Conforme anunciado pelo MECI estará em preparação mais uma alteração curricular que, de acordo com Alexandre Homem Cristo, secretário de Estado Adjunto e da Educação e reconhecido especialista no complexo mundo da educação, envolverá a revisão do currículo de todas as disciplinas ainda que “umas mais profundas que outras”. Provavelmente a grande mudança ocorrerá nessa fonte do mal, a disciplina “Cidadania e Desenvolvimento.
Como várias vezes tenho dito sou
dos que entendo a necessidade de mudanças em matéria de currículo e também
muitas vezes tenho afirmado as razões para tal entendimento pelo que as deixo
de lado.
A história recente mostra que as
dezenas de alterações que em matéria de currículo se foram produzindo sempre
aconteceram sem que se assegurasse a avaliação séria do que está em vigor e
qual o sentido da mudança. A experiência mostra ainda que as sucessivas
alterações foram produzidas sem que se procurasse, não digo um consenso pois
sei que em educação e em Portugal é quase impossível face a agendas e
corporações de interesses, mas o envolvimento e participação dos diferentes
actores intervenientes nos processos educativos na construção das alterações.
Finalmente, mostra ainda que os
calendários e a metodologia das mudanças raramente permitiram que se
processassem sem sobressaltos e com um mínimo de estabilidade.
Este acervo de experiência
deveria ajudar a que um novo processo de mudança contrariasse a fatalidade do
“sempre se fez assim”.
Por outro lado, de há uns anos
para cá tem vindo a engordar, a engordar, e regularmente continuam a surgir
iniciativas e projectos com impacto curricular para desenvolver, claro, na
escola.
É verdade que os alunos, passam,
muitos deles, oito, dez horas, por vezes mais, na escola cumprindo o equívoco
de uma Escola a Tempo Inteiro. Em resposta às necessidades das famílias de
guarda das crianças em horário laboral parece mais fácil alongar o tempo
escolar.
Não está, evidentemente, em
discussão a importância de que a educação de crianças e jovens envolva as
diversas questões presentes na vida das comunidades, antes pelo contrário. A
questão é que haver uma tendência que suscita reservas de que a escola ensina e
resolve. Não, não a escola não ensina nem resolve tudo.
Em diversas ocasiões tenho
manifestado a minha reserva face ao entendimento de que tudo o que de alguma
forma possa envolver os mais novos e a sua formação deva ser
ensinado/trabalhado na escola. Esta visão obesa da escola não funciona, nem
tudo pode ou deve ser transformado em disciplinas, conteúdos escolares,
projectos, … para além de que a escola tem um conjunto de funções
incontornáveis que tornam finita a sua capacidade de responder. Sabemos, aliás,
as dificuldades que a escolas e os professores sentem no cumprimento dessas
funções.
Sabemos que, independentemente
das opções e visões ideológicas, uma das questões que no universo da educação
estarão sempre em aberto é a que envolve os conteúdos e organização curricular.
De facto, a velocidade de produção e acesso ao conhecimento e ao desenvolvimento,
as mudanças nos sistemas e no quadro de valores das comunidades determinam a
regular reflexão e ajustamento sobre o que a escola deve ensinar e trabalhar,
sobretudo durante a escolaridade obrigatória.
Por outro lado, o tempo da escola
e a competência da escola são finitos, isto é, a escola não tem tempo nem pode
ou deve ensinar tudo. Lembram-se certamente das discussões sobre se matérias
como educação sexual, educação cívica, literacia económica e financeira,
educação para a saúde, para citar apenas alguns exemplos, deverão, ou não,
constituir-se como "disciplinas", conteúdos ou mesmo se devem
integrar os currículos escolares.
E acontece que perdemos a conta
de planos, projectos, programas, experiências inovadoras que chegam às escolas
para a educação científica, aprendizagem emocional, promover a expressão
artística e a criatividade, promover comportamentos saudáveis e actividades
desportivas, literacia financeira e também a mediática, promover a inovação e
as novas tecnologias, aprender a andar de bicicleta, para não falar de
iniciativas mais "alternativas", por assim dizer, e que têm poderes
mágicos, parece. A lista enunciada é apenas exemplificativa.
Em princípio, independentemente
de os conteúdos poderem ser mais ou menos pertinentes, vejo sempre com alguma
reserva as propostas de introdução de mais uma disciplina, mais conteúdos, mais
um manual, mais umas orientações, mais um programa de formação, perdão, de
capacitação, de professores, como se a escola, o currículo escolar, os
conteúdos, as suas competências, pudessem continuar a engordar indefinidamente.
E não se trata de um problema de recursos ainda, actualmente, seja uma questão
muito séria.
Como é evidente, pode dizer-se
sempre que muitas destas questões podem integrar o trabalho escolar
considerando até que os alunos passam um tempo imenso, diria excessivo, nas
escolas. Aliás, tal acontece em muitas escolas e agrupamentos.
A questão central, do meu ponto
de vista, é que as competências da escola, os conteúdos que nela são
trabalhados, integrando ou não formalmente os currículos, não podem mesmo
aumentar continuamente. Urge uma reflexão serena, participada e com tempo sobre
o ajustamento dos conteúdos, a sua integração e organização, a forma como podem
acomodar a diversidade dos alunos e a necessidade de diferenciação dos
professores, a formação global dos alunos e não exclusivamente a promoção de
competências instrumentais, etc.
Somar conteúdos e competências à
escola sem ajustamento dos conteúdos e organização existentes, pode promover
problemas e não soluções, de tanto que lhe exigem corre risco de não
providenciar o que lhe compete.
Na verdade, nem tudo o que pode
ser interessante ou importante saber ou conhecer terá de caber numa disciplina
ou num conteúdo escolar e nem tudo o que se pode saber e conhecer se aprende na
escola.
Tenho uma visão da escola
centrada no TODO do aluno, mas não no "ensino" do TUDO que o aluno
deve saber ou conhecer.
A questão é que os alunos estão
muito tempo na escola e a tentação é óbvia e grande, a escola que faça.
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