AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

DOÇURAS OU TRAVESSURAS?

Hoje consegui ir buscar o meu neto ao Jardim de Infância e deu para verificar que apesar do dia pouco convidativo respirava-se a atmosfera do Halloween. Aliás, desde há uns dias que este espírito, por assim dizer, estava um pouco por todo lado, sobretudo nos espaços comerciais.
É bonito que assim seja, esta celebração de uma das nossas mais ancestrais tradições é importante e imprescindível para que mantenhamos a nossa cultura e identidade.
Gostei de voltar a ouvi as crianças a baterem-me à porta perguntando convictamente, “doçuras ou travessuras?” E reaprendi a estar apetrechado com as doçuras que nos salvarão das travessuras que, aliás, nem imagino o que possam ser pois as crianças já quase não fazem travessuras, só agora no Halloween e poucas pois nós … providenciamos as doçuras.
Na verdade, ainda fico espantado como ainda conseguimos mobilizar as crianças e os adultos para, entre bruxas e zombies, comemorar a nossa cultura e costumes. Ainda bem que assim é.
Quando passa este dia recordo e não resisto a repetir uma história que creio tem uns anos mas poucos.
Bateu-nos à porta um grupo de crianças, discretamente vigiado à distância por um dos pais, porque, achamos, sentimos que a segurança já não é o que era, que nos interpelou com o portuguesíssimo “doçuras ou travessuras?”.
Desculpem lá mas naquela vez não percebemos bem a pergunta e um dos gaiatos lá nos explicou a tradição.
Lembrámo-nos então que talvez esta situação correspondesse a uma outra tradição portuguesa para nós mais familiar, dever ser da origem, o “Pão por Deus” que nos fazia a nós miúdos andar de casa em casa a pedir “pão por Deus” no Dia de todos os Santos como se chamava cá na nossa terra, Portugal, ao Halloween, o Dia de todas as Bruxas.
Perguntámos então se queriam romãs, como era costume no Pão por Deus e talvez fosse no Halloween.
Tínhamos chegado do Monte lá do Alentejo e trouxemos uns cabazes de romãs. Nesse ano as romaneiras, como por lá se fala, esmeraram-se e produziram umas romãs grandes, lindas, com bagos de cor vermelha-romã, claro, e doces, muito doces.
À nossa pergunta uma das miúdas do grupo, talvez a mais velha, aí com uns nove ou dez anos, responde, "o que são romãs?"
Lá nos safámos na explicação e o grupo levou as romãs.
Na altura ficámos em casa a pensar no que é o saber e de que saberes se faz a vida dos miúdos de hoje. Na verdade, é feita de muitos saberes, os que conhecemos, alguns que a nós nos escapam e outros que quando na idade deles nem sonhávamos.
Não simpatizo muito com as discussões sobre o que os miúdos sabem actualmente em que, quase sempre, os mais velhos gostam de concluir pela superioridade dos tempos outros, os seus, naturalmente.
Acho apenas que gostava que os miúdos soubessem o que são romãs, São bonitas e doces e crescem numas árvores também bonitas, as romaneiras, mas que têm picos. Para comer no Halloween, o Dia das Bruxas, ou no Dia de todos os Santos. São uma doçura.
Não sei se virão com a noite que está mas temos ali as doçuras que fazem parte da nossa tradição, o Halloween.

DEFICIÊNCIA E EMPREGO


Lê-se no Observador que finalmente terminou no Parlamento o processo legislativo iniciado em Maio relativo ao estabelecimento de quotas no emprego de pessoas com deficiência no sector privado, algo que já estava definido no sector público desde 2001 ainda que não seja cumprido.
A proposta do BE e do PS agora aprovada estabelece que “as empresas a partir de 75 trabalhadores devem admitir anualmente um número não inferior a 1% do seu pessoal com deficiência, com diversidade funcional”, devendo este número ser de 2% nas grandes empresas.
Como frequentemente aqui refiro e volto a insistir, a questão do emprego é crítica para muitos milhares de pessoas e suas famílias e com pouco eco no espaço mediático, como sempre as vozes das minorias soam baixo.
Recordo que com dados de Dezembro de 2017, a Administração Pública contratou desde 2010 46 pessoas com deficiência em 24 mil vagas e até essa altura ainda não teria sido contratado ninguém nesta condição.
Elucidativo das preocupações do chamado estado social.
A este propósito também é de registar que nas Grandes Opções do Plano para 2018 o Governo identificou a inclusão de pessoas com deficiência ou incapacidade como uma prioridade central. Nesta perspectiva, afirmava-se pretender desenvolver políticas que sustentem a igualdade de oportunidades definindo medidas como o estabelecimento de quotas no mercado de emprego destinadas a pessoas com deficiência ou incapacidade ou acções de formação profissional no sistema regular de formação e o incremento de estágios profissionais em empresas e organizações do sector público e social.
Por princípio, não simpatizo com o recurso ao estabelecimento de quotas para solução ou minimização de problemas de equidade ou desigualdade. As razões parecem-me óbvias, justamente no plano dos direitos, da equidade e na igualdade de oportunidades.
No entanto, também aceito que o estabelecimento de quotas possa ser um passo e um contributo para minimizar a discriminação. No entanto, é estranho, ou nem por isso, que seja a Administração a não cumprir o que para si estabeleceu em 2001.
E na verdade a questão do emprego de pessoas com deficiência é uma questão de enorme relevância. Apesar de evidente recuperação nos níveis de desemprego as pessoas com deficiência continuam altamente vulneráveis a este problema.
Um Relatório de 2014, "Monitorização dos Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência em Portugal", divulgado no âmbito da terceira conferência anual da Associação Europeia de Estudos da Deficiência, indiciava que existem empresas que usam indevidamente os apoios estatais para a contratação de pessoas com deficiência obrigando estes trabalhadores a estágios sucessivos e a uma situação de precariedade. Este expediente é, aliás usado com outros grupos, jovens, por exemplo.
As pessoas com deficiência em Portugal têm uma taxa de risco de pobreza 25% superior à das pessoas sem qualquer deficiência e o desemprego neste grupo social terá aumentado cerca de 70 % face a 2011 estimando-se actualmente que ronde os 70 %, uma taxa catastrófica.
Sabemos que os recursos são finitos e os tempos de contenção, mas pode-se afirmar que para as pessoas com deficiência os tempos sempre foram de recursos finitos e de contenção, ou seja, as dificuldades são recorrentes e persistentes.
Creio também que é justamente no tempo em que as dificuldades mais ameaçam a generalidades das pessoas que se avoluma a vulnerabilidade das minorias e, portanto, se acentua a necessidade de apoio e de políticas sociais mais sólidas, mais eficazes e, naturalmente, mais reguladas.
Os números sobre o desemprego nas pessoas com deficiência são dramaticamente elucidativos desta maior vulnerabilidade. A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, em variadíssimas áreas como mobilidade e acessibilidade, educação, emprego, saúde e apoio social, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes.
Assim sendo, exige-se a quem decide uma ponderação criteriosa de prioridades que proteja os cidadãos dos riscos de exclusão, em particular os que se encontram em situações mais vulneráveis.
As pessoas com deficiência e as suas famílias fazem parte deste grupo.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

GPS


Da agenda que marca a educação por estes dias destacam-se dois temas. O primeiro, a continuidade do conflito entre o ME e os professores com a definição de uma greve ao que os representantes dos professores entendem ser trabalho extraordinário e a tutela entende ser trabalho “ordinário” colocando mesmo a hipótese de não remunerar esse tempo. Está assim criada mais uma dimensão de um problema que se arrasta por demasiado tempo. O segundo tema remete para a decisão de levar, ou não, a julgamento os envolvidos do caso dos colégios do grupo GPS acusados de corrupção, peculato, burla e falsificação de documentos no âmbito dos negócios em torno dos contratos de associação.
Curiosamente estas duas importantes matérias têm em comum a questão do GPS. No primeiro caso é notória a falta de um GPS que oriente as decisões e no segundo a existência de um GPS que permitia que aquele pessoal se orientasse muito bem, a ver pela acusação. Por partes.
No caso do conflito entre professores e ME parece clara a necessidade de um dispositivo de orientação que colocasse na rota certa o clima vivido nas escolas.
Um ano lectivo que começou marcado pelos habituais sobressaltos e atrasos na colocação dos professores e funcionários ainda que com menos problemas no caso dos docentes, continua influenciado pelo conflito sem fim à vista entre professores ME, por mudanças significativas decorrentes do alargamento dos projectos relativos ao que designam por “flexibilização curricular”, pela definição em cima da hora das “aprendizagens essenciais”, pelas mudanças também já muito perto do início dos trabalhos em matéria de educação inclusiva, entre outras.
Tudo isto tem gerado situações com climas e condições pouco positivas que comprometem o seu trabalho de professores, o dos alunos, dos funcionários e dos pais e, no limite, o direito a uma educação pública de qualidade. O processo desencadeado neste início de semana agudizará certamente este cenário acentuando falta de um GPS ajude a colocar na rota adequada este mundo da educação
Dizem os manuais sobre resolução de conflitos que, de uma forma simples, a melhor solução é “ganhar, ganhar”, todas as partes envolvidas entendem que obtiveram o melhor resultado possível. Para que esta solução seja conseguida exige-se bom senso, vontade de entendimento, legalidade, justiça, transparência, seriedade e uma visão sobre um bem maior.
Neste momento, a actual situação de conflito entre professores e ME, tendo começado mais confinada a uma questão de euros, reposição justa de salários e carreira congelados durante mais de nove anos, já não é “só” uma questão de euros e o que tem vindo a acontecer ameaça seriamente o resultado final para além de que algumas das decisões acrescentam mais problemas e não soluções.
Negociação não é o que parece estar a acontecer.
Os riscos de não acabar bem avolumam-se e creio que poderemos chegar uma solução de “perder, perder”. Ganharão os arautos da desgraça, os do "quanto pior, melhor". Esquecem-se que têm filhos e netos
Quanto à segunda referência a GPS aqui no sentido Gestão de Participações Sociais e as acusações a este grupo no âmbito dos contratos de associação estabelecidos com o ME, também sublinha a importância de um GPS. Ao que consta da acusação e a ver vamos como acaba, temos corrupção, peculato, burla e falsificação de documentos o que ilumina a forma como este pessoal se orientaria com o seu GPS.
Sabemos que a essência cultural dos apoios estatais a estruturas privadas assenta na desregulação que, evidentemente, sai cara aos contribuintes mas, por outro lado, alimenta uma política amigável para os interesses privados. Quase toda a história das PPP é elucidativa. E lamentável, acrescente-se.
Por estas e muitas outras razões é de uma enorme desfaçatez mascarar os negócios da educação, legais ou ilegais, com referências à liberdade de educação.
Parece-me tudo bastante mais claro se falarmos em liberdade de mercado mas prescindindo do dinheiro público para o financiamento de negócios privados a não ser, obviamente, quando é prestado serviço público de educação.
No fim, ainda restará a delinquência. A ver vamos como acaba. Confesso que acho que sairá mais um rato da montanha.

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

A HISTÓRIA DO LESMA


Em miúdo, mais miúdo é claro, o hábito de criar alcunhas era bastante frequente e acontecia a propósito das mais variadas razões. Muitas vezes a alcunha, seja pelo som, pela graça ou pela apropriada designação, entranhava-se na relação, substituía o nome e acontecia até que algum tempo depois já nem o recordamos. Foi o caso do Lesma, um colega de escola de quem já não lembro o nome, passou a ser o Lesma. A elegante designação foi-lhe pela primeira vez atribuída por um dos professores e dela nunca mais se livrou.
O Lesma foi a pessoa mais vagarosa, mais tranquila, mais sem pressa que alguma vez conheci. Era o último a chegar a qualquer lado, sempre com ar de quem era o primeiro e a tempo. Em qualquer tarefa ou jogo, coisas da escola ou brincadeiras fora da escola o Lesma era exasperante, sempre sem pressa, sempre o último.
Até a falar o Lesma era vagaroso, demorava um tempo que nos parecia infindo a acabar uma frase que todos já adivinhávamos.
Hoje em dia, a vida acelerou-se, inventámos o stresse, o para ontem, o temos que fazer tudo e rápido, não podemos perder tempo, etc., o tempo tornou-se um bem de primeiríssima necessidade que quase ninguém tem. Quase ninguém está, vai ou vem com tempo. Como reacção a este estilo de vida têm vindo a surgir movimentos e ideias que direccionados para diferentes áreas de funcionamento têm de comum a intenção de abrandar o ritmo. A palavra chave emergente é "slow", na alimentação, nas actividades de lazer, nos locais de trabalho. Multiplicam-se as ofertas mais ou menos exóticas, mais ou menos criativas, mas todas apostando nas milagrosas virtudes do "slow".
Neste contexto, tenho-me lembrado frequentemente do Lesma, era um visionário, o primeiro que conheci e que só mais tarde reconheci.

domingo, 28 de outubro de 2018

QUO VADIS BRASIL?


Quo Vadis Brasil?
É um estudo de caso a eleição de uma figura sinistra sem campanha na rua e presencial, sem participar em debates de ideias e cujo “programa” é uma ameaça aos direitos humanos.
Esperemos que não se acenda o pavio que faça explodir o barril de pólvora em que este gigantesco e amado país parece estar a transformar-se.
Esperemos que “levante, sacuda a poeira e dê a volta por cima”.

QUANDO A ESCOLA FAZ A DIFERENÇA. MAIS UM EXEMPLO


É bom ler uma notícia positiva no universo da educação. Não é que não existam muitas matérias ou experiências que as possam inspirar. Creio que nos falta um pouco a “cultura" de valorizar e divulgar o que corre bem. Embora se compreenda estamos quase sempre mais direccionados para os muitos problemas e dificuldades sempre presentes no complexo universo da educação.
Vem esta introdução a propósito do trabalho no Público sobre a Escola do 1.º ciclo de Paradinha, em Viseu. Por coincidência, avida reserva-nos algumas por vezes surpreendentes, uma das pessoas ligadas a este trabalho é uma boa amiga de há décadas, a São Neto, educadora de infância e com uma estrada longa percorrida em comum, com maior ou menor proximidade, nesta tentativa de contribuir para uma escola mais inclusiva, mais amigável para todas as crianças. Um abraço, São.
Numa altura em que tantas vezes se questiona e responsabiliza a escola é bom saber, nós sabemos, que, apesar de tudo, a escola … ensina e educa.
Embora se compreendam algumas razões estamos quase sempre mais direccionados para os muitos problemas e dificuldades sempre presentes no complexo universo da educação.
Na verdade apesar do peso das variáveis referidas, o trabalho na e da escola e dos professores é um factor significativamente explicativo do sucesso dos alunos mais vulneráveis e capaz de contrariar o peso das outras variáveis que estão presentes no contexto de vida desses alunos.
O trabalho na escola envolvendo organização, clima e liderança por exemplo e, finalmente o trabalho em sala de aula em que surge a diferença produzida pelo professor, pelos professores.
Quando abordo estas questões cito com frequência uma afirmação de 2000 do Council for Exceptional Children, "O factor individual mais contributivo para a qualidade da educação é a existência de um professor qualificado e empenhado".
No entanto a existência de professores qualificados e empenhados não depende só de variáveis individuais de cada docente, decorre também de um conjunto de políticas educativas que promovam a qualificação, a motivação e a valorização a diferentes níveis do trabalho dos professores.
De políticas educativas que em termos genéricos e em termos mais particulares como currículos, sistema de organização, recursos humanos docentes, técnicos e funcionários, tipologia e efectivo de escolas e turmas, autonomia das escolas são apenas alguns exemplos de como a diferença tem que ser construída também antes de chegar à sala de aula.
E nesta matéria também temos muito trabalho para realizar.

sábado, 27 de outubro de 2018

OS CUSTOS DO ENSINO SUPERIOR


No âmbito da discussão do OGE para 2019 que contempla a redução da propina máxima em 212€ no ensino superior, o Público tem um extenso trabalho sobre os custos da frequência no qual se integra uma entrevista com o Ministro da tutela na qual defende a não existência de propinas no 1º ciclo, “O ensino superior é uma obrigatoriedade e o seu acesso deve ser livre” o que se constitui como um objectivo a prazo.
Muitas vezes aqui me tenho referido a esta questão e sou dos que, embora registando o abaixamento da propina máxima, estaria mais de acordo com o aumento do volume e valor das bolsas por me parecer mais equitativo.
Um estudo recente, “O Custo dos Estudantes no Ensino Superior Português” da responsabilidade do Instituto de Educação da U. de Lisboa, relativo ao ano lectivo de 2015/2016 mostra que cada estudante universitário gastou em média 6445€ em despesas como propinas, material escolar, alojamento ou alimentação. Os alunos de instituições universitárias privadas têm uma despesa perto dos 10000€ e nos politécnicos privados o custo será de 8296€. De facto, sendo a qualificação superior um bem de primeira necessidade para os cidadãos e para o país, é um bem muito caro, demasiado caro para muitas famílias e indivíduos.
Também o trabalho citado na peça do Público, realizado pelo Projecto Eurostudent “Social and Economic Conditions of Student Life in Europe” mostra um extenso quadro das condições de frequência do ensino superior em muitos países da Europa com base em dados de 2016 a 2018.
Da imensidade de dados disponíveis releva que Portugal é o quarto país em que as famílias assumem maior fatia dos gastos com a frequência do ensino superior. Verifica-se ainda uma forte associação entre a frequência do ensino superior e nível de escolarização e estatuto económico das famílias.
São conhecidas as dificuldades de promoção de mobilidade social que o sistema educativo português, e não só, atravessa registando ainda níveis baixos de qualificação e perto de 160 000 jovens que não estudam nem trabalham.
Por outro lado, talvez seja de recordar no que respeita aos custo de frequência do ensino superior que muitos jovens portugueses têm emigrado para realizar os seus estudos superiores em países em que as propinas são mais baratas que em Portugal, não existem de todo ou são financiadas, casos da Dinamarca, Reino Unido ou o Canadá e a Austrália fora da Europa.
Mais algumas notas. Segundo o Relatório "Sistemas Nacionais de Propinas no Ensino Superior Europeu", divulgado em Outubro de 2014 pela Comissão Europeia, Portugal é um dos cinco países, entre os 28 Estados membros da União Europeia, que cobram propinas a todos os alunos do ensino superior.
Recordo que também em 2014 um estudo patrocinado pela Comissão Europeia em oito países da Europa revelava, sem surpresa, que Portugal apresenta uma das mais altas percentagens, 38%, de jovens que gostava de prosseguir estudos mas não tem meios para os pagar.
Importa ainda acrescentar que estamos desde há anos com um abaixamento significativo da procura de ensino superior apesar de recentemente se ter registado uma pequena subida. As dificuldades económicas são a principal razão para não continuar.
De acordo com o Relatório da OCDE, Education at a Glance 2015, os custos da frequência de ensino superior em Portugal suportados pelo universo privado, sobretudo as famílias, era o mais alto da União Europeia, 45.7%.
Segundo o relatório "Sistemas Nacionais de Propinas e Sistemas de Apoio no Ensino Superior 2015-16", da rede Eurydice da União Europeia apenas Portugal e a Holanda cobram propinas a todos os alunos do ensino superior, sendo também Portugal um dos países com valores de propina mais altos. Já em 2011/2012 dados também da rede Eurydice mostravam que Portugal tinha o 10º valor mais alto de propinas na Europa, mas se se considerassem as excepções criadas em cada país, tem efectivamente o terceiro valor mais alto de propinas.
Recordo que no início de 2014 um estudo patrocinado pela Comissão Europeia em oito países da Europa revelava, sem surpresa, que Portugal apresenta uma das mais altas percentagens, 38%, de jovens que gostava de prosseguir estudos mas não tem meios para os pagar. É também preocupante o abaixamento que se tem vindo a verificar de procura de ensino superior apesar deste ano se ter registado uma pequena subida. As dificuldades económicas são a principal razão para não continuar.
As dificuldades sentidas por muitos estudantes do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público, quer no sistema privado com valores mais altos de propinas, são, do meu ponto de vista, consideradas frequentemente de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal entendimento parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um luxo, um bem supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.
A qualificação é a melhor forma de promover desenvolvimento e cidadania de qualidade pelo que apesar de ser um bem caro é imprescindível.
O abandono e a insuficiente procura por formação superior são comprometedores do futuro e dos objectivos estabelecidos no âmbito europeu para qualificação de nível superior em 2020 e dos objectivos enunciados pelo Ministro Manuel Heitor, seis em cada dez estudantes no ensino superior em 20130.

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

ACOMPANHAMENTO, MONITORIZAÇÃO E AVALIAÇÃO DA APLICAÇÃO DOS DL 54/2018 E 55/2018


Como muitas vezes tenho escrito e afirmado julgo que seria importante a existência de dispositivos de regulação no sistema educativo sendo que estes dispositivos de regulação não se sobrepõem, são funções diferentes, à acção da Inspecção-Geral da Educação e da Ciência.
Na altura da entrada em vigor do DL 54/2018, relativo ao Regime Jurídico da Educação Inclusiva, voltei a expressar a necessidade que me parece clara desse dispositivo de regulação. Aliás, tinha expresso essa necessidade durante a minha participação numa sessão de trabalho com o Grupo Interministerial que produziu a então proposta de legislação.
O que vai sendo conhecido do processo de entrada em vigor do DL 54/2018 que, recorde-se, coincide com a DL 55/2018 relativo aos currículos do ensino básico e secundário comprovam essa necessidade.
É, pois, significativo que o Despacho 9726/2018 de 17 de Outubro de 2018 determine a constituição de uma equipa de coordenação nacional com a “missão de acompanhar, monitorizar e avaliar a aplicação do Decreto -Lei n.º 55/2018 bem como do Decreto -Lei n.º 54/2018.
Esta equipa inclui:
a) Direcção -Geral da Educação (DGE), que coordena;
b) Inspecção -Geral da Educação e Ciência (IGEC);
c) Direcção -Geral da Administração Escolar (DGAE);
d) Direcção -Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE);
e) Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional, I. P.,
É determinada ainda a constituição de uma equipa técnica de apoio e a constituição de 5 equipas regionais:
a) Equipa da Região Norte, coordenada pela DGEstE;
b) Equipa da Região Centro, coordenada pela DGEstE;
c) Equipa da Região de Lisboa e Vale do Tejo, coordenada pela DGE;
d) Equipa da Região do Alentejo, coordenada pela DGE;
e) Equipa da Região do Algarve, coordenada pela ANQEP, I. P
O Despacho fixa a colaboração de diferentes estruturas do sistema educativo e um conjunto lato de objectivos e funções.
Pelo que expressei de início parece positiva esta iniciativa, a introdução de dispositivos de monitorização e avaliação, no entanto:
1 – Trata-se de uma iniciativa que não tem de forma significativa a participação de entidades externas  o que numa perspectiva de avaliação parece obviamente desejável;
2 – A definição de um conjunto tão vasto de objectivos e solicitações, envolve tudo o que respeita à “ao regime de educação inclusiva” e ajustamentos curriculares, pode inibir a eficácia desse trabalho criando redundância e burocracia que o sistema tem que chegue.
Tal como sempre tenho dito desejo muito que o processo de mudança em curso seja tão bem sucedido quanto possível. Alguns indicadores e o que vai sendo divulgado e conhecido de múltiplas fontes mostram que acontece o que sempre tem acontecido, escolas e professores a realizar excelente trabalho e ajustamento na intervenção e nas concepções e situações em que a resposta educativa aos alunos com necessidades especiais está longe do que os direitos, a qualidade e os princípios de educação inclusiva exigem.
Nesta matéria o sistema é verdadeiramente inclusivo, acomoda de tudo sem grandes sobressaltos a não ser os sentidos em cada momento pelos alunos, professores, técnicos e famílias que lutam por uma comunidade educativa na qual todos os alunos sejam, estejam, participem, pertençam e aprendam.

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

A HISTÓRIA DO DIFERENTE


Era uma vez um miúdo chamado Diferente. Quando chegou a altura de ir para a escola os Iguais pensaram que talvez fosse boa ideia o Diferente ir para a escola onde andavam os Iguaizinhos, os filhos dos Iguais.
Ao entrar na escola o Diferente achou, ainda não tinha visto muitos, que os Iguaizinhos que lá andavam também eram diferentes, isto é, não eram como ele, mas não, os Iguais explicaram aos Iguaizinhos que apenas o Diferente era Diferente, eles eram Iguaizinhos.
Assim, o Diferente foi para uma sala e os Iguais não sabendo muito bem o que fazer com um Diferente acharam melhor não fazer muita coisa, deram-lhe um brinquedo para estar entretido e aos Iguaizinhos ensinavam coisas da escola. O Diferente sentia-se aborrecido porque também gostava de aprender coisas da escola.
Aos intervalos, os Iguaizinhos iam brincar para o recreio e como os Iguais lhes tinham dito que aquele colega era um Diferente, achavam que talvez ele não soubesse brincar e, por isso, não brincavam com ele. O Diferente sentia-se triste porque gostava de experimentar brincar daquela maneira que os Iguaizinhos brincavam mas ficava num canto a olhar.
Na altura do almoço e dos lanches, os Iguais, temendo que o Diferente pudesse não estar à vontade sentavam-no num canto do refeitório a ver os Iguaizinhos a comer e a conversar o que o deixava pouco satisfeito.
Às vezes, os Iguais levavam os Iguaizinhos a passeios e a visitas mas como pensavam que o Diferente poderia não gostar ou sentir-se bem, deixavam-no na escola com o seu brinquedo. O Diferente não percebia porque não o levavam com os Iguaizinhos naquelas saídas.
Assim eram os dias do Diferente, naquela escola onde os Iguais, de tão cuidadosos e preocupados com ele, não deixavam que nada lhe acontecesse, mesmo nada, nem a vida.

MEDIAÇÃO ESCOLAR


Desde 2007, a Associação Empresários pela Inclusão Social - EPIS tem em desenvolvimento em algumas dezenas de escolas do país um programa de combate ao abandono escolar e de promoção do sucesso que tem atingido resultados positivos. Nos últimos dois anos lectivos, o sucesso dos alunos apoiados no 2.º e 3.º ciclo atingiu os 86%, mais 7,4 pontos percentuais do que em 2016. No 1.º ciclo, o aproveitamento dos alunos apoiados atingiu os 98,7%. Estes resultados positivos sustentaram o desenvolvimento do programa noutros países da Europa.
A intervenção assenta na criação de equipas de mediadores que promovem ou reconstroem, através de metodologias diferenciadas, uma relação mais positiva com o contexto escolar por parte de alunos em risco significativo de abandono e insucesso e também das suas famílias. 
A EPIS intervém este ano lectivo em 44 concelhos do continente, envolvendo 258 escolas com 156 técnicos a acompanhar cerca de oito mil alunos. A imprensa de hoje divulga a extensão da intervenção ao ensino secundário e à educação pré-escolar.
Este modelo, a utilização de mediadores na relação de alunos em dificuldade e as suas famílias com a escola, também tem sido utilizado em projectos com resultados positivos desenvolvidos pelos Gabinetes de Apoio ao Aluno e à Família, estruturas criadas em algumas escolas no âmbito da acção do Instituto de Apoio à Criança.
É também por isto que o Programa Tutorial que está em desenvolvimento por parte do ME é, potencialmente, um dispositivo interessante conforme já tenho afirmado e as boas práticas nacionais e internacionais vêm confirmando apesar de alguns dificuldades que já aqui referi.
A questão é que exigem recursos nem sempre disponíveis em quantidade e adequação ou têm o suporte de estruturas exteriores à escola como é o caso da EPIS ou do IAC, não que seja negativo mas porque não chega a todas escolas e o Programa Tutorial é manifestamente insuficiente.
A existência de figuras de mediação em contexto escolar, que transcende a função fundamental, subvalorizada e subaproveitada do meu ponto de vista, do Director de Turma, com o recurso a metodologias diferenciadas de trabalho com alunos, professores e famílias é, reconhecidamente, um contributo muito importante para a qualidade dos processos educativos e do trabalho de alunos e professores, diminuindo riscos de insucesso e abandono.
Nesta perspectiva levanta-se uma questão que me parece importante. Por um lado, a EPIS é uma associação de empresários que no âmbito da responsabilidade social e mecenato apoiam o desenvolvimento destas actividades em escolas públicas e o IAC é também uma estrutura exterior à escola.
Muitos dos professores que têm sido “forçados” a abandonar o sistema por diferentes razões e circunstãncias poderiam com relativa facilidade e formação desenvolver nas escolas o trabalho de mediação, por exemplo, que estruturas e meios, muitas vezes exteriores à escola vêm realizar, sendo que assim se abrangeriam as escolas públicas, todas as que necessitassem, não apenas as "privilegiadas" que acedem aos projectos da EPIS ou do IAC com critérios certamente ponderados mas que deixarão de fora comunidades com dificuldades.
A questão é que medidas desta natureza implicam a defesa de uma escola pública para todos, com os recursos suficientes e competentes para apoio a alunos, professores e famílias.

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

GOSTEI DE LER "A DISLEXIA E O DÉFICE DE ATENÇÃO ESTÃO MUITAS VEZES LIGADOS. É O MEU CASO"

Creio que é de ler e reflectir a entrevista a Luís Borges, neuropediatra, no DN, “A dislexia e o défice de atenção estão muitas vezes ligados. É o meu caso”. A sua leitura é tanto mais oportuna quanto é hoje apreciada no Parlamento a proposta do PN e do BE sobre o recurso a medicação como o metilfenidato e atomoxetina, usados para controlo do défice de atenção e hiperactividade, designadamente quando envolve crianças com menos de seis anos.
Já aqui escrevi relativamente a esta iniciativa que parece verificar-se um excesso de prescrição destes fámacos e de sobrediagnótico de situações o que, naturalmente, requer reflexão e prudência. No entanto, parece-me pouco defensável que seja o Parlamento a estabelecer regras de prescrição farmacológica em actos médicos.
Voltando à entrevista com Luís Borges. Conheço-o há umas décadas e cruzamo-nos de vez em quando nesta lida sobre os problemas e bem-estar de crianças e adolescentes. Sempre que tal acontece, a conversa é tão longa quanto as circunstâncias permitem e até as discordâncias tornam os encontros mais estimulantes.
Lembro-me de um serão em Óbidos, creio que em 1985 e a propósito de umas Jornadas sobre a infância, em que ficámos horas à conversa que também envolvia a Dra. Ana Maria Bénard da Costa e Dra. Adelaide Pinto Correia, já falecida, duas referências incontornáveis na sua área de intervenção, as necessidades educativas especiais e a saúde escolar, respectivamente. As histórias, as experiências e as ideias que por ali passaram!
A entrevista do Luís Borges, um Homem que tem dedicado a sua já longa carreira ao mundo dos mais novos e do seu bem-estar, veio recordar-me a sorte e a importância de conhecer pessoas como as que estavam naquele serão. Um abraço Luís, até um dia destes, num qualquer canto onde a lida nos leve.

terça-feira, 23 de outubro de 2018

A ESCOLA PODE FAZER A DIFERENÇA


Mais uma vez.
A escola, no seu sentido genérico, não tem responsabilidade directa por décadas de políticas urbanísticas, sociais, educativas, económicas que produzem exclusão e pobreza.
A escola, no seu sentido genérico, não tem responsabilidade directa na manutenção de estereótipos, preconceitos ou representações sociais sobre pessoas ou grupos.
No entanto, é pela escola que também passam as consequências deste cenário e das alterações positivas que podem acontecer.
Assim, não sendo por milagre, não sendo por acaso, não sendo por mistério, com recursos e visão a escola, cada escola, pode, deve, fazer a diferença e contrariar o destino de insucesso que aguarda, sobretudo, pelas crianças nascidas no lado menos confortável da vida.
Apesar de todas as dificuldades são possíveis as boas práticas que merecem divulgação e reconhecimento.
Do meu ponto de vista, tantas vezes aqui afirmado, a questão central será a valorização da escola pública. Esta valorização deverá assentar em quatro eixos fundamentais, a qualidade considerando resultados, processos, autonomia e gestão optimizada de recursos, segundo eixo, qualidade para todos, a melhor forma de combater os mecanismos de exclusão e a desigualdade de entrada, terceiro eixo, diferenciação de metodologias, diferenciação progressiva e não prematura dos percursos de educação e formação e, quarto eixo, dispositivos de apoio oportunos suficientes e competentes às dificuldades de alunos e professores.
Este entendimento, do meu ponto de vista, não carece de grande inovação, temos que chegue e já cansa a retórica da inovação.
Este texto vem a propósito das referências que hoje se encontram ao relatório da OCDE “Equity in Education: Breaking down barriers to social mobility” onde mais uma vez, com base no desempenho dos alunos no PISA, se mostram as dificuldades dos sistemas educativos, também em Portugal, de promoverem mobilidade social e equidade e de como as variáveis sociodemográficas contaminam o desempenho escolar. Importa, no entanto, sublinhar o progresso registado em diferentes dimensões.

DÚVIDA

Certamente deve-se ao cansaço e à idade mas continuo com dificuldade em entender coisas que vou lendo, vendo ou ouvindo. A questão é que me parece algo de irreal ouvir uma figura com impacto mediático global afirmar, "Sou um exemplo dentro e fora de campo", tendo bem visível no pulso um relógio que segundo a imprensa tem um valor de cerca de dois milhões de euros, sim, dois milhões de euros.
O mundo anda mesmo um lugar estranho.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

DE REGRESSO


Através de uma porta pequena Cavaco Silva saiu da actividade política. De vez em quando, sempre por portas pequenas surge numa espécie de prova de vida.
Cada vez que tal acontece releva a pequenez, a vingança e um intenso aroma a bafio e bolor.
A afirmação dirigida a Joana Marques Vidal que constará do seu segundo livro de memórias é notável e bem ilustrativa, "Surgiu perante mim uma mulher com ar simples e tímido, pouco entusiasmada com a perspetiva de ocupar um lugar da relevância jurídica e política como o de Procuradora-Geral da República."
Cavaco Silva foi o cidadão com uma mais longa e relevante carreira política em Portugal depois de 1974. Sempre se apresentou como um não político e com um discurso arrogante, pequenino face à política. Considerou-se sempre acima dos "mesquinhos" interesses da classe "política". Um fado conhecido da Manuela de Freitas cantado por José Mário Branco diz, "canta com aquilo que és, só podes dar o que é teu". Cavaco Siva sempre quis dar o que não era seu, a visão a clarividência, a seriedade política e intelectual, a isenção face aos interesses partidários.
Na verdade, Cavaco Silva sempre agiu com o que era seu, a pequenez autocentrada, a arrogância, a defesa clara dos políticos e das ideias" amigas", uma máscara mal composta de Homem acima dos homens. As suas intervenções mais recentes mantêm um elevado grau de coerência.
Partiu sem saudades, sem peso, sem grandeza.
Cada aparição confirma-o.

PAIS, FILHOS E PRÁTICA DESPORTIVA. DE NOVO


No JN noticia-se que o pai de um jovem jogador durante um jogo no concelho de Matosinhos invadiu o campo para agredir dois árbitros muitos jovens, um de 17 anos, de um jogo de futsal do escalão de iniciados, repito, iniciados, por ter expulso o seu filho. Apenas mais um episódio de uma série regular e inaceitável.
É claro que a esta atitude não será alheio o clima explosivo que se tem vindo a instalar com a prestimosa e esforçada colaboração de dirigentes e “comentadores” promovendo o risco cada vez maior de violência e agressão e acabando definitivamente com a velha fórmula do desporto como escola de virtudes. Torna-se cada vez mais difícil alimentar isto.
Por outro lado, é apenas uma questão de escala, trata-se de mais um retrato de como feias estão as relações entre as pessoas, comunidades ou países.
Parece-me de retomar algumas notas sobre a forma negativa como alguns pais se comportam quando assistem à prática desportiva dos filhos seja em treino, seja em competição.
O fenómeno não é novo, evidentemente. Já aqui contei este episódio, há mais de duas décadas o meu filho era praticante juvenil de uma modalidade colectiva num clube pequeno, hóquei em patins. Por curiosidade era guarda-redes, uma posição ingrata e que me deixava sempre inquieto com os riscos mas de que ele gostava, na qual se empenhava em conjunto com grupo de que ainda hoje conserva amigos.
Nos treinos, mas sobretudo em jogos o comportamento a que assistia por parte de alguns adultos (pais) era, por assim dizer, muito “envolvido”. Nem sequer falo das “orientações” constantes substituindo o treinador ou dos incentivos, da exigência e da pressão sempre ruidosas. Falo de em muitos recintos ver miúdos a ser insultados e ameaçados. Numa circunstância um dos miúdos foi mesmo agredido por uma senhora quando patinava junto à lateral do campo. Quando assistia a jogos em alguns locais o ambiente era preocupante e intimidatório. Estamos a falar de jogos entre crianças. Lamentável e um espelho de um quadro de valores instalado.
No entanto e sendo isto verdade, é importante também dizer que provavelmente mais do que hoje, as condições mudaram, eram o empenho e o voluntarismo de alguns pais que permitiam que muitas crianças praticassem algum desporto em clubes e estruturas muito pequenas e com meios e recursos insuficientes.
Ainda sobre a forma como alguns pais se relacionam com os filhos a propósito da prática desportiva deixo uma cena a que também assisti e que também aqui divulguei que parece elucidativa de uma atitude muito generalizada, lamentavelmente.
Actores principais - Pai e filho com uns 6 ou 7 anos
Actores secundários - A mãe que entre chamadas no telemóvel grita incentivos para o filho
Cenário - uma zona relvada com dois pinos colocados de forma a simular uma baliza.
Assistentes discretos - o escriba
Guião - O pai ensina o filho a dar pontapés numa bola de futebol em direcção à baliza dos pinos
Cena e diálogo (reconstruído a partir de excertos ouvidos pelo escriba)
O pai apontando para uma zona do pé do miúdo que tem botas de futebol calçadas - Já te disse que é com esta parte do pé que tens de acertar na bola, vê se tomas atenção.
O miúdo em silêncio faz mais uma tentativa que não sai muito bem, não acerta na baliza.
O pai - Assim não vale a pena, não fazes como te digo, tens que estar concentrado, (aqui lembrei-me do Futre, um homem concentradíssimo e, certamente por isso, um grande jogador).
O filho - Mas eu dei com esta parte.
O pai - És parvo, se tivesses dado com essa parte a bola tinha ido para a baliza. Faz outra vez.
O miúdo com um ar completamente sofredor executa o que em futebolês se chama o gesto técnico e a bola teimosamente voltou a não sair na direcção desejada.
O pai - Pareces burro, se queres ser jogador de futebol, tens que te aplicar, (será que o miúdo quer mesmo ou será o pai que quer viver um sonho que foi dele e que agora cobra no filho?).
O miúdo, desesperado, sentou-se no chão com ar de quem espera o fim do jogo.
O pai, irritado, mandou a bola para longe com um forte pontapé.
O escriba pensou que se o árbitro tivesse visto, o pai merecia um cartão por comportamento incorrecto.

domingo, 21 de outubro de 2018

UMA HISTÓRIA COM FUTURO


Uma passagem de olhos pela imprensa deixou-me inquieto, mais do que é habitual. Que raio de futuro está a crescer? Eu sei que não somos capazes de responder mas creio que a maioria de nós, em nome dos miúdos, se agarra à convicção ou esperança de que sejamos capazes de conter ameaças e nuvens que se levantam.
Antes de retomar a lida e neste contexto, esperança ou desesperança face ao futuro, uma pequena estória que escrevi há já algum tempo com base na pergunta que, provavelmente, os miúdos mais ouvem, “Que queres ser quando fores grande?”
Numa daquelas conversas que a Professora Joana fazia habitualmente com o seu grupo, estava discutir-se o que a miudagem se imaginava a fazer quando chegasse a grande. A maioria dos miúdos ia referindo as escolhas habituais na idade, médico, futebolista, professora, piloto de aviões, músico, trabalhar com computadores, etc. No entanto algumas respostas fugiam ao padrão mais frequente o que não deixou de surpreender a Joana.
O João, um dos miúdos mais activos e participativos do grupo queria ser Fazedor, explicando que como Fazedor poderia fazer todas as coisas de que as pessoas precisassem para, assim, ninguém ter falta de coisa nenhuma.
A Sara, uma mocinha muitíssimo arrumada e serena, disse no seu jeito tranquilo que queria ser Organizadora. Sendo Organizadora poderia mexer na vida das pessoas de forma que todos tivessem tempo para tudo e tudo pudesse ser feito, bem feito.
O Francisco, um puto esperto que passava parte do seu tempo na “Lua” afirmou convictamente que queria ser Sonhador. Se ele fosse Sonhador, um bom Sonhador, acrescentou, teria imensos sonhos para dar às pessoas que já não têm ou não são capazes de os ter.
Faltava só ouvir o Manel, o reguila. Foi ouvindo em silêncio, contra o hábito, pensou a Joana, quando o interrogou, “Então Manel, só faltas tu, que queres ser quando fores grande?”. O Manel hesitou e, de repente, afirma, “Quero ser Mandador”. Mandador? Exclamou toda a gente.
E o Manel, com o ar de quem sabe o que quer, explicou, “Quando for Mandador vou mandar as pessoas todas fazer o que o João, a Sara e o Francisco disserem”.
Ficamos à espera, digo eu. Precisamos mesmo.

O OVO DA SERPENTE


É assustador. O trabalho do DN sobre a forma como também em Portugal as redes de notícias falsas estão activas e fazem o seu caminho. Não são coisas lá de longe que inquietam mas não estão próximas.
Estamos a incubar o ovo da serpente, os ovos da serpente, que vão eclodindo em múltiplas sociedades à escala global. A ameaça é séria, as consequências podem ser devastadoras e soltar-se a Besta.
Que mundo estamos a deixar que se construa para os nossos filhos e netos?

Como funciona uma rede de notícias falsas em Portugal

sábado, 20 de outubro de 2018

DIA MUNDIAL DO COMBATE AO BULLYING

Para que não nos esqueçamos o calendário das consciências determina para hoje o Dia Mundial do Combate ao Bullying. Também durante o mês de Outubro são desenvolvidas em diferentes comunidades educativas iniciativas com o objectivo de prevenir e chamar a atenção para este fenómeno. Algumas notas repescadas.
Diferentes estudos sugerem que em Portugal entre 20 a 30% de adolescentes até aos 13 e os 15 anos já se terá envolvido em episódios de bullying verificando-se com particular preocupação a subida significativa de cyberbullying e também o envolvimento de crianças mais novas. Relativamente ao cyberbullying foram recentemente conhecidos dados de um trabalho da Faculdade de Psicologia da Univ. de Lisboa envolvendo 1607 adolescentes de dez escolas da região de Lisboa e sul do país. Entre os inquiridos, alunos do 5º ao 12º, 82% afirma já ter assistido, 47% refere já ter sido vítima e 40% refere comportamentos de agressor como insultos, boatos ou comportamentos de “gozo” nas redes sociais e chats. Por comportamento, 69.4% são insultos, 68.7% são “gozo” e 63.9% referem-se a boatos. De referir ainda que os episódios de cyberbulling yendem a aumentar a partir dos 13 anos.
Sabe-se também que a ocorrência de situações de bullying é bem superior ao número de casos que são relatados e que adolescentes ou jovens com necessidades especiais estão mais vulneráveis como também alguns estudos sugerem.
Uma das características do fenómeno, nas suas diferentes formas, incluindo o emergente e preocupante cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais se justifica a atenção proactiva e preventiva de pais, professores, direcções escolares, técnicos  ou funcionários.
Este cenário determinaria, só por si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem prevenir e minimizar consequências do volume de episódios reconhecido, alguns dos quais de gravidade severa.
É imprescindível que lhes dediquemos atenção ajustada, nem sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade, nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.
Neste universo importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição, quando for caso disso.
O volume de episódios mostra a necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e alunos possam obter informação e apoio. Existem, felizmente, várias iniciativas com um trabalho importante mas apesar da colaboração em projectos nas escolas, estão fora da escola.
A existência de dispositivos de apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes, a presença de assistentes operacionais com funções de supervisão dos espaços escolares, é, a par de ajustamentos nos modelos de organização e funcionamento das escolas e de uma séria reestruturação curricular, uma tarefa urgente. Ao que se lê no JN, a Direcção-Geral da Educação prepara programa online "Bullying e ciberbullying: prevenir e agir", de apoio a escolas, professores e pais para melhor responder a esta questão.
Sabemos que os recursos são finitos mas consequências de não mudar são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos atenção, seja em casa, ou na escola, espaço onde passam um tempo enorme.
Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser grave.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

O UNIVERSO TRANQUILO DA VIDA DOS DOCENTES


São agora conhecidos os resultados do estudo realizado pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova em parceria com a Fenprof sobre as condições pessoais dos professores. Estão em estudo dimensões relativas ao “desgaste emocional, “burnout” incluído”, e sobre as condições em que estes trabalham - se há cansaço, desânimo, desmotivação ou, pelo contrário, alegria.”
Dos dados conhecidos relativos a 18420 respostas 47,8% dos professores revela sinais no mínimo preocupantes de exaustão emocional, 20,6% mostram sinais “preocupantes”, 15,6% revelam “sinais críticos” e 11,6% apresentam “sinais extremos” de esgotamento.
Cerca de 70% dos docentes inquiridos revela uma vontade “muito elevada” de reforma antecipada sendo que 84% dos docentes se reformava antecipadamente se não existisse penalização. Verifica-se também a elevada referência ao consumo de fármacos.
Cerca de 63% com preocupação com a indisciplina e é bastante significativa uma referência negativa à burocracia.
A importância destes resultados justifica o retomar de algumas notas.
Segundo o relatório “Perfil do Docente”, produzido pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência relativo ao ano 2016/2017 acentuou-se  o envelhecimento dos professores portugueses.
No universo da educação pré-escolar apenas 13 profissionais da rede pública têm menos de 30 anos, 0.1%, enquanto 6034 educadores de infância, 74% têm 50 ou mais anos. No 1º ciclo no sistema público, entre 24 435 docentes apenas 16 têm menos de 30 anos, 0.1% do total. Do outro lado, 38%, 9298 têm 50 ou mais anos.
No 2º ciclo, temos 19 398 docentes dos quais 872 têm menos de 30 anos, 4.5% e 10271 com 50 anos ou mais, 53%.
No 3º ciclo e secundário, em 63473 professores temos 290 com menos de 30 anos, 0.5%, e 30242 com 50 anos ou mais, 48%.
Um outro indicador, a idade média, mostra que na educação pré-escolar é de 52 anos, no 1º ciclo 47 anos, no 2º ciclo 50 anos e no 3º ciclo e secundário 49 anos.
Se considerarmos o grupo de professores com 40 anos ou mais, temos 96% na educação pré-escolar, 78% no 1º ciclo, 87% no 2º ciclo e 86% no 3º ciclo e secundário.
Os dados conhecidos estão em linha com os resultados de outros trabalhos que também relacionam o mal-estar e cansaço com a idade, a população com que se trabalha, é superior no secundário e as causas estão associadas a turmas com elevado número de alunos, o comportamento indisciplinado e desmotivação dos alunos, a pressão para os resultados, insatisfação com as condições de desempenho, carga horária e burocrática, falta de trabalho em equipa, falta de apoio e suporte das lideranças da escola.
Na verdade, os dados agora conhecidos só podem surpreender quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam pela comunicação social perorando sobre educação e sobre os professores. Aliás, esta situação verifica-se noutros países, sendo que para além dos professores, os profissionais de saúde e de apoios sociais também integram os grupos profissionais mais sujeitos a stresse e burnout.
Este quadro é inquietante, uma população docente envelhecida e a revelar preocupantes sinais de desgaste.
Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação pelas mais variadas razões incluindo emocionais, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.
As salas de professores são cada vez mais frequentadas, quando há tempo para isso, por gente envelhecida, cansada que se sente desvalorizada, pouco apoiada, e que muitas vezes, demasiadas vezes, pergunta "Quanto tempo é que te falta?"
Na verdade, ser professor é uma das funções mais bonitas do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente, mas é seguramente uma das mais difíceis e que mais respeito e apoio deveria merecer. Do seu trabalho depende o nosso futuro, tudo passa pela educação e pela escola.
Os sistemas educativos com melhores resultados são, justamente, os sistemas em que os professores são mais valorizados, apoiados e reconhecidos.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

A CHAVE DO SUCESSO


O meu fim de tarde ontem passou-se na escola EB 2,3 Paulo da Gama para mais uma conversa com pais e encarregados de educação.
Desta vez o tema era a adolescência.
Partimos da ideia de que a adolescência não é a “idade” dos problemas e das inquietações, é “apenas” mais uma “idade”, com problemas e inquietações diferentes de outras “idades” mas com a mesma probabilidade de que apesar dos sobressaltos as coisas corram de forma positiva.
Falámos e discutimos matérias como “companhias”, “regras e limites”, “autonomia e regulação”, “consumos”, “desempenho escolar e papel dos pais” ou, na base de tudo, a relação e comunicação.
Foi bonita a conversa pá!
Mas gostei mesmo que me tivessem dado um símbolo da escola que é oferecido a todos os que fazem parte da comunidade educativa, a chave do sucesso.
São também isso a escola e a família.




quarta-feira, 17 de outubro de 2018

NOTÍCIAS DOS RANKINGS ESCOLARES

Agradecendo a divulgação feita pelo Paulo Prudêncio no blogue Correntes, registe-se a qualidade deste espaço da blogosfera, refiro algo que nos está longe mas merece atenção. Singapura decidiu abolir os rankings escolares com base nos resultados em exames bem como não divulgar outras informações de natureza comparativa sobre o desempenho escolar dos alunos.
A decisão, de acordo como o Ministro da Educação, Ong Ye Kung, assenta no princípio a promover junto dos alunos e famílias que “aprender não é uma competição”.
A decisão é ainda mais surpreendente considerando a posição cimeira habitualmente ocupada por Singapura nos estudos comparativos internacionais e na fortíssima cultura de defesa destes dispositivos.
Esta decisão merece umas notas pois muitas vezes aqui fomos abordando a questão dos rankings.
Na última vez que aqui me referi à questão afirmei que apesar de continuar com dificuldade em defender a sua bondade não tenho uma atitude fundamentalista face à sua construção, sobretudo considerando a evolução que se tem verificado nos últimos anos, quer na disponibilização de informação por parte do ME para além dos “meros” resultados da avaliação externa, quer na forma como essa informação é tratada e divulgada por diferentes entidades.
No entanto, apesar da muita informação revelada, os rankings mostram tudo, só não mostram o que se fará a seguir com a informação que os rankings mostram. Na verdade, também não mostram o que não se pode medir mas se pode avaliar e que é tão essencial como o que se mede. Dito de outra maneira, “Qual tem sido o contributo significativo da organização e divulgação destes “rankings” para a melhoria da qualidade do sistema?”.
Sendo um defensor intransigente de uma cultura e prática de exigência, avaliação e qualidade, parece-me bem mais importante o aprofundamento dos mecanismos de autonomia e responsabilização e a constituição obrigatória em todos os agrupamentos ou escolas de Observatórios de Qualidade (muitas têm) que integrem também elementos exteriores à escola. Existem capacidade técnica e recursos suficientes. O trabalho realizado por esses Observatórios, este sim, deveria ser divulgado e discutido em cada comunidade e passível de leituras cruzadas com dados nacionais.
Ainda a propósito, Gert Biesta da Universidade Stirling numa obra notável, "Good Education in a Age of Measurement - Ethics, Politics, Democracy", afirma que uma obsessão centrada na medida, assenta na gestão continuada de uma dúvida, "medimos o que valorizamos ou valorizamos o que medimos?". NO mesmo sentido e numa entrevista ao Público em 2011, o Professor Biesta afirmava sugestivamente, “Os rankings são muito antiquados e não devem ter lugar numa sociedade civilizada". Aliás, nesta altura assisti a uma sua notável conferência sobre a questão da medida e da avaliação em educação.
Uma pequena curiosidade relativa a Singapura. Em 2014 o Expresso dedicou um trabalho a alguns países asiáticos que habitualmente ocupam lugares cimeiros nos estudos comparativos internacionais. Foram referidas as experiências de famílias portuguesas com filhos nesses sistemas educativos. Uma mãe referiu que em Singapura uma das primeiras coisas que mais a impressionou foi a dimensão das filas de crianças à porta dos centros de explicações ao fim de semana, "parecem formigas", "No 6º ano os alunos são submetidos a um exame nacional, Só os mais bem classificados acedem às escolas secundárias de elite, a que todos aspiram". Uma outra mãe portuguesa também em Singapura afirmou "Há a assumpção de que todos têm de ser bem-sucedidos. Quem tem mais dificuldade é posto de parte. Estão a surgir cada vez mais casos de depressão entre as crianças".
Como escrevi na altura, não quero esta escola e esta educação para os meus netos e para todos os outros miúdos.
Pode ser que a decisão agora tomada mostreque é possível que a imprescindibilidade de avaliar e medir em educação não tem que a transformar numa competição exacerbada e promotora de mal-estar.

terça-feira, 16 de outubro de 2018

EDUCAÇÃO E AUTONOMIA


Nas minhas regulares conversas com pais e encarregados de educação, seja qual for o pretexto do encontro, surgem inevitavelmente o que brincando chamo de perguntas proibidas. Quase sempre depois de uma pequena introdução começam assim “A partir de que idade o meu filho(a) pode …?”. Como calculam o final da questão tem múltiplas variações, “pode brincar na rua”, “pode sair à noite, “pode ir sozinho(a) para a escola?”, “pode ficar só em casa?”, etc.
Vem esta introdução a propósito  de uma peça no JN sobre a “idade certa para os filhos receberem a chave de casa”.
Já tenho colaborado em trabalhos na imprensa sobre estas questões e, na verdade, não entendo que existam respostas definitivas para questões desta natureza, sendo certo que a segurança e bem-estar das crianças devem ser uma prioridade absoluta. Daí referir-me a “perguntas proibidas”, os pais solicitam uma orientação precisa e que lhes transmita segurança o que se torna, evidentemente, impossível.
Para além de aspectos mais globais a que já volto, em muitas circunstâncias os estilos e condições de vida em pressionam os pais par decisões neste âmbito que que sentem como fáceis, recordo que no que diz respeito ao ficar só em casa que muitas famílias se confrontam com sérias dificuldades para assegurar a guarda dos filhos durante os prolongados horários laborais.
Retomando uma reflexão mais geral, do meu ponto de vista, a questão central nestes processos é a autonomia de crianças, adolescentes e jovens e a forma como a promovemos ... ou não.
De há muito e sempre que penso ou falo de educação me lembro de um texto de Almada Negreiros em que se afirma "... queria que me ajudassem para que fosse eu o dono de mim, para que os que me vissem dissessem: Que bem que aquele soube cuidar de si". Este enunciado ilustra, do meu ponto de vista, a essência da educação, seja familiar ou escolar, em qualquer idade.
De facto, o que se pretende num processo educativo será a construção de gente que sabe tomar conta de si própria da forma adequada à idade e à função que em cada momento se desempenha. Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", no fundo, a velha ideia de, "ensinar a pescar, em vez de dar o peixe".
Parece-me fundamental que adoptemos comportamentos que favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens. No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de vida, com os valores culturais e sociais actuais, com as alterações das sociedades, questões de segurança, por exemplo, estamos a educar os nossos miúdos de uma forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua autonomia. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia. É neste contexto que devem ser colocadas, trabalhadas e decidas as dúvidas sobre o que criança ou adolescente pode ou não fazer só.
Por outro lado, os miúdos são permanentemente bombardeados com saberes e actividades que serão obviamente importantes para o seu desenvolvimento e para o seu futuro mas, ao mesmo tempo, são miúdos, pouco autónomos, pouco envolvidos nas decisões que lhes dizem respeito cumprindo agendas que lhes não dão margem de decisão sobre o quê e o porquê do que fazemos ou não fazemos. Acabam por se tornar menos capazes de decidir sobre o que lhes diz respeito, dependem da "decisão de quem está à sua volta, companheiros ou adultos.
Um exemplo, para clarificar. Um adolescente não habituado a tomar decisões, a fazer escolhas, mais dificilmente dirá não a uma oferta de um qualquer produto ou um a convite de um colega para um comportamento menos desejável. É mais difícil dizer não do que dizer sim aos companheiros da mesma idade. Num sala de aula é bem mais provável que um adolescente tenha um comportamento adequado porque "decida" que é assim que deve ser, do que por "medo" das consequências.
Só crianças, adolescentes e jovens autónomos, autodeterminados, informados e orientados sobre os riscos e as escolhas serão mais capazes de dizer não ao que se espera que digam não e escolher de forma ajustada o que fazer ou pensar em diferentes situações do seu quotidiano, na sala de aula, no bairro ou em casa. Este entendimento sublinha a importância de em todo processo de educação, logo de muito pequeno, em casa e na escola, se estimular a autonomia dos miúdos. É que se eles não tomarem bem conta se si passaremos, pais e professores, boa parte do tempo a "tomar conta deles" e ... muitas vezes não conseguimos.
Creio que este entendimento está pouco presente em muito do que fazemos em matéria de educação familiar ou escolar e para todos os miúdos.
Todos beneficiariam, miúdos e adultos.

A LER, "PAIS USAM TELEMÓVEIS E TABLETS COMO BABYSITTERS"


No Público está um trabalho interessante, “Pais usam telemóveis e tablets como babysitters”. Está em linha com o texto que há dois dias aqui deixei “ e em linha com que há dias aqui escrevi, “PAIS, FILHOS, SMARTPHONES, TABLETS, ...”.
Trata-se de facto de uma questão importante, o peso e o impacto destes dispositivos nos níveis de comunicação e interacção nos actuais contextos familiares, e para a qual muitos pais não estão suficientemente atentos ou, estando, pedem ajuda dadas as dificuldades que sentem.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

O "PRESENTISMO" E OS "ESCOLANTES"


No Expresso encontra-se uma peça muito interessante sobre as condições de trabalho, a produtividade, a organização do trabalho, a dificuldade de conciliar vida familiar e carreira profissional, etc. A peça assenta num o inquérito sobre a qualidade de vida na Europa realizado em 2016 pela Eurofound, Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho.
Uma questão particularmente interessante é a presença significativa do “presentismo” na cultura das organizações. Dito de outra maneira, o trabalhador está presente no local de trabalho mesmo em situações horário prolongado mesmo que não esteja a fazer nada de relevante, não seja necessário ou não esteja em condições. O importante é estar presente. Creio que boa parte de nós já passou por situações desta natureza.
Esta situação também tem paralelo com o mundo da educação, muitos estudantes tendem a assumir a condição de “escolantes”, vão até à escola ou às suas imediações, por vezes até vão às aulas mas já não estudam, são escolantes vão à escola para “socializar” .
A partir de certa altura, perto de escolas de 2º e 3º ciclo ou secundário e no interior de estabelecimentos de ensino superior podemos verificar o número significativo de alunos que deambula pelos espaços da escola ou pelas imediações. Presumo que tal situação não se deva a absentismo de docentes pois as escolas costumam acautelar essa questão com actividades de substituição ou existem espaço de trabalho para além das salas de aula, exemplo que inclui o ensino superior. Acho que muitos dos alunos que vejo fora das salas de aula estão a caminho de perder a condição de "estudantes", e estarão em vias de passar a "escolantes", ou seja, os que já só vão à escola ou para perto da escola, já não estudam.
Acontece ainda que alguns destes alunos ainda frequentam algumas aulas mas sem grande motivação, envolvimento ou rendimento, cumprem o “presentismo”, estão lá.
É verdade que este cenário costuma não acontece apenas agora mas de facto torna-se mais evidente a partir do meio do segundo período, quando as expectativas de sucesso começam a baixar significativamente e levam à desmotivação, primeiro, e posteriormente para muitos, ao deixar de aparecer nas aulas, não vai servir de nada, já perderam o comboio, já "não vão lá". São os grandes candidatos ao empurrão para o ensino vocacional, não servem para o trabalho intelectual. No ensino superior vão cumprindo umas cadeiras, com maior ou menor facilidade, prolongam o tempo de curso que as bolsas familiares permitem ou acabam por desistir.
No entanto, continuam a deslocar-se diariamente para a escola, é lá que estão os seus amigos e, apesar de tudo, é lá que eles acham que devem estar apesar dos discursos negativos e agressivos que produzem com frequência sobre a escola. Ninguém gosta do fracasso, os discursos e os comportamentos nas mais das vezes mascaram o mal que se sentem pelo fracasso escolar e pelo que isso significa.
A tarefa de alunos e professores não é, longe disso, uma tarefa fácil. Tenho alguma esperança que com o reforço da autonomia das escolas, com alguns ajustamentos nos conteúdos e na gestão curricular, com dispositivos competentes e suficientes de apoio ao trabalho de alunos e professores possamos ajudar à reversão, mais uma reversão, na condição de “escolantes” de alguns adolescentes e jovens. Talvez pudessem reaver a sua condição de estudantes.
Seria bom para todos.

domingo, 14 de outubro de 2018

PAIS, FILHOS, SMARTPHONES, TABLETS, ...


A propósito do lançamento recente do seu livro” Pais Sem Pressa – O tempo na relação entre pais e filhos”, Pedro Strecht tem uma entrevista interessante no DN a que tem como cabeçalho “Quantas vezes não vemos famílias a jantar, cada um agarrado ao seu ecrã?”
Dá para perceber como é actual e pertinente a matéria em análise. Mais um contributo.
Um relatório muito recente do Pew Research Center a que também o DN fez referência mostrou alguns indicadores sobre a forma como pais e adolescentes percebem a sua relação com os dispositivos digitais e a forma como cada grupo, pais e filhos, avalia o comportamento do outro neste universo. Apesar de realizado com adolescentes e pais dos EUA, 743 adolescentes de 13 a 17 anos e 1048 pais, os dados são um bom contributo para a reflexão.
Do extenso volume de informação e pela menos frequente abordagem duas referências.
Cerca de 36% dos pais inquiridos entende que gasta demasiado tempo ao telemóvel enquanto 54% dos adolescentes também avalia como tempo excessivo a sua utilização.
Na relação entre si, 72% dos pais considera que os filhos estão mais focados no telemóvel quando tenta dialogar com os filhos enquanto destes (30% muito frequentemente), 51% entende que os seus pais estão mais centrados no telemóvel quando tentam estabelecer conversa (14% muito frequentemente).
Antes de umas notas parece-me oportuno recordar um trabalho também dos EUA divulgado em 2014 e que envolveu um número significativo de crianças com idades diferentes sobre a sua percepção das relações com os seus pais e das relações destes com dispositivos como telemóveis ou tablets.
O estudo sugeria que as crianças expressam de forma muito clara um aumento da distância, da desatenção e de dificuldades relacionais pois sentem os pais numa sobreutilização daqueles dispositivos em detrimento do contacto consigo e da atenção que lhes dedicam.
Estes estudos são importantes desde logo porque ouvem crianças e adolescentes e vêem ao encontro de outras investigações e das experiências que vamos conhecendo em muitas famílias.
A falta de disponibilidade e atenção para os miúdos, mesmo quando estão com eles, também contribuem para que muitíssimas crianças e jovens sintam que vivem à beira de pais para os quais passam completamente despercebidas, são as que eu chamo de crianças transparentes, olhamos para elas, através delas, como se não existissem. Não estando desaparecidas, estão abandonadas. Algumas delas não possuem ferramentas interiores para lidar com tal abandono e desaparecem, mantendo-se à nossa vista, no primeiro buraco que a vida lhes proporcionar, um ecrã onde até encontram outros companheiros tão abandonados quanto eles, o consumo de algo que lhes faça companhia ou a adrenalina de quem nada tem para perder.
Em boa parte das situações pode ficar difícil ir à procura destas crianças e adolescentes e, por vezes, alguns perdem-se de vez.
Como é evidente, estas duas abordagens, o uso excessivo de telemóveis ou de tablets e smartphones como “baby sitters” para as crianças, desde muito novas e sem controlo parental, bem como o também excessivo uso destes dispositivos por parte dos adultos contaminando negativamente a sua disponibilidade para os mais novos não visam diabolizar a sua utilização
Pretendem apenas que essa utilização obedeça tanto quanto possível a regras de bom senso e adequação e que não corra o risco de substituir a mais importante e potente das ferramentas educativas em contexto familiar, a relação, comunicação, entre pais e filhos.
Acresce ainda que os estilos e circunstâncias de vida actuais são poderosos inimigos do tempo disponível para esta relação o que mais sublinha a necessidade de o usar da melhor forma.

A TERRA ANDA ZANGADA


Imagino que a Terra comece a ficar cansada da irresponsabilidade delinquente desta gente que a povoa, sobretudo dos que lideram. Depois de tanta asneira insistem nos maus-tratos e não se entendem sobre a forma de mudar de rumo.
Dão-lhe cabo das entranhas, alteram-lhe o clima, mudam paisagens, esgotam-na, deixam-na estéril e sem sustento ou, pelo contrário, a água é muita, devasta o que apanha pela frente.
A Terra não está a aguentar e zanga-se. E nós também não aguentaremos.
A minha avó Leonor, mulher de sabedoria, costumava dizer que não era bom a gente meter-se com a Terra, com a natureza, e maltratá-la. A natureza vai ser sempre maior que a gente e não aceita que mandem nela.
Quando acorda zanga-se e quando se zanga os efeitos são devastadores. Apesar destes avisos não parece que a levem a sério.
Esta gente não aprende mesmo, já não espero que o fizessem em nome deles, os seus interesses imediatos não deixam. Mas podiam fazê-lo em nome dos filhos, dos filhos dos filhos, dos filhos dos filhos dos filhos, 

sábado, 13 de outubro de 2018

AINDA O ACORDO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO


Creio que passou despercebida a notícia de que a Academia Angolana de Letras solicitou ao Governo angolano que o Acordo Ortográfico de 1990 não seja ratificado. É um dado importante para estse processo dado que apenas Portugal, S. Tomé e Príncipe, Brasil e Cabo Verde procederam à ratificação.
Creio que vale a pena insistir, importa que não nos resignemos. É uma questão de cidadania, de defesa da Cultura e da Língua Portuguesa.
Como tantas vezes tenho escrito, desculpem a insistência e não inovar, entendo, evidentemente, que as línguas são estruturas vivas, em mutação, pelo que requerem ajustamentos, por exemplo, a introdução de palavras novas ou mudanças na grafia de outras, o que não me parece sustentação suficiente para o que o Acordo Ortográfico estabelece como norma.
Não sou, evidentemente, um especialista mas parece-me que o cerne da questão reside, de facto, no entendimento, cito o presidente da Academia das Ciências de Lisboa, de que “Qualquer tentativa de uniformização ortográfica nos diversos países que usam a língua portuguesa como oficial é utópica” e que “o normal é o respeito pelas ortografias nacionais".
É esta perspectiva que informa o que se passa, por exemplo, com o inglês ou o castelhano/espanhol que têm algumas diferenças ortográficas ou na linguagem oral nos diferentes países em que são língua oficial, sem que daí advenha qualquer perturbação ou drama mas isto dever-se-á, certamente, a ignorância minha e à pequenez irrelevante daquelas comunidades anglófonas ou com língua oficial castelhano/espanhol.
Acresce que as explicações que os defensores, especialistas ou não, adiantam não me convencem da sua bondade, antes pelo contrário, acentuam a ideia de que esta iniciativa não defende a Língua Portuguesa. O seu grande defensor Malaca Casteleiro refere até "incongruências" no AO, o que, aliás, me parece curioso, para ser simpático. Dito de outra maneira, desencadeamos um acordo com esta amplitude e implicações para manter "incongruências e imperfeições" que abastardam a ortografia da Língua Portuguesa.
Por outro lado, a grande razão, a afirmação da língua portuguesa no mundo, também não me convence. Voltando ao exemplo do inglês e do castelhano/espanhol que têm diferenças ortográficas nos diferentes países em que são língua oficial, não parece sejam conhecidas particulares dificuldades na sua afirmação, seja lá isso o que for.
O que na verdade vamos conhecendo com exemplos extraordinários é a transformação da Língua Portuguesa numa mixórdia abastardada.
Como tenho escrito e repito, vou continuar a escrever assim, desacordadamente.

CRÓNICA DE UMA DEMISSÃO ANUNCIADA


Pronto, o Ministro da Defesa caiu. Desde o início todo o episódio das armas roubadas em Tancos e devolvidas na Chamusca era uma espécie de crónica de uma demissão anunciada.
Como é habitual nestas situações apesar da sua raridade vai falar-se de sentido de estado, responsabilidade e princípios, blá, blá, blá.
No entanto e como também é habitual, tanto mais num Ministro da Defesa, os ministros sempre que caem têm excelentes pára-quedas e “aterram” num lugar “fofo”. A sua competência, sentido de estado, princípios e ética republicana assim o determinam.
Às vezes também acontece que façam uma curta travessia do deserto para que a poeira assente. É sabido, como disse um ministro que também caiu, que “há muita fraca memória”. Aliás o autor também aterrou num lugar fofo depois da queda. 
A ver vamos onde aterra Azeredo Lopes.

PS - Reparei agora ao aceder ao Público online que este texto tem o mesmo título da peça de Manuel Carvalho sobre a mesma questão. Trata-se uma coincidência lamentável, até porque tinha escrito o texto ontem à noite para o divulgar hoje de manhã.

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

OBRIGADO SENHORES DA MOODY'S


Obrigado senhores da Moody’s, já não nos chamam lixo, foi a última deste bando de abutres a retirar-nos do lixo. É muita generosidade e compreensão da vossa parte e da qual não somos merecedores. 
É verdade que ainda somos quase lixo, mas não somos lixo o que é muito importante.
Não é que não nos lixem na mesma.

A CERTIFICAÇÃO DE CONCLUSÃO DO SECUNDÁRIO E O ACESSO AO SUPERIOR


O ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior reafirmou ao Público não será alterado o acesso ao ensino superior que assenta no concurso nacional com base quase exclusiva nos resultados dos exames finais do secundário. Não me parece o melhor caminho e quero acreditar que seja uma questão de tempo a verificação da alteração necessária.
A este propósito recordo que em Fevereiro deste ano Andreas Schleicher, director do Departamento de Educação da OCDE, expressou a “esperança de que Portugal acabe “por deixar cair” o sistema de exames nacionais ligado ao acesso ensino superior, uma realidade que identificou como um dos “principais problemas” do sistema educativo português, pela pressão que exerce sobre professores, alunos e famílias e pela uniformização do ensino que promove”.
Também os responsáveis pela Associação Nacional de Directores e Agrupamentos de Escolas Públicas e da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, Filinto Lima e Manuel Pereira, bem como a CONFAP através do seu presidente têm expressado concordância com esta mudança. A mesma posição expressei em texto no Público em 2016.
Acresce que o peso dos exames nacionais no acesso ao superior ainda alimenta o continuado e reconhecido inflacionar de notas da avaliação interna, sobretudo em escolas privadas, de forma a melhorar as médias de candidatura como estudos do CNE e da Univ. do Porto mostraram e são conhecidos do ME. Aliás, o grupo de trabalho constituído pelo Governo para avaliar o regime de acesso ao superior propôs uma correcção das médias dos alunos que estudam em escolas que atribuem notas inflacionadas. Não se conhecem resultados e pelo que diz o ministro nada se alterará.
Retomo algumas notas de escritos anteriores.
Parece-me claro que a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados.
Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário. Neste cenário caberiam também as outras modalidades que permitem a equivalência ao ensino secundário, como é o caso do ensino artístico especializado ou recorrente em que também se verificam algumas "especificidades", por assim dizer.
O acesso ao ensino superior é um outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela minimizando também os efeitos pouco positivos reconhecidos pela OCDE na relação estabelecida por alunos, escolas e famílias com os exames e os efeitos dessa relação.
A situação existente, não permite qualquer intervenção consistente do ensino superior na admissão dos seus alunos, a não ser a pouco frequente definição de requisitos em alguns cursos, o que até torna estranha a passividade aparente por parte das universidades e politécnicos, instituições sempre tão ciosas da sua autonomia. Parece-me claro que o ensino superior fazendo o discurso da necessidade de intervir na selecção de quem o frequenta não está interessado na dimensão logística e processual envolvida.
Sublinho minimizando equívocos que a questão não está na existência ou importância dos exames finais do secundário que não me parece colocar grandes dúvidas. A questão é que os resultados obtidos nesses exames deveriam constituir apenas um factor de ponderação a contemplar com outros critérios nos processos de admissão organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em muitos países.
Sediar no ensino superior o processo de admissão minimizaria muitos dos problemas conhecidos decorrentes do facto da média de conclusão do ensino secundário ser o único critério utilizado para ordenar os alunos no acesso e eliminaria o “peso” das notas inflacionadas em diversas circunstâncias.