000 alunos, envolveu 12960 alunos do 3.º, 6.º e 9.º anos e incidiu sobre Matemática, Leitura e Ciências.

Como em Janeiro também referi, os resultados chegariam às escolas provavelmente depois de Março como parece verificar-se, foram hoje conhecidos.

Sem surpresa, só no 3.º ano mais de metade dos alunos ultrapassaram o nível considerado elementar nas três áreas em avaliação. No 6.º e 9.º ano e nas três áreas a maioria dos alunos não atingiu o nível esperado de conhecimentos elementares.

Que farão as escolas com estes resultados obtidos por amostra de cerca de 13 000 alunos de três anos de escolaridade durante o terceiro período? Para além do tempo enorme ainda disponível, poderão inspirar o trabalho a realizar nas escolas de Verão propostas por um prestigiado grupo de economistas que, sabendo tudo sobre educação conhecem bem o nosso parque escolar e a temperatura aconchegante que se atinge a partir de Junho nas salas de aula que permitirá promover o florescimento dos conhecimentos dos miúdos devido ao efeito de estufa.

Voltando a um registo mais sério.

O maior ou menor impacto nas aprendizagens, por múltiplas razões, é extremamente diversificado em cada aluno como, aliás, é reconhecido desde o primeiro confinamento e dificilmente obtido por amostra, pequena e envolvendo apenas alguns anos de escolaridade, apesar do anunciado estudo, mais um também por amostra, a realizar em Maio e Junho para os alunos do 2.º, 5.º e 8.º.

Parece-me razoavelmente claro que a diversidade de situações, o seu número, os anos de escolaridade dos alunos, as variáveis contextuais relativas a cada comunidade escolar, recursos disponíveis em cada comunidade, as necessidades específicas de muitos alunos, etc. etc. sugerem que devem ser as escolas a avaliar as necessidades, identificar os recursos necessários, estabelecer objectivos, definir metodologias e dispositivos de regulação e avaliação. 

Os professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos. O que verdadeiramente é necessário é dotar as escolas dos recursos necessário para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Recursos suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis, técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais.

Por outro lado, e como também tenho escrito, seria desejável que o trabalho a desenvolver, os conteúdos envolvidos, os dispositivos em utilização, a organização de tempos e rotinas, etc., tivessem como preocupação a simplificação, professores, alunos e famílias ganhariam. Esta simplificação deveria incluir a avaliação e registos. Seria positivo que, tanto quanto possível, se aliviasse a pressão “grelhadora” a que habitualmente escolas e professores estão sujeitos.

Não é por registar, muito, registar tudo, aliás, nunca se regista tudo pelo que não vale a pena insistir, que o trabalho melhora e o desperdício é grande.

Como é evidente, este apelo à simplificação não tem a ver com menos rigor, qualidade, intencionalidade educativa ou não proporcionar tempo de efectiva aprendizagem para todos. Antes pelo contrário, se conseguirmos simplificar processos e recursos, alunos, professores e famílias beneficiarão mais do esforço enorme que todos têm que realizar e estão a realizar.

Como tenho escrito já me cansa duvidar ou discordar. Seria mais tranquilo aplaudir e apoiar as medidas e iniciativas neste meu, nosso mundo, a educação, mas também faz parte da seriedade e importância que lhe atribuo.

Também reconheço que os tempos são duros e os constrangimentos gigantescos para pessoas e entidades limitando a sua capacidade de resposta.

Provavelmente, estas notas sobre esta iniciativa relevam de um problema de compreensão ou desconhecimento da minha parte, portanto … desejo muito que seja útil … se possível.

domingo, 28 de março de 2021

A MIRAGEM DA RASPADINHA

 No Público encontra-se um trabalho sobre um universo bastante familiar a uma parte muito substantiva da população portuguesa, apostar na “raspadinha”, um dos jogos sociais que constam na “oferta” da Santa Casa da Misericórdia.

Alguns dados, quase 80% dos jogadores pertencem às classes mais desfavorecidas, D e E, 61% jogam regular ou frequentemente e 375% dos apostadores estão acima dos 55 anos.

Antes de mais uma nota prévia. Neste cenário parece completamente despropositada a intenção do Governo de manter o lançamento de uma nova “raspadinha do Património Cultural” cuja receita se destina a financiar a valorização e recuperação do património cultural. Como? O reforço do financiamento da valorização e recuperação do património vais ser suportado pelas classes sociais mais desfavorecidas que, também por isso, são as mais susceptíveis de ser atraídas pela miragem de um ganho imediato e, aparentemente, de baixo investimento, mas na verdade com um enorme risco de adição.

É de recordar um trabalho desenvolvido por Pedro Morgado e Daniela Vilaverde da Escola de Medicina da Universidade do Minho e divulgado em 2020 na The Lancet Psychiatry que mostra como a relação de muitos apostadores portugueses com a vulgar “Raspadinha” tem vindo configurar um comportamento aditivo, indutor de sofrimento e mal-estar social e familiar. Dados de 2018 mostram que os gastos nestas apostas foram de 1594 milhões de euros, 160€ por ano em média por apostador o que é superior ao que se verifica em muitos países, 14€ por em Espanha por exemplo.

A verdade é que para além do caso particular da Raspadinha tem aumentado de forma geral o investimento dos portugueses nos “jogos sociais” da Santa Casa e nas apostas online. Na verdade, o Totobola e depois o Euromilhões, o Totoloto, posteriormente a Raspadinha, fortemente apelativa pela possibilidade de retorno imediato e grande acessibilidade, e mais recentemente as apostas online estabeleceram-se firmemente na vida de muitos de nós e criaram mesmo uma imagem criadora de futuro que nos move, provavelmente e para muitas pessoas, a única imagem criadora de futuro.

Importa reconhecer que as imagens criadoras de futuro são imprescindíveis, tanto mais quando atravessamos tempos duros em que esperança também tem sido revista em baixa e dificilmente vislumbramos a recuperação.

Creio que esta questão é parte importante desta equação e apesar de sabermos que a decisão de apostar é sempre de natureza individual, o contexto em que muita gente vive, os estilos de vida e quadro de valores são variáveis que também devem ser consideradas.

Por outro lado e em termos culturais, também encontramos algumas pistas para entendimento. Julgo poder afirmar-se que em muitos lares portugueses e em muitas conversas e talvez mais do que nunca, uma das frases mais ouvidas é “nunca mais me sai o Euromilhões, para deixar de trabalhar”. Muito provavelmente, cada um de nós já ouviu, pensou ou disse esta expressão alguma vez ou vezes que não será usada apenas pelos cidadãos com maiores dificuldades.

Acho curiosa a sua utilização. Entendo, naturalmente, a ideia subjacente à primeira parte. Um prémio de valor substantivo representaria, seguramente, a hipótese de acesso a um patamar superior de bem-estar económico, desejado, naturalmente, por toda a gente. O que de facto me parece mais interessante é o complemento “para deixar de trabalhar”. É certo que nem todas as expressões devem ser entendidas no seu valor “facial”, mas é também verdade que a recorrente afirmação deste desejo acaba por ilustrar a relação que muitos de nós estabelecemos com o lado profissional da nossa vida, isto é, “quero livrar-me dele o mais depressa possível”. Não será grave, mas é um indicador que possibilita várias leituras.

Neste contexto sabem qual é a minha inquietação para além dos riscos associados a comportamentos aditivos? É se os miúdos, considerando a agitação que vai pelo seu mundo “laboral” e os discursos dos adultos, desatam a pedir, se puderem, um aumento de mesada que lhes permita apostar no Euromilhões para … deixar de ir à escola.

Já estivemos mais longe. Talvez, também por questões desta natureza, a abordagem deste tipo de questões nos contextos educativos num quadro desenvolvimento e cidadania faça sentido sem que daqui resulte, evidentemente, mais uma disciplina ou mais um projecto.

sábado, 27 de março de 2021

VACINAS

 Parece-me claro que o universo da educação em Portugal é hoje marcado pelo início da vacinação da comunidade profissional, docentes e pessoal não docente, afecto à educação pré-escolar e ao 1º ciclo.

Ao que a imprensa refere, apesar de algumas vicissitudes nas marcações e convocatórias, o processo está decorrer sem grandes sobressaltos e com uma adesão significativa dos destinatários.

Nos últimos dias proliferaram dúvidas e receios envolvidos em discursos algumas vezes mais emocionais que racionais. A comunicação de alguns responsáveis nacionais e internacionais e o estranho processo de suspensão da vacina destinada a este grupo também não ajudou à serenidade.

Não sendo especialista, dificilmente o seria no meio de tantos milhares, sei que as vacinas, todos os medicamentos, contêm algum tipo de risco que basicamente estará identificado e sei também que estão envolvidos interesses económicos muito significativos.

No entanto, parece-me também claro que a vacinação representa um ganho civilizacional que poupa a morte ou sequelas significativas a muitos milhares de crianças e adultos pelo mundo inteiro, recordo por exemplo, como o sarampo ou a varíola eram devastadores antes das vacinas. Aliás, quando reparamos nas taxas de mortalidade de algumas doenças verificada em países que não conseguem assegurar campanhas de vacinação generalizadas percebemos isso com clareza.

Assim sendo, é sempre com alguma preocupação que em nome de valores, certamente legítimos, mas que necessitam de ponderação, se possa decidir por comportamentos que manifestamente são causadores de riscos para sai e para a comunidade. Recordo os efeitos dramáticos da decisão de muitos pais que com base num argumentário falsificado decidiram impedir os seus filhos de tomar a vacina contra o sarampo.

Neste contexto, creio que com o avanço do processo de vacinação aos diferentes grupos nos iremos todos sentindo mais seguros e mais protegidos.

sexta-feira, 26 de março de 2021

DA SURPRESA

 A imprensa de hoje divulga as preocupações expressas por Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas e Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares sobre os efeitos deste novo confinamento nos alunos (terminado para a educação pré-escolar e 1.º ciclo).

Apesar da melhoria ao nível dos equipamentos e acessibilidade à rede são preocupantes as situações de desmotivação, de abandono relativamente à participação nas aulas, de cansaço relativamente ao recurso permanente aos recursos digitais.

Lamentavelmente esta avaliação não surpreende como não surpreende a constatação expressa pelo professor Manuel Pereira, "Nada substitui a presença dos alunos na sala de aula e o convívio na escola".

Apesar da aprendizagem com o primeiro confinamento, da melhoria de recursos e acessibilidade, da formação promovida, etc., era previsível concluir que “estava tudo preparado” para um novo confinamento, sobretudos os alunos, em particular, os mais vulneráveis. Não, não estavam.

As circunstâncias em que neste contexto gostava mesmo de ser surpreendido é que no regresso às aulas de todos os alunos estivessem acautelados recursos humanos, docentes e técnicos, e metodologias adequadas que, primeiro, permitissem avaliar de forma diferenciada as dificuldades dos alunos resultantes do processo de confinamento e, segundo, permitissem desenvolver uma intervenção que minimizasse essas dificuldades procurando, assim, relançar trajectos educativos tão bem-sucedidos quanto possível.

Sabem qual é a minha inquietação? É que acho que não vou ficar surpreendido.

quarta-feira, 24 de março de 2021

PROFESSORES, UMA CLASSE ENVELHECIDA E DESGASTADA

 A rede Eurydice divulgou hoje o relatório “Teachers in Europe - Careers, Development and Well-being” a que o Expresso também faz referência e mostra um retrato dos professores portugueses do 3º ciclo que merece a maior atenção e que deveria fazer entrar os responsáveis pelas políticas públicas do sector em alerta vermelho até porque a situação não será diferente noutros grupos de docentes.

O extenso volume de informação respeitante aos 27 países da UE e a mais 13 países europeus contempla o período de 2018 a 2010 e recorre a dados da rede Eurydice e do TALIS (Teaching and Learning International Survey).

Os docentes portugueses revelam o nível mais elevado de stresse, 90% seguidos dos docentes britânicos e húngaros, embora estes numa expressão mais baixa, 70%.

Mais de metade dos docentes portugueses referem efeitos negativos a nível psicológico e físico resultantes do trabalho em valor superior à média europeia.

A percepção das fontes de mal-estar por parte dos docentes mostra que o trabalho com os alunos não é a maior fonte de stresse, mas a carga de trabalho administrativo, a responsabilidade pelo sucesso dos alunos, exigências vindas de superiores, o excesso de avaliações feitas aos alunos e só em 5º lugar a a gestão do comportamento dos alunos.

É relevante considerar os docentes que revelam níveis de stresse mais baixo são os que referem climas de escola mais “colaborativos” e se sentem com mais autonomia.

Como “curiosidade” e olhando em concreto para Portugal, a burocracia e a dificuldade em acompanhar as sucessivas mudanças de regras e procedimentos definidas por superiores e pela tutela são percebidas como dificuldades para dois terços dos docentes.

Uma referência ainda à questão da carreira, a precariedade ainda que em níveis mais baixos na generalidade dos países afecta docentes mais novos, em Portugal, 41% dos professores entre os 35 e os 49 anos encontram-se nessa situação de indefinição laboral com todas as implicações associadas.

Finalmente, uma referência breve a uma questão crítica, o envelhecimento da classe docente que é um problema em muitos sistemas educativos e particularmente preocupante em Portugal. Os dados mostram que 40% dos docentes do 3.º ciclo têm mais de 50 anos, e apenas 20% estão abaixo dos 35.

Na verdade, os dados só podem surpreender quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam pela comunicação social perorando sobre educação e sobre os professores.

Também se sabe que as oscilações da demografia discente não explicam a saída de milhares de professores do sistema, novos e velhos, como também não explicam a escassíssima renovação, contratação de docentes novos. Sem estranheza, no universo do ensino privado é bastante superior a presença de docentes mais jovens. Não esqueçamos ainda a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm empreendido um empenhado processo de desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais.

Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação pelas mais variadas razões incluindo emocionais, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.

Provavelmente a pergunta mais frequente formulada entre elementos de uma classe envelhecida, cansada, que se sente desvalorizada, pouco apoiada será, "Quanto tempo é que te falta?"

Na verdade, ser professor é uma das funções mais bonitas do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente, mas é seguramente uma das mais difíceis e que mais respeito e apoio deveria merecer. Do seu trabalho depende o nosso futuro, tudo passa pela educação e pela escola.

E a verdade é que conforme os estudos internacionais de natureza comparativa mostram o trabalho de professores e alunos, tem revelado progressos importantes nos últimos anos desencadeando, aliás, uma curiosa luta pela paternidade desse sucesso que, obviamente, pertence a professores e alunos.

Os sistemas educativos com melhores resultados são, justamente, os sistemas em que os professores são mais valorizados, apoiados e reconhecidos.

O que é que daqui não se percebe?

terça-feira, 23 de março de 2021

EDUCAÇÃO E CIDADANIA, PORQUE SIM

 A Direcção do Museu do Aljube e o seu serviço educativo Educaljube organizaram um ciclo de conversas com o tema geral “Cidadania, porque sim.”, para o qual, gentilmente, me convidaram a participar o que acontecerá amanhã reflectindo sobre Educação e Cidadania.

A este propósito, algumas notas que desejo claras e simples.

Os estilos de vida, as exigências de qualificação e algumas decisões em matéria de políticas públicas têm tornado gradualmente a escola mais presente e durante mais tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com reflexos na educação em contexto familiar com um abaixamento, por exemplo, do tempo disponível em conjunto a que acrescem múltiplas solicitações e alterações nos quadros de valores. Deste cenário resulta um ajustamento nos papéis educativos e nos actores envolvidos.

Já muito dificilmente se entenderá que a “família educa e a escola instrói”.

Também creio que já dificilmente se entende que a escola forma “técnicos” e não cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas. Aliás, se bem repararem sempre falamos de sistemas de educação e não de sistemas de ensino e ainda bem que assim é.

No entanto, é bom estarmos atentos a movimentos e visões, por cá e por fora, que justamente alimentam uma escola “sobretudo” virada para a instrução, com a desvalorização de conteúdos que não sejam instrumentais, (escolares) e mesmo com a desvalorização do trabalho dos professores entendidos como “entregadores de conteúdos” e não como educadores.

Também entendo que já dificilmente se entende que o conhecimento é asséptico. O conhecimento, a sua produção e a sua divulgação, tem, deve ter, sempre um enquadramento ético e não é imune a valores.

Creio que os tempos mais recentes são elucidativos de como a abordagem de matérias como Direitos Humanos; Igualdade de Género; Interculturalidade; Desenvolvimento Sustentável; Educação Ambiental; Saúde; Sexualidade; Media; Instituições e Participação Democrática; Literacia Financeira e Educação para o Consumo; Segurança Rodoviária; Risco, Empreendedorismo; Mundo do Trabalho, Segurança defesa e paz, Bem-estar animal e Voluntariado são fundamentais ao longo do processo de formação de crianças, jovens e adultos.

Um sistema público de educação, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso com qualidade é a melhor ferramenta de promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. É através de uma educação global que se minimiza o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Já agora, uns indicadores que, do meu ponto de vista, justificam com clareza a ideia de que “Educação e Cidadania, porque sim”.

Considerando a violência nas relações de namoro, dados de 2019 Um trabalho que envolveu 4598 jovens, do 7.º ao 12.º, média 15 anos mostra que para 67% é normal algum tipo de violência e 58% já terá sofrido pelo menos um comportamento de agressão.

Relativamente ao bullying, os estudos em Portugal sugerem uma prevalência entre 10 e 25% e a OMS indica que 1 em cada 3 crianças ou adolescentes será vítima de bullying. No caso mais particular do bullying homofóbico, um trabalho da Associação ILGA Portugal (2018) envolvendo 700 jovens dos 14 e aos 20 anos, refere que 73,6% já sentiu alguma forma de exclusão intencional por parte dos colegas.

Consumo de drogas, dados de 2019. Entre os 13 e os 18 anos aumentou o consumo de drogas não canábis e no grupo de 18 anos aumentou o consumo de canábis. O número de overdoses aumenta há três anos.

O consumo de álcool por jovens está a aumentar desde 2017 e a delinquência juvenil, entre os 12 e os 16 anos, em 2019 aumentou 6% e a criminalidade grupal (gangues) aumentou 6% de criminalidade grupal (gangues)

Assim, por estas razões simples entendo que "Educação para a Cidadania" deve obrigatoriamente integrar o trabalho desenvolvido na educação em contexto escolar.

Precisamos muito de discutir como fazer, não acredito na disciplinarização destas matérias, julgo mais interessantes iniciativas integradas, simplificadas e desburocratizadas em matéria de organização e operacionalização.

segunda-feira, 22 de março de 2021

NÃO HÁ VOLTA A DAR

 Não há volta a dar. Acabei de ter mais uma aula em modo não presencial.

Certamente por incapacidade ou incompetência continuo com uma enorme dificuldade em entender o ensino à distância como uma alternativa a não ser em contextos e modelos específicos e para ofertas formativas também específicas.

O ensino à distância, quando de facto é ensino à distância e não aulas através de um suporte digital, disponibiliza um conjunto enorme e importante de ferramentas, mas, num quadro global dos sistemas de ensino, do básico ao superior, não substitui o ensino presencial.

Como é óbvio, também sei que o ser presencial não garante, só por si, qualidade no ensino e na aprendizagem. A qualidade nos processos educativos é uma matéria complexa e associada a múltiplas variáveis.

Nesta altura também já se fala do regresso do ensino superior ao modo presencial. Parece, felizmente que se resiste à eventual tentação de substituir o ensino presencial por más práticas de ensino à distância com objectivos nem sempre muito claros, mas em nome da mudança e inovação.

Mesmo já para além da carreira docente formal, terminou o ano passado, cada aula que ainda lecciono só ganha mesmo sentido quando tenho os alunos à beira, próximos, inteiros.

Como sabem, estar à vista não é estar próximo. Começa cedo, tantos miúdos que estando à vista dos pais, não estão tão próximos quanto precisariam, uns e outros.

domingo, 21 de março de 2021

A FALAR É QUE NOS ENTENDEMOS - outro diálogo improvável

 Bom Tiago, então fica assim. Se tu corresponderes, eu ...

Pai, mas pode acontecer que ...

Não, mas tínhamos combinado que ...

No caso de ...

Mas nesse caso então eu ...

Não era assim. Eu teria sempre ...

Tiago, assim não me parece o que combinámos.

Não pai, foi exactamente isso.

Mas se assim for não adianta que eu ...

Mas pai, repara que eu tenho sempre de ...

Bom, assim já me parece melhor.

Então fica mesmo combinado?

Está combinado. Como te estou sempre a dizer e tu sempre esqueces, a falar é que nós nos entendemos.

sábado, 20 de março de 2021

MIÚDOS E PAIS EM SOFRIMENTO

 O Notícias Magazine divulgou ontem um trabalho sobre uma questão que afecta muitos adultos e crianças, o envolvimento processos de separação conjugal com níveis muito altos de tensão e conflito com consequências no processo de regulação parental.

Trata-se de uma situação potencialmente causadora de enorme sofrimento em todos os envolvidos independentemente das responsabilidades que cada um dos elementos possa ter em todo o processo.

É uma situação também muito complexa no que respeita à intervenção e regulação. Recordo que em 2017 o Instituto de Segurança Social lançou em 2017 dois manuais, “Manual da Audição da Criança” e o “Manual de Audição Técnica Especializada”, uma ferramenta de apoio aos técnicos envolvidos em processos conflituosos de separação parental em que estão crianças e não raras vezes em processo de sofrimento significativo, tal como, aliás, os adultos.

É verdade, felizmente, que existem múltiplos casos de reconstrução bem-sucedida de famílias após situações de divórcio em que adultos e crianças encontraram forma de viverem situações de bem-estar depois de quebrar relações anteriores. Seria esta a situação desejável em caso de separação.

No entanto, existem muitas circunstâncias em que os processos de separação são de grande tensão e conflito nos quais crianças e adultos entram em processos de sofrimento muito elevados como a peça ilustra de forma inquietante

Os riscos que a separação dos pais pode implicar para os filhos são alvo de recorrentes abordagens na imprensa e no âmbito da minha experiência são também objecto de frequentes pedidos de ajuda, orientação ou apenas inquietação.

Na maioria das situações as coisas correm bem e é sempre preferível uma boa separação a uma má família, mas existem separações familiares extremamente conflituosas desencadeando níveis elevados de sofrimento e o arrastar dos processos de regulação parental com custos muito elevados, designadamente para as crianças.

Neste quadro, podem emergir nos adultos, ou num deles, situações de sofrimento, dor e/ou raiva, que “exigem” reparação e ajuda. Muitos pais lidam sós com estes sentimentos pelo que os filhos surgem frequentemente como “tudo o que ficou” e o que “não posso e tenho medo de também perder”. Poderemos assistir então a comportamentos de diabolização da figura do outro progenitor, manipulação das crianças tentando comprá-las (o seu afecto), ou, mais pesado, a utilização dos filhos como forma de agredir o outro.

Nestes cenários mais graves podem emergir quadros do chamado Síndrome de Alienação Parental referido na peça Notícias Magazine que, apesar de alguma prudência requerida na sua análise, nem a utilização como conceito é consensual em termos clínicos e jurídicos, são susceptíveis de causar graves transtornos nas crianças, daí, naturalmente, a necessidade de suporte e ajuda.

É obviamente imprescindível proteger o bem-estar das crianças em situações de separação, mas não devemos esquecer que, em muitos casos, existem também adultos em enorme sofrimento e que a sua eventual condenação, sem mais, não será seguramente a melhor forma de os ajudar. Ajudando-os, os miúdos serão ajudados.

Assim sendo, importa estar atento e a experiência diz-me serem frequentes as situações de separação em que os adultos sentem insegurança e ansiedade e até exprimem a necessidade de ajuda. Acresce que as questões relativas à família, às novas famílias, são ainda objecto de discursos muito contaminados pelos sistemas de valores éticos, morais, religiosos e culturais.

O volume de opiniões sobre estas situações é extenso, oscilando entre considerações de natureza moral e/ou ética e um entendimento científico sobre a forma como as famílias e sobretudo as crianças e jovens lidam ou devem lidar com as circunstâncias. Por mim, creio “apenas” que o(s) ambiente(s) familiar(es) deve ser suficientemente saudável para que a criança se organize também saudavelmente e faça o seu caminho sem uma excessiva preocupação geradora de ansiedade e insegurança em todos os envolvidos, miúdos e crescidos.

No entanto, como sempre afirmo, há que estar atento e perceber os sinais que sobretudo as crianças mostram e, na verdade, com alguma frequência, os pais estão tão centrados no seu próprio processo que podem negligenciar não intencionalmente a atenção aos miúdos e à forma como estes vivem a situação. Pode ser necessário alguma forma de apoio externo, mas sempre encarado de uma forma que se deseja serena e não culpabilizante.

sexta-feira, 19 de março de 2021

AS PESSOAS SOL

 Ao longo da narrativa que vamos escrevendo creio que todos já nos cruzámos com pessoas que, por uma razão ou por outra, ficam para sempre connosco.

Por vezes, acho que nem sabemos explicar porquê, apenas sentimos que são boas para nós, fazem-nos bem. Existe uma espécie de indizível razão, ou razões, para que isso aconteça. Chamo-lhes Pessoas Sol.

Apesar da banalidade da imagem, peço desculpa, quase sempre têm a enorme capacidade de tornar claro, de iluminar o mundo através dos seus olhos e das suas falas. São assim uma espécie de bússola ou, quando à distância, uma espécie de farol que baliza o rumo. Também funcionam como porto de abrigo a que voltamos quando as águas da vida andam mais turbulentas

São pessoas que sempre nos ocorrem quando o mundo pesa e pensamos, fazia-nos falta a Pessoa Sol. Acontece até que talvez nem precisassem de falar, bastava que estivessem e o mundo pareceria melhor.

Tenho a certeza que as Pessoas Sol para conseguirem iluminar por fora, para fora, são iluminadas por dentro, são sábias, são mestres, são serenas. São tão sábias que são capazes de nos mostrar o que nunca viram.

Hoje, sem ser por acaso, lembrei-me do meu pai e da minha avó Leonor, duas Pessoas Sol que me mostraram a minha estrada e há muito que cumpriram a sua.

quinta-feira, 18 de março de 2021

AGORA JÁ SOU ESPERTO?

 Ontem escrevi aqui um texto sobre a questão da avaliação nas ciscunstâncias particulares deste 2.º período. Hoje lembrei-me de uma história ainda sobre a avaliação. 

Uma dia, a Professora Maria João que estava pela primeira vez na escola e com um grupo do 2.º ano cruzou-se com o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros.

Olá Maria João, és das primeiras pessoas que vejo hoje com um sorriso.

É verdade Velho, vinha a rir-me ainda da conversa de há minutos com o Gonçalo. Ele tinha acabado um trabalho e veio mostrar-me. Conheces o Gonçalo, aquele pequenito com um olhar vivo e sempre a fazer perguntas.

Sim conheço e então que aconteceu?

Disse-lhe que o trabalho estava excelente, ele olhou para o trabalho e para mim alternadamente e acabou por me perguntar "Professora, agora já sou esperto?". Fiquei um pouco admirada com a questão e perguntei-lhe porque a colocava. Explicou-me que a colega, a colega do ano passado estava sempre a dizer que ele era incapaz, que nunca fazia as coisas bem feitas. Lá lhe disse que o achava um miúdo esperto que quando se organizava para fazer os trabalhos os fazia bem feitos. Nem imaginas o que ele me disse a seguir, Velho.

Agora estou curioso.

Abriu bem os olhos, que se riam mais do que a boca, e disse-me que ia dizer à mãe que agora já era esperto. Ela vai ficar muito contente, acrescentou.

Pois é Maria João, nós professores talvez não consigamos tornar os miúdos mais “espertos”, mas, estranhamente, podemos torná-los mais “burros”.

Tens razão Velho, às vezes, alguns de nós esquecem-se disso.

Poucas vezes, felizmente.

terça-feira, 16 de março de 2021

DA AVALIAÇÃO DO 2.º PERÍODO

 O Ministro da Educação afirmou segunda-feira que as escolas terão autonomia para definir os critérios de avaliação do 2º período a realizar dentro duas semanas. Citando o Ministro, escolas têm “maturidade suficiente para entender como querem fazer a avaliação dos seus alunos”.

Fiquei satisfeito com este reconhecimento público do Ministro da Educação relativo à “maturidade” (queria mesmo dizer maturidade Sr. Ministro?) das escolas para avaliar os seus alunos, registe-se a confiança. Aliás, o Ministro até afastou a hipótese de emitir orientações. Claro que não são necessárias, a maturidade das escolas permitirá definir o que há a definir no processo de avaliação deste atípico 2º período.

É certo que as escolas estão submersas em modelos, plataformas, grelhas, protocolos, dispositivos que o empenho de algumas direcções amplia criando uma insuportável burocracia de que, finalmente, atingida a maturidade terão oportunidade de se libertar.

Mais a sério, desculpem a deselegância da ironia, mas boa parte das intervenções do Sr. Ministro da Educação sempre me causam este feito. Felizmente também não são muitas, é um Ministro discreto.

Também me parece que não podia ser de outra forma, a disparidade de situações nas escolas é imensa.

Essa disparidade, reflectiu-se na forma, por exemplo, como as escolas organizaram o ensino não presencial considerando aspectos como a duração das actividades síncronas, natureza das actividades propostas, sempre iguais às que seriam realizadas em modo presencial ou ajustadas a circunstâncias diferentes, a preocupação de “dar o programa” como se estivéssemos na sala de aula ou acomodar outras abordagens, etc.

Por outro lado, como foi muito enfatizado desde o fim do ensino presencial, as dificuldades nos recursos e as desigualdades entre alunos continuaram a atormentar muitas crianças, sobretudo as mais vulneráveis.

Acresce que bastante mais do que no ano lectivo anterior, muitos alunos se mantiveram em ensino presencial nas escolas de acolhimento.

Este cenário, não descrito de forma exaustiva, sustenta claramente a necessidade de que a avaliação seja pensada de forma diferenciada em cada contexto ou comunidade escolar e de preferência de uma forma simplificada em processos, registos e dispositivos que não se confunda com “facilitismo”, mas se reflicta em eficiência e desburocratização.

A avaliação é imprescindível como reguladora em todos os processos de ensino e aprendizagem e assume contornos particulares conforme os anos de escolaridade e natureza da avaliação, interna, externa, provas de aferição ou exames nacionais, sobretudo no secundário devido ao peso que assumem no acesso ao ensino superior. Acresce no actual cenário a questão da avaliação não presencial e a forma como poderá ser regulada.

Por outro lado, considerando a situação excepcional creio que precisamos de nos entender sobre o que avaliar, ou seja, que gestão dos programas e currículo procurámos desenvolver e com que alunos

Que competências e saberes decorrentes dos conteúdos curriculares estão a ser adquiridas em função das circunstâncias que acima referi, uma enorme diversidade nos contextos familiares, nos recursos e competências disponíveis, a diversidade do trabalho realizado por escolas e professores em situações múltiplas na natureza, actividades, meios utilizados, duração, dispositivos de apoio, etc.

O esforço terá sido no sentido do cumprimento “integral” dos programas ou considerando também outros objectivos? Dependerá dos ciclos e anos de escolaridade? Qual o equilíbrio entre as actividades mais dirigidas para a “consolidação” ou as dirigidas para “matéria nova”?

Sim, é necessário avaliar, mas avaliar o quê e como? Avaliar o que avaliaríamos num cenário de “normalidade” com a adaptação possível de dispositivos e suportes?

Como regular e promover equidade também na questão da avaliação.

Já tivemos a experiência do ano anterior, temos desafios enormes pela frente, as respostas não são fáceis, antes pelo contrário. Neste contexto importaria, do meu ponto de vista, minimizar o risco da pulverização de entendimentos sobre o “que fazer” e “como fazer”, ou seja, evitar o funcionamento em modo “cada cabeça, sua sentença”. Daí, também, a importância do trabalho colegial ou colaborativo nas escolas que em muitas está aquém do desejável.

Creio que só assim será potenciado o esforço gigantesco que professores, pais e alunos estão a desenvolver e a motivação para assim continuar.

segunda-feira, 15 de março de 2021

SAUDADES DA ESCOLA

Foi hoje. Ainda que saibamos que um número significativo de crianças se manteve a frequentar escolas de acolhimento, cerca de 700 000 crianças regressaram hoje ao ensino presencial, nas creches, jardins de infância e escolas do 1.º ciclo.

Apesar de todos os receios e de todas as dúvidas era o que se desejava, começando, obviamente pelos próprios miúdos.

Esperamos que as anunciadas medidas de vacinação e testagem, para além das medidas de protecção já mais familiares sejam operacionalizadas, é importante o escrutínio da comunidade sobre as condições em que os seus filhos frequentarão a escola.

Por outro lado, encontro poucas referências à existência de docentes, técnicos e funcionários, suficientes e competentes, colocados nas escolas a horas e aos recursos, sobretudo, de natureza digital e de acessibilidade, condição essencial para assegurar, primeiro, a recuperação e consolidação e, naturalmente o progresso nas aprendizagens de todos os alunos, sublinho, de todos os alunos.

Tal como após o primeiro confinamento, no regresso à escola, creches e jardins de infância, em particular nestas circunstâncias, os primeiros dias são para reaprender a "escola" e não tanto para aprender as coisas da escola, eles não voltam como saíram e a escola que vão encontrar não é a que deixaram. Para isso importa conversar com eles, criar um tom e um clima acolhedor.

Os alunos vão precisar de falar das “suas” coisas, do que fizeram, do que não fizeram, do que gostaram, do que não gostaram, e os professores/educadores têm as ferramentas, a empatia, para fazer isso, assim se crie a ideia de que este é um trabalho importante antes ou paralelamente às actividades curriculares.

Assim como os alunos que estão no 1º ano precisam de mais tempo para aprender a escola depois deste tempo de confinamento importa recordar que os alunos que estão agora no segundo ano, no ano lectivo passado, o seu primeiro ano de escola, o início da aprendizagem escolar, literacia, educação matemática, educação científica e expressões e actividade física, tiveram aulas até ao início de Março, entraram em modo não presencial com os impactos e limitações reconhecidos, começaram o segundo ano e no início do 2º período voltaram até agora ao modo não presencial. É, para ser simpático, um trajecto pouco amigável para o sucesso nas aprendizagens sendo que, como sempre, as desigualdades têm um impacto crítico.

Se a prioridade for dada à burocracia e se entrarem naquela "azáfama grelhadora", tão presente nas nossas escolas, de construir grelhas basicamente por dois motivos, por tudo e por nada, e não se simplificarem os processos, a coisa poderá correr menos bem.

Creio que devemos começar por acolher os alunos com serenidade, sobretudo os mais novos, e ajudá-los a "sentar" outra vez, tão tranquilos e confiantes quanto possível. Depois aprendem, antes não.

A proactividade, apesar da complexidade da situação, é mais amigável da qualidade que a reactividade embora saibamos, temos o exemplo de Março de 2020, que às vezes há que reagir e avançar. No entanto, temos já experiência que deveria ajudar a regular o que actualmente vai acontecendo.

Creio que ainda estamos a tempo de apesar das dificuldades podermos levar a generalidade das crianças e jovens a porto seguro, assim existam os recursos necessários e competentes para responder atempadamente e diferenciadamente às suas necessidades.

domingo, 14 de março de 2021

17 MEDALHAS NUM CAMPEONATO EUROPEU MERECIA MAIS DIVULGAÇÃO

 A equipa portuguesa ganhou 17 medalhas nos campeonatos europeus de atletismo para atletas com deficiência intelectual. Desculpem a insistência, mas julgo que os esforço destes atletas merece divulgação. 

Já aqui tenho referido as minhas dúvidas sobre o modelo de competição, provas exclusivamente dedicadas a atletas com uma condição. Continuo a entender que talvez fosse de considerar a realização de forma integrada em provas das mesmas modalidades que envolvam a generalidade dos praticantes ainda que distribuídos pelos critérios de participação definidos.

De qualquer forma o desempenho dos atletas portugueses justifica a referência. Retomo palavras que já aqui escrevi. A vida de muitas pessoas com deficiência é, na verdade, uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade e a funcionalidade em diferentes áreas que a sua condição, só por si, pode implicar. Como é evidente, existem muitas áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente, educação e emprego em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes.

Reafirmo algo que recorrentemente subscrevo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com as minorias e as suas problemáticas.

O desempenho desportivo destes atletas não terá o relevo que merecia, nunca tem. Nas primeiras páginas dos três jornais desportivos hoje publicados não se encontra a mínima referência a 17 medalhas num campeonato europeu. As primeiras páginas, mesmo no desporto, não são para estes indivíduos, as pessoas com deficiência não têm "glamour", não enchem estádios e não fazem movimentar milhões, não são colunáveis, são apenas, simplesmente, campeões, a sério.

sábado, 13 de março de 2021

SAÚDE MENTAL, O PARENTE POBRE DAS POLÍTICAS DE SAÚDE

 A idade e algum conhecimento foram criando em mim e sem que disso me orgulhe algum cepticismo relativamente à mudança significativa nas políticas públicas de diversos domínios. É verdade, reconheço, que algumas alterações se vão verificando ainda que longe do necessário, mas sempre apresentadas envolvidas em inovação, novos paradigmas, projectos, etc.

Uma das áreas mais necessitadas de alterações significativas e urgentes será a saúde mental, que, aliás, sempre tem sido o parente pobre das políticas de saúde.

Não sei se será um sintoma de cansaço pandémico, precisar de ver algo de positivo que nos alimente o futuro, mas a verdade é que a entrevista do director do Programa Nacional de Saúde Mental, Miguel Xavier, ao Público me animou, será desta?

Em síntese e referindo apenas alguns aspectos, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, Portugal terá acesso a meios financeiros para investir na reforma dos dispositivos de apoio em matéria de saúde mental.

Numa primeira fase serão criadas 40 equipas comunitárias para apoio na residência das pessoas, serão desenvolvidos programas de intervenção não farmacológica nos centros de saúde (a pandemia fez subir o já demasiado elevado consumo de psicofármacos) e serão criadas quatro novas unidades de internamento de agudos em hospitais gerais.Apesar de algumas equipas em funcionamento, os recursos humanos e o seu número são manifestamente insuficientes.

Está também prevista a criação de equipas móveis para as demências e uma aposta forte na desinstitucionalização dos doentes crónicos e de três unidades de transição para os doentes inimputáveis que terminam a pena. Espera-se ainda um reforço significtivo de uma resposta não medicalizada nos cuidados de saúde primários.

Prudentemente, Miguel Xavier recorda que “apenas” o dinheiro que virá não será suficiente em vontade políticas e capacidade de operacionalização.

O que agora se anuncia faz parte de há muito das recomendações, em 2019 o Conselho para os Direitos Humanos da ONU a necessidade de uma fortíssima e urgente alteração no modelo de resposta em saúde mental, recorrer menos à institucionalização e à medicação e mais a uma abordagem de natureza social com particular atenção a fenómenos como pobreza desigualdade e exclusão que alimentam discriminação

No que a nós respeita, segundo o Relatório do programa da União Europeia "Joint Action on Mental Health and Well-being" divulgado em 2015, Portugal estava muito longe do desejável no que respeita à prestação de cuidados no domicílio e serviços na comunidade a pessoas com doença mental. Estima-se que menos de 20% dos doentes tenha acesso a este tipo de cuidados.

A ausência de respostas adequadas leva a um recurso excessivo à prescrição de psicofármacos mesmo em situações não justificadas como tem sido recorrentemente demonstrado.

Também de 2015, o estudo Trajectórias pelos Cuidados de Saúde Mental em Portugal, promovido pela Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental mostrva que o encerramento, positivo entenda-se, dos hospitais psiquiátricos não foi acompanhado da criação de serviços na comunidade pelo que a desinstitucionalização falhou e “agravou os problemas de muitos doentes”. Afirmava-se no Relatório que a Rede de Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental não se concretizou e escasseiam os recursos.

Parece claramente mais ajustada a aposta em equipas comunitárias e apenas um número reduzido de camas para situações mais críticas de adultos ou crianças para as quais faltam de facto, camas levando ao seu inaceitável internamento em serviços para adultos.

Na verdade e como se sublinha no Relatório, as orientações actuais e matéria de saúde mental, quer do ponto de vista científico, quer do ponto de vista dos custos, determinam que a qualidade e eficácia deste tipo de apoios, deve, tanto quanto possível, assentar em estratégias de proximidade, aproximando, assim, o serviço clínico da comunidade e da vida quotidiana das pessoas.

Os modelos defendidos pela comunidade científica actual, a defesa dos direitos humanos e da qualidade de vida, tornaram insustentável a manutenção das grandes instituições psiquiátricas que encerravam muitas câmaras de horrores e casos de isolamento e privação. Ainda me lembro do incómodo causado por visitas realizadas no início da minha formação ao Hospital Júlio de Matos. Este universo é bem retratado no mítico “Jaime” de António Reis e Margarida Cordeiro.

No entanto, este movimento de retirada das pessoas com doença mental das grandes instituições precisa de um suporte adequado e suficiente de unidades locais que providenciem apoio terapêutico, social e funcional tão perto quanto possível das comunidades de pertença dos doentes e com o mínimo recurso ao internamento que agora, quero acreditar, poderão mesmo realidade.

A sua não existência, o quadro actual, cria sérios obstáculos aos processos de reabilitação e inserção comunitária acentuando ou mantendo os fenómenos de guetização das pessoas com doença mental e respectivas famílias.

Não estranho, os doentes mentais são os mais desprotegidos dos doentes, pior, só os doentes mentais idosos. Os custos familiares e sociais desta guetização são enormes e as consequências são também um indicador de desenvolvimento das comunidades.

Será seta que a coisa muda de forma significativa?

Deixem lá ver, como falamos no Alentejo.

sexta-feira, 12 de março de 2021

SERIA DESEJÁVEL ALGUMA SERENIDADE

 Sem surpresa, a dúvida seria se o 1º ciclo estaria incluído, os miúdos vão voltar às instituições educativas no próximo dia 15, creches, educação e pré-escolar e também o 1º ciclo.

O nível de ruído sobre esta questão, apesar da agora já se saber da data do regresso, mantém-se, do meu pondo de vista, demasiado elevado.

De há um ano para cá tornou-se muito difícil acompanhar o discurso esclarecido e tranquilizador de pelo menos seis milhões de especialistas em saúde pública, sobre a situação que atravessamos, designadamente, sobre o regresso às actividades numa circunstância ainda completamente atípica

Compreendo todas dúvidas e todos os receios, também os sinto, também os conheço e não adianta repeti-los aqui. Não tenho a menor sombra de dúvida sobre a necessidade de acautelar riscos, promover de forma oportuna dispositivos e procedimentos que que minimizem de forma significativa os riscos de saúde pública para toda a comunidade sabendo, no entanto, que não existe risco zero.

Mas também compreendo que voltando os miúdos às escolas, creches e jardins de infância  e sendo lá que a sua vida acontece durante boa parte dos seus dias, seria desejável que o não façam mergulhados num clima de medo e receio, geradora de mais medo, de receios e ansiedade.

Os alunos, sobretudo os mais novos e vulneráveis, ainda não possuem ferramentas emocionais e cognitivas que lhes permitam lidar com alguma tranquilidade com esses medos e ansiedade transmitidos por discursos a que permanentemente estão sujeitos. É desejável que o ambiente que percebem à sua volta, de todos com quem lidam de forma mais próxima, os discursos pudessem ser sentidos e funcionassem como um factor de protecção e não de risco.

É verdade que devemos ser realistas, cautelosos, exigentes, é óbvio. No entanto, tal não obsta a que esqueçamos como os mais novos nos ouvem.

quinta-feira, 11 de março de 2021

ESTAS CRIANÇAS NÃO PÁRAM! NÃO, ESTAS CRIANÇAS NÃO SE MEXEM

 No Público divulga-se uma investigação realizada por uma equipa da Faculdade Motricidade Humana que no início do primeiro confinamento avaliou um conjunto de competências motoras em 182 crianças entre os seis e os nove anos de uma escola pública de Lisboa. Após o fim do confinamento e na avaliação a 114 crianças do grupo verificou um abaixamento das competências motoras mesmo nos casos em que à partida o nível de desempenho era mais elevado.

Parece claro que os resultados são expectáveis, um dos efeitos mais óbvios do período de confinamento foi, justamente, o abaixamento dos níveis de actividade física, tanto entre os mais novos como entre os mais velhos.

Também é natural que com o abaixamento do nível de actividade a qualidade do desempenho reflicta esse menor tempo ou ausência de “treino”, por assim dizer.

Leio também que a equipa de investigação defende que “este efeito deve ser compensado com mais aulas práticas de Educação Física no regresso à escola”.

Tenho sublinhado a ideia de que considerando os múltiplos efeitos que a situação de confinamento nos miúdos importa que o regresso à escola não possa ser visto como “basta sentá-los” depois de um intervalo. Tanto quanto saber quando vai ser o regresso importa saber “como” será o regresso.

Neste sentido, creio que a compensação de eventuais efeitos não pode assentar basicamente em mais tempo, em mais actividade. Se considerarmos os efeitos nas aprendizagens de diferente natureza parece claramente impossível, diria desajustado mesmo que fosse possível, introduzir nos já demasiados cheios tempos escolares, mais educação matemática, mais literacias, mais, actividades expressivas, mais educação física, mais intervenção que apoie eventual mal-estar em termos emocionais ou de saúde mental.

Este não pode ser o caminho.

Nesta altura em que parece estarmos à beira de terminar mais um longo e penoso período de confinamento e ainda longe de uma situação de tranquilidade talvez ganhe mais sentido reflectir sobre a normalidade a que queremos voltar, também nesta matéria.

Somos dos países da Europa em que adultos e crianças menos desenvolvem actividades no exterior contrariamente, por exemplo ao que se verifica nos países nórdicos. É verdade que esses países têm habitualmente climas bastante mais amenos que o nosso, mas, ainda assim, poderíamos ter durante mais tempo crianças e adultos a realizar actividades no exterior. Por princípio e sempre que possível, a área curricular Estudo do Meio, mas não só, poderia ser também Estudo no Meio.

Muitas experiências, incluindo em Portugal, sugerem múltiplos benefícios para as crianças, inúmeras vantagens para as crianças, desenvolvem maior autonomia, maior consciência ambiental e competências em dimensões como bem-estar emocional, a partilha de emoções, a autonomia, a autoconfiança, auto-regulação, a criatividade ou o pensamento crítico para além, naturalmente dos benefícios mais directamente associados a qualquer actividade.

Embora consciente das questões como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível alguma oportunidade de “devolver” aos miúdos o circular e brincar na rua, ter mais algum tempo as crianças fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã. Aliás, o Professor Carlos Neto também da FMH é uma voz que não desiste na defesa destas opções e dos riscos graves da baixa literacia motora para o desenvolvimento saudável das crianças.

Creio que o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia,a auto-regulação, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. A brincadeira, a rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente, os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento, de literacia motora também, e promoção dessa autonomia.

Importa sublinhar a necessidade de controlar um eventual perigo que, ainda assim, é diferente do risco, as crianças também “aprendem” a lidar com o risco.

Talvez, devagarinho e com os perigos e riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os dias.

É, pois, importante que todos os que lidam com crianças, em particular, os que têm “peso” em matéria de orientação, pediatras, professores, psicólogos, etc. assumam como “guide line” para a sua intervenção a promoção do brincar. E a actividade de brincar na infância não se esgota, longe disso, numa disciplina curricular.

Os mais novos vão gostar e faz-lhes bem.

quarta-feira, 10 de março de 2021

PROJECTOS DE VIDA

 O confinamento tem múltiplas implicações como é sabido, boa parte delas de grande severidade. Também a avozice vive tempos confinados ainda que com pequenas janelas de oportunidade virtuais ou à vista. O que não fica mesmo confinado é a magia desta experiência que se alarga e enriquece todos os dias.

Muitas vezes afirmo que a tarefa mais importante da educação familiar e da educação escolar é procurar ser bem-sucedida na construção com e por cada criança de um projecto de vida bem-sucedido associado quadro sólido de valores e de ética.

Parece que a coisa está a funcionar com os meus netos pois já vão falando dos seus projectos de vida.

O neto grande, o Simão, sete anos, afirmou ontem que iria ter quatro profissões, jardineiro, escolha associada a uma “velha” paixão por plantas, cultivo e rega muito alimentada pelos dias no Alentejo, carpinteiro, cientista e projectista. É obra!

Como é rapaz organizado como são todos os de sete anos falou de como seria o seu horário de trabalho.

Das 7 às 10h trabalha como jardineiro, das 10 até à1 é carpinteiro. Da 1 às 2h pára para almoçar e brincar com os filhos. Como precisa de mais tempo para os projectos é projectista das 2 às 6 e, uff, cientista até às 8.

Janta e como está cansado deita-se às 9. Aos domingos não trabalha, mas aos sábados vai ajudar os jardineiros que estão a trabalhar por que têm um dia na semana que não trabalham.

Fiquei esmagado com este projecto de vida que, será, certamente o princípio de um que não sabemos qual.

O Tomás, mais cauteloso devido aos seus quatro anos “só” quer ser tractorista. Sem estranheza, tem uma paixão pelo tractor quando estamos no Alentejo que é coisa séria.

E são também assim os dias da avozice, mesmo que confinada.

terça-feira, 9 de março de 2021

A LER, "UMA PALMADA NA HORA CERTA FAZ SENTIDO?"

 Na Visão encontrei um texto do Professor Mário Cordeiro que na altura me terá escapado e que merece reflexão “Uma palmada na hora certa faz sentido?”. A abordagem do Professor Mário Cordeiro é interessante e partilho muito do seu conteúdo como, aliás, acontece com frequência.

A questão abordada não é uma matéria fácil mas os tempos que atravessamos com crianças e muitos pais todo o tempo em casa potenciam um risco de alterações nos comportamentos e no bem-estar e que ainda dão maior importância a este texto.

(…)

“Do mesmo modo, humilhar, denegrir, esmagar, são maneiras erradas de educar. A questão é muito simples: se os pais amam a criança, não podem agredi-la, seja por palavras ou por atos. Se a amam, mesmo que tenham de vincar a sua autoridade, não podem fazê-lo de um modo que se traduza por rejeição.

(…)

Muitas vezes também aqui tenho abordado estas questões e retomo umas notas em complemento e de reforço às ideias dedo professor Mário Cordeiro.

Na verdade, a questão do recurso aos castigos físicos ou às agressões verbais e humilhação como forma de educar é recorrente e está sempre presente na agenda de qualquer encontro ou conversa entre e com pais sendo, aliás, frequentes os discursos de legitimação destas “estratégias educativas”.

Se estivermos atentos reparamos que quando na imprensa generalista se abordam questões relativas a comportamentos menos positivos de crianças ou adolescentes são inúmeros os comentários e discursos sobre a alegada falência das famílias na definição de regras e limites nos comportamentos de crianças e adolescentes. Muitos destes discursos e comentários são normalmente acompanhados de referências ao facto de não se recorrer a umas “palmadas”, à “pedagogia do chinelo” ou outras variações no mesmo tom, com uns “tabefes” a coisa resolvia-se.

As alusões às dificuldades das famílias ou da escola na regulação dos comportamentos de crianças e adolescentes podem ser justificáveis, mas a ideia de lidar com estas dificuldades através do bater e dos castigos severos parece-me na verdade preocupante para além da sua potencial ineficácia. Ninguém pode garantir que foram ou que são as “tareias” que constroem pessoas de bem.

É de recordar que em 2018 a Academia Americana de Pediatria produziu novas orientações sobre a parentalidade afirmando veementemente que bater nas crianças, insultá-las, humilhá-las ou envergonhá-las são comportamentos a banir. Os efeitos positivos são nulos e os negativos estão bem demonstrados.

Um outra referência  a um trabalho desenvolvido pela Universidade de Pittsburgh nos EUA divulgado na Child Development em 2017 que considerando diferentes variáveis seguiu 1482 alunos durante nove anos e evidenciou uma relação sólida entre o que foi considerado “parentalidade severa” (recorrer com regularidade ao gritar, bater ou outro tipo de comportamento coercivo, além de ameaças físicas e verbais como forma de punição) e baixo rendimento escolar e problemas de comportamento nas crianças envolvidas nesse “modelo” de educação familiar.

Sabemos e não esquecemos que os “castigos corporais” podem ir da mais ligeira palmada à mais pesada tareia e também sabemos que bater é um tipo de comportamento inscrito na prática de muitas famílias na sua relação educativa com os filhos.

Na verdade, os castigos corporais ainda são uma "ferramenta" educativa em muitas famílias e, é conhecido, também em instituições que acolhem crianças sendo que mesmo que no âmbito da justiça a questão é complexa como algumas decisões judiciais ilustram.

A ver se nos entendemos, bater ou castigar severamente as crianças não é uma actividade educativa, gritar ou agredir verbalmente de forma regular não é uma actividade educativa. O comportamento gera comportamento e adultos que não se autoregulam dificilmente ajudam crianças a ser autoreguladas. Aliás, também se sabe que crianças que foram batidas tornam-se frequentemente pais que batem. 

No entanto e dito tudo isto, também entendo que comportamentos inadequados ou incompetentes não significam necessariamente que estejamos perante pessoas, pais, más ou incompetentes.

Todos nós, alguma vez, agimos de uma forma menos ajustada ou adequada com os nossos filhos e isso não nos transforma em pessoas más, significa que somos apenas pessoas, que não somos perfeitos como perfeitos não são os nossos filhos.

Assim sendo, creio que devemos ser cautelosos, quer na defesa da "estalada educadora" ou “palmada pedagógica”, quer na diabolização definitiva de pais que numa situação eventualmente esporádica e de tensão assumem um comportamento de que podem ser os primeiros a arrepender-se.

Esta nota, não branqueadora ou desculpabilizante de nada, pode não ser particularmente simpática, mas estou cansado, tanto de discursos de legitimação do efeito "educativo" da violência física ou verbal dirigida a crianças, como de discursos demagógicos e, por vezes hipócritas, que clamam pelo "crucificação" cega de uma pessoa, o outro que bate, mas são produzidos por gente desatenta ou mesmo autora ou apoiante doutros comportamentos dirigidos a miúdos tão indignos quanto a "estalada" ainda que menos visíveis.

Finalizando, embora saiba que a legislação mesmo quando é imperativa é entendida como indicativa e, portanto, desrespeitada como temos tantos exemplos em várias matérias, é bom não esquecer que estamos a falar de direitos, não de opiniões.

segunda-feira, 8 de março de 2021

MULHERES

 Não há volta a dar, 8 de Março, o calendário das consciências manda reparar nas mulheres, no seu universo, nos seus problemas. Para além das iniciativas, discursos e referências na imprensa que fazem parte da liturgia comemorativa, reparemos então.

Reparemos como se mantêm em níveis dramáticos e inaceitáveis os episódios de violência doméstica incluindo homicídios. Acresce que ainda existem muitíssimas situações que não são do conhecimento público e, portanto, boa parte dos episódios não são sequer objecto de procedimento.

Reparemos como se mantém a diferença de oportunidades e a desigualdade salarial apesar das mudanças legislativas. Segundo alguns dados serão precisas décadas para atingir equidade no estatuto salarial.

Reparemos na dificuldade que muitas mulheres em Portugal têm em conciliar maternidade com carreira, adiando ou inibindo uma ou outra, sendo cada mais preterida a maternidade. A intenção expressa de ter filhos é um obstáculo no acesso ao emprego.

Reparemos em como as mulheres portuguesas são das que na Europa mais horas trabalham fora de casa e também das que mais trabalham em casa.

Reparemos na necessidade de imposição legal de quotas para garantia de equidade.

Reparemos na desigualdade no que respeita à ocupação de postos de chefia.

Reparemos nos números do tráfico e abuso de mulheres que também passa por Portugal.

Reparemos na criminosa mutilação genital feminina, também realizada em Portugal.

Reparemos como a igreja continua a discriminar as mulheres.

Reparemos na quantidade de mulheres idosas que vivem sós, sobrevivem isoladas e acabam por morrer de sozinhismo sem que ninguém, quase, se dê conta.

Reparemos, finalmente, no que ainda está por fazer.

Na verdade, a metade do céu que as mulheres representam carrega um fardo pesado.

Provavelmente ainda assim será no próximo ano como tem sido nos anos anteriores.

Provavelmente voltarei com este texto no próximo ano.

domingo, 7 de março de 2021

LITERACIA - UM NÃO DIÁLOGO

... 

Sabes, ela disse-lhe qualquer coisa.

A sério?

É verdade.

Não posso.

Quem diria.

De facto.

Nem me passava pela cabeça.

Nem a mim.

A vida é assim.

Cada surpresa.

É para que vejas.

Mas achas mesmo?

Não tenho dúvidas.

A sério?

Tal e qual.

Não posso.

E se …

Não, é mesmo assim.

É tão estranho.

Não esperava mesmo.

Nem eu.

Outra coisa, sabes que ...

Não me vais dizer que ela sempre ...

...

sábado, 6 de março de 2021

A LER, "A AUTOMATIZAÇÃO DA DOCÊNCIA"

 O texto de Paulo Guinote, “Dia 27 – A Automatização da Docência”, integrado no Diário de um Professor divulgado no Educare merece leitura e reflexão sublinhadas pelos tempos que vivemos.

(…)

Com os recentes avanços na Inteligência Artificial e os progressos exponenciais na capacidade de armazenamento e processamento da informação, a ameaça de substituição do trabalho humano por automatismos estendeu-se a novas áreas que pareciam imunes à mecanização por implicarem operações mais complexas, em especial no sector dos serviços e até em áreas relacionadas com a própria produção cultural.

A Educação não tem ficado à margem deste tipo de evolução, com o aparecimento de ferramentas digitais que permitiram enriquecer o reportório metodológico dos docentes, tanto em diversidade de recursos como em rapidez de acesso nas salas de aula. Mas, como em outras épocas, estas ferramentas devem ser encaradas como uma extensão do professor, não como uma via aberta para a sua substituição por máquinas ou processos digitais de ensino automatizado à distância.

(…)

Umas notas a este propósito. Estas ideias que de mansinho vão surgindo e ganhando tempo de antena podem vir a estar associadas a uma trajectória de esvaziamento da função docente e da sua consequente desvalorização. Deve dizer-se que este movimento não é de agora e não começou por cá. Tem vindo a fazer o seu caminho em diferentes sistemas, emergiu na década de 80 sob a designação de “deskilling” promovendo uma concepção “empobrecida”, diria “embaratecida” do professor e da sua função. Nesta visão, os docentes cumprem determinações e programas, não têm que fazer escolhas, possuir conhecimento aprofundado, solidez nas metodologias, valores éticos e morais, etc. Seria suficiente uns burocratas tecnicamente eficientes na gestão de programas e dispositivos digitais para “administrar” aulas a grupos de alunos "normalizados" com base num currículo normativo e prescritivo.

Os professores seriam então basicamente “entregadores de conteúdos”, (content delivers na formulação original) e realizariam um trabalho burocrático de avaliação normalizada e centralizada com base em infalíveis algoritmos que sem falhas ou desvios determinariam o trajecto escolar de uma população normalizada.

Definitivamente, este não pode ser o caminho. A “automatização da docência" conduziria a uma “desprofissionalização” que pode tornar os professores e a educação mais “baratos”, mas o nosso futuro será mais caro por pior qualidade, um professor de … é muito mais que um bom técnico de …

Todas as necessárias mudanças na educação só podem ocorrer e ser bem-sucedidas com o envolvimento e valorização dos professores, das suas competências, da sua função e também, naturalmente, com a sua avaliação.

sexta-feira, 5 de março de 2021

PROJECTOS, PLANOS, EXPERIÊNCIAS INOVADORAS, PROGRAMAS E OUTRAS COISAS QUE TAIS

 Há uns dias no Público divulgava-se o Programa GAP lançado pala Fundação Gulbenkian. De forma sintética, trata-se de um programa de mentoria desenvolvido por mentores, jovens com formação superior, formados pela Teach for Portugal, estrutura nacional que integra uma ONG global e destinado a ajudar na recuperação de alunos com o processo de aprendizagem afectado pelo impacto da experiência de ensino não presencial do ano passado e pela dificuldade no acompanhamento das aulas por falta de equipamentos digitais ou ligação à net.

O programa é centrado em Matemática, Português e Inglês e iniciou-se este ano lectivo tendo, por razões óbvias, procedido a ajustamentos realizando as sessões de mentoria em modo não presencial. Para além das disciplinas identificadas são trabalhadas competências “chave” como organização, auto-regulação, bem-estar e motivação.

O programa envolve 1300 alunos de 41 escolas, escolhidas em função peso do número de alunos no escalão A do Apoio Social Escolar, sendo que 50 dos alunos recebem apoio presencial em escolas que estão abertas.

Os testemunhos que se lêem na peça sugerem bons resultados no trabalho que está a ser desenvolvido e apoiado pela Universidade do Minho.

Como é evidente, registo todas as iniciativas que possam contribuir para minimizar ou erradicar problemas, mas já me falta convicção no impacto do modelo mais habitualmente seguido.

Para cada constrangimento ou dificuldade percebida nas e pelas escolas e com regularidade, aparece vindo de fora ou gerido de fora, um Plano, um Projecto, um Programa, uma Iniciativa, as combinações são múltiplas, destinado a essa problemática.

Durante as últimas décadas, perco a conta a planos, projectos, programas, experiências inovadoras que chegaram às escolas para combater o insucesso ou, pela positiva, promover o sucesso, promover a leitura e escrita, promover a matemática, promover a educação científica, promover a educação inclusiva, erradicar ou minimizar o bullying, a relação entre escola e pais e encarregados de educação, promover a expressão artística e a criatividade, promover comportamentos saudáveis e actividades desportivas, literacia financeira, promover a inovação e as novas tecnologias, para não falar de iniciativas mais "alternativas", por assim dizer, e que têm poderes mágicos, parece. A lista enunciada é apenas exemplificativa.

Com demasiada frequência muitos destes projectos vêm de fora das escolas, as origens são variadas, não chegam a envolver a gente das escolas, esmagada pelo trabalho, burocracia e outros constrangimentos como, por exemplo, assegurar da melhor forma possível o dia-a-dia do trabalho educativo que tem de ser realizado.

Também com demasiada frequência muitos destes projectos morrem de “morta matada” ou de “morte morrida”, não são avaliados de forma robusta e dão umas fotografias ou vídeos que compõem o portfólio dos organizadores e proporcionam uma experiência que se deseja positiva aos intervenientes no tempo que durou, mas sem mais impacto.

Todavia, preciso de afirmar que muitos destes Planos, Projectos, Inovações, etc. dão origem a trabalhos notáveis que, também com frequência, não têm a divulgação e reconhecimento que todos os envolvidos mereceriam.

Também demasiadas vezes estas iniciativas consomem recursos com baixo retorno e ao serviço de múltiplas agendas.

Ponto.

Tenho para mim, que não podendo a escola responder a todas as questões que afectam quem nelas passa o dia poderia, ainda assim, fazer mais se os investimentos feitos no mundo à volta da escola e que lhe vem bater à porta com propostas fossem canalizados para as escolas.

Com real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados as escolas poderiam fazer certamente mais e melhor que quem vem de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.

Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes domínios.

Directores de turma com mais tempo para os alunos e menos burocracia poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.

Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado, o que se verifica é inaceitável, poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.

Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno.

São apenas alguns exemplos de respostas com resultados potenciais com um custo que talvez não seja superior aos custos de tantos Projectos, Planos, Programas ou Iniciativas Inovadoras destinadas a múltiplas matérias e com custos associados de “produção” que já me têm embaraçado, mas a verdade é que as agendas e o marketing têm custos.

Ainda este propósito, ficar embaraçado, uma experiência pessoal.

Há largos anos estava na altura na Direcção-Geral do Ensino Básico e foi-me pedido que apresentasse numa escola do 1º ciclo um Projecto em desenvolvimento pela Direcção-Geral destinado ao ensino de português a crianças de famílias oriundas dos PALOP que aprendiam em português na escola e falavam crioulo em casa. Apresentei o Projecto o melhor que fui capaz aos professores da escola e no fim alguém me disse de uma forma muito simpática, “Colega, o Projecto é muito interessante, mas sabe, já temos 24 Projectos na escola, não podemos fazer mais.”

Na verdade, a Projectite, sobretudo vinda de fora, é uma opção com pouco potencial apesar, insisto, das boas experiências que também conheço.

quinta-feira, 4 de março de 2021

ERUDITAR

 Há uns anos, já largos, numa tertúlia com muita gente reunida à volta do Mestre Malangatana, estava presente Rui Mário Gonçalves, uma das figuras da arte em Portugal, fundamentalmente na análise, história e crítica.

Durante a conversa e após uma intervenção de Malangatana, o Professor Rui Mário Gonçalves pega na palavra e no seu jeito culto, o dos que verdadeiramente o são, começa a desenvolver umas ideias em torno da pintura do Mestre.

Quando acabou, Malangatana, com a voz grossa e arrastada que nos encantava, responde, "não te ponhas a eruditar" e tenta mostrar-nos a todos como o trabalho que faz é uma coisa simples, é "apenas" fruto da alma que carrega ligada à terra que o gerou.

Nunca mais me esqueci do "eruditar" e muitas vezes vejo gente a falar, por exemplo na comunicação social, como quem "mostra a biblioteca" o que, devo dizer, nem era o caso do Professor Rui Mário Gonçalves.

São pessoas que usam falas herméticas, próprias do jargão da tribo a que pertencem, cheias de sofisticadas palavras e ideias que, com alguma frequência, permanecem indecifráveis para muitos dos interlocutores o que, aliás, não parece constituir problema para os eruditados pois falam para si, não para o outro, para os outros.

Como dizia, outra figura enorme da cultura portuguesa, o Dr. João dos Santos, difícil mesmo é fazer simples.

E fazer simples só os grandes Mestres o conseguem, como Malangatana, de quem hoje me lembrei, de novo. E sempre.

É verdade que também existe um grupo nada pequeno instalado na comunicação social que fala uma linguagem que entendemos, o problema é que … não dizem nada e ainda um terceiro grupo que basicamente diz o que acha que a generalidade das pessoas quer ouvir e nos termos em que também acha que as pessoas querem ouvir. O período que vivemos desde há um ano mostra exemplos diários de tudo isto.

A sintonização de algo de útil e informativo é cada vez mais difícil. Voltamos às questões das literacias.

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quarta-feira, 3 de março de 2021

O REGRESSO À ESCOLA. MAIS QUE QUANDO, A QUESTÃO É COMO

 No Público, “No Hospital Dona Estefânia, o número de crianças e jovens que chegaram à urgência e que tiveram contacto com a pedopsiquiatria, com problemas de ansiedade e humor, aumentou quase 50% no início do ano, em comparação com os dois primeiros meses do ano passado”.

No Expresso. “(…) os resultados do questionário feito pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre o impacto da pandemia, os diretores das escolas disseram que, entre março e junho do ano passado, não conseguiram contactar com 2% dos alunos para que estes participassem nas atividades letivas online. Já os professores com funções de coordenação não conseguiram manter contacto com 7% dos alunos. (…), “O Ministério da Educação adianta que alguns alunos não regressaram à escola em setembro. Foram sinalizados mais 200 alunos do que em 2019”.

De acordo com o JN, em 2020 as escolas sinalizaram às Comissões de Protecção de Crianças e Jovens 1900 alunos em risco de abandono escolar, mais 200 que em 2019.

Mesmo sem estes dados hoje referenciados em diferentes peças da imprensa e como aqui escrevi há pouco tempo, com a experiência e conhecimento, nacional e internacional, já adquiridos, parece inquestionável que o impacto do encerramento das escolas é fortíssimo, sobretudo nos alunos mais novos e em diferentes dimensões incluindo a nem sempre suficientemente considerada saúde mental. Também sabemos que estes efeitos, como sempre, podem modulados por variáveis de natureza sociodemográficas ou individuais, literacia familiar ou uma condição de vulnerabilidade, por exemplo.

Tem-se assistido nos últimos dias a um acréscimo de pressão no sentido de que se retome, ainda que de forma faseada, o ensino presencial, como também se ouvem, lêem discursos de maior prudência, incluindo subscritos pela tutela.

No entanto, e tal como tenho escrito, tanto como a importância do retorno ao ensino presencial e o assegurar eficiente das condições de saúde, inquieta-me a forma com serão acolhidos nas escolas os alunos neste novo retorno bem como que apoios estarão disponíveis considerando as referências acima e os mais conhecidos efeitos nas aprendizagens.

Como também escrevi e só para ilustrar uma parte do problema, é de recordar, por exemplo que os alunos que estão agora no segundo ano, no ano lectivo passado, o seu primeiro ano de escola, onde tudo começa em termos de aprendizagem escolar, literacia, educação matemática, educação científica e expressões e actividade física, tiveram aulas até ao início de Março, entraram em modo não presencial com os impactos e limitações reconhecidos, começaram o segundo ano e no início do 2º período voltam ao modo não presencial. É, para ser simpático, um trajecto pouco amigável para o sucesso nas aprendizagens sendo que, como sempre, as desigualdades têm um impacto crítico.

Neste cenário e considerando todos anos de escolaridade, mas, insisto, sobretudo nos primeiros por razões óbvias gostava de estar tranquilo relativamente à forma como será gerido o retorno ao ensino presencial, não basta, “sentá-los” como se voltassem de um intervalo. Tanto quando as datas, eventualmente menos previsíveis, seria desejável que, existissem orientações, admito que existam, no sentido da avaliação de prováveis dificuldades, recordo a situação particular dos alunos no segundo ano de escolaridade, da definição de apoios e recursos dedicados a esta “recuperação”.

E para lidar com os resultados dessa avaliação existam os recursos e dispositivos de apoio competentes e suficientes e não apenas na dimensão escolar, como a saúde mental que coloca questões críticas nos mais novos

A proactividade, apesar da complexidade da situação, é mais amigável da qualidade que a reactividade embora saibamos, temos o exemplo de Março de 2020, que às vezes há que reagir e avançar. No entanto, temos já experiência que deveria ajudar a regular o que actualmente vai acontecendo.

Creio que ainda estamos a tempo de apesar das dificuldades podermos levar a generalidade das crianças e jovens a porto seguro, assim saibamos e queiramos responder atempadamente e competentemente às suas necessidades.

Apesar de alguns discursos mais catastrofistas incluindo do Ministro da Educação, “Sabemos que necessariamente (esta geração de alunos) vão ter mais problemas de alergologia daqui a 20 anos. Porque vão ser muito mais obesos. Vamos ter problemas oncológicos, respiratórios, cardiovasculares, mentais”, assumir a fatalidade da causa-efeito é erro indesculpável.”

Não, os alunos não estão condenados, se as políticas públicas cumprirem as suas funções, com maiores ou menores dificuldades, como sempre e em todas as circunstâncias, escolas, professores, directores, técnicos auxiliares, pais e alunos bem como profissionais de outras áreas como saúde, psicologia, apoios sociais, etc., farão o que lhes compete.

Correrá sempre tudo bem? Não, estamos no universo da educação e da educação escolar, num tempo difícil e numa sociedade complexa e desigual.