No Público divulga-se uma investigação realizada por uma equipa da Faculdade Motricidade Humana que no início do primeiro confinamento avaliou um conjunto de competências motoras em 182 crianças entre os seis e os nove anos de uma escola pública de Lisboa. Após o fim do confinamento e na avaliação a 114 crianças do grupo verificou um abaixamento das competências motoras mesmo nos casos em que à partida o nível de desempenho era mais elevado.
Parece claro que os resultados são expectáveis, um dos
efeitos mais óbvios do período de confinamento foi, justamente, o abaixamento
dos níveis de actividade física, tanto entre os mais novos como entre os mais
velhos.
Também é natural que com o abaixamento do nível de
actividade a qualidade do desempenho reflicta esse menor tempo ou ausência de “treino”,
por assim dizer.
Leio também que a equipa de investigação defende que “este
efeito deve ser compensado com mais aulas práticas de Educação Física no
regresso à escola”.
Tenho sublinhado a ideia de que considerando os múltiplos
efeitos que a situação de confinamento nos miúdos importa que o regresso à escola
não possa ser visto como “basta sentá-los” depois de um intervalo. Tanto quanto
saber quando vai ser o regresso importa saber “como” será o regresso.
Neste sentido, creio que a compensação de eventuais efeitos
não pode assentar basicamente em mais tempo, em mais actividade. Se considerarmos
os efeitos nas aprendizagens de diferente natureza parece claramente impossível,
diria desajustado mesmo que fosse possível, introduzir nos já demasiados cheios
tempos escolares, mais educação matemática, mais literacias, mais, actividades
expressivas, mais educação física, mais intervenção que apoie eventual
mal-estar em termos emocionais ou de saúde mental.
Este não pode ser o caminho.
Nesta altura em que parece estarmos à beira de terminar mais
um longo e penoso período de confinamento e ainda longe de uma situação de
tranquilidade talvez ganhe mais sentido reflectir sobre a normalidade a que queremos
voltar, também nesta matéria.
Somos dos países da Europa em que adultos e crianças menos
desenvolvem actividades no exterior contrariamente, por exemplo ao que se
verifica nos países nórdicos. É verdade que esses países têm habitualmente
climas bastante mais amenos que o nosso, mas, ainda assim, poderíamos ter
durante mais tempo crianças e adultos a realizar actividades no exterior. Por
princípio e sempre que possível, a área curricular Estudo do Meio, mas não só,
poderia ser também Estudo no Meio.
Muitas experiências, incluindo em Portugal, sugerem
múltiplos benefícios para as crianças, inúmeras vantagens para as crianças,
desenvolvem maior autonomia, maior consciência ambiental e competências em
dimensões como bem-estar emocional, a partilha de emoções, a autonomia, a
autoconfiança, auto-regulação, a criatividade ou o pensamento crítico para
além, naturalmente dos benefícios mais directamente associados a qualquer
actividade.
Embora consciente das questões como risco, segurança e
estilos de vida das famílias, creio que seria possível alguma oportunidade de “devolver”
aos miúdos o circular e brincar na rua, ter mais algum tempo as crianças fora
das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã. Aliás, o
Professor Carlos Neto também da FMH é uma voz que não desiste na defesa destas
opções e dos riscos graves da baixa literacia motora para o desenvolvimento saudável
das crianças.
Creio que o eixo central
da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia,a auto-regulação, a capacidade e a
competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. A brincadeira,
a rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente, os desafios, os
limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento, de literacia
motora também, e promoção dessa autonomia.
Importa sublinhar a necessidade de controlar um eventual perigo
que, ainda assim, é diferente do risco, as crianças também “aprendem” a lidar
com o risco.
Talvez, devagarinho e com os perigos e riscos controlados,
valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não
todos os dias.
É, pois, importante que todos os que lidam com crianças, em
particular, os que têm “peso” em matéria de orientação, pediatras, professores,
psicólogos, etc. assumam como “guide line” para a sua intervenção a promoção do
brincar. E a actividade de brincar na infância não se esgota, longe disso, numa
disciplina curricular.
Os mais novos vão gostar e faz-lhes bem.
Este é um daqueles problemas que ficará sempre na sombra. As consequências negativas da inatividade física nas crianças e nos jovens não são imediatas. Os decisores políticos não têm esta sensibilidade. Nem ouvem. Corporativismo, dirão.
ResponderEliminarDa minha consciência resulta tristeza.