AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

segunda-feira, 31 de julho de 2017

PROLONGADA A DISCUSSÃO PÚBLICA DO "REGIME GERAL DA INCLUSÃO ESCOLAR"

No Portal da DGE encontra-se a informação de que a consulta pública do “Regime Legal da Inclusão Escolar”, a proposta de alteração do DL 3/2008, foi prolongada até 30 de Setembro.
Parece uma medida de bom senso, o mesmo bom senso que se espera relativamente ao calendário e metodologia de eventuais alterações. Na verdade e como o povo diz, depressa e bem não há quem.
Como tenho defendido, entendo que um melhor enquadramento legislativo é uma ferramenta crítica na mudança positiva do que se passa em matéria de resposta à diversidade dos alunos. O DL 3/2008 carecia, carece, de mudanças significativas e por isso vejo com agrado alguns ajustamentos contidos na proposta que um destes dias mais leves em termos profissionais comentarei por aqui.
No entanto, os processos de mudança estão para além das alterações legislativas, são muito complexos e nem sequer envolvem “apenas” aspectos da educação. Peço desculpa de uma nota mais profissional mas, por exemplo, as dimensões psicológicas dos processos de mudança e a forma mais ou menos participada como são promovidos, têm um papel fortíssimo e que em cada contexto terá de ser trabalhado, mudar gera frequentemente inseguranças que inibem alterações.
Os processos de mudança devem ser apoiados e regulados.
O “wishful thinking” ou, por outro lado, o “contrismo” que também (me)nos tenta por voluntarismo e convicção não são amigáveis dos processos de mudança. Requerem o tempo e o modo. 

O HOMEM QUE FALA SÓ

A maioria das pessoas daquele bairro conhece-o, o Homem que fala só. Conhecem-no exactamente por esta característica, fala só. No café à frente de um chá e de um livro ou de um jornal, no jardim, se o tempo o permite, ou mesmo quando deambula pelas ruas para desenferrujar o corpo, o Homem mantém consigo mesmo animadas conversas. Apenas se dirige a outras pessoas para o indispensável do dia a dia e logo retorna à conversa consigo.
Claro que a generalidade das pessoas o acha esquisito, por assim dizer, na verdade em voz mais baixa pensam que o juízo do Homem está um bocado abalado, ninguém passa o tempo a falar só. Quando ele entra em algum espaço as pessoas calam-se e ficam discretamente a olhar e a ouvi-lo e depois comentam como é triste alguém comportar-se assim, perder o juízo.
As pessoas não percebem que o Homem se foi cansando de falar com pessoas que só têm certezas, não conversam com os outros, afirmam as suas ideias, gostos ou opiniões e nem sequer estão muito interessadas no que os outros têm a dizer pois bastam-se a si próprias. Não percebem que o Homem continua cheio de dúvidas sobre o que lê e ouve pelo que discute consigo mesmo essas dúvidas. E quanto mais lê, mais ouve e mais discute, mais dúvidas tem pelo que mais discussões continua a manter consigo mesmo.
As pessoas sem juízo são assim, estão sempre cheias de dúvidas.

domingo, 30 de julho de 2017

VIOLÊNCIA SOBRE PROFESSORES

O episódio absolutamente inaceitável das múltiplas agressões a um professor numa escola em Braga divulgado na imprensa, (recuso-me a colocar o link para tal violência), é mais um episódio dramaticamente elucidativo das incidências em contexto escolar que sustentam o enorme mal-estar, stresse e risco de burnout que afecta um número muito preocupante e significativo de  docentes, cerca de 30% de acordo com um estudo de 2015 realizado pelo ISPA – Instituto Universitário. Uma das principais causas apontadas para o mal-estar prende-se justamente com o comportamento dos alunos, mas também turmas com elevado número de alunos, a pressão para o sucesso, insatisfação com as condições de desempenho, carga horária e burocrática, falta de trabalho em equipa, falta de apoio e suporte das lideranças da escola.
Na verdade, situações como a que agora foi divulgada apesar da sua violência acaba por não surpreender a não ser quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam pela comunicação social perorando sobre educação e sobre os professores.
É fácil avaliar a importância e consequências das situações de mal-estar envolvendo os docentes. Alguns dos discursos que de forma ligeira e muitas vezes ignorante ocupam tempo de antena na imprensa, parecem esquecer a importância deste trabalho e das circunstâncias em que se desenvolve.
É complicada a tarefa de professor em algumas escolas que décadas de incompetência na gestão urbanística e consequente guetização social produziram.
Os valores, padrões e estilos e vida das famílias alteraram-se significativamente fazendo derivar para a escola, para os professores, parte do papel que competia(e) à família. Este trabalho é realizado, muitas vezes, sem qualquer tipo de apoio ou suporte, com cada professor entregue a si mesmo.
Importa ainda considerar o impacto de variáveis relativas à estabilidade e segurança profissional, bem como os modelos de carreira e progressão. Acrescem ainda questões como a liderança ou a autonomia das escolas variáveis também importantes na construção dos climas das instituições.
Também deve ser ponderada a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm empreendido um empenhado processo de desvalorização dos professores com impacto evidente nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais
Com muita frequência os professores são injustiçados na apreciações de muita gente que no minuto a seguir à afirmação de uma qualquer ignorante barbaridade, vai, numa espécie de exercício sadomasoquista, entregar os filhos nas mãos daqueles que destrata, depreendendo-se assim que, ou quer mal aos filhos ou desconhece os professores e os seus problemas
A forma como os miúdos, pequenos e maiores, vêem e se relacionam com os professores está directamente ligada à forma como os adultos os vêem e os discursos que fazem e isto contamina a serenidade do processo de trabalho. Aliás são demasiado frequentes os episódios de agressão e insultos a professores por parte de pais ou encarregados de educação.
Importa também considerar, creio, o sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.
É também imprescindível que a educação e os problemas dos professores não sejam objecto de luta política baixa e desrespeitadora dos interesses dos miúdos, mesmo por parte dos que se assumem como seus representantes.
Na verdade, ser professor é uma das funções mais bonitas do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente, mas é seguramente uma das mais difíceis e que mais respeito deveria merecer.
Os sistemas educativos com melhores resultados são, justamente, os sistemas em que os professores são mais valorizados, apoiados e reconhecidos.

A INDOMÁVEL VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Como muitas vezes tenho afirmado a violência doméstica parece indomável. Os dados relativos ao primeiro semestre no distrito judicial de Lisboa verificamos que 6299 inquéritos apenas em 960 os arguidos irão ou foram a julgamento, ou seja, 85% dos casos são arquivados sendo ainda que 4089 dos arguidos tiveram as acusações arquivadas e em 440 casos arguidos com culpa provada ficaram com cadastro limpo com base numa decisão jurídica. 
A questão é ainda mais complexa. Como se sabe, o mundo da violência doméstica é bem mais denso e grave do que a realidade que conhecemos, ou seja, aquilo que se conhece, apesar da regularidade das notícias de casos extremos, é "apenas" a parte que fica visível de um mundo escuro que esconde muitas mais situações que diariamente ocorrem numa casa perto de si.
Por outro lado, para além da gravidade e frequência com que continuam a acontecer episódios de violência doméstica é ainda inquietante o facto de que alguns estudos realizados em Portugal evidenciam um elevado índice de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.
Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de impunidade instalado, as condenações são bastante menos que os casos reportados e comprovados, bem como alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à situação de dependência que sentem relativamente ao parceiro, à percepção de eventual vazio de alternativas à separação ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos que as mantém num espaço de tortura e sofrimento.
Esta situação está bem patente nos dados agora divulgados relativos ao distrito judicial de lisboa.
Nesta perspectiva, torna-se fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento acessíveis para casos mais graves e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.
Torna-se ainda necessário que nos processos de educação e formação dos mais novos possamos desenvolver esforços que alterem quadros de valores, de cultura e de comportamentos que minimizem o cenário negro em que vivemos. A educação é arma mais poderosa de transformação do mundo como sabiamente afirmava Mandela. No entanto, como é sabido, a formação cívica deixou de ser um conteúdo e área curricular obrigatória.
A omissão ou desvalorização desta mudança é a alimentação de um sistema de valores que ainda “legitima” a violência nas relações amorosas, que a entende como “normal”.
Tudo isto tem como efeito a continuidade dos graves episódios de violência que regularmente se conhecem, muitos deles com fim trágico.

sábado, 29 de julho de 2017

O ESFORÇO COMPENSA

Em dias que boa parte da imprensa se esforça por nos colocar no inferno, não porque a informação não deva ser real e divulgada mas pela forma como é trabalhada em nome de agendas várias mais ou menos explícitas é bom ver uma notícia refrescante, por assim dizer.
O Sol, que seria de nós sem o Sol, informa que agora sim, o “Dr.” Miguel Relvas, perdeu as aspas, é mesmo Dr.
É verdade, terminou a sua licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais ao concluir com o habitual brilhantismo as Unidades Curriculares Direito Administrativo e Teoria das Relações Internacionais com 13 e 16 valores, respectivamente.
É verdade, depois de uma longa e trabalhosa carreira académica cheia de dificuldades, algumas das quais, foram conhecidas, Miguel Relvas é finalmente licenciado, já não é um “facilitador”, passa a ser um Dr. Facilitador.
De hoje em diante já não serão permitidos aqueles olhares e sorrisos maliciosos e sarcásticos quando se fala do Dr. Miguel Relvas, é mesmo Dr. O relvismo redimiu-se.
Parabéns ao novo Dr., são merecidos.
Pode até tornar-se um exemplo para os muitos jotinhas que irão frequentar as próximas “universidades” de Verão dos respectivos Partidos. Mostra que se trabalharem, se se empenharem numa carreira académica sólida, na busca permanente na busca de conhecimentos, não, não estou falar da rede de contactos e do lobby, poderão atingir a estatura académica, cívica, política e social do Dr. Miguel Relvas.
É uma história bonita.

OS MUITOS NÓS E POUCOS LAÇOS NA VIDA DE MUITAS CRIANÇAS E JOVENS

Do relatório Caracterização Anual da Situação de Acolhimento de Crianças e Jovens – CASA, da responsabilidade do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social, cuja leitura é importante para que se interessa pelo universo de crianças e jovens,  relevam alguns indicadores merecem reflexão.
Apesar de ser ainda um número bastante elevado, baixou ligeiramente (5%) o número de crianças e jovens em casas de acolhimento, 8175, face a 2015. Durante 2016 foram registados no sistema de acolhimento residencial e familiar 10688 casos sendo significativo o número de crianças e jovens em que a “primeira iniciativa de intervenção foi a aplicação de uma medida de acolhimento que determinou o seu afastamento” da família, 3087. Destes, em 485 foi decidido o afastamento urgente por suspeita de abusos sexuais ou de situações de risco para a sua integridade física estaria em causa, um aumento de 23% face ao ano anterior, foram retiradas 394.
Merece atenção também o acentuar da tendência de que a maioria das crianças e jovens em acolhimento estão entre os 12 e os 20 o que torna ainda mais difícil um processo de adopção. Aliás, 74% das crianças em acolhimento familiar estão nessa situação há mais de quatro anos tal como 33,7% das crianças e jovens que estão em instituições. Existem 600 crianças e jovens já vivenciaram três ou mais experiências de acolhimento.
Um outro dado inquietante, 20% das crianças e jovens, a maioria com mais de 12 mas também mais novos, estão medicados face a questões de saúde mental e a verificação de problemas de comportamento. A Secretária de Estado para a Inclusão anunciou a entrada em funcionamento até final do ano de quatro unidades de saúde mental destinas a estes casos e um ajustamento na formação e número de professores para trabalho com a população em acolhimento.
São dispensáveis comentários sobre os potenciais efeitos destas experiências de ruptura no desenvolvimento de crianças e jovens e que se traduzem, aliás, no número de casos problemáticos no âmbito do comportamento ou da saúde mental.
Boa parte destas crianças e jovens não tem qualquer espécie de segurança na construção de um projecto de vida positivo e viável, a escassez de recursos e apoios face às necessidades é mais um contributo negativo.
Uma pequena referência sobre o universo das crianças institucionalizadas. Existe evidência que comprova a maior dificuldade que crianças institucionalizadas revelam em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento. Estes riscos poderão estar ligados ao aumento dos problemas de saúde mental e comportamento.
Não está em questão a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional o que aponta no sentido da necessidade e urgência de encontrar alternativas à institucionalização, apesar das inúmeras dificuldades que sabemos existirem. Enquanto não, os apoios e os recursos adequados são imprescindíveis.
Neste universo, acresce a dificuldade enorme de algumas crianças em ser adoptadas devido a situações como doença, deficiência, existência de irmãos ou uma idade já elevada. Assim, muitas crianças estarão mesmo condenadas a não ter uma família.
Há que continuar a tentar desatar os nós da vida dos miúdos e a transformá-los em laços.

sexta-feira, 28 de julho de 2017

O TEMPO ROUBADO. Outro diálogo improvável

O estudo divulgado no Público sobre os potenciais efeitos positivos da possibilidade de comprar tempo, um bem de primeira necessidade e que vai escasseando para muitos de nós, recordou-me uma história antiga que aqui deixei em modo “diálogo improvável”.
Bom dia, venho apresentar uma queixa.
Com certeza, contra quem?
Contra muita gente.
Será, portanto, contra incertos. E apresenta queixa porquê?
Por roubo, roubaram-me tempo.
Muito bem, então roubaram-lhe tempo. Por favor, pode explicar um pouco melhor para eu poder registar a situação.
Eu já não tinha muito tempo porque nunca fui uma pessoa muito rica de tempo, mas o pouco que tinha roubaram-me. Fiquei sem tempo para estar com os meus filhos e brincar com eles. Este tempo faz-me muita falta, os miúdos andam tristes porque desde que me roubaram o tempo não consigo mesmo. Já não tenho tempo para descansar ou ler qualquer coisa como gostava de fazer. Não tenho tempo descansado para a minha mulher que também precisava do tempo que eu tinha e que partilhava com ela. No meu trabalho não tenho tempo para parar um minuto sem que alguém venha logo chamar a atenção. Fiquei sem o tempo que tinha para beber um copo com os meus amigos e trocar umas lérias que serviam para aliviar das coisas da vida.
Eu percebo o seu problema, mas como deve calcular não tenho tempo para queixas como as que apresenta.
Não tem tempo? Não me diga que também lhe roubaram o tempo. Até às autoridades, é demais.

DAS FÉRIAS DE CRIANÇAS E JOVENS COM NECESSIDADES ESPECIAIS

Em tempo de férias escolares abundam referências à oferta sem fim para actividades de férias destinadas aos mais novos. Esta oferta envolve múltiplos contextos, espaços e uma gama de actividades muito abrangente.
No entanto, apesar de boas experiências promovidas por associações ou escolas e com a colaboração de algumas autarquias, a oferta divulgada para actividades de férias que recebam crianças, adolescentes ou jovens com necessidades especiais é bastante mais baixa.
Sublinho que quando estou a falar de actividades de férias parara todos e não de actividades de férias apenas para os meninos “especiais” como se vê, por exemplo, na praia, um “cantinho” para os especiais e para os “cuidadores” ou “técnicos”. Um critério central em matéria de inclusão é, justamente, a participação nas actividades comuns das comunidades.
A menor oferta verificada não decorrerá fundamentalmente de eventuais custos acrescidos mas de uma cultura e visão que importa alterar e motiva o baixo envolvimento destas crianças e jovens neste tipo de actividades e que as estruturas receptivas à sua presença sejam insuficientes.
Este cenário é, não podia deixar de ser, coerente com as dificuldades enormes que crianças e jovens com necessidades especiais e as suas famílias sentem para que o seu quotidiano, a sua vida, a diferentes níveis, seja tão próxima quanto possível das outras crianças e adolescentes com as mesmas idades, ou seja, que possam aceder e participar, da forma que conseguem, nas actividades que se julgam importantes para crianças e adolescentes.  
Também nas férias e nas actividades próprias das férias há muita estrada para fazer em direcção à participação de todas as crianças.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

DO PERFIL DOS ALUNOS À SAÍDA DA ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA

Foi ontem publicado o Despacho que homologa o “Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória". Está agora definido formalmente o princípio orientador de um quadro de mudanças que se anunciam e esperam, ou não, no mundo da educação. Como se sabe, em educação funcionamos quase sempre em modo "cada cabeça, sua sentença", depende de entendimentos de natureza científica, da visão de sociedade e da educação ou ainda das agendas políticas que parecendo ser o mesmo que o tópico anterior, em Portugal são coisas com alguma diferença.
Retomo algumas notas e pequenas dúvidas.
Entrei para o universo da educação há 57 anos, estávamos ainda no Séc. XX. Há 40 anos, ainda no Séc. XX assumi com a maior motivação uma carreira no mundo da educação que tem passado por instâncias diferenciadas e se mantém até hoje, já Séc. XXI.
Este caminho longo permite-me dizer que quando lá para o Séc. XX se começou a falar de que os alunos deveriam saber utilizar diferentes textos e linguagens pareceu-me bem.
Quando lá para o Séc. XX se começou a falar de que os alunos deveriam saber aceder a informação e saber comunicar pareceu-me bem.
Quando lá para o Séc. XX se começou a falar de que os alunos deveriam aprender a relacionar-se, a interagir e a cooperar pareceu-me bem.
Quando lá para o Séc. XX se começou a falar de que os alunos deveriam aprender a raciocinar e a resolver problemas pareceu-me bem.
Quando lá para o Séc. XX se começou a falar de que os alunos deveriam desenvolver pensamento crítico e pensamento criativo pareceu-me bem.
Quando lá para o Séc. XX se começou a falar de que os alunos deveriam ser autónomos e com formação pessoal adequada pareceu-me bem.
Quando lá para o Séc. XX se começou a falar de que os alunos deveriam aprender a promover o seu bem-estar e saúde pareceu-me bem.
Quando lá para o Séc. XX se começou a falar de que os alunos deveriam desenvolver sensibilidade estética e artística pareceu-me bem.
Quando lá para o Séc. XX se começou a falar de que os alunos deveriam aceder ao saber técnico e domínio de tecnologias pareceu-me bem.
Quando lá para o Séc. XX se começou a falar de que os alunos deveriam ter consciência e domínio do corpo pareceu-me bem.
Quando lá para o Séc. XX se começou a falar de que a escola deveria ser mais do que a simples transmissão de conhecimentos pareceu-me bem.
Quando lá para o Séc. XX se começou a falar de que de se deveriam desenvolver projectos interdisciplinares promovendo a articulação e integração de conteúdos de diferentes disciplinas pareceu-me bem.
Quando lá para o Séc. XX se começou a falar de que se deveria promover a educação para a cidadania e a formação cívica pareceu-me bem.
Quando lá para o Séc. XX se começou a falar de que os testes não deveriam constituir a única forma de avaliação pareceu-me bem.
Quando lá para o Séc. XX se começou a falar de que deveriam ser valorizadas as diferentes disciplinas e equilibradas as suas cargas horárias pareceu-me bem.
Bom, o caminho tem sido o que conhecemos e chegados ao Séc. XXI cá estamos com uma nova formulação destas intenções. Mais uma vez … parece-me bem.
Tenho algumas pequenas dúvidas de que deixo alguns exemplos.
Tudo isto será desenvolvido com que calendário e metodologia de mudança?
Tudo isto será desenvolvido com que estabilidade e perspectiva de consistência no tempo?
Tudo isto será desenvolvido com que organização curricular, conteúdos e cargas horárias, por disciplina e globais?
Tudo isto será desenvolvido com que quadro de autonomia?
Tudo isto será desenvolvido com que dimensão das turmas e das escolas? Eu sei que nem todas são excessivamente grandes mas algumas são.
Tudo isto será desenvolvido com que ajustamento em práticas, capacidades e recursos no sentido de promover diferenciação, a única forma de acomodar a diversidade dos alunos.
Tudo isto será desenvolvido com que modelos e dispositivos de avaliação de alunos, professores e escolas?
Deixem lá ver, como diz o Velho Marrafa lá no Alentejo.

À CONSIDERAÇÃO SUPERIOR

Paulo Santiago, Chefe da Divisão de conselho e implementação de políticas educativas da OCDE, tem um texto no Observador que merece leitura e reflexão atenta. Identifica de forma simples mas bem sustentada quatro princípios orientadores na promoção da qualidade na educação e educação para todos, ou seja, capaz de acomodar a diversidade dos alunos.
No meu tempo de administração pública era habitual que qualquer texto ou proposta a enviar para as estruturas de decisão se iniciasse com a fórmula “À consideração superior”.
É o que julgo que este texto merece.
À consideração superior ficam alguns excertos.
(…)
Primeiro, é vantajoso investir cedo, em particular na educação pré-escolar. Existe sólida evidência científica que demonstra que crianças que são expostas a estímulos cognitivos mais cedo que outras tendem a adquirir, com mais facilidade, competências e conhecimentos ao longo da vida. Os efeitos substanciais e duradouros da educação pré-escolar nos resultados escolares são particularmente elevados para crianças desfavorecidas, cujo ambiente familiar nem sempre ajuda ao desenvolvimento das competências de base necessárias para singrar na escola.
(…)
Segundo, um objectivo importante do financiamento educativo nos primeiros anos de escolaridade (ensino básico) é limitar as lacunas de aprendizagem dos alunos com dificuldades. Remediar mais tarde é caro e ineficiente, seja através de reforço na aprendizagem (aulas suplementares, explicações), da retenção escolar (que é dispendiosa e ineficaz), ou de uma oferta educativa excessivamente diversificada no secundário como ajuste a uma distribuição mais ampla do desempenho dos alunos.
(…)
Terceiro, na fase pós-ensino básico, importa investir num sistema educativo inclusivo. Isto traduz-se na garantia de uma oferta educativa abrangente para acomodar a diversidade de competências, interesses e ambições dos alunos recém-chegados ao ensino secundário. Assim se asseguram oportunidades válidas para todos e se reduz o enorme custo do abandono escolar precoce.
(…)

Quarto, dar certa liberdade de decisão aos actores locais (escolas, directores, professores) pode melhorar a utilização dos recursos educativos por via do seu melhor conhecimento das suas necessidades específicas. Por exemplo, a escola conhece melhor o perfil de professores mais adequado ao seu projecto educativo, está melhor colocada para configurar as turmas (por exemplo definir o seu tamanho consoante os grupos) ou para desenvolver estratégias para remediar o atraso na aprendizagem de certos alunos.

quarta-feira, 26 de julho de 2017

PORQUÊ, PARA QUÊ, EM NOME DE QUÊ?

Uma longa espera num consultório médico obrigou-me assistir (sobretudo ouvir) a um espectáculo de terror e obscenidade servido pelo entertainer José Rodrigues dos Santos. Do guião constaram patéticas e despudoradas reportagens dos fogos em actividade, de uma peça aterradora sobre as vítimas da tragédia de Pedrógão e uma inenarrável entrevista de JRS ao Presidente do Instituto de Medicina Legal entre outras indignidades.
Este filme deveria ter um aviso prévio de que não deveria ser visto por pessoas com sensibilidade moral, sentido de dignidade, respeito pela dor e tragédia alheia, percepção adequada de valores de natureza ética, enfim, de que se trata de uma experiência limite.
Porquê, para quê, em nome de quê?

UMA HISTÓRIA COM AVÔ DENTRO

De acordo com o calendário das consciências passa hoje o Dia Mundial dos Avós.
A avozice é um mundo mágico no qual entrei há algum tempo com a abençoada chegada do Simão há quatro anos e do Tomás há pouco mais de um e acho que ainda não consegui acomodar os sentimentos e a magia de acompanhar de perto, tão de perto quanto possível, o crescimento destes gaiatos que têm uma geração pelo meio.
Tem sido um divertimento, uma descoberta permanente e a percepção de um outro sentido para uma vida que já vai comprida e também, desculpem a confissão, cumprida.
Neste entendimento e como tem acontecido aqui no Atenta Inquietude a cada 26 de Julho, retomo a minha proposta no sentido de ser legislado o direito aos avós. Isto quer dizer, simplesmente, que todos os miúdos deveriam, obrigatoriamente, ter avós e que todos os velhos deveriam ter netos.
Num tempo em que milhares de miúdos passam muito tempo sós, mesmo quando, por estranho que pareça, têm pessoas à beira, e muitos velhos vão morrendo devagar de sozinhismo, a doença que ataca os que vivem sós, isolados, qualquer partido verdadeiramente interessado nas pessoas, sentir-se ia obrigado a inscrever tal medida no seu programa ou, porque não, inscrevê-la nos direitos fundamentais.
Com tantas crianças abandonadas dentro de casa, institucionalizadas, mergulhadas na escola tempos infindos ou escondidas em ecrãs, ao mesmo tempo que os velhos estão emprateleirados em lares ou também abandonados em casa, isolados de tal forma que morrem sem que ninguém se dê conta, trata-se apenas de os juntar, seria um dois em um. Creio que os benefícios para miúdos e velhos seriam extraordinários.
Um avô ou uma avó, de preferência os dois, são bens de primeira necessidade para qualquer miúdo.
Já agora deixo uma história com avô dentro. Como sabem contar histórias é mesmo coisa de avós e às vezes repetem-nas, é o caso desta, já aqui a contei.
De há uns tempos para cá apareceu uma moda naquela terra que “impede” as pessoas de falarem em brincar nas escolas da terra, é proibido brincar nas escolas.
A moda foi fabricada por uma gente ignorante de miúdos, obcecada com trabalho e produtividade, mesmo infantil, uns infelizes escravos convencidos de que são livres e que também querem escravizar os outros.
Mas ainda existem uns professores, muitos, naquela terra que não se deixam enganar, sabem ler os miúdos e percebem que eles aprendem porque também brincam e brincam porque também aprendem. Aliás, brincar e aprender são as coisas mais sérias que os miúdos fazem, sorte a deles, a de alguns, felizmente muitos.
Um dia, um desses professores lembrou-se, que sacrilégio, de dizer aos seus alunos para trazerem para a escola o seu brinquedo preferido. A Maria trouxe uma boneca. O João apareceu com a playstation nova. A Sara vinha vaidosa com umas bonecas que o pai tinha trazido do estrangeiro. A Irina trazia o Noddy. O Carlos vinha com uns olhos quase tão grandes como a bola de futebol que trazia debaixo do braço. O David, sempre pronto para as lutas, trazia uns bonecos lutadores de wrestling. A Joana não ligava a ninguém com o seu mp3 cheio das músicas de que gosta. Enfim, por um dia, toda gente veio para a escola com um brinquedo, o seu preferido.
O último a chegar foi o Manel.
Feliz e sorridente entrou na sala de aula com o avô pela mão.

DA INOVAÇÃO E DA REVOLUÇÃO EM EDUCAÇÃO

O Público de hoje apresenta uma peça sobre as mudanças na educação com especial ênfase na experiência piloto de flexibilização curricular embora refira a outras dimensões.
A peça tem como título “Vai haver mais mudanças nas escolas mas ainda não é a revolução” e como subtítulo, “Com a flexibilidade curricular restringida a projecto-piloto, a maior parte dos agrupamentos ainda não vai ter de pensar numa nova forma de ensinar”. Trata-se de um tipo de discurso que suscita umas notas repescadas.
Como muitas vezes tenho dito e escrito sou dos que entendo a necessidade de mudanças em matéria de currículo, de autonomia, de recursos e organização das escolas, etc. e também muitas vezes tenho afirmado as razões para tal entendimento pelo que as deixo de lado.
Por outro lado, e como também já disse, não simpatizo com a recorrente referência à necessidade de inovação em educação ou de uma "nova forma de ensinar" e, muito menos, à "revolução" que virá.
Mudar algo na forma como se faz não é o mesmo que inovar, fazer qualquer coisa de novo. Nestas matérias, talvez de forma simplista mas é intencional, penso como Almada Negreiros quando referia na "Invenção do Dia Claro”, "Nós não somos do século de inventar palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século de inventar outra vez as palavras que já foram inventadas”.
Dito de outra maneira, já conhecemos as palavras da educação, apenas temos que ir ajustando o que fazemos com elas. Peço desculpa, só para dar dois exemplos comuns, não creio que utilizar um tablet na sala de aula seja inovar, é fazer o que de há muito sabe, o trabalho em sala de aula deve reflectir o estado da arte das comunidades em matéria de desenvolvimento científico, ou seja, o tablet é “novo” mas a prática nem tanto. Também não creio que um trabalho que articule conteúdos curriculares de diferentes disciplinas seja “inovador” embora se possa dizer que não é tão frequente como se desejaria ou que as múltiplas variáveis que envolvem os processos de ensino e aprendizagem permitem.
A história recente mostra que as dezenas de alterações que em matéria de currículo se foram produzindo sempre aconteceram sem que se assegurasse a avaliação séria do que está em vigor e qual o sentido da mudança. A experiência mostra ainda que as sucessivas alterações foram produzidas sem que se procurasse, não digo um consenso pois sei que em educação e em Portugal é quase impossível face a agendas e corporações de interesses, mas o envolvimento e participação dos diferentes actores intervenientes nos processos educativos na construção das alterações.
Finalmente, mostra ainda que os calendários e a metodologia das mudanças raramente permitiram que se processassem sem sobressaltos e com um mínimo de estabilidade.
Este acervo de experiência deveria ajudar a que um novo processo de mudança contrariasse a fatalidade do “sempre se fez assim” e os dispositivos de regulação e apoio inibissem a, a peça refere, discursos generalizados do tipo “isto é o que já fazemos” e que se constituem um dos mais sérios obstáculos a alterações.
O que vai sendo conhecido em matéria de currículo tem claramente aspectos positivos mas também me suscita algumas dúvidas ou apreensão.
A visão de currículo parece-me caminhar num sentido diferente para melhor, não porque seja nova, continuo a achar excessiva tanta referência a inovação que de inovação tem pouco, mas porque tenderá a minimizar o impacto negativo de um currículo demasiado extenso, prescritivo, normativo e pouco amigável para a diversidade entre os alunos pois “normaliza” em excesso.
Parece-me também positivo que seja ensaiado como o normativo agora publicado enquadra e que as escolas tenham autonomia para gerir as alterações e a organização de conteúdos, tempos e tipologia de aulas entre outras dimensões.
As minhas dúvidas e apreensão radicam em alguns aspectos que retomo.
Não me parece que as comunidades educativas tenham a informação suficiente para que se entenda, discordando ou concordando, a natureza e alcance das mudanças. Ainda não estabilizou a definição do Perfil do Aluno para o Sé. XXI. Uma boa ideia mal vendida pode transformar-se numa má ideia tal como uma má ideia bem vendida pode parecer uma boa ideia. Na minha opinião o estado de graça com que arrancou Nuno Crato assentou neste último enunciado.
Não percebo muito bem como a visão e os objectivos anunciados são compatíveis com a manutenção dos conteúdos curriculares designadamente das metas curriculares tal como estão definidas. Esta análise solicitaria mais tempo e a introdução de alterações sob pena de se criarem constrangimentos do tipo, “está previsto mas não se dá”.
Como será gerido o tempo dos docentes dada a sua “arrumação” por grupos disciplinares e a forma como está organizada a sua carreira e formação?
Com que efectivo de turma iremos trabalhar em “projecto”? O efectivo de turma tem impacto comprovado no nível de diferenciação das práticas pedagógicas, no clima de aprendizagem ou na acomodação da diversidade dos alunos.
Neste contexto preferia que tivéssemos mais algum tempo de construção da mudança antes de a operarmos mesmo que em regime experimental e em escala mais pequena.
Existindo dúvidas produz-se ruído para além do que sempre emerge do contrismo ou do imobilismo que sendo habitual, não é positivo. Não seria desejável que possamos correr o risco de, mais uma vez, de perder uma oportunidade e esperar que novo ciclo eleitoral traga nova(s) mudança no(s) currículo(s) ou noutras dimensões.
Estou, no entanto, a torcer para que tudo corra o melhor possível. Já vai sendo tempo e já merecemos, sobretudo os alunos e professores.

terça-feira, 25 de julho de 2017

AS FÉRIAS. Outro diálogo improvável

Vá lá Tiago, despacha-te, já te chamei tantas vezes, olha que fica tarde.
Pai, estou de férias, porque é vou para a escola?
Tiago, sabes bem que não vais para a escola para ficar lá. Vais logo para a praia.
Mas pai, já estou cansado de ir para a praia, o autocarro vai muito cheio, apanham-se filas grandes, demora muito tempo, faz muito calor e o autocarro fica longe da praia. É preciso andar um grande bocado a pé e depois é preciso voltar e é a mesma coisa.
Mas Tiago, depois descansas um bocado quando voltarem da praia, depois de almoço.
Mas pai, a seguir ao almoço vamos para as salas fazer trabalhos, todos dias são os mesmos trabalhos, já estou cansado, estou de férias.
É verdade que estás de férias mas não podes ficar sozinho em casa e, por isso, vais para a tua escola.
Eu sei pai, mas tu quando estás de férias não vais para o teu trabalho.
Tens razão, mas acho que podes divertir-te com os teus amigos, fazer jogos.
A gente não tem tempo para fazer jogos, temos sempre muitas actividades para fazer e as monitoras querem que a gente faça todas, estou cansado.
Bom, acaba de te vestires, senão chegamos e os autocarros já foram embora para a praia, sabes que eles não esperam.
Pai.
Sim Tiago.
Quando é que começam as férias?

DAS MORADAS FALSAS NAS MATRÍCULAS ESCOLARES

A imprensa em feito eco dos problemas verificados em algumas escolas pela incapacidade de acolher todos os alunos que nelas se querem matricular. Tentando respeitar os critérios definidos por lei, que como em qualquer circunstância podem ser discutíveis, alguns encarregados de educação tentam conseguir o desejado lugar recorrendo a moradas falsas no sentido de cumprir um dos critérios, morar na zona geográfica de cobertura pela escola. Esta situação ocorre em várias escolas e parece claro que dificilmente poderão as escolas contornar este expediente habilidoso.
Como temos um sistema altamente centralizado, com gestão economicista de recursos e com falta de autonomia das escolas e agrupamentos, para além da capacidade, existente ou não, dos equipamentos, as escolas dificilmente poderão aumentar a capacidade de resposta pelo que o problema é complexo.
Do ponto de vista dos pais parece clara e aceitável a tentativa de colocar os filhos nas escolas que sejam mais positivamente consideradas. Por outro lado, a generalidade dos critérios definidos parece ajustada pelo que se põe a questão como resolver a situação.
Para além de soluções pontuais inconsequentes creio mesmo que o caminho só pode ser incentivar e criar condições para que TODAS as escolas possam ser escolas públicas de qualidade acomodando TODOS os alunos. Para isso precisam de recursos, autonomia e dispositivos de regulação para ajustarem a sua resposta às necessidades das populações que servem, uma variável fortemente associada à qualidade dos processos educativos.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

M'ESPANTO ÀS VEZES, OUTRAS M'AVERGONHO

Como diria Sá de Miranda, "M'espanto às vezes, outras m'avergonho".
Já não dá para suportar a indignidade, a sordidez mórbida, a insensibilidade e o despudor com que se instrumentaliza a tragédia criando uma narrativa sobre o número de mortos em nome dos interesses de ocasião da baixa política do Portugal dos Pequeninos.
Não têm perdão, eles sabem o que fazem.

AS ÁRVORES DOS AFECTOS

Como é sabido, os modelos de desenvolvimento económico, ético, social e cultural em que temos persistido nas últimas décadas têm, entre outras consequências, provocado fenómenos de desflorestação e desertificação que em muitas áreas assumem proporções ameaçadoras da sustentabilidade do nosso trajecto neste mundo.
Uma das espécies mais ameaçadas por estes fenómenos de desflorestação e desertificação e a que, do meu ponto de vista, não tem sido dada atenção suficiente é a árvore dos afectos. 
Como sabem trata-se de uma espécie de cujos frutos somos completamente dependentes pelo que sem eles não subsistimos. De uma forma geral, todas as famílias e instituições tinham e cuidavam de várias árvores dos afectos, tantas quantas as pessoas que as integravam. Quase sempre, quando alguma árvore parecia ameaçada ou fragilizada desencadeavam-se apoios e ajudas que procuravam restabelecer a saúde dessa árvore.
Hoje em dia, já é frequente encontrarmos famílias e instituições com muitas árvores dos afectos em situações muito precárias e algumas irremediavelmente perdidas. Muitas destas árvores mais ameaçadas são árvores mais novas ou, pelo contrário, árvores mais velhas embora seja problema que afecte todas. 
As árvores dos afectos mais novas precisam de mais cuidados, mais atenção e a incapacidade ou dificuldade no podar, cuidar, regar, alimentar, proteger, etc., leva a que o risco de secar seja grande e, como se pode verificar, já existem muitíssimas árvores novas completamente secas de afectos. 
As mais velhas, por outras razões, quase sempre porque ficam sós, o bosque protege cada árvore, e mais dependentes nos cuidados de que precisam.
Creio, pois, que começa a ser oportuno considerar-se a possibilidade de promover a plantação que contrarie as consequências da desflorestação e desertificação que atingem as árvores dos afectos, ou seja, as pessoas.

OS TEMPOS DA ESCOLA, DE NOVO

Ao que se lê na imprensa Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas retomou a proposta que já havia divulgado em Junho de 2016 no sentido de que a organização do ano lectivo deveria ser em dois semestres em três períodos como actualmente. A proposta, afirmam,  minimizaria os efeitos das assimetrias de duração entre os períodos dada a sua definição através de datas móveis, seria positiva para a organização das escolas e a existência de dois intervalos de avaliação dos alunos é mais positiva em termos escolares que o modelo actual.
De facto, também no calendário escolar proposto para 2017/2018 se verifica mais um ano lectivo com enorme desequilíbrio na duração dos períodos escolares. O próximo ano terá um primeiro período extenso e um terceiro período mais uma vez curtíssimo até à entrada no período de avaliações.
Julgo e também já o tenho afirmado que esta questão deveria ser repensada. Aliás, os tempos da escola justificariam ser globalmente repensados.
Se bem se recordam o blogue ComRegras promoveu há algum tempo um inquérito dirigido a directores de escolas e agrupamentos no qual 54.1% dos 181 directores que responderam concorda que o ano escolar seja organizado em dois semestres e não nos habituais três períodos de aulas. Esta ideia parece ter sido retomada pela Associação.
Como já tenho referido, não tenho uma posição fechada e fundamentada sobre as eventuais vantagens sendo certo que existem outros sistemas em que se verifica o modelo semestral.
No entanto, creio que mesmo numa organização em três períodos a situação que me suscita mais dúvidas é o desequilíbrio que frequentemente se verifica na duração dos períodos e que se repete de forma muito evidente no próximo ano lectivo.
Esta situação decorre do facto de a Páscoa ser uma festa móvel e ser sempre o final do 2º período. As alterações são significativas.
Parece claro que esta situação não é a mais adequada e julgo ser de considerar um modelo semestral embora mesmo no modelo actual e sabendo que não é fácil mudar a tradição, mudar nunca é fácil, talvez fosse de tentar que o calendário escolar não esteja colado a festividades móveis.
No entanto, creio que vale a pena reflectir nestas matérias, ouvindo a participação dos vários actores, estudando experiências de outros sistemas e, eventualmente, de uma forma tranquila, oportuna no tempo, repensar o calendário escolar.
Nesta reflexão deveria estar incluída a discussão dos benefícios e eventuais efeitos negativos da criação de uma “pausa” a meio do primeiro período modelo existente em vários países.
Creio mesmo que seria desejável que pudéssemos reflectir de forma global para os tempos da escola considerando outros aspectos.
Num país com as nossas condições climáticas, tal como genericamente no sul da Europa, e considerando boa parte do nosso parque escolar, aulas prolongadas até ao Verão seriam algo de, literalmente, sufocante.
A Confap tem defendido onze meses de actividade na escola. Sendo a guarda das crianças um problema sério e que reconheço, também entendo que não pode ser resolvido prolongando até ao “infinito”, a infeliz ideia de “Escola a Tempo Inteiro”, a estadia dos alunos na escola. A “overdose” é sempre algo de pouco saudável.
No que respeita aos tempos escolares, os alunos portugueses, sobretudo no início da escolaridade tem umas das mais elevadas cargas horárias. Como bem se sabe, mais horas de trabalho não significam melhor trabalho e os alunos portugueses já passam um tempo enorme na escola. Talvez seja de introduzir nesta equação a variável “áreas disciplinares e currículos”, considerando o número de áreas ou disciplinas, conteúdos, organização de anos e de ciclos, etc.
Neste contexto, creio que vale a pena reflectir com tempo e serenidade nestas matérias, semestres ou trimestres, por exemplo, com a participação dos vários actores, estudando experiências de outros sistemas e, eventualmente, de uma forma tranquila, oportuna no tempo, sustentada, repensar os tempos da escola.

domingo, 23 de julho de 2017

DOS TRABALHOS DOS DEPUTADOS

Segundo o JN no último ano desta sessão legislativa 7 deputados do PSD e 3 do PS não realizaram uma única pergunta ou intervenção, três deles não o fazem desde que foram eleitos, em Outubro de 2015. Notável mas nada estranho, anualmente é realizada esta contabilidade que nunca fica a zero.
Estamos no início de férias, a tragédia de Pedrógão e o episódio de Tancos vão sossegando, temos as incidências do mercado de transferências no futebol e preparam-se as autárquicas e habitual dança das cadeiras. Ainda assim, umas notas a propósito da prestação dos deputados.
Recordo que em Dezembro de 1014 o actual Presidente da República, na altura "entertainer" político também conhecido por "o Professor Marcelo" divulgou uma carta de uma jovem, estudante do secundário, que numa visita de estudo ao Parlamento observou “Deputados o tempo todo a ver no Facebook raparigas avantajadas; outros assistirem a vídeos de quedas, aqueles que se assistem no Facebook e no YouTube para fazerem as pessoas rirem; uma vez três deles juntaram-se a rir para de qualquer coisa no computador e um a ver-se a si próprio num vídeo qualquer”.
O Professor Marcelo chamou a atenção para este péssimo exemplo dos eleitos da nação e recomendou atenção aos deputados quando observarem "raparigas avantajadas" com visitantes nas galerias. Haveria que ter cuidado. Assistiu-se a reacções de alguns dos digníssimos deputados que, aliás, se compreendem pois não é coisa que se diga.
Este episódio é, do meu ponto de vista, quase irrelevante, qualquer de nós que utilizamos as tecnologias nos locais de trabalho visitamos páginas diversas, imprensa, por exemplo, sem que daí advenham compromissos do profissionalismo ou produtividade.
No entanto, julgo que é no interior do Parlamento que mais se ameaça a seriedade, a importância e a imagem que um Parlamento deve preservar num regime democrático saudável e não tem a ver com o uso agora revelado pela adolescente dos computadores nas sessões.
Assistir a algumas sessões e ao nível dos debates produzidos é, com frequência, um espectáculo deprimente. Os interesses dos cidadãos que os deputados representam são trocados pelos interesses da partidocracia de que os deputados se alimentam.
O recurso frequente à famigerada figura de "disciplina de voto" partidária é um ataque às consciências e, mais uma vez, à essência do papel de um deputado, representar os seus eleitores e não mostrar-se como um "yes man" que carrega no botão que lhe mandam sem um sobressalto de consciência ou de sentido ético. Nessas sessões torna-se claro que bastaria uma reunião da conferência de líderes para conhecer os resultados das votações, um deputado por partido seria suficiente para representar os resultados eleitorais. Aliás, a indecorosa narrativa das sucessivas Comissões de Inquérito sobre as mais diversas matérias que, invariavelmente, concluem pelos interesses de quem em cada momento governa, são um outro bom exemplo do descrédito a que genericamente esta gente condena a Assembleia da República.
O número de deputados no Parlamento transforma uma parte deles, existem evidentemente excepções nos diferentes grupos, num grupo quase anónimo que de vez em quando dá uma prova de vida com uma intervenção encomendada pelo líder parlamentar ou procuram dar nas vistas através da frequência, volume de decibéis e mau gosto dos apartes.
O caso dos deputados que ainda “não abriram a boca”, seja por não terem nada a dizer ou porque ainda não foram autorizados é apenas mais indicador. 
Sim, todos sabemos que fora dos plenários todos os deputados, mas mesmo todos, realizam um árduo trabalho em defesa dos interesses dos seus eleitores.

DAS FÉRIAS ESCOLARES

Por aqui de volta de algumas pontas que carecem de atenção antes de um tempo que como costumo dizer, na minha idade não é de férias é de repouso activo, acabei a pensar nas férias dos miúdos.
Neste período coloca-se o habitual problema das famílias, onde deixá-los.
Esta questão é relativamente recente e apesar da tendência de generalização ainda afecta sobretudo as famílias de áreas mais urbanas com estilos e condições de vida que minimizam a disponibilidade de tempo ou de motivação para ocupar os mais novos.
Assim, é também nestas zonas que privilegiadamente tem vindo a emergir uma oferta de actividades diversificada e para diferentes bolsas envolvendo equipamentos e espaços sofisticadíssimos, com designações curiosas que, para além de ocupar as crianças, ainda se propõem contribuir para que os miúdos acedam a níveis extraordinários de desenvolvimento e competência nas mais variadas áreas, pois os miúdos de hoje têm de ser fantásticos e excelentes em tudo.
Quando eu era gaiato, antes do desenvolvimento ter tapado as quintas da zona onde morava com prédios deixando como espaço livre o alcatrão, a oferta para os miúdos era basicamente constituída pelo mais acessível e barato dos equipamentos, a rua. Como os estilos de vida ainda tão tinham alimentado a insegurança, quando não havia escola, claro, estávamos na rua.
As actividades não eram muito sofisticadas nem fantásticas, não ficávamos assim muito excelentes, mas divertíamo-nos a sério, com calor, com frio, com chuva, mesmo à noite, nas férias. É verdade que alguns dos meus companheiros ainda foram “homens que nunca foram meninos” como lhes chamou Soeiro Pereira Gomes, desde muito cedo fizeram-se ao trabalho.
Mas ainda arranjávamos tempo para brincar, naquela época o tempo era mais barato e havia mais.
Nessa altura os miúdos ainda podiam apanhar chuva e mexer na terra, não conhecíamos as ameaçadoras bactérias, os nossos pais também ainda não excelentes e fantásticos.
Muitas das actividades eram, por assim dizer, sazonais, mais próprias de umas alturas do ano que de outras. Algumas delas, já delas aqui contei, dariam vontade de rir aos miúdos de hoje mas eram o máximo, a sério.
Andar horas de bicicleta ou de arco e gancheta em exibição ou competição, realizar intermináveis jogos de futebol, muda aos cinco acaba aos dez, com bolas de cautchu adquiridas através dos rebuçados, jogar hóquei em patins, sem patins, com uma bola de matraquilhos “desviada” no café e com talos de couve com a curva adequada a servir de stick, são alguns exemplos.
Fazer tiro ao arco com arcos feitos a partir das varetas de guarda-chuvas velhos, passar horas nas diversas variantes dos jogos com berlindes, exercitar a corrida com o jogo da rolha, do lenço à barra, ou do toca e foge, experimentar a estratégia no jogar às escondidas ou a perícia nas corridas de caricas, eram outras das muitas coisas que fazíamos nos nossos tempos livres.
Nesse tempo havia tempo livre, os miúdos hoje quase não têm. Mas são fantásticos e excelentes.
Às vezes não. E se com a necessária precaução devolvêssemos os miúdos à rua?

sábado, 22 de julho de 2017

DA PLANIFICAÇÃO EM INTERVENÇÃO EDUCATIVA

A intervenção em educação, tanto quanto possível, deve ser flexível, diversificada  e económica (desburocratizada) na sua planificação e também no seu desenvolvimento. Neste sentido, um pequeno e despretensioso contributo para a simplificação de processos.

1 – Definir e justificar as áreas curriculares ou disciplinas a integrar. (gráfico)
2 – Definir e fundamentar os conteúdos curriculares a serem trabalhados. (grelha excel)
3 – Definir e fundamentar os objectivos, competências e saberes a desenvolver e adquirir pelos alunos. (grelha excel)
4 – Definir e justificar os princípios metodológicos e quadro teórico do trabalho a desenvolver. (grelha excel)
5 – Definir e justificar as actividades e materiais a mobilizar nas situações de aprendizagem. (grelha excel)
6 – Definir e justificar a participação de cada docente. (grelha excel)
7 – Definir e fundamentar os dispositivos e calendário de avaliação considerando os diferentes objectivos e funções dos processo avaliativos. (inventariar os instrumentos/grelhas a utilizar)
8 – Apresentar o Projecto nas inúmeras reuniões a realizar na escola. (fazer o PowerPoint)
9 – Reformular o Projecto de acordo com a análise realizada nas várias reuniões.
10 – Apresentar o Projecto aos Encarregados de Educação.
11 – Definir os instrumentos de registo e apresentação dos resultados. (grelhas excel)
12 – Se sobrar algum tempo tentar fazer qualquer coisinha com os alunos.
13 - Construir um portfolio de trabalhos e registos para expôr e divulgar o Projecto desenvolvido  em eventos variados ao logo do ano ou em encontros de avaliação, de inspecção, de consultores, de especialistas, de técnicos dos serviços do ME e autarquias, etc.
14 - …

Iniciar novo ciclo de Planificação desta forma simplificada e amigável.

sexta-feira, 21 de julho de 2017

DÚVIDA

(Foto de João Monteiro)

Toda a gente me diz para eu fazer bem as coisas que vou crescer e ser feliz. Mas as pessoas parecem tristes, parecem infelizes.
Deve ser porque não fizeram bem as coisas.

O PREÇO ELEVADO DA ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA, GRATUITA E UNIVERSAL

Como é habitual a Comissão do Livro Escolar da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros divulgou os valores envolvidos na aquisição dos manuais escolares. Para o próximo ano lectivo o valor médio é de 112.5 € e os preços sobem de acordo com os anos de escolaridade tendo o 11º ano o valor mais elevado, cerca de 200€.
No entanto e como é sabido, para além de outros materiais imprescindíveis, importa ainda considerar o habitual conjunto de cadernos de actividades, fichas e CDs que acompanham os manuais e que se reflectem significativamente nos custos globais.
A este propósito recupero uma história que já aqui contei e que se passou na papelaria do meu bairro ouvindo o seguinte diálogo que tentei reproduzir o mais fielmente possível.
Bom dia, queria encomendar os livros para a escola.
Sim senhora, é desta escola aqui?
Sim.
De que ano?
Do 8º.
Vou tomar nota. Quer os livros todos?
Sim, parece que são precisos todos, é muito dinheiro. Mas não quero os CDs.
Não quer os CDs?
Não, não servem para nada, só para gastar dinheiro. O ano passado comprei os CDs e a minha filha disse que não foram usados. Este ano não os compro.”
Como é evidente, esta situação pode ser ameaçadora do trajecto educativo e escolar de alguns alunos aos quais nem sempre chegam e são suficientes os apoios da Acção Social Escolar.
Como muitas vezes tenho escrito, por várias razões o nosso ensino parece excessivamente “manualizado” e se acrescentarmos a diversidade os alunos e em algumas circunstâncias o número de alunos por turma e natureza e extensão dos conteúdos curriculares a situação torna-se mais complexa.
Parece-me sempre importante recordar que no quadro constitucional vigente, lê-se no Art.º 74º (Ensino), “Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito;
Na verdade, o ensino obrigatório nunca foi gratuito nem universal, vejam-se as taxas de abandono, e os custos incomportáveis para muitas famílias dos manuais e materiais escolares num cenário em que, é notícia recorrente, a acção social escolar é insuficiente e tem vindo a promover sucessivos ajustamentos nos valores e critérios de apoio disponibilizados. No universo particular das famílias com crianças com necessidades especiais os custos da escolaridade obrigatória e gratuita são ainda mais elevados, bem mais elevados.
Sem retomar considerações de natureza mais didáctico-pedagógica que já tenho abordado creio que a redução da dependência dos manuais passaria, entre outros aspectos, por uma reorganização curricular, diminuindo a extensão de alguns conteúdos, a redução do número de alunos por turma ao abrigo de uma verdadeira autonomia das escolas, o que permitiria a alunos e professores um trabalho de pesquisa e construção de conhecimentos com base noutras fontes incrementando, por exemplo, a acessibilidade a conteúdos e informação diversificada que as novas tecnologias oferecem.
É importante caminharmos no sentido de atenuar a fórmula predominante, o professor ensina com base no manual o que o aluno aprende através do manual que o pai acha muito importante porque tem tudo o que professor ensina.
A verdade é que a desigualdade, a dificuldade de promover sucesso educativo e escolar, mobilidade social e qualificação envolvem múltiplas variáveis.
Esta é uma delas.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

AINDA A BALEIA AZUL

Depois do impacto mediático dos primeiros casos, as referências ao fenómeno que dá pelo nome de “Baleia Azul” retorna à imprensa merecendo primeira página no JN. Segundo a peça, nos últimos dois meses as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens registaram uma subida do número de situações com forte probabilidade de se relacionarem com aquele “desafio”. Foram reencaminhados para o Departamento Central de Investigação e Acção Penal 34 casos, o triplo dos registos até Maio.
Continuo convencido que esta situação é apenas uma ponta do "iceberg" de mal-estar que atinge muitos adolescentes e jovens como se evidencia no trabalho da Visão de hoje sobre o suicídio de três jovens alunos de uma escola de Lisboa.
Assim, importa insistir na atenção que merece. Nesse sentido, retomo umas notas que escrevi também para a Visão há algumas semanas.
“Agora trata-se de algo que é conhecido por Baleia Azul e que recuso firmemente designar por jogo. Logo depois, já se conhecem outras referências, surgirá outro fenómeno da mesma natureza.
Muita coisa já foi divulgada a este propósito, sobre a forma como se desenrola, sobre os riscos das redes sociais e cuidados a ter por pais e educadores, sobre a intervenção das autoridades que já transformou o episódio também num caso de polícia, etc.
Assim e neste contexto, não me parece necessário insistir na referência ao episódio Baleia Azul, parece-me essencial, isso sim, reflectir sobre o conjunto de razões pelas quais adolescentes e jovens se envolvem em situações desta natureza com riscos graves, incluindo automutilação e suicídio e que atingem dimensões verdadeiramente preocupantes.
Segundo os últimos dados do estudo “A Saúde dos adolescentes Portugueses”, divulgado no ano passado e que integra o estudo internacional Health Behaviour in School-aged Children, da responsabilidade da OMS, um em cada cinco alunos (20,3%), entre os 13 e os 15 anos já se magoou a si próprio, de propósito, nos últimos 12 meses, sobretudo cortando-se nos braços, nas pernas, na barriga... Referiram que se sentiam “tristes”, “fartos”, “desiludidos” quando o fizeram.
Este indicador, preocupante como é evidente, é-o tanto mais quando representa um aumento de quase cinco pontos percentuais do grupo dos que fazem mal a si próprios considerando o Relatório anterior.
Na verdade, os comportamentos de automutilação em adolescentes são mais frequentes e graves do que muitas vezes pensamos e devem ser encarados com preocupação. E os casos que vão sendo conhecidos são apenas isso, os conhecidos, a ponta do iceberg.
É justamente por esta dimensão e as suas potenciais consequências que me parece fundamental entender tudo isto como um sinal muito forte do mal-estar que muitos adolescentes e jovens sentem e a verdade é que em muitas situações não conseguimos estar suficientemente atentos. Este mal-estar e o que daí pode emergir decorrem de situações de sofrimento com as mais diversas origens, relações entre colegas, bullying por exemplo nas suas diferentes formas ou relações degradadas na família que facilitam a instalação de sentimentos de rejeição, ausência de suporte social que serão indutoras de comportamentos autodestrutivos.
Começa também a surgir como causa deste mal-estar a dificuldade que algumas crianças e adolescentes sentem em lidar com situações de insucesso escolar. Estas dificuldades são frequentemente potenciadas pela pressão das famílias e pelo nível de competição que por vezes se instala.
Os tempos estão difíceis e crispados para muitos adultos e também para os miúdos a estrada não está fácil de percorrer.
Como disse, alguns vivem, sobrevivem, em ambientes familiares disfuncionais que comprometem o aconchego do porto de abrigo, afinal o que se espera de uma família.
Alguns percebem, sentem, que o mundo deles não parece deste reino, o mundo deles é um espaço, nem sempre um espaço físico, insustentável que, conforme as circunstâncias, é o inferno onde vivem ou o paraíso onde se acolhem e se sentem protegidos mas perdidos.
Alguns sentem que o amanhã está longe de mais e que um projecto para a vida é apenas mantê-la ou que nem isso vale a pena.
Alguns convencem-se ou sentem que a escola não está feita para que nela caibam e onde podem ser vitimizados.
Alguns sentem que podem fazer o que quiserem porque não têm nada a perder e muito menos acreditam no que têm a ganhar fazendo diferente.
Alguns transportam diariamente um fardo excessivamente pesado e que os torna vulneráveis.
Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa mas é necessário pois muitos destes adolescentes e jovens terão evidenciado no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos atenção, seja em casa ou na escola, espaço onde passam boa parte do seu tempo. Aliás, alguns testemunhos ouvidos no âmbito dos recentes e mediatizados casos mostram isso mesmo.
De facto, em muitos casos, designadamente, em comportamentos de automutilação ou estados mais persistentes de tristeza e isolamento, pode ser possível perceber sinais e comportamentos indiciadores de mal-estar. Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou desvalorizados. É também importante que pais e professores atentos não hesitem nos pedidos de ajuda ou apoio para lidar com este tipo de situações.
O sofrimento e mal-estar induzem uma espiral de comportamentos em que os adolescentes causam sofrimento a si próprios o que promove mais sofrimento num ciclo insuportável e com níveis de perplexidade, impotência e sofrimento para as famílias também extraordinariamente significativos.
Não, não tenho nenhuma visão idealizada dos mais novos nem acho que tudo lhes deve ser permitido ou desculpado. Também sei que alguns fazem coisas inaceitáveis e, portanto, não toleráveis. Só estou a dizer que muitas vezes a alma dói tanto que a cabeça e o corpo se perdem e fogem para a frente atrás do nada que se esconde na adrenalina dos limites.
Alguns destes miúdos carregam diariamente uma dor de alma que sentem mas nem sempre entendem ou têm medo de entender.
Espreitem a alma dos miúdos, sem medo, com vontade de perceber porque dói e surpreender-se-ão com a fragilidade e vulnerabilidade de alguns que se mascaram de heróis para uns ou bandidos para outros, procurando todos os dias enganar a dor da alma.
Eles não sabem, eu também não, o que é a alma. Um adolescente dizia-me uma vez, “dói-me aqui dentro, não sei onde”.
Muitos pais, mostra-me a experiência, sentem-se de tal forma assustados que inibem um pedido de ajuda por se sentirem impotentes e perplexos.
O resultado de tudo isto pode ser trágico e obriga-nos a uma atenção redobrada aos discursos e comportamentos dos adolescentes e dos jovens."
Desculpem a repetição mas é preciso insistir.

A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR

Está em curso a candidatura ao ensino superior. A candidatura envolve uma primeira decisão que me parece de sublinhar, aceder a formação de nível superior e é um decisão importante e positiva, contrariamente ao que tantas vezes se ouve não somos “um país de doutores”, antes pelo contrário, temos ainda um nível baixo de cidadãos com formação superior. Depois coloca-se a decisão, muitos já a terão tomado, sobre que curso e as eventuais dúvidas que daqui decorrem.
No que respeita à escolha do curso, a questão mais colocada pode ser assim enunciada, os jovens deverão seguir a sua motivação e interesses ou a escolha deve obedecer ao conhecimento do mercado de trabalho, isto é, nível de empregabilidade e saídas profissionais tão abordadas pela imprensa nesta altura?
Para muitos de nós, provavelmente, a resposta será fácil, seja num sentido ou no outro. Alguns dirão que cada jovem deve, obviamente, seguir o seu desejo, o seu gosto, só assim se realizará. Ideia romântica e sem noção da realidade que corre o sério risco de desembocar no desemprego, dirão outros, para os quais a escolha deve ser racional, pragmática, realista, o jovem deve procurar uma formação que lhe garanta, tanto quanto possível, saída profissional e para isso deve "estudar" o mercado e assim proceder à escolha. Os primeiros acharão que este entendimento pode levar a um risco de frustração e desencanto que podem instalar-se em quem "faz o que não gosta".
Na verdade não será fácil a escolha para muitos jovens a que acresce, frequentemente, a pressão familiar ou de outras pessoas para a "escolha acertada".
Dito isto, sou dos que entendem que cada um de nós deve poder escrever, tanto quanto as circunstâncias o permitirem, a sua narrativa, cumprir o seu sonho. Por outro lado, a vida também nos ensina que é preciso estar atento aos contextos e às condições que os influenciam, sabendo ainda a volatilidade e rapidez com que hoje em dia a vida acontece e rápida variabilidade dos mercados de trabalho.
Nesta perspectiva, parece-me importante que um jovem, sabendo o que a sua escolha representa, ou pode representar, nas actuais, sublinho actuais, condições do mercado de trabalho, faça a sua escolha assente na motivação ou no projecto de vida que gostava de construir e, então, informar-se sobre as opções, sobre as escolas e respectivos níveis de qualidade a que pode aceder para se qualificar.
Finalmente, do meu ponto de vista, boa parte da questão da empregabilidade, mesmo em situações de maior constrangimento, relativiza-se à competência, este é o ponto fulcral.
Na verdade, o que frequentemente me inquieta é a ligeireza com que algumas pessoas parecem encarar a sua formação superior, assumindo logo aqui uma atitude pouco "profissional", cumprem-se os serviços mínimos e depois logo se vê. A formação académica é mais do que um título que se cola ao nome, é um imprescindível conjunto de saberes e competências que sustentam um projecto de vida pessoal e profissional com melhores perspectivas de sucesso.
Mesmo em áreas de mais baixa empregabilidade, ou assim entendida, continuo a acreditar que, apesar dos maus exemplos que todos conhecemos, a competência e a qualidade da formação e preparação para o desempenho profissional, são a melhor ferramenta para entrar nesse "longínquo" mercado de trabalho.
Dito de outra maneira, maus profissionais terão sempre mais dificuldades, esteja o mercado mais aberto ou mais fechado.
Boa sorte e boa viagem para todos os que vão iniciar agora esta fase fundamental nas suas vidas.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

ATÉ SEMPRE

No aeroporto de Ponta Delgada de regresso a casa embora por aqui também me sinta em casa.
Virou-se uma página de uma narrativa que leva os miúdos, todos os miúdos, ao futuro, mais um ano lectivo. Os resultados foram, são, positivos considerando a avaliação interna, a avaliação externa e outros indicadores como envolvimento e participação dos pais no processo educativo. Bom trabalho, gente!
Foi bom ter acompanhado uma comunidade, Lagoa, que quis responder e respondeu aos desafios que todas as comunidades enfrentam e não podem perder. 
Construir-se e funcionar como uma comunidade educativa, a educação não pode ser só um problema de professores e pais, é essencialmente um problema da comunidade com actores privilegiados, alunos, professores e pais.
Responder à mais evidente característica de pessoas, famílias ou comunidades, a diversidade.
Assumir que a escola, a sala de aula, pode fazer a diferença, contrariando destinos e construindo futuros.
Que este caminho passa também por diferenciar, flexibilizar e exigir.
Até sempre.

terça-feira, 18 de julho de 2017

O MUNDO DO AVESSO

As coisas nem sempre são o que parecem, o que pensamos que são ou mesmo o que gostávamos que fossem.
Na verdade, há pais que fazem mal aos filhos.
Na verdade, há filhos que fazem mal aos pais.
Na verdade, há professores que fazem mal aos alunos.
Na verdade, há alunos que fazem mal aos professores.
Na verdade, há velhos que fazem mal aos novos.
Na verdade, há novos que fazem mal aos velhos.
Na verdade, ...
Na verdade, há pessoas que fazem mal a pessoas.
Na verdade, ... o mundo é um lugar estranho e ... às vezes ... muito feio.

INSISTO, MEGA-AGRUPAMENTOS SÃO MEGA-PROBLEMAS

O Conselho Nacional de Educação divulgou ontem mais um interessante estudo, “Organização escolar – Os agrupamentos”. O estudo é pertinente, tem uma revisão de literatura útil e actualizada e assenta numa amostra de 25 dos 713 agrupamentos existentes, cerca de 3.5%.
As conclusões são muito curiosas e justificam umas notas.
O balanço é globalmente positivo. Associa-se a reorganização da rede, por motivos demográficos, à redução do abandono escolar estando por estudar a relação com a redução do insucesso escolar.
É também afirmado que de acordo com responsáveis dos agrupamentos analisados a concentração de alunos e a redução do número de escolas (6500 só no 1º ciclo) possibilitou, entre outros aspectos, “uma melhor resposta ao desafio do aumento da escolaridade obrigatória”, “uma oferta educativa e formativa mais diversificadas” e uma “maior mobilidade dos docentes entre escolas e entre ciclos de ensino, rentabilizando os recursos disponíveis”.
Como é sabido, por diferentes razões (incluindo agendas política) o processo de constituição de agrupamentos teve críticas, algumas das quais sempre subscrevi e mantenho. Vejamos
Com base neste relatório o Presidente do CNE, David Justino, entende que algumas destas críticas “baseiam-se em autênticos mitos”, como é o caso da dimensão.
Diz mais, aceita que este problema, a dimensão, se coloca em agrupamentos acima dos 3000 alunos mas “estamos a falar de 26, 4% do total”. Acho curiosa a afirmação quando o balanço positivo é estabelecido a partir do estudo de um número de agrupamentos da mesma ordem, 25 agrupamentos mesmo escolhidos com critérios de representatividade. Lamento mas esta questão não representa a necessidade dum "ajustamento" em “situações isoladas”, insisto os mega-agrupamente os são mesmo mega-problemas
Recordo que o Relatório TALIS (Teaching and Learning International Survey) de 2013, produzido pela OCDE, referia que Portugal apresentava um número médio de alunos por escola, 1152, que é mais do dobro da média dos países da OCDE, 546.4, veja-se o quadro da pg. 285 deste Relatório.
Como muitas vezes escrevi, a política de encerramento de escolas assentou num princípio necessário de reorganização de uma rede já desadequada por ineficiente e onerosa.
No entanto, considerando os impactos que o encerramento dos equipamentos sociais têm na desertificação do país e nas assimetrias de desenvolvimento, a decisão de encerrar escolas não deveria ter sido ser vista exclusivamente do ponto de vista administrativo e económico. Não pode assentar em critérios cegos e generalizados, esquecendo particularidades contextuais e, sobretudo, não servir como tudo parece servir em educação, para o jogo político, local ou nacional.
Por outro lado, este movimento de reorganização da rede escolar e fechamento de escolas, de construção dos centros educativos e da constituição de mega-agrupamentos, criou situações em que as dimensões e características são fortemente comprometedoras da qualidade, com riscos e consequências já conhecidas, os mega-agrupamentos produzem mega-problemas.
É também verdade que menos escolas e agrupamentos e direcções unipessoais tornam também mais fácil o controlo político de um sistema ainda altamente centralizado apesar da retórica de autonomia. Este controlo é, naturalmente, uma tentação de sempre de qualquer poder e continua na agenda como é público. Daí a retórica da autonomia que avança muito lentamente e o equívoco arriscado da municipalização que descentraliza sem autonomizar.
As escolas muito grandes, com a presença de alunos com idades muito díspares, são autênticos barris de pólvora e contextos educativos que mais dificilmente promoverão sucesso e qualidade apesar do esforço de professores, alunos, pais e funcionários. Recorrentes episódios e relatos de professores sustentam esta afirmação. Aliás, os indicadores disponíveis mostram que o volume de ocorrrºencia de indisciplina escolar é preocupante.
Comunidades educativas, com escolas gigantescas e/ou dispersas e diluídas não são a melhor forma de promover qualidade, comprometem a coesão das práticas e das equipas de docentes, técnicos e funcionários. Aliás, o Relatório do CNE identifica como dificuldade a mobilidade e dispersão da actividade dos docentes em múltiplas escolas do agrupamento.
Por outro lado, a experiência já conhecida mostra casos de distâncias grandes entre a residência dos miúdos e os centros escolares, levando que devido à difícil gestão dos transportes escolares, os miúdos passem tempos sem fim nos centros escolares, experiência que não é fácil, sobretudo para os mais pequenos.
Em síntese, parece-me razoável a reorganização da rede mas em muitas circunstâncias, não apenas em “situações isoladas”, corre-se sérios riscos de compromisso da qualidade da educação e do clima institucional.
É importante avaliar o que se tem passado mas em múltiplas dimensões.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

DOS RESULTADOS NOS EXAMES NACIONAIS

Os resultados conhecidos dos exames nacionais do e 12º ano mostram uma tendência de subida ligeira, casos de Português e Matemática em ambas as situações ainda que sem grande expressão e uma descida de algum significado de Física e Química A no 12º.
Creio que para todos nós a verificação de resultados positivos nos exames escolares é algo de positivo. No entanto, é sempre difícil estabilizar análises comparativas. Agumas notas breves.
Recordo uma intervenção pública ainda relativamente recente o presidente do Conselho Científico do Instituto de Avaliação Educativa ter admitido que os exames têm sido uma arma privilegiada na gestão política do sistema educativo. Através da "modulação", por assim dizer, da sua dificuldade, poder-se-á influenciar os resultados no sentido esperado e mais favorável a interesses de circunstância. Este entendimento minimiza o impacto das análises comparativas. Veja-se, por exemplo, a discussão recorrente e raramente consensual sobre o grau de dificuldade e adequação dos exames. Esta discrepância acontece, sem estranheza, até na apreciação do mesmo exame como repetidamente tem acontecido com os exames de Matemática registando-se diferentes opiniões entre a Associação dos Professores de Matemática e a Sociedade Portuguesa de Matemática.
No entanto, acredito que a tendência de melhoria também se deve, evidentemente, ao trabalho de professores e alunos.
Acresce neste quadro de variação que no caso do secundário existe sempre o risco de contaminar o acesso ao ensino superior pois, erradamente, este está excessivamente dependente das notas no secundário. Aliás e por esta razão vi referida a preocupação com o impacto que a descida a Física e Química A terá no acesso aos cursos de medicina.
A minha questão relativamente a estas matérias é o que fazer com os resultados dos exames dado que apesar da melhoria das médias o volume de retenções ainda é bem preocupante. E isto não tem rigorosamente a ver com os exames, está a montante, tem a ver com dispositivos de apoio e currículos, por exemplo.