AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sábado, 30 de novembro de 2013

O TEMPO DA AZEITONA

Tarefa concluída no Meu Alentejo, a azeitona está colhida e entregue no lagar. Este ano foi melhor que o ano passado, mas ainda assim perdeu-se uma parte da azeitona que estava nas oliveiras. Os dois anos anteriores foram bastante melhores e o azeite foi, é, excelente.
A apanha da azeitona, ainda usamos o velho método, é coisa brava, vá que está frio e sempre se aquece. Os braços ficam moídos de varejar e carregar mas impressionante mesmo, é ver a resistência do Velho Marrafa, homem de mais de setenta anos e que ainda tem a gentileza e generosidade de me deixar trabalhar com a vara mais leve, ameaçando seriamente a minha auto-estima mas protegendo os meus braços e costas.
O Velho Marrafa tem um entendimento que eu não me atrevo a discutir sobre a apanha da azeitona aqui no monte, isto é, ao mesmo tempo que se apanha a azeitona procede-se à limpeza das oliveiras. O resultado é que me transformo num agricultor em apuros, estendem-se os panos, colhe-se a azeitona numa catártica actividade de varejamento, corta-se o que há a cortar nas árvores com a motosserra, ensaca-se e carrega-se no tractor. Depois lá vamos a caminho do lagar para a pesagem e entrega. Para depois ficará tratar da lenha sobrante, esgalhar os ramos e traçar a mais grossa para a lareira e salamandra, nada se perde.
O tempo de espera no lagar passa-se nas lérias e os temas de conversa vão surgindo mas quase sempre, não podia deixar de ser, andam à volta dos enleios e das molengas em que a vida da gente se transformou e da pouca rentabilidade que tanto trabalho dá.
Acho que só lá para o fim de Janeiro, quando voltar ao lagar para buscar o azeite, com o ambiente quentinho das enormes salamandras que impede o azeite de coalhar e o cheirinho inconfundível do azeite novo é que me vou esquecer das agruras da apanha da azeitona.

NINGUÉM PÁRA O CRATO, NINGUÉM PÁRA O CRATO

Por vezes a política educativa do Ministro da Examinação Nuno Crato faz-me lembrar o atarantado caçador que dispara contra tudo o que mexe, acertando nos colegas, no cão na fruta das árvores, ou, por vezes, … nalguma peça de caça. No entanto, apago logo a lembrança pois de atarantado Nuno Crato tem nada, ou seja, o Ministro sabe muito bem o que está a fazer, aproveitando o tempo que tem, esperemos que pouco, para cumprir a sua visão da educação e reanimar o “negócio” tornando-o atractivo, rentável e acessível. É por isso que cada dia temos um tiro novo.
Agora é o inacreditável prazo de sete meses para as instituições de ensino superior que formam professores alterarem os seus planos de estudos. O prazo curtíssimo e inaceitável é para que a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior possa acreditar os novos planos de estudos antes das candidaturas do próximo ano lectivo, cuja oferta irá também ser determinada pelo Ministro da Examinação.
A reformulação dos cursos como já foi anunciada tem como orientação (?) fundamental o reforço da componente científica relativa à área que cada docente irá ensinar. Como já referi, a propósito da Sinistra Prova, cujo processo, para vergonha e espanto, está em curso, qualquer pessoa dentro do universo da Educação em Portugal, tem clara consciência que, em termos globais pois existem sempre excepções, o conhecimento científico dos professores, sobre as matérias que ensinam não é um problema central. É razoavelmente evidente, só para dar alguns exemplos, que para além do conhecimento científico da matéria que se ensina, importa o conhecimento sobre a forma de ensinar essa matéria, a forma de aprender essa matéria e a forma de avaliar essa matéria. Claro que o Ministro da Examinação do alto da arrogância da ignorância entende que ensinar Matemática numa turma do 3º ciclo com 30 alunos de uma escola cheia de problemas ou ensinar Matemática a uma turma de igual efectivo um estabelecimento privado altamente exclusivo é “apenas” um problema de saber … Matemática.
Estas considerações e a metodologia incompreensivelmente apressada informam a reacção, entre a perplexidade e a profunda discordância, dos especialistas, das escolas de formação de professores, do responsável da Agência de Acreditação, o Professor Alberto Amaral e de, evidentemente, quem olhe para a educação com lucidez e conhecimento. Como é evidente, estas notas não significam que o universo da formação de professores, no sistema público ou privado, seja perfeito, tal não acontece, mas os ajustamentos necessários têm pouco a ver com as decisões “orientações” do Ministro da Examinação.
Ninguém pára Nuno Crato. Até onde irá?

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

VER ESTRELAS

O Manel, aluno da escola pequena, entrou na biblioteca e foi ter com o Professor Velho, aquele que já não dá aulas, está na biblioteca e fala com os livros.
Velho, o que é ver estrelas?
Manel, ver estrelas é olhar para o céu e ver as estrelas grandes e pequenas que lá estão, umas parecem brilhar muito, outras parece que brilham menos, umas estão mais longe, outras estão mais perto e há até estrelas que não se conseguem ver de tão longe que estão. Só se conseguem ver com uns aparelhos que se chamam telescópio. Sabes que o Sol é uma estrela e parece assim tão grande porque está mais perto de nós que outras estrelas. Quando as noites estão escuras ou quando estamos em sítios que não têm luz, assim no campo, por exemplo, vêem-se ainda mais estrelas. Ainda me lembro, quando era pequeno, lá na terra onde vivia, de me deitar no chão à noite no Verão para estar a ver estrelas. É bonito, mas porque perguntas isso Manel?
Eu tive um problema com o João lá na sala e chamei-lhe assim um nome sabes, assim daqueles mesmo grandes. A professora contou ao meu pai e ele disse-me que se fizesse outra vez me punha a ver estrelas. Agora disseste o que é, até acho giro, mas é esquisito não é Velho?

Às vezes, só às vezes, os Pais não mostram as mesmas estrelas que os Professores.
Bom fim de semana.

JOBS FOR THE BOYS

Como é reconhecido, a questão do desemprego é de uma enorme gravidade e complexidade. São urgentes medidas eficazes e diversas de promoção de emprego. Porque não começar pelos amigos? Há que começar por algum lado e os amigos são para as ocasiões.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A SÉRIO?

O Tribunal de Contas está, evidentemente, a fazer mal as contas. Esta gente, como outra gente que não acerta as contas, é inimputável. De qualquer forma, as contas são sempre pagas pelos mesmos.

CRATO À SOLTA

Um telegrama de reacção ao notável solo de Nuno Crato após o Conselho de Ministros.
Segundo o Ministro da Examinação a sinistra Prova vai ser um sucesso, está a vender-se bem, já existem cerca de 37000 inscritos, a 20 € por cabeça, o que faz … bom, é só fazer as contas. Aliás, o interesse é tanto que o MEC decidiu prolongar o prazo de inscrição de forma a que todos os interessados tenham a possibilidade, diria o privilégio, de a ela acederem.  Sobre a Sinistra Prova nada acrescentar face ao modelo, circunstâncias e objectivos. Em todo o caso, ficará sempre um “bom” instrumento de análise para as instituições que formam professores ilustrando com extraordinária competência o que não deve ser a Avaliação de Professores.
Uma segunda referência preocupação com o conhecimento científico dos professores que sobre as matérias que leccionam. Qualquer pessoa dentro do universo da Educação em Portugal tem clara consciência que, em termos globais pois existem sempre excepções, o conhecimento científico dos professores, sobre as matérias que ensinam não é um problema central. É razoavelmente evidente, só para dar alguns exemplos que para além do conhecimento científico da matéria que se ensina, importa o conhecimento sobre a forma de ensinar essa matéria, a forma de aprender essa matéria e a forma de avaliar essa matéria. Claro que o Ministro da Examinação do alto da arrogância da ignorância entende que ensinar Matemática numa turma do 3º ciclo com 30 alunos de uma escola cheia de problemas ou ensinar Matemática a uma turma de igual efectivo um estabelecimento privado altamente exclusivo é “apenas” um problema de saber … Matemática.
Uma outra nota recorrente no discurso do Ministro da Examinação, a centração obsessiva nos resultados dos alunos, na medida, nos exames, claro, como fonte e critério único de qualidade. Pedindo desculpa pela referência em inglês pois a tradução retira eficácia, este entendimento faz parte da transformação da “Education” na “Learnification”. Aliás, o Professor Marçal Grilo numa recente e interessante entrevista evidenciava a sua inquietação com o rumo da educação actual, ou seja, a preocupação fundamentalista como o saber, perdendo a sua dimensão global e estruturante de que o saber, os saberes, é, evidentemente, uma peça fundamental, mas não única.
Esperam-nos, portanto, mais e mais exames. Sempre a estranha e mágica convicção de que de tanto medir a febre … ela um dia irá baixar.
Merece ainda um comentário breve a preocupação expressa por Nuno Crato com a “dignificação da profissão docente”, Esta afirmação, depois de ter parido a sinistra Prova, que diz Crato, avalia Conhecimentos e Capacidades para ser professor, seria uma peça de humor se não fosse um despudorado e indigno insulto aos professores.
Uma nota final sobre a decisão de simplificar o processo de certificação dos manuais escolares. Estamos de acordo, por princípio a simplificação de processos é positiva mas, mais uma vez, a questão dos manuais exige outro tipo de reflexão, o peso que lhes é dado no trabalho dos e com os alunos, criando um ensino altamente manualizado e o seu preço excessivo, considerando o número de manuais que cada aluno tem de adquirir e o abaixamento dos dispositivos de apoio da acção social escolar. De facto, do meu ponto de vista e como já tenho referido, a questão dos manuais, a sua utilização e aquisição (porque não serem da escola e não das famílias, por exemplo), entre outros aspectos mereciam reflexão séria embora reconheço o peso económico deste nicho de mercado.
Confesso, embora sirva para nada, que estou cada vez mais preocupado com este Crato à solta.

A RECUSA DE UMA BELA AMIZADE


Contrariamente aos desejos e expectativas do Governo, os funcionários públicos não estão a aderir à sua generosa proposta de "começo de uma bela amizade", para citar o diálogo final entre Rick e o Capitão Louis no mítico Casablanca.
Resta aguardar que nas fases seguintes das propostas de rescisões amigáveis, que raio de nome, dirigidas aos técnicos superiores e aos professores e a extensão anunciada ao Ministério da Saúde, a aceitação desta amizade tenha outros resultados.
Uma outra hipótese poderia ser o recurso aos pedidos de amizade através do Facebook, por rotina as pessoas poderiam dizer que sim.
Um problema nesta operação é que, parece, a maioria das pessoas não gosta de ser despedida apesar de lhe oferecerem uns trocos.
Esquisitices de gente rica, já se vê.

INVESTIGAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

Está estudada e reconhecida de há muito a associação fortíssima entre o investimento em educação e investigação e o desenvolvimento das comunidades, seja por via directa, qualificação e produção de conhecimento, seja por via indirecta, condições económicas, qualidade de vida e condições de saúde, por exemplo.
Com o desinvestimento no ensino superior e investigação que tem vindo a verificar-se e vai continuar, corremos o sério risco de ver ameaçados os excelentes resultados que a investigação e as instituições de ensino superior têm vindo a alcançar e que atestam o esforço e a competência da comunidade científica portuguesa e o trabalho realizado no âmbito do ensino superior e investigação, traduzidos no reconhecimento internacional das nossas instituições. É certo que muitas vezes passam quase despercebidas no meio da bruma envolvente destes dias de chumbo e, também nesta matéria, o futuro próximo não parece animador.
Como em quase tudo é uma questão de escolhas e prioridades de quem lidera. O problema como referia também o Professor Sobrinho Simões num entrevista de algum tempo sobre estas questões é que "os nossos políticos têm um problema ... alguns não se apercebem do valor do ensino superior e da investigação".

EQUIDADE NA AUSTERIDADE



A austeridade e o Sol quando nascem, nascem para todos. Quase.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A MINHA ESCOLA

Eu gosto muito da minha escola. A minha escola é muito bonita. Também gosto muito da minha professora e ela gosta muito de nós, é nossa amiga.
Na escola aprendo coisas muito importantes para quando crescer saber muito. Já sei ler e escrever muito bem, agora tenho um computador azul muito giro que nos deram, muito obrigado. Também gosto da matemática e dos problemas. Gosto também das brincadeiras que fazemos na escola quando estamos no recreio. Quando estamos na aula a gente porta-se bem e a professora conta uma história. Os meus pais ficam muito contentes quando levo as coisas da escola bem feitas. Gosto muito dos amigos que estão na minha escola.
Eu gosto muito da minha escola.

A minha escola é uma grande ceca. É feia e velha, tem senpre coisas partidas. A professora está senpre a gritar com a jente, diz que está farta e quer ir embora, já não tem pasiência. Ensina umas coisas que já sei e depois fico destraído. Outras coisas que ela ensina não perssebo para que servem e não gosto, fico também destraído. Não gosto de escrever porque dou erros e nas contas também me engano. A professora diz que eu tenho de ir para o apoio porque tenho dificudades, mas que á muitos miúdos como eu e a professora do apoio não xega para todos. A escola tem muito barulho porque a jente está senpre a falar e a professora a gritar. Alguns colegas lá da escola têm um compotador mas eu não tenho, dizem que o meu pai, não sei o quê, e não me deram. Mas parésse que vão dar. Já estou farto de estar na escola. Gosto de andar à porrada nos intervalos.
A minha escola é uma grande ceca.

PS – Professora, para me dar a nota pode escolher a de cima?

José

OS FILHOS SÃO MUITO CAROS

Segundo dados do INE, no primeiro semestre deste ano verificaram-se menos cerca de quatro mil nascimentos que em igual período do ano passado. Retomo algumas notas no âmbito da colaboração que dei para o tratamento que a imprensa tem dado a esta matéria.
Em Maio, num estudo realizado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, evidencia-se um dado já conhecido, as famílias portuguesas estão a adiar o nascimento do primeiro filho e também o adiamento do segundo ou mesmo a ausência de outros filhos por razões de natureza económica. Aliás, Portugal tem uma das mais altas taxas de filho único na Europa.
Nada de surpreendente, segundo dados da Comissão Europeia, em 2011 Portugal registou a quarta mais baixa taxa de fecundidade da União Europeia. Esta tendência que se acentua é mais uma preocupação emergente. A renovação de gerações exige 2,1 filhos por mulher sendo que desde 1982 que em Portugal não se atinge tal valor. Em 2011 tivemos 1,35 como índice sintético de fecundidade manifestamente insuficiente.
É ainda de registar que em 2010, um pouco mais de 10% dos nascimentos são crianças de mães estrangeiras, quando curiosamente temos discursos de governantes que nos aconselham, sobretudo aos mais novos, a emigrar e assim, lá longe, construir um projecto de vida. Os dados mais recentes sobre a emigração confirmam este fenómeno, a saída de muitos jovens.
Estes indicadores comprometem, obviamente, a renovação geracional, potenciando o envelhecimento populacional e o desequilíbrio demográfico que se tem acentuado fortemente a partir de 2003.
É ainda interessante sublinhar que trabalhos recentes evidenciam que as mulheres portuguesas são de entre as europeias as que mais valorizam a carreira profissional e a família. Também é sabido de outros estudos que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa, aliás, são também das que mais tempo trabalham em casa.
Como parece claro, este cenário, menos filhos quando se desejava fortemente compatibilizar maternidade e carreira, exige, já o tenho referido, a urgência do repensar das políticas de apoio à família. Os salários baixos ou o desemprego são algumas das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os projectos relativos a filhos. Por outro lado, Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é mais um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos.
Não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc.
Toda esta situação torna urgente a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida bem como combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas.
Seria ainda importante, à semelhança do que se passa noutros países, a introdução de ajustamentos na organização social do trabalho, nos horários, por exemplo, que tornassem mais amigáveis e compatíveis para famílias com filhos os desempenhos profissionais. Os custos destas medidas seriam certamente compensados em várias dimensões. 
Só com uma abordagem global e multi-direccionada me parece possível promover a recuperação demográfica indispensável.

UMA BOA NOTÍCIA

 
O Governo parece ter deixado cair a ideia da construção de um terminal de contentores na Trafaria, optando pela melhoria da capacidade do porto de Setúbal. Embora eu seja parte interessada enquanto habitante da margem sul, é de saudar a decisão que teria custos fortíssimos não só económicos como ambientais.


A IDADE E OS RENDIMENTOS DA REFORMA. Mais uma história mal contada

 
 
Segundo dados da OCDE, embora a idade legal da reforma em Portugal esteja nos 65 anos (em 2014 passará para os 66), a idade média efectiva da cessação da vida activa está nos 67,4 anos sendo, aliás, o país da UE em que os trabalhadores mais prolongam a vida activa. Por géneros, os homens mantêm-se a trabalhar até aos 68.4 anos e as mulheres até aos 66.4.
O período durante o qual os portugueses trabalham para além da idade legal da reforma é, como se vê, bem superior ao necessário para assegurar o factor de sustentabilidade que actualmente está calculado em seis meses.
No que respeita a rendimentos das pensões, em Portugal as pensões pagas estavam 26% abaixo do valor médio da zona euro, mesmo antes das imposições de cortes da Troika que nos governa, os dados são calculados em paridade do poder de compra e relativos ao final de 2008.
Estes dados mostram como é mal contada a história sobre a reforma, a idade da reforma, o tempo de trabalho dos portugueses, a sustentabilidade do sistema ou ainda o "riquismo" dos pensionistas portugueses e a necessidade do seu empobrecimento.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

A SINISTRA PROVA

Aparentemente está (quase) tudo dito sobre a sinistra Prova. Até Ramiro Marques já referiu que a Prova "está correcta"  sendo que, parece, terá conseguido dizer isto sem corar. 
Não é preciso recordar o exercício do Público que colocou adolescentes a resolver a sinistra Prova, não é necessário, como já escrevi, mobilizar conhecimento muito sofisticado na área da Avaliação ou sobre os conteúdos e competências exigidas para a função professor para reflectir sobro que o Ministério da Examinação propõe. Poderemos discorrer de forma empenhada sobre outras alternativas de avaliação para candidatos à entrada na profissão ou de avaliação de professores já em função. Nada do que se pode, deve, considerar tem a mínima relação com a Prova apresentada pelo Ministro Nuno Crato que evidentemente não pretende avaliar competências e capacidades de professores, os objectivos de Nuno Crato fazem parte de outra agenda. Este modelo de Prova destinado a avaliar Capacidades e Conhecimentos é algo de delirante, não merece, deste ponto de vista, muitos comentários, é demasiado mau o que temos para reflectir.
Não sei como todo este processo irá acabar mas tenho uma certeza. A sua realização da Prova nestes termos e circunstâncias corresponde a um dos mais negros episódios da política educativa(?) das últimas décadas.
Só mesmo uma fortíssima mobilização dos professores, de todos os professores, sobretudo dos que poderão ser "avaliadores" dificultará tal desastre. Os candidatos, os "descartáveis", estão, obviamente, numa situação mais vulnerável. Aliás, Mário Nogueira "sugere" hoje a inscrição dos "descartáveis" na Prova, "a vida ensina que é preciso manter várias possibilidades em aberto", afirmou.
Embora perceba o "pragmatismo" e assumindo o risco da injustiça ou do voluntarismo de quem não está envolvido directamente nesta questão, creio que esta Prova não é um problema dos "descartáveis", dos contratados, mais expostos ao despudor do Ministério da Examinação e que buscam uma coisa simples, um projecto de vida na profissão que escolheram muitos deles há muitos anos.
A sinistra Prova é um problema dos Professores, de Todos os professores pelo que Todos deveriam recusar envolver-se nela a começar, justamente, pelos que dela não já precisam para serem ... Professores.
Será possível?

A HISTÓRIA DO PROBLEMA

Era uma vez um miúdo chamado Problema. Desde pequeno que as pessoas ao olharem para ele viam um Problema. Logo no jardim-de-infância o Problema não teve uma vida muito fácil, sempre que estava em alguma brincadeira ou actividade e qualquer coisa não corria bem, a responsabilidade era, claro, do Problema.
Na escola, apesar de ser um miúdo esperto acontecia, por vezes e de forma natural, que não era muito bem sucedido, situação que se explicava, inevitavelmente, por ele ser, isso mesmo, um Problema.
Até os pais se foram habituando a olhar assim para o Problema.
Quando passou para a escola dos miúdos maiores, era já um Problema crescido. Os professores, alguns deles, não tinham grande expectativa sobre o sucesso do Problema, como sabem, a escola nem sempre lida bem com os Problemas. No entanto, o Problema ia vivendo, começava a pensar em si e nos embaraços que a vida de Problema lhe colocava.
Foi crescendo, estudando e pensando no que sentia e no que podia fazer.
Um dia, acabou por perceber, estudou a sério, sobretudo matemática e resolveu-se, passou a Problema Resolvido.
...
Mas há Problemas que não se resolvem.

OS MILHÕES DO FUTEBOL


Devo confessar que fico perplexo com a facilidade e disponibilidade com que nos tempos que correm se movimentam milhões, muitos milhões, neste negócio, o futebol, que não se percebe muito bem como se alimenta, as assistências nos estádios estão em queda, o mercado publicitário em recessão e a economia no mesmo cenário sendo que também é conhecido o volume dos passivos da esmagadora maioria, para não dizer a totalidade, dos clubes, nacionais ou estrangeiros como o recorte em cima confirma.
No entanto, o circo da compra e venda de jogadores e treinadores continua a envolver muitos milhões, não parou, não pára e compõe regularmente as páginas dos jornais.
Sempre que falo de futebol reafirmo a minha paixão incurável pelo jogo mas, sem demagogia, estes negócios e os valores movimentados, no contexto em que ocorrem e com os actores que envolvem, chegam a ser insultuosos quando olhamos à nossa volta.
O mundo é mesmo um lugar estranho. 

POBREZINHOS, POBREZINHOS, ESTAMOS QUASE LÁ



Estamos quase, quase lá, onde começa a felicidade, no salvífico empobrecimento. Obrigado senhores ... recebam os protestos dos nossos agradecimentos pela vossa generosidade.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

MAIS TRABALHO OU MELHOR TRABALHO

Sem grande surpresa o Tribunal Constitucional aceitou por maioria o aumento do  horário de trabalho dos funcionários da administração pública para as 40 horas semanais. Algumas notas, de novo, sobre esta questão, o aumento da carga horária.
Esta medida, aparentemente simpática aos olhos de quem diaboliza os privilegiados funcionários públicos, um dos alvos preferenciais dos cortes de rendimentos a que vamos assistindo, não terá, como reconhecem os especialistas, impacto significativo ao nível da produtividade e é pouco amigável na promoção de emprego ou, se preferirem, no combate ao desemprego como também alguns técnicos já alertaram.
Como tenho vindo a afirmar, apesar de não ser um especialista, apenas um cidadão que procura estar atento, creio que a abordagem da relação entre o tempo de trabalho, a competitividade a produtividade é contaminada por alguns equívocos.
É minha convicção de que o problema da produtividade é, fundamentalmente, uma questão de melhor trabalho e não de mais trabalho. Aliás, conhecem-se estudos nesse sentido e podemos reparar o que se passa noutros países com cargas de horário laboral semelhantes à nossa. Lembram-se certamente de há alguns meses, a propósito de umas afirmações da Senhora Merkel sobre os "preguiçosos" do sul da Europa, ter sido divulgado, creio que na imprensa o I referiu os dados, um relatório sobre a duração do trabalho na União Europeia verificando-se que, contrariamente a alguns entendimentos, a duração do trabalho em Portugal é a terceira mais elevada da Europa, repito, a terceira mais elevada da Europa, embora a competitividade e produtividade sejam das mais baixas. Este quadro retira sustentação ao grande argumento do Governo  de aproximação à realidade o sector privado pois os efeitos não são significativos, antes pelo contrário.
Parece assim claro que a produtividade não decorre fundamentalmente do tempo de trabalho. Existem, tenho-o afirmado, factores menos considerados e que do meu ponto de vista desempenham um papel fundamental, a qualificação profissional, a organização do trabalho, a qualidade dos modelos de organização e funcionamento, no fundo, a qualidade das lideranças nos contextos profissionais. O nível de desperdício no esforço, nos meios e nos processos em alguns contextos laborais é extraordinariamente elevado. Na administração central, autárquica e no universo das empresas públicas, por diferentes ordens de razões, este tipo de circunstâncias é razoavelmente frequente, sendo que em muitas situações as lideranças estão entregues por razões de aparelhismo partidário e troca de favores e não por competência ou currículo o que, naturalmente se traduz na qualidade do desempenho na gestão.
Neste cenário, a decisão de aumentar o horário de trabalho não parece ser, só por si, a solução milagrosa de incremento da produtividade e de combate ao desemprego, antes pelo contrário.
Parece-me bem mais potente um esforço concertado e consistente de reorganização e estruturação de serviços e de modernização e formação de chefias, funcionários e procedimentos do que impor o recurso simplista e “fácil” ao aumento da carga horária.
Aumentar o horário de trabalho não parece a forma mais eficaz de combater as famosas "gorduras" do estado, antes pelo contrário, boa parte das políticas em curso promovem, isso sim, o emagrecimento dos cidadãos, ou, pelos menos, dos seus rendimentos.  

PS - Na proposta de Orçamento para 2014 está contemplada a possibilidade dos  funcionários públicos poderem trabalhar a tempo parcial  com a óbvia redução de salário. O geniozinho Pedro Lomba, ajudante do génio Poiares Maduro, afirmou a propósito  que esta é uma medida "amiga da família". Então o mesmo Governo que aumenta o horário de trabalho da administração pública para as 40 horas consegue ter o despudor de afirmar que o facto de alguns funcionários, poucos que os vencimentos têm sido e vão continuar a ser cortados, poderem trabalhar menos, sacrificando parte do salario, é uma medida de apoio às famílias.
Mais um bocadinho e dir-nos-ão que os despedimentos na administração e o desemprego decorrente da recessão parida pelas políticas cegas de austeridade se destinam  promover uma relação mais próxima e com mais tempo entre as famílias e entre pais e filhos. E dir-nos-ão ainda que em casais com ambos desempregados a família finalmente está junta e com tempo.

A HISTÓRIA DO PÁRA-RAIOS

Um dia, numa escola de miúdos pequenos, começa a ouvir-se ao longe o ruído da trovoada, os miúdos vão prestando atenção e a ganhar alguma inquietação à medida que se aproximava. Para maior impacto a trovoada chegou mesmo pertinho.
Todos estavam assustados e o Nelson então ... estava mesmo com medo. A professora tentou aquietar aquela aflição o que aconteceu.
É certo que o afastamento da trovoada foi um forte contributo para o sucesso da sua acção.
Algum tempo depois, a mãe do Nelson contou à professora que uma noite, de novo, a trovoada, veio de longe, aproximou-se e o Nelson como de costume estava assustado, muito assustado. A mãe tentou ajudar e acalmar sem grande sucesso, a trovoada demorava a deslocar-se, até que o Nelson pediu, “Mãe, telefona à minha professora, ela é que sabe de trovoadas”.
Gosto de acreditar que os professores, na sua totalidade (ou quase), são percebidos pelos miúdos como pára-raios para as trovoadas que a vida lhes coloca por cima, não as evitam mas ajudam a proteger e a entendê-las.
A questão é que ajuda os professores nas trovoadas que lhes caem em cima.
Bom, isso dará uma outra história.

A IGNORÂNCIA DE NUNO CRATO

 
Às críticas da Associação Portuguesa de Deficientes sobre o escandaloso processo de colocação de professores de educação especial e dos cortes orçamentais para esta área, a resposta de Nuno Crato foi profundamente esclarecedora. Disse o Ministro que "temos reforçado o número de professores do ensino especial, portanto não sei exactamente do que se está a falar".
Pois é, apesar da capa de rigor e excelência com que costuma enfeitar os seus discursos, a questão de fundo é justamente esta, o Ministro Nuno Crato não sabe, repito, não sabe, do que se está a falar. Este ano lectivo, desde o seu início, tem sido, também no que respeita ao chamado ensino especial, um atropelo aos direitos dos miúdos, famílias e professores a uma educação de qualidade.
O despudorado e inaceitável episódio da sinistra Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades será, deste, ponto de vista, a cereja em cima do bolo. Nuno Crato não sabe mesmo do que se está a falar.
A minha avó Leonor, mulher sem estudos mas de sabedoria, costumava dizer que quando não se sabe é melhor estar calado e deixar para quem sabe.
Era um mulher que gostava de dar bons conselhos.

MALTRATAR NÃO É GOSTAR

O calendário das consciências determina para hoje o Dia Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra as Mulheres. Apesar da frequência com que me refiro a esta matéria, a sua gravidade justifica o retomar de algumas notas.
O Observatório de Mulheres Assassinadas, da União de Mulheres Alternativa e Resposta, registou 33 homicídios consumados e 32 tentados desde o início do ano, mais de três mulheres assassinadas por mês sendo recorrente a referência na imprensa a episódios desta natureza, felizmente nem sempre com a tragédia da morte e sendo apenas a ponta do icebergue, muitas situações de violência doméstica não são denunciadas e conhecidas.
Relembro que no âmbito do período experimental de um novo modelo de avaliação de risco desenvolvido por uma equipa da Direcção-geral da Administração Interna, entre 15 de Novembro e 31 de Dezembro passado registaram-se nos distritos de Lisboa e Porto mais de 800 denúncias à PSP e à GNR de casos de violência doméstica.
Tal volume de ocorrências e ainda o facto conhecido de que nem todos os episódios são denunciados obriga, de facto, a medidas proactivas de combate a este tipo de situações.
Recordo ainda que no âmbito do Dia Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Violência Contra as Mulheres em Novembro no ano passado, se sublinhava os efeitos que os episódios de violência doméstica podem ter nos filhos, pois cerca de 41.5% das situações reportadas ocorrem na presença dos miúdos, com consequências negativas óbvias e que apenas acentuam a necessidade de se minimizar ou eliminar este tipo de ocorrências.
Deste universo releva, como disse, um número de situações muito significativo que muitas vezes não é reportado, pois alguns estudos mostram a desconfiança que as vítimas sentem sobre a eficácia a justiça.
Na verdade, os últimos números que conheço, 2011, referem que do total de inquéritos instaurados, 83 % acabam arquivados, apenas 15 % chegam a julgamento que, com frequência, terminam com condenações. Quando se verificam condenações a maioria, 82 %, é com pena suspensa, veja-se que de 58 sentenças em processos-crime por violência doméstica relatadas à DGAI no primeiro trimestre de 2011, 52 por cento foram absolvições e 48 por cento condenações. Das condenações, apenas 6% merecem pena de prisão efectiva.
Por diferentes ordens de razões e embora a realidade se vá modificando lentamente, refira-se o aumento de denúncias por parte dos homens, parece assumir-se ainda uma espécie de fatalidade face à tolerância do crime de violência doméstica dirigida às mulheres, mas não só, provavelmente. Esta tolerância relativiza-se à dificuldade de prova, ao sistema de valores e situação de dependência emocional e económica de muitas das vítimas, à atitude conservadora de alguns juízes, etc. Permanece ainda com alguma frequência a dificuldade de promover a retirada do agressor do ambiente doméstico, procedendo-se à saída da vítima numa espécie de dupla violência que, aliás, também se verifica em situações de maus tratos a crianças, em que o agressor fica em casa e a criança é “expulsa”.
Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de impunidade instalado e ainda, como referi, alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à percepção de eventual vazio de alternativas ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos em caso de separação do agressor. Nesta perspectiva, torna-se fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.  

domingo, 24 de novembro de 2013

UM RAPAZ CHAMADO ESQUISITO

Um dia destes, estava o Professor Velho na sala de professores às voltas com o chá, quando entrou a professora Sara. Vocês conhecem o Professor Velho, é aquele que já não dá aulas, está na biblioteca e fala com os livros, a professora Sara, trabalha com os gaiatos do 1º ciclo.
Olá Velho, posso?
Claro, tudo bem Sara.
Bem Velho, quando a gente trabalha com os miúdos, nunca se pode dizer que está tudo bem. Conheces o Esquisito?
Não estou a ver quem é. Que se passa?
É mesmo Esquisito, ele tem oito anos, é um miúdo esperto e aprende com facilidade mas tem coisas estranhas, não quer que ninguém lhe toque, se lhe vou fazer uma festa, desvia-se, não quer tocar em material nenhum que venha dos colegas, por exemplo, não pega em borrachas ou lápis que não sejam os dele, sempre preocupado com a limpeza das coisas, diz que podem fazer mal se não estiverem limpas, não tem amigos, brinca sozinho quase sempre. Os outros miúdos acham que ele é vaidoso, que não quer nada com eles, nem que seja deles. E como sabe muitas coisas está sempre a afirmar o que sabe e os outros miúdos ainda menos gostam do Esquisito, dizem que é esquisito, tem a mania. Que achas Velho?
Olha Sara, se eu pensar nos miúdos que moram nos livros e nos miúdos que moram na vida, eu acho que talvez o Esquisito seja um miúdo com medo do mundo, não quer que o mundo se aproxime, lhe toque. Não sabemos porquê, mas, fala com ele, tenta dar-lhe a mão, ajuda-o a atravessar a ponte entre o mundo dele e o mundo dos outros, sozinho ele vai continuar com medo e não atravessa a ponte nem deixa que ninguém a atravesse para vir ter com ele.

CULTURA E CONSUMO CULTURAL

Na imprensa de hoje surge um trabalho importante e inquietante, mas sem surpresas, sobre o consumo de bens culturais. Os portugueses apresentam dos indicadores mais baixos da União Europeia no que respeita ao consumo de bens culturais. Actividades como leitura, cinema e outros espectáculos culturais, visitas a museus e exposição não fazem parte de forma significativa dos nossos hábitos, mais destinados ao consumo de televisão.
Os especialistas sustentam que esta situação, para além dos efeitos da crise na alteração de consumos, remete para aspectos de natureza educativa e para a política relativa à cultura e à sua valorização que tem sido seguida. Algumas notas enfatizando a questão da leitura e do mercado livreiro, área que conheço um pouco melhor, e que está também em recessão mas, importa sublinhar, de uma forma geral, os bens culturais em Portugal são um mercado caro, veja-se o preço dos livros, dos CDs ou dos espectáculos.
O universo da cultura vive e vai viver numa apagada e vil tristeza orçamental. Sabe-se como os museus têm dificuldade em manter portas abertas, para não falar dos problemas com investimentos e manutenção nos respectivos espólios. Muito do que se realiza em Portugal em matéria de cultura está dependente de apoios privados, carolice e mecenato e do que ainda algumas autarquias conseguem promover com orçamentos cada vez mais apertados. A crise instalada agrava, naturalmente, a situação.
Por outro lado, e no que respeita ao mercado livreiro, creio que uma das grandes razões para o preço dos livros será o reduzido volume de consumo desse bem por parte do cidadão comum. De facto, à excepção de alguns, poucos, nomes, edições reduzidas dificultarão, por questões de escala, o abaixamento do preço. Algumas editores ou grupos editoriais têm experimentado o lançamento de colecções com obras a mais baixo custo, mas muitos dos potenciais compradores dessas obras, já as terão adquirido pelo que, mais uma vez será difícil que sejam bem sucedidas essas edições. Se considerarmos o caso particular da poesia a situação pode ser um pouco mais negra, basta atentar nas montras ou nas listas dos mais vendidos num mercado gerido por meia dúzia de pontos de venda que asseguram o grosso do "rendimento" e por uma distribuição que trata, muitas vezes, o livro como apenas um produto e não o distribui como um "bem".
No entanto, penso que a grande aposta deveria ser no leitor e não no livro, ou seja, criando mais leitores, talvez as edições, que poderiam em todo o caso ser menos exigentes em papel e grafismo, ficassem mais acessíveis como se verifica noutros países. Esta batalha ganha-se na escola, na educação, e na comunicação social que, sobretudo a televisão, não valorizam como seria desejável os bens culturais. É certo que existe em actividade o Plano Nacional de Leitura que, parece, estará a dar alguns resultados, mas na comunicação social generalista, por exemplo na televisão, o livro está praticamente ausente embora exista o sketch do conhecido entertainer político, conhecido por Professor, que ao Domingo à noite despeja livros em cima de uma secretária enquanto faz, dizem, comentário político.
Insisto, é um problema de leitores, não de livros, aliás e estranhamente, nunca se publicou tanto como agora, aspecto que seria interessante analisar.

AS PEQUENAS POÇAS DE QUE SE FAZEM OS GRANDES PÂNTANOS

Os discursos sobre o Orçamento Geral de Estado para 2014 andam agora em torno da eventual decisão do Tribunal Constitucional face ao pedido de fiscalização sobre a matéria das pensões requerido pelo Presidente da República e, fundamentalmente, sobre  os seus efeitos, caso se decida pela inconstitucionalidade da proposta.
No entanto, para citar um enunciado conhecido, há mais Orçamento para lá das pensões, pelo que trago a referência a uma pequena questão, irrelevante no montante envolvido mas, do meu ponto de vista, extremamente significativa da cultura política que nos envolve e predomina.
No Expresso de ontem, a que a lida da apanha da azeitona só hoje me permitiu aceder, lê-se que a maioria PSD/CDS-PP chumbou a intenção contida na proposta de OGE de que a manutenção da subvenção vitalícia para os antigos titulares de cargos públicos dependesse da não existência de outros rendimentos ou pensões superiores a 2000€ e de não serem detentores de património imobiliário superior a 100 000€.
Os deputados da maioria obrigaram a que caíssem os limites relativos ao património.
Curiosamente, é de recordar que para atribuição do Rendimento Social de Inserção ou do Complemento  Solidário para Idosos, um dos critérios é justamente o património financeiro ou mobiliário o que, parece algo de ajustado embora os limites possam sempre ser discutidos. É interessante a comparação.
Esta atitude dos deputados da maioria é de facto extremamente significativa e é apenas mais um contributo, discreto é certo, para a degradação da imagem e da confiança depositada na maioria dos políticos.
Também sabemos que, como o povo afirma, "quem parte reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou não tem arte" e boa parte desta gente são verdadeiros artistas.
O impacto financeiro desta decisão é, como disse, irrelevante, mas os grandes pântanos também se formam de pequenas poças.

PRECÁRIA DE VIDA (take 2)

O trabalho de hoje do Público e a importância da questão, o desemprego e o abandono escolar entre os mais novos, levam-me  a retomar umas notas que aqui tinha deixado há poucos dias.
Segundo os últimos dados conhecidos, Portugal tem cerca de 440 000 jovens entre os 15 e os 34 anos que nem estudam nem trabalham, um grupo social que vai sendo designado por geração “nem, nem”, um termo e uma dimensão devastadora que nos deveria embaraçar.
De facto, o desemprego jovem em Portugal é quase o dobro da média da UE e a taxa de abandono escolar é ainda preocupante.
Acresce ainda que se está a verificar também a utilização abusiva e escandalosa de estágios profissionais não remunerados, sobretudo de jovens qualificados, situação que permite aos empregadores aceder a mão-de-obra gratuita por alguns períodos de tempo que podendo ter impacto nas estatísticas não muda a vida das pessoas.
Vale a pena recordar também que, em Janeiro e segundo o EUROSTAT, Portugal era o quinto país europeu, dos 21 considerados, em que mais jovens entre os 25 e os 24 vivem com os pais, 46 %. Para comparação, Dinamarca, Suécia e Finlândia têm percentagens inferiores a 5 %.
Este cenário não é mais grave porque 100 000 jovens, sobretudo qualificados, estão a sair do país, emigrando para outras paragens e tem um custo brutal, cerca de 2 700 milhões de euros, 1,57 % do PIB. A emigração parece assim constituir-se como via quase exclusiva para aceder a um futuro onde caiba um projecto de vida positivo e viável como tem vindo a verificar-se.
Acresce que de acordo com um Relatório da Organização Internacional do Trabalho em 2011, 56 % dos jovens portugueses com trabalho têm contratos a prazo. Há algum tempo uma informação do Banco de Portugal referia que em cada dez empregos novos para jovens, nove são precários.
Segundo um estudo da CGTP, 51% dos jovens com menos de 25 anos ganha menos de 500 € e 24,5% dos jovens entre os 25 e os 35 recebe também menos de 500 €. Este cenário evidencia a enorme precariedade do trabalho e baixa qualificação do mesmo.
A precariedade nas relações laborais quase duplicou na última década. Portugal é o segundo país da Europa, a seguir à Polónia, com maior nível de contratos a prazo. Por outro lado, as políticas de emprego em curso incluem maior flexibilização das relações laborais.
Neste cenário, os desequilíbrios fortíssimos entre oferta e procura em diferentes sectores, a natureza da legislação laboral favorável à precariedade e insensibilidade social e ética de quem decide, promovem a proletarização do mercado de trabalho mesmo em áreas especializadas ou mesmo o recurso a uma forma de exploração selvagem com uma maquilhagem de "estágio" sem qualquer remuneração a não ser a esperança de vir a merecer um emprego pelo qual se luta abdicando até da dignidade.
Acontece ainda que alguns dos vencimentos que se conhecem, atingindo também camadas altamente qualificadas, não são um vencimento, são um subsídio de sobrevivência. É justamente a luta pela sobrevivência que deixa muita gente, sobretudo jovens sem subsídio de desemprego e à entrada no mundo do trabalho sem margem negocial, altamente fragilizadas e vulneráveis, que entre o nada e a migalha "escolhem amigavelmente" a "migalha", ou mesmo uma remota hipótese de um emprego no fim de período de um indigno trabalho gratuito. Como é evidente esta dramática situação vai de mansinho alargando e numa espécie de tsunami vai esmagando novos grupos sociais e famílias.
É um desastre. Grave e dramático é que as pessoas são "obrigadas" a aceitar. Os mercados sabem disso, as pessoas são activos descartáveis.

sábado, 23 de novembro de 2013

NUNO CRATO DEVE UM PEDIDO DE DESCULPAS

Apesar do título, não tenho, evidentemente, qualquer expectativa de que o Ministro da Examinação venha pedir desculpa publicamente pela proposta de uma Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades que permita o acesso à carreira de professores a ... Professores que já são professores, com prática avaliada, há muitos anos. O modelo de prova apresentado, considerando os objectivos a que se propõe, não é uma Prova, é um insulto, daí, de novo  e de forma ainda mais veemente, a exigência de um pedido de desculpas.
Nuno Crato não vai apresentar este pedido de desculpas pois tal procedimento solicita integridade ética, a humildade e a competência que nos permite perceber quando erramos, bens obviamente ausentes do património do Ministro, enquanto Ministro, naturalmente, cujo discurso é pautado pela arrogância, incompetência e manha, para além de informado por uma agenda que tem pouco a ver com a sempre presente nas suas afirmações, qualidade, rigor e excelência no que respeita à escola pública.
Não é preciso, como o Público fez num exercício que nos deixa incomodados,  pedir a adolescentes ou a estudantes de Ciências da Educação para resolverem a prova na componente "escolha múltipla" (80% do valor da prova) o que fizeram com sucesso, para perceber a dimensão anedótica mas trágica na sua essência da Prova com que se pretende torturar os professores.
Também não é necessário mobilizar conhecimento muito sofisticado na área da Avaliação ou dos conteúdos e competências exigidas para a função professor. Poderemos discorrer de forma empenhada sobre outras alternativas de avaliação para candidatos à entrada na profissão ou de avaliação de professores já em função. Nada do que se pode, deve, considerar tem a mínima relação com a Prova apresentada pelo Ministro Nuno Crato. O modelo de Prova apresentado é algo de surreal, não merece, deste ponto de vista, muitos comentários, é demasiado mau o que temos para reflectir.
Não sei como todo este processo irá acabar mas tenho uma certeza. A sua realização da Prova nestes termos e circunstância corresponde a um dos mais negros episódios da política educativa(?) das últimas décadas.
Só mesmo uma fortíssima mobilização dos professores, de todos os professores, sobretudo dos que vão avaliar pois os candidatos estão numa situação mais vulnerável, poderá evitar tal desastre.
Será possível?

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

AUTORIDADE E AUSTERIDADE


Por outro lado, o que se passou é um bom indicador da insegurança da brutal força da austeridade.

Sendo também verdade que não se deveria permitir que a austeridade degrade um país e a vida dos seus cidadãos.

DEVE SER A ISTO QUE CHAMAM CONVERGÊNCIA


Deve ser a isto que chamam convergência. Emagrece-se até ao limiar da sobrevivência o rendimento das famílias ao mesmo tempo que se alimentam as gorduras do Estado com, por exemplo, o ruinoso mas intocável negócio das PPPs, a maioria das quais nas mãos de três grupos económicos, Espírito Santo, Mello e Mota-Engil.
A coisa vai no bom caminho, até à solução final.

O INDIGNO EXAME DO MINISTÉRIO DA EXAMINAÇÃO, O GRAU ZERO DA "POLÍTICA EDUCATIVA"

Através do Blogue DeAr Lindo conheci o Guião da Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades, o exame de acesso à carreira docente a que milhares de professores com anos de experiência avaliada terão de responder.
Não sei se chore, de vergonha e embaraço, se cerre os dentes de revolta e indignação, se me ria com a bizarra e incompetente obra cuja leitura se aconselha vivamente e que desde já deveria ser peça de análise obrigatória em qualquer curso de formação de professores, justamente para ilustrar de forma muito clara o que NÃO deve ser uma prova de avaliação de Conhecimentos e Capacidades para desempenhar  a função de professor.
A prova, na sua componente comum tem duas partes, 32 questões de resposta múltipla com um peso de 80% no resultado final e um item de "construção (resposta extensa orientada)", coisa fina, também conhecida por "questão de desenvolvimento" ou ainda por "redacção", com um peso de 20%.
O Guião tem ainda alguns exemplos de Itens da secção de resposta múltipla que insultam a inteligência e o conhecimento sobre o trabalho dos professores e enuncia os critérios de apreciação do Item de "construção" avisando, por exemplo, que o uso indevido de maiúsculas será punido bem a utilização do Português pois a prova deve ser escrita em Acordês. Curiosamente, mas sem surpresa, os critérios de avaliação não fazem (não podiam fazer) uma única referência aos Conhecimentos e Capacidades para o exercício da função docente, que, parece, seria o objectivo da Prova. Aliás, para exemplo aqui fica.
"São classificadas com zero pontos as respostas que não atinjam o nível de desempenho mais baixo ou quando se verifique uma das seguintes condições:
–– afastamento integral do tema;
–– mais de seis erros de sintaxe;
–– mais de dez erros inequívocos de pontuação;
–– mais de dez erros de ortografia ou de morfologia."
Falta, creio, uma referência final informando que se os meninos tiverem alguma dúvida na Prova podem esclarecê-la junto dos Setôres que vigiam  os trabalhos. Não falta, no entanto, a determinação que a Prova deve ser respondida a preto, a cor do luto pelo que está a ser feito em matéria de educação e ensino público. 
Para além de todas as considerações sobre a realização da prova que aqui tenho deixado em diferentes textos, o Guião agora conhecido é, para utilizar uma expressão cara a Paulo Portas, a linha vermelha que não podia ser ultrapassada.
A Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades é despudorada e manhosa na sua intenção, é vergonhosa e incompetente na sua estrutura e modelo, insulta a competência e a inteligência, desde logo dos professores a quem se destina, e representa o grau zero da Política Educativa do Ministério da Examinação.
Não é possivel olhar para isto sem um enorme sentimento de indignação e revolta pelo despudor, manha e incompetência de quem decide.

PS - Tenho alguma esperança, na minha idade é-se optimista por condição, sou avô, acho que o Ministro Crato, à semelhança do que fazem os gaiatos pequenos quando percebem que fazem burrada da grossa, muito grossa no caso, vai dizer que "era a brincar" ou que "foi sem querer". Se tal acontecer, os professores vão entender, mesmo sem esta aberração a Prova, a grande maioria está muito bem preparada e empenhada em entender e ajudar os gaiatos, apesar do Ministro.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

PRECÁRIA DE VIDA

Segundo os últimos dados conhecidos, Portugal tem cerca de 440 000 jovens entre os 15 e os 34 anos que nem estudam nem trabalham, um grupo social que vai sendo designado por geração “nem, nem”, um termo e uma dimensão devastadora que nos deveria embaraçar.
De facto, o desemprego jovem em Portugal é quase o dobro da média da UE e a taxa de abandono escolar é ainda preocupante.
Acresce ainda que se está a verificar também a utilização abusiva e escandalosa de estágios profissionais não remunerados, sobretudo de jovens qualificados, situação que permite aos empregadores aceder a mão-de-obra gratuita por alguns períodos de tempo que podendo ter impacto nas estatísticas não muda a vida das pessoas.
Vale a pena recordar também que, em Janeiro e segundo o EUROSTAT, Portugal era o quinto país europeu, dos 21 considerados, em que mais jovens entre os 25 e os 24 vivem com os pais, 46 %. Para comparação, Dinamarca, Suécia e Finlândia têm percentagens inferiores a 5 %.
Este cenário não é mais grave porque 100 000 jovens, sobretudo qualificados, estão a sair do país, emigrando para outras paragens e tem um custo brutal, cerca de 2 700 milhões de euros, 1,57 % do PIB. A emigração parece assim constituir-se como via quase exclusiva para aceder a um futuro onde caiba um projecto de vida positivo e viável como tem vindo a verificar-se.
Acresce que de acordo com um Relatório da Organização Internacional do Trabalho em 2011, 56 % dos jovens portugueses com trabalho têm contratos a prazo. Há algum tempo uma informação do Banco de Portugal referia que em cada dez empregos novos para jovens, nove são precários.
Segundo um estudo da CGTP, 51% dos jovens com menos de 25 anos ganha menos de 500 € e 24,5% dos jovens entre os 25 e os 35 recebe também menos de 500 €. Este cenário evidencia a enorme precariedade do trabalho e baixa qualificação do mesmo.
A precariedade nas relações laborais quase duplicou na última década. Portugal é o segundo país da Europa, a seguir à Polónia, com maior nível de contratos a prazo. Por outro lado, as políticas de emprego em curso incluem maior flexibilização das relações laborais.
Neste cenário, os desequilíbrios fortíssimos entre oferta e procura em diferentes sectores, a natureza da legislação laboral favorável à precariedade e insensibilidade social e ética de quem decide, promovem a proletarização do mercado de trabalho mesmo em áreas especializadas ou mesmo o recurso a uma forma de exploração selvagem com uma maquilhagem de "estágio" sem qualquer remuneração a não ser a esperança de vir a merecer um emprego pelo qual se luta abdicando até da dignidade.
Acontece ainda que alguns dos vencimentos que se conhecem, atingindo também camadas altamente qualificadas, não são um vencimento, são um subsídio de sobrevivência. É justamente a luta pela sobrevivência que deixa muita gente, sobretudo jovens sem subsídio de desemprego e à entrada no mundo do trabalho sem margem negocial, altamente fragilizadas e vulneráveis, que entre o nada e a migalha "escolhem amigavelmente" a "migalha", ou mesmo uma remota hipótese de um emprego no fim de período de um indigno trabalho gratuito. Como é evidente esta dramática situação vai de mansinho alargando e numa espécie de tsunami vai esmagando novos grupos sociais e famílias.
É um desastre. Grave e dramático é que as pessoas são "obrigadas" a aceitar. Os mercados sabem disso, as pessoas são activos descartáveis.

A HISTÓRIA DO RAPAZ QUE VOAVA

Uma vez na escola dos miúdos mais pequenos, no início da semana, num tempo em que ainda não tinham inventado as metas curriculares, a professora Maria, como fazia quase sempre, pediu que a miudagem falasse do fim-de-semana e do que tinham feito. Muitas vezes a conversa dava origem a trabalhos muito interessantes que os miúdos adoravam.
Quando chegou a sua vez o Manel, com um ar muito sério disse que tinha andado a voar, até estava cansado ainda. A professora e os colegas ficaram um bocado surpreendidos.
Manel, as pessoas não voam.
Voam sim senhor, eu acho que as pessoas podem voar, eu voei.
Então conta-nos como é que tu voaste?
Fui ver terras muito longe que nunca tinha visto, vi casas esquisitas e gente também esquisita que morava nessa terras. Vi monstros bons e monstros maus, foi muito giro, mas também tive medo.
Manel, isso não pode ser, conta lá a verdade.
A sério, estive a voar. Fui visitar o meu avô e ele contou-me uma mão cheia de histórias.

FOGO DE VISTA


O governo regional da Madeira vai gastar mais de dois milhões de euros nas festas de Natal e Fim do Ano, sendo que, como é hábito, o processo de adjudicação é também ele integrado no “fogo-de-artifício”, ou seja, tudo é feito muito artificiosamente.
Os gastos nestes eventos assentam no argumento de que as festas e o fogo-de-artifício são "o maior cartaz" da Região Autónoma" com o qual, devo confessar, estou de acordo.
Na verdade, o fogo-de-artifício, as festas das inaugurações de equipamentos que, por vezes, são mero desperdício e forma de uns quantos ganharem muitos milhões, são um dos grandes cartazes da Madeira.
Por cima deste quadro reina, ainda, a figura tutelar de Alberto João que entre impropérios, boçalidade e ameaças veladas de independência se ri de uma classe dirigente que se ri dele, o bobo tonto e inimputável que vai jogando um jogo conhecido, uns fingem que governam o território nacional "esquecendo" o que se passa na Madeira, outros, poucos, ganham muito com tudo isso e a grande maioria de nós, madeirenses incluídos, obviamente, vai pagando.
Até quando?

O CONSENSO DOS TELHADOS DE VIDRO


A recusa de PS e PSD em ouvir na Comissão Parlamentar de inquérito a um filme tóxico que dá pelo nome "Swaps", um rapaz, Jaber G. Jabbour, ex-quadro do Goldman Sachs que em 2009 alertou para os riscos destes produtos, é um verdadeiro exemplo.
Depois de tantos apelos, de múltiplos quadrantes e personagens, ao consenso entre PSD e PS que muitos, incluindo eu, entendiam como impossível, ele aí está, o consenso, o entendimento.
Lamentavelmente, o consenso não se estabelece em defesa do que possa ser o bem comum, desenha-se em defesa dos telhados de vidro que os governantes dos últimos anos têm a proposito desta nauseabunda matéria, os swaps, em que as responsabilidades vão estando distribuídas.
É verdade que a predominância dos interesses da partidocracia sobre os interesses da generalidade das pessoas não é nada de novo, mas um bocadinho, só um bocadinho, de pudor não lhes ficaria mal.

E A GENTE VIVE DE QUÊ?

Para além desta informação recordo que, segundo dados da  Segurança Social  relativos a Agosto, apenas 44% dos desempregados, acedem ao subsídio de desemprego, sendo que o valor médio das prestações é também mais baixo 4% relativamente ao ano passado devido a alterações das regras de cálculo.
Para além do citado abaixamento do número de crianças e jovens a receber abono de família e do número de beneficiários do Rendimento Social de Inserção, este valor, também baixou por alteração de critérios e regras tendo agora como valor médio 83,28€.
Dado que não se tem verificado qualquer subida nos rendimentos familiares, antes pelo contrário, estes dados, o abaixamento do número global de pessoas a beneficiar de apoios sociais não decorre de melhoria das condições de vida das famílias mas obviamente dos cortes no universo dos apoios sociais.
Este cenário impressionante, que pode agravar-se com a anunciada reforma do Estado, isto é, cortes nas suas funções sociais, coloca uma terrível e angustiante questão. Os milhares, muitos, de pessoas envolvidas vão (sobre)viver de quê?
Contrariamente ao que nos querem fazer acreditar, a maioria das famílias portuguesas não viviam ou vivem acima das suas possibilidades, mas cada vez mais famílias estão a viver abaixo das suas necessidades, com fome, pobres, sem apoio e em risco de exclusão. Os sucessivos Governos, desta e de outras terras, é que subscreveram políticas públicas que assentes em modelos económicos sem alma nem ética produziram o inferno em que vivemos, não foram as famílias, na sua maioria que o produziram. As famílias é que sofrem o ajustamento de que falam os burocratas que servem os mercados mas não foram elas que têm ou tiveram a maior responsabilidade pela situação criada. E dentro das famílias, como também os dados mostram, são as crianças que se encontram em maior vulnerabilidade com todos os riscos daí decorrentes.
Com este terramoto social e económico ainda insistem em que temos de empobrecer, expressão que indigna até à raiva. Nós já estamos pobres, não podemos ficar mais pobres, entendam isto de uma vez por todas.
Nós não precisamos de empobrecer, falar de empobrecer é insulto e terrorismo social. Nós precisamos de combater a assimetria da distribuição da riqueza e produzir mais riqueza, precisamos de combater mordomias e desperdício de recursos e meios ineficientes e muitas vezes injustificados que alimentam clientelas e interesses outros. Nós precisamos de combater a teia de protecção legal e política aos interesses dos mercados e dos seus empregados, que conflituam com os interesses das pessoas. Nós não precisamos de empobrecer, nós já somos um dos países mais pobres e assimétricos da Europa com perto de um terço da sua população pobre ou em risco de pobreza, com miúdos a chegar às escolas com fome, com gente sem trabalho e sem apoio social.
O que precisamos é de coragem e visão sem subserviência ao ditado dos mercados e dos seus agentes para definir modelos económicos, sociais e políticos destinados a pessoas e não a mercados ou a grupos minoritários de interesses mesmo que mascarados em malditos planos de "ajustamento", de "resgate" ou ainda e de forma ofensiva de "ajuda".
O que precisamos é de coragem e visão sem subserviência ao ditado dos mercados e dos seus agentes para definir modelos económicos, sociais e políticos destinados a pessoas e não a mercados especulativos ou a grupos minoritários de interesses.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O NEGÓCIO DA EDUCAÇÃO

O texto de Paulo Guinote  no Público coloca uma interrogação cada vez mais pertinente, "os alunos serão alunos ou clientes?", ou seja, a educação torna-se cada vez mais uma área de negócio ou o ensino público continua como algo de verdadeiramente estruturante de um estado com responsabilidade ética e defensor da coesão social e da equidade?
O sentido da resposta parece-me claro. De forma determinada o Ministro Nuno Crato vai cumprindo a sua agenda cada vez mais explícita, o financiamento do ensino privado à custa da degradação e desinvestimento do ensino público sob o princípio da liberdade de escolha, ou seja, um forte apoio ao negócio da educação.
Neste sentido, como já afirmei, compreende-se que para o OGE de 2014 para a Educação as verbas destinadas a financiar sob diferentes formas o ensino privado sejam reforçadas. Para além da inacreditável possibilidade de estabelecer contratos de associação ainda que exista ensino público com oferta educativa disponível na mesma área, teremos o cheque-ensino já com uma dotação de 19.4 milhões de euros e a desenvolver em termos experimentais. Em modo MEC, período experimental quer dizer pré-generalização como se verificou com o ensino vocacional que antes da avaliação entrou em generalização.
A experiência do que têm sido tais práticas de liberalização noutra paragens e o conhecimento dos territórios educativos portugueses sugerem que na verdade percorremos um caminho de privatização da educação transformando-a num serviço que as famílias compram de acordo com as suas possibilidades económicas para os verdadeiros clientes desse serviço, os mais novos.
Aliás, parece-me claro que a cultura mais generalizada entende os estabelecimentos de ensino privado como exclusivos e muitos deles são profundamente selectivos na população que acolhem, o que leva, justamente, muitos pais  a escolher "comprar", por assim dizer, essa exclusividade, que só por existir já é um negócio, um bom negócio.
O problema grave e inquietante é que a maioria das famílias terá de manter os seus filhos nas escolas públicas que sofrendo forte desinvestimento terão menos recursos, apoios e autonomia e em que os professores serão obrigados a funcionar num registo de "contents delivery" a turmas enormes de clientes pouco abonados que através de sucessivos exames passarão por uma espécie de "darwinismo educativo" sobrevivendo os clientes mais fortes, sendo os mais fracos enviados para o "trabalho manual".
Sopram ventos adversos. Os clientes mais "favorecidos", para utilizar um eufemismo frequente, comprarão bons serviços educativos e os menos "favorecidos" ... assim continuarão. É o destino.

OS DESCARTÁVEIS QUE PODERÃO SER RECICLÁVEIS

Na sequência de queixas da Associação Nacional dos Professores Contratados  e de queixas por iniciativa individual de professores,  a que o Provedor de Justiça também deu acolhimento, a Comissão Europeia produziu um ultimato ao Governo português no sentido de comunicar num prazo de dois meses as iniciativas de revisão das condições laborais dos professores contratados em escolas públicas. O não cumprimento implicará o envio do problema para o Tribunal de Justiça da UE.
A questão é velha e envolve o tratamento considerado discriminatório de largos milhares de professores em diferentes matérias e que exercem a mesma função bem como o abuso inaceitável da situação de precariedade criando a vergonhosa condição de "descartável", qualquer coisa como mais de 37 000 professores contratados com mais de quatro anos de tempo de serviço,  cerca de 11 000 com mais de dez anos e cerca de 1000 com mais de 18 anos de serviço, repito, 18 anos de serviço, avaliado de dizer-se, e a exercer funções que, obviamente, correspondiam a necessidades permanentes do sistema.
Entretanto, o MEC criou cerca de 600 vagas que transformaram alguns, poucos, dos "descartáveis" em recicláveis, ou seja, 98% dos docentes que reuniam condições face à lei,  mantiveram-se "descartáveis" e muitos vão sendo "descartados". como é sabido.
Para essas 600 vagas apresentaram-se a concurso cerca de 23 000 candidatos, pessoas que, de acordo com os requisitos, são “docentes com exercício efectivo de funções docentes com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos três anos lectivos imediatamente anteriores ao da data de apresentação do concurso” e com “avaliação de desempenho com menção qualitativa não inferior a ‘Bom’ naquele período”, ou seja, não são pessoas que se candidatam a um primeiro emprego de professor mas profissionais com vários anos de serviço que não obtendo colocação ficam, de facto, despedidos.
Na altura, o MEC sustentou o número de vagas definido com “a actual conjuntura económica e financeira” pelo que promove “a empregabilidade possível”, sendo que as “vagas colocadas a concurso foram definidas em função das necessidades reais e futuras do sistema”.
Como já tenho referido, parece-me claro que a questão do número de professores necessário ao funcionamento do sistema é uma matéria bastante complexa que, por isso mesmo, exige serenidade, seriedade, rigor e competência na sua análise e gestão, exactamente tudo o que tem faltado neste já longo processo, incluindo a alguns discursos de representantes dos professores.
Para além da questão da demografia escolar que, aliás, o MEC tratou de forma incompetente e demagógica, importa não esquecer que existem muitos professores deslocados de funções docentes, boa parte em funções técnicas e administrativas que em muitos casos seriam dispensáveis pois fazem parte de estruturas do Ministério pesadas, burocráticas e ineficazes que, aliás, o ministro Nuno Crato achou que deveriam implodir. Para já, o risco de implosão ameaça muito mais seriamente a escola pública que o Ministério.
Por outro lado, os modelos de organização e funcionamento das escolas, com uma série infindável de estruturas intermédias e com um excesso insuportável de burocratização, retiram muitas horas docentes ao trabalho dos professores.
No entanto e do meu ponto de vista, o “excesso” de professores no sistema e sem trabalho deve ser também analisado à luz das medidas da PEC – Política Educativa em Curso. Vejamos alguns exemplos.
Em primeiro lugar, a mudança no número de professores necessário decorre do aumento do número de alunos por turma que, conjugado com a constituição de mega-agrupamentos e agrupamentos leva que em muitas escolas as turmas funcionem com o número máximo de alunos permitido, ou mesmo acima, com as evidentes implicações negativas que daí decorrem.
As mudanças curriculares com a eliminação das áreas não curriculares que, carecendo de alterações registe-se, também produzem um desejado e significativo “corte” no número de professores, a que acrescem outras alterações no mesmo sentido.
O Ministro “esquece-se” sempre, obviamente, destes “pormenores”, apenas se refere à demografia, em termos errados e habilidosos, e aos recursos disponíveis para, afirma, definir as necessidades do sistema, processo obviamente incompetente.
Este conjunto de medidas, além de outras, virão a revelar-se, gostava de me enganar, muito mais caras do que aquilo que o MEC poupará na diminuição do número de docentes que ficarão no desemprego, muitos deles tendo servido o sistema durante anos.
Ficarão sem trabalhar, não porque sejam incompetentes, a maioria não o é, não porque não sejam necessários, a maioria é, mas “apenas” porque é preciso cortar, cortar, custe o que custar.

A TUA CARREIRA POR 350 PALAVRAS E 20 EUROS. (take 2)

Inicia-se hoje o período de inscrição na Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades, destinada aos professores sem vínculo. Apesar das iniciativas legais das organizações de professores, o Ministério da Examinação, desculpem, o MEC, teima nesta narrativa, como agora se diz.
Ainda não se conhece o guião da que será e o processo ainda está em curso pelo que retomo algumas notas sobre exame de acesso à carreira docente, perdão, Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades em mais uma habilidade de manhosa com as designações.
Como tenho referido, de uma forma pouco sustentada, do meu ponto de vista, o MEC estabelece o exame de acesso à carreira docente, perdão a Prova de Avaliação  Conhecimentos e Capacidades, para todos os professores que não tenham vínculo à função pública o que cria a incompreensível situação de milhares de professores com muitos anos de prática avaliada positivamente terem de se submeter a essa prova que, obviamente, não avalia de forma alguma as Capacidades de um professor, tal objectivo consegue-se com prática acompanhada e não com uma prova de conhecimentos e capacidades.
Neste contexto, foi entretanto divulgado que a componente comum deste exame será constituída por uma só questão, "de desenvolvimento" na gíria da avaliação, e terá entre 250 e trezentas palavras como limite na resposta. Notável.
Depois da deriva sobre o impacto do exame e dos pagamentos para sua realização, o MEC assume o despudor e a incompetência de entender que avalia num texto com 350 palavras no máximo, estas notas têm 429 palavras, as "Capacidades", isto é, as competências e qualidades de um professor para além dos aspectos científicos que constituem a componente específica da prova. Relembro que estamos, também, a falar de professores com muitos anos de experiência e com prática avaliada positivamente. Não sei se fico envergonhado, muito, se indignado, muito.
Ficámos também a saber que alguns professores correctores dos exames nacionais terão sido  convidados pelo MEC para examinar os seus colegas recebendo 3 € por resposta corrigida podendo avaliar até 100 provas. Estes professores irão avaliar em 350 palavras se o seu colega do lado com vários anos de experiência, avaliado ao longo dos pode, ou não, aceder à carreira da qual tem feito funcionalmente parte funcional ainda que na situação de permanente descartável.
Do meu ponto de vista é a cereja em cima do bolo da incompetência e da indignidade deste processo.
Não estou profissionalmente envolvido nesta situação, por isso, talvez cometendo um abuso, creio que os professores "séniores" não deveriam colaborar num processo desta natureza e com estes objectivos e formato.
Não pode valer tudo.