AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

OS CONSUMOS DE ADOLESCENTES E JOVENS

 Foi divulgado o resultado de um inquérito, “Comportamentos Aditivos aos 18 anos: consumo de substâncias psicoativas", realizado pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências junto de jovens com 18 anos que participaram no Dia da Defesa nacional em 2021.

Alguns indicadores. Em cada 10 jovens, 9 consumiram álcool, 5 consumiram tabaco e 2 a 3 consumiram uma substância ilícita (canábis, predominantemente) nos últimos 12 meses.

Também três em cada dez revelaram sentir alguns dos problemas identificados no questionário, predominando o mal-estar emocional.

Os jovens do género masculino, os que têm mais baixa escolaridade e os trabalhadores-estudantes, consomem mais frequentemente e revelam passar por mais problemas que atribuem aos consumos.

 Trata-se, de facto, de um cenário que merece atenção e retomo algumas notas envolvendo os consumos de adolescentes e jovens.

O consumo de diferentes substâncias, em quantidade e em grupo por adolescentes e jovens, sobretudo ao fim-de-semana, é muitas vezes entendido e sentido como o factor de pertença ao grupo, potenciando a escalada desse consumo, juntos bebemos ou fumamos mais do que sós, como é óbvio e o "estado" que se atinge é sentido como um "facilitador" relacional.

Por outro lado, a acessibilidade aos diferentes produtos não é complicada, antes pelo contrário, processa-se com a maior das facilidades. Muitos adolescentes ou jovens, ouvidos em estudos nesta matéria, referem ainda a ausência de regulação dos pais sobre os gastos, sobre os consumos ou sobre as horas de entrada em casa, que muitas vezes tem que ser discreta e directa ao quarto devido ao “mau estado” do protagonista.

Como é evidente, já muitas vezes aqui o tenho referido com base na minha experiência de contacto com pais de adolescentes, não estamos a falar de pais negligentes. Podem acontecer situações de negligência, mas, na maioria dos casos, trata-se de pais que sabem o que se passa, “apenas fingem” não perceber desejando que o tempo “cure” porque se sentem tremendamente assustados, sem saber muito bem o que fazer e como lidar com a questão.

De fora parece fácil produzir discursos sobre soluções, mas para os pais que estão “por dentro” a situação é muitas vezes sentida como maior que eles.

É preciso que a comunidade esteja atenta a estes adolescentes que, por vezes ainda antes dos 13 ou 14 anos começam a “aceder” às “litrosas”, aos shots, a qualquer outro produto para fumar ou consumir e também aos seus pais que estão tão perdidos quanto eles.

Para além da legislação de natureza proibicionista, parecem-me imprescindíveis, evidentemente, a adequada fiscalização e, sobretudo a criação de programas destinados a pais e aos adolescentes que minimizem o risco do consumo excessivo das diferentes substâncias.

É mais uma das áreas, comportamentos e saúde, que podem ser abordadas nas escolas com todos os alunos e sem que tenham de se constituir como “disciplinas” apesar de manifestos e discursos insustentáveis face a indicadores desta natureza.

Acresce que a proibição, como sempre, não basta e se prevenir e cuidar é caro que se façam as contas aos resultados do descuidar.

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

A SOMBRA NO OLHAR DE JOANA

 Num destes dias, a professora Isabel que trabalha na escola onde está o Professor Velho, aquele que já não dá aulas, está a biblioteca e fala com os livros, convidou-o para ir à sala dela falar com os miúdos de como era a escola noutros tempos. O Professor Velho adora contar histórias, acha mesmo que é umas das vantagens de ficar velho, ter histórias para contar e passou a manhã com os miúdos, mesmo ao intervalo andava por lá no meio dos jogos e brincadeiras. Nessa tarde pediu à professora Isabel que passasse pela biblioteca para conversarem sobre a visita.

Olá Velho, então gostaste da minha turma?

Foi bonito, como sabes gosto de contar histórias e eles, ainda bem para mim, parecem gostar de ouvir histórias e participar nas conversas.

Pois é, gostam mesmo de falar e ainda estão a aprender a não falar todos aos mesmo tempo. Às vezes não é fácil.

Com o tempo e com persistência eles aprendem, são inteligentes e percebem que é melhor assim. Já reparaste naquela menina com o cabelo e os olhos pretos, pequenina, que se chama, creio, Joana?

Já Velho, estava para um dia destes te falar dela. Está sempre calada, desvia o olhar quando chego ao pé dela, está quase sempre só. Porque perguntas?

Também me pareceu, como referes, que a Joana é uma menina que parece triste. Desde que cheguei à sala que o olhar dela me chamava. Procurei estar atento e durante o intervalo tentei aproximar-me e conversar.

Não parece fácil, ela foge um bocadinho.

Não fugiu, conversámos sobre uma história que eu tinha contado, mas fiquei preocupado. A Joana tem uma sombra?

Uma sombra?

Sim Isabel, uma sombra, uma sombra grande no olhar. Não consegui perceber o que é, mas ela carrega uma sombra grande que a assusta, que a faz ficar com medo. Quando a gente espreita nos olhos dos miúdos consegue, às vezes, ver sombras na vida deles. Temos que descobrir qual a sombra no olhar da Joana, para a ajudar a perder o medo.

domingo, 27 de novembro de 2022

DA AVALIAÇÃO ESCOLAR

 De acordo com o Expresso, a Gulbenkian desencadeou um estudo coordenado por Júlio Pedrosa, “Avaliação das Aprendizagens em Instituições Educativas”, que caracteriza as práticas de avaliação de alunos entre os 3 e os 18 em Portugal e noutros países. O estudo a ser divulgado no início da próxima semana inclui ainda um conjunto de recomendações para escolas, professores e instituições de formação de professores. Espero que nestas recomendações sejam sublinhadas algumas referências a dimensões relevantes das políticas públicas educativas, nesta matéria.

Deixem lá ver, como dizemos aqui no Alentejo. Apenas uma nota.

Em entrevista, Júlio Pedrosa, refere alguma dissonância entre os entendimentos produzidos sobre a avaliação, as suas diferentes funções e dispositivos e as práticas desenvolvidas aduzindo algumas justificações encontradas no estudo que, frequentemente, estão associadas a algumas dimensões da cultura escolar, como uma sobrevalorização da nota e da classificação.

Aguardo com alguma curiosidade a divulgação do trabalho.

Entretanto, voltei a lembrar-me de Almada Negreiros na “Invenção do Dia Claro” “Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa - salvar a humanidade”.


sábado, 26 de novembro de 2022

DOS PALAVRÕES

 Bendita evidência, como agora se diz. Em Outubro foi divulgado um trabalho, “The power of swearing: What we know and what we don’t a que o CM faz referência hoje.

Cito as primeiras linhas do resumo, “Swearing produces effects that are not observed with other forms of language use. Thus, swearing is powerful. It generates a range of distinctive outcomes: physiological, cognitive, emotional, pain-relieving, interactional and rhetorical. However, we know that the power of swearing is not intrinsic to the words themselves.” Apesar da prudência, este novo trabalho sobre o impacto positivo que o recurso ao palavrão poderá ter sossega-me a consciência.

Durante anos procurei explicar de forma intuitiva todo o conhecimento que tem vindo a ser acumulado a muita gente que me considerava “mal-educado” e sempre me senti incompreendido. Mais uma vez obrigado aos autores.

Mais recentemente, uma das vantagens de chegar a velho, a inimputabilidade, torna as coisas um pouco mais fáceis, já sinto por vezes que as pessoas por vezes sinto que pensam algo como “desta idade e como ele fala” ou é “da idade”.

Por outro lado, também fico preocupado com a quantidade de génios que passam por muitas das nossas salas de aula cujas tentativas de promoção da sua saúde mental, inteligência e habilidade verbal não são valorizadas como deviam, assim como não se valorizam as suas estratégias para lidar com a ansiedade e o stresse da sala de aula e da aprendizagem

Sempre com a ideia da inovação por que não um Projecto assente na revolucionária metodologia da "Terapia pelo Palavrão”. Era só mais um Projecto inovador promotor de capacitação e com resultados garantidos. Dizem os estudos.

É com frequência que pais ou encarregados de educação me colocam a questão do palavrão, da “asneira”, sobretudo quando as crianças iniciam a escolaridade obrigatória e começam uma utilização mais alargada, por assim dizer, do palavrão, o que, como sabem, só tende a acontecer aos filhos dos outros pais.

Deixem-me recordar uma história cá de casa que ficou na memória.

Uma vez, depois de terminar umas pinturas realizadas com marcadores com ponta de feltro, o meu filho, aí por volta dos 5 anos, tentava tapar um dos marcadores, mas a coisa não lhe estava a correr bem e os dedos já estavam a ficar esborratados. Como reacção ouviu-se um sonoro palavrão, daqueles mesmo a sério, que os adultos tentam explicar às criancinhas “que é feio dizer”.

Pai empenhado na boa educação do rebento, “peguei” no violino e em pianíssimo procurei explicar que aquelas “palavras não se devem dizer”. O problema é que o gaiato olhou tranquilamente para mim e devolve, “mas tu dizes a jogar à bola”. Pois.

Com o tempo acabou por aprender como todos nós, quase todos, que as palavras, todas as palavras, podem ser ditas, às vezes até sabe mesmo bem dizer algumas daquelas que libertam, vocês sabem, mas não devem ser ditas em todos os locais e em todas as circunstâncias.

É verdade que uma vez numa conversa com professores em que eu perguntava se qualquer de nós em algum contexto não dizia um palavrão, um dos professores presentes olhou para mim com um ar tão perplexo quanto incomodado e assertivamente afirmou, "Eu não, nunca". Confesso que fiquei muito embaraçado, eu digo algumas vezes palavrões, quando posso, e quando não posso ... penso cada um. Desculpem.

Servem estas histórias para ilustrar a necessidade de que os processos educativos se centrem num princípio estruturante, a autonomia, ideia que sistematicamente defendo. Os miúdos devem ser solicitados a tomar conta de si dentro dos limites e regras que nos compete estabelecer com clareza e consistência e das quais eles têm uma imprescindível necessidade para crescer saudáveis.

Não se trata de uma educação para a santidade onde tudo é perfeito e a transgressão proibida e culpabilizante, mas de uma educação para valores em que se pretende que os miúdos percebam as regras e os limites imprescindíveis e sejam capazes de mobilizar os comportamentos adequados aos contextos em que se movem. Não nos comportamos num estádio de futebol como nos comportamos ao assistir a uma aula, não nos comportamos num concerto de Verão como no cinema, etc., etc.

A questão é que os miúdos, muitos miúdos, parecem crescer numa desregulação por ausência de limites e regras que os deixa perdidos e sem referências, entrando frequentemente numa roda livre em que tudo parece normal e permitido em qualquer contexto.

O problema é que com muitos de nós, adultos, passa-se, basicamente, o mesmo.

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, CRIANÇAS E ADOLESCENTES

 Retomo uma questão que frequentemente aqui abordo, a violência doméstica, mas hoje numa perspectiva que apesar de alguns avanços continua a ter contornos inquietantes, a situação das crianças e adolescentes envolvidas em contextos de violência doméstica.

De acordo com o relatório anual de 2021 da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens, as situações que envolveram violência doméstica estavam entre as que maior subida tiveram relativamente a 2020.

No Público de hoje trata-se a dramática situação ocorrida em 2020 de uma criança de nove anos que experienciou diversos episódios de violência doméstica que culminaram com o assassinato da mãe e o suicídio do pai, tendo a criança assistido a esta tragédia.

O relatório desta situação foi elaborado pela Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídio em Violência Doméstica que sublinha o facto da criança não ter sido considerada vítima de violência doméstica e que a Comissão de Protecção de Crianças Jovens terá desenvolvido uma intervenção “claramente desadequada” pois não “conseguiu identificar e caracterizar a situação grave de perigo em que esta criança se encontrava, não percepcionou a agudização do conflito familiar em que estava envolvida, não a tratou realmente como um autónomo sujeito de direitos e não se mostrou habilitada a definir uma linha de rumo capaz de garantir a sua protecção e promoção do desenvolvimento”. Uma avaliação no mesmo sentido é dirigida à equipa de saúde familiar que conhecia também a situação.

A imprensa de hoje refere um trabalho de uma equipa do Centro de Estudos Interdisciplinares da Universidade Lusófona que envolveu 1205 crianças filhas de 1010 mulheres que nos anos de 2014, 2015 e 1016 apresentaram queixa por violência doméstica.

Em termos sintéticos, a taxa de retenção no seu trajecto escolar é cinco vezes a superior à restante população escolar, revelam mais perturbação da sua saúde mental e mobilizam mais comportamentos ilícitos em contexto escolar, maiores níveis de consumo de álcool ou drogas. Trata-se de facto, de um quadro preocupante e indicador do caminho que importa percorrer.

Em Setembro de 2021 foi formalmente anunciada a constituição de 31 equipas para apoio a crianças e jovens vítimas de violência doméstica. Estas equipas integram as Respostas de Apoio Psicológico para crianças e jovens atendidos ou acolhidos na Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica.

Importa ainda registar que em Julho de 2021 foi finalmente aprovado o estatuto de vítima para as crianças e jovens em contexto de violência doméstica algo reclamado de há muito pelo Instituto de Apoio à Criança e pela a Ordem dos Advogados.

Para além de sublinhar os danos potenciais que esta exposição pode provocar nas crianças ou adolescentes, como o estudo agora divulgado mostra de forma bem elucidativa, gostava de chamar a atenção para um outro potencial efeito nas crianças que assistem a episódios, por vezes violentos, de violência doméstica, os modelos de relação pessoal que são interiorizados. Aliás, nos últimos anos tem-se verificado que a maioria das queixas de violência doméstica é apresentada por mulheres jovens o que permite pensar em crianças pequenas que assistirão a estes episódios e nas potenciais consequências. Nesse sentido, operacionalização das equipas de apoio foi uma boa notícia e desejo que o trabalho esteja em desenvolvimento.

Numa avaliação por defeito aos casos participados de violência doméstica, estima-se que cerca de um terço serão testemunhados por crianças. Se considerarmos que existem muitíssimas situações não reportadas, pode concluir-se que estas testemunhas, por vezes também vítimas, serão em número bem mais elevado.

Este quadro lembra o velho adágio "Filho és, pai serás", ou seja, num processo de modelagem social muitas crianças tenderão a replicar ao longo da sua vida, em adultos também, os comportamentos a que assistiram e que, tal como podem produzir efeitos traumáticos, poderão adquirir aos seus olhos, infelizmente, um estatuto de normalidade.

Não é certamente por acaso que estudos recentes em Portugal evidenciaram números elevadíssimos de violência em casais de jovens namorados universitários, uma população já com níveis de qualificação significativos.

Neste contexto e com o objectivo de contrariar uma espécie de fatalidade em círculo vicioso, os miúdos assistem à violência doméstica, replicam a violência, a sociedade é violenta, quando crescem são violentos em casa, e assim sucessivamente, importa que os processos educativos e de qualificação sublinhem a dimensão, a formação cívica e o quadro de valores.

Não é nada de novo, a afirmação desta necessidade.

A questão é que a intervenção junto das famílias e a tentativa de contrariar dinâmicas disfuncionais, violência doméstica por exemplo, não dispõe dos meios e recursos suficientes e os riscos para crianças e jovens são significativos.

Como afirma, Benedict Wells em “O fim da solidão”, “Uma infância difícil é como um inimigo invisível. Nunca se sabe quando nos vai atingir”.

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

DOS COLUNISTAS

 Nos últimos anos tem surgido como forma de apresentação de algumas pessoas a referência ao serem  “colunistas”. Aplica-se à nuvem de opinadores espalhados pela pela imprensa escrita em papel e/ou em formato digital.

Alguns restringem os conteúdos da sua coluna a áreas nas quais têm conhecimento e analisam, questionam e opinam com base nesse conhecimento, mas muitos abordam qualquer temática num notável exercício de tudologia, fingindo conhecimento, ficando-se pela opinião e ansiando pelo estatuto de “opinion maker” ou “influencer”, termo a que acho piada.

Com demasiada frequência confunde-se o comentar num espaço público com o dizer “umas coisas” sobre um qualquer assunto que esteja na agenda. Comentar em espaço público deveria acrescentar massa crítica à análise da realidade, não porque se detenha a verdade ou o saber absoluto, mas porque potencia qualidade à reflexão ou informação. Para que assim seja, pressupõe-se conhecimento e estudo que muitos dos palpitólogos não têm sobre muitos dos assuntos de que falam, refugiando-se em exercícios de futurologia, em retóricas sem substância ou em discursos de manipulação e demagogia.

De forma despudorada e com ar sério emitem opiniões travestidas de análise e que entendem como saber, tudo isto servido muitas vezes por um enorme umbiguismo.

Estranhamente, boa parte da comunicação social, num enjeitar das responsabilidades que lhe cabem, não prescinde desta fauna e disputam a sua presença, pagando bom preço, numa tentativa de vender o melhor produto possível que, frequentemente, é contrafeito, é de plástico, independentemente do que as audiências possam dizer.

Na verdade, muitos destes colunistas não têm coluna, têm agenda

Que cansaço.

Isto é, naturalmente, um desabafo do palpitólogo que habita este espaço.

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

A ESCOLA CONTINUA A ENGORDAR, A ENGORDAR, ATÉ ...

 O Público tem em desenvolvimento um conjunto de iniciativas envolvendo alunos e professores de diferentes escolas com o objectivo global de promover a literacia mediática, considerando e bem a importância que a informação e o seu consumo criterioso e auto-regulado têm nas sociedades actuais.

No entanto, esta iniciativa que, reafirmo, me parece positiva, leva-me a algumas notas.

De há uns anos para cá tem vindo a engordar, a engordar, e regularmente continuam a surgir iniciativas para desenvolver, claro, na escola.

É verdade que os alunos, passam, muitos deles, oito, dez horas, por vezes mais, na escola cumprindo o equívoco de uma Escola a Tempo Inteiro. Em resposta às necessidades das famílias de guarda das crianças em horário laboral parece mais fácil alongar o tempo escolar.

Não está, evidentemente, em discussão a importância de que a educação de crianças e jovens envolva as diversas questões presentes na vida das comunidades, agora exemplificadas pela mobilidade autónoma e sustentável, antes pelo contrário. A questão é que haver uma tendência que suscita reservas de que a escola resolve. Não, não a escola não resolve tudo.

Por diversas ocasiões tenho manifestado a minha reserva face ao entendimento de que tudo o que de alguma forma possa envolver os mais novos e a sua formação deva ser ensinado/trabalhado na escola. Esta visão obesa da escola não funciona, nem tudo pode ou deve ser transformado em disciplinas, conteúdos escolares, projectos, … para além de que a escola tem um conjunto de funções incontornáveis que tornam finita a sua capacidade de responder. Sabemos, aliás, as dificuldades que a escolas e os professores sentem no cumprimento dessas funções.

Sabemos que, independentemente das opções e visões ideológicas, uma das questões que no universo da educação estarão sempre em aberto é a que envolve os conteúdos e organização curricular. De facto, a velocidade de produção e acesso ao conhecimento e ao desenvolvimento, as mudanças nos sistemas e no quadro de valores das comunidades determinam a regular reflexão e ajustamento sobre o que a escola deve ensinar e trabalhar, sobretudo durante a escolaridade obrigatória.

Por outro lado, o tempo da escola e a competência da escola são finitos, isto é, a escola não tem tempo nem pode ou deve ensinar tudo. Lembram-se certamente das discussões sobre se matérias como educação sexual, educação cívica, literacia financeira, educação para a saúde, para citar apenas alguns exemplos, deverão, ou não, constituir-se como "disciplinas", conteúdos ou mesmo se devem integrar os currículos escolares.

E acontece que perdemos a conta de planos, projectos, programas, experiências inovadoras que chegam às escolas para a educação científica, aprendizagem emocional, promover a expressão artística e a criatividade, promover comportamentos saudáveis e actividades desportivas, literacia financeira e também a mediática, promover a inovação e as novas tecnologias, aprender a andar de bicicleta, para não falar de iniciativas mais "alternativas", por assim dizer, e que têm poderes mágicos, parece. A lista enunciada é apenas exemplificativa.

Em princípio, independentemente dos conteúdos poderem ser mais ou menos pertinentes, vejo sempre com alguma reserva as propostas de introdução de mais uma disciplina, mais conteúdos, mais um manual, mais umas orientações, mais um programa de formação, perdão, de capacitação, de professores, como se a escola, o currículo escolar, os conteúdos, as suas competências, pudessem continuar a engordar indefinidamente. E não se trata de um problema de recursos ainda que seja de considerar.

Como é evidente, pode dizer-se sempre que muitas destas questões podem integrar o trabalho escolar considerando até que os alunos passam um tempo imenso, diria excessivo, nas escolas. Aliás, tal acontece em muitas escolas e agrupamentos.

A questão central, do meu ponto de vista, é que as competências da escola, os conteúdos que nela são trabalhados, integrando ou não formalmente os currículos, não podem mesmo aumentar continuamente. Urge uma reflexão serena, participada e com tempo sobre o ajustamento dos conteúdos, a sua integração e organização, a forma como podem acomodar a diversidade dos alunos e a necessidade de diferenciação dos professores, a formação global dos alunos e não exclusivamente a promoção de competências instrumentais, etc.

Somar conteúdos e competências à escola sem ajustamento dos conteúdos e organização existentes, pode promover problemas e não soluções, de tanto que lhe exigem corre risco de não providenciar o que lhe compete.

Na verdade, nem tudo o que pode ser interessante ou importante saber ou conhecer terá de caber numa disciplina ou num conteúdo escolar e nem tudo o que se pode saber e conhecer se aprende na escola.

Tenho uma visão da escola centrada no TODO do aluno, mas não no "ensino" do TUDO que o aluno deve saber ou conhecer.

A questão é que os alunos estão muito tempo na escola e a tentação é óbvia e grande, a escola que faça.

terça-feira, 22 de novembro de 2022

DISCRETOS CAMPEÕES DE MUITAS PROVAS

 No passado fim-de-semana, Portugal sagrou-se campeão mundial e europeu de andebol em cadeira de rodas. Como é óbvio, este resultado merecia um destaque que, provavelmente, não terá.

Nada de novo. A vida de muitas pessoas com deficiência é, na verdade, uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade e a funcionalidade em diferentes áreas que a sua condição, só por si, possa implicar. Existem muitas áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente, acessibilidades, educação e emprego em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes.

Reafirmo algo que recorrentemente subscrevo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com as minorias e as suas problemáticas.

Como disse, provavelmente o feito desportivo destes atletas não terá o relevo que merecia. As primeiras páginas, também no desporto, não são para estes indivíduos. Mesmo quando vencem, as pessoas com deficiência não têm "glamour", não enchem estádios e não fazem movimentar milhões, não são colunáveis, são apenas, simplesmente, campeões, a sério.

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

A HISTÓRIA DO PERFEITO

 Há já uns tempos conheci um rapaz. Chamava-se Perfeito.

Na escola onde andava não havia ninguém como ele. Nas aulas, apenas falava para esclarecer dúvidas ou ajudar os colegas, pedindo antecipadamente autorização, claro. Os materiais e trabalhos do Perfeito estavam sempre em dia e bem organizados. Mostrava os conhecimentos esperados sobre todas as matérias. Nos intervalos brincava de forma tranquila, envolvido nos jogos e actividades próprias da sua idade.

Era simpático para com os colegas, professores e funcionários que, naturalmente, adoravam o Perfeito.

Em casa era arrumado com as suas coisas, colaborava nas tarefas e ainda encontrava tempo para ajudar a irmã mais nova nos trabalhos de casa e, até para dia sim, dia não, telefonar aos avós. Gostava de falar com os pais e, por vezes, gostava de se envolver em conversas muito interessantes sobre o que lia. Não era exigente com a roupa, gostava de ler, ouvir música e algum tempo em pesquisas no computador sobre temas de tecnologia que muito interessavam.

Os vizinhos do prédio adoravam o Perfeito, sempre com um sorriso e pronto a ajudar a D. Adosinda com o saco das compras.

Há alguns meses que não sei o que tem sido do Perfeito.

Perdi o livro onde ele morava.

domingo, 20 de novembro de 2022

DELINQUÊNCIA E EDUCAÇÃO

 De acordo com dados divulgados pela PSP, o volume de episódios de delinquência juvenil registado este ano é inferior ao que se verificava antes da pandemia. No entanto, e preocupante o abaixamento da idade dos envolvidos. Aumentam as ocorrências com a participação de crianças de 11 e 12 anos que recorrem a armas brancas, bastões e barras de ferro, agem sobretudo em grupo e em comportamentos de furto ou confrontos entre grupos e acontecem fora dos espaços escolares.

O comando do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, relativamente ao ano de 2021, reportou 4.324 casos de crianças e jovens às Comissões de Protecção de Crianças e Jovens. Em Junho o Governo criou a Comissão de Análise Integrada da Delinquência Juvenil e da Criminalidade Violenta que em Outubro produziu nove recomendações que serão incluídas na Estratégia Integrada de Segurança Urbana de que se espera aprovação pelo Governo.

Deixem-me insistir em duas ou três notas que retomo de reflexões anteriores.

Os estilos de vida, as exigências de qualificação têm tornado gradualmente a escola mais presente e durante mais tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com reflexos na educação em contexto familiar.

Creio que já dificilmente se entende que a “família educa e a escola instrói”.

Creio que já dificilmente se entende que a escola forma “técnicos” e não cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas. Aliás, se bem repararem falamos de sistemas de educação e não de sistemas de ensino e ainda bem que assim é.

Creio que já dificilmente se entende que o conhecimento é asséptico. O conhecimento, a sua produção e a sua divulgação, tem, deve ter, sempre um enquadramento ético e não é imune a valores.

Creio que os tempos mais recentes são elucidativos de como a abordagem de matérias como Direitos Humanos; Igualdade de Género; Interculturalidade; Desenvolvimento Sustentável; Educação Ambiental; Saúde; Sexualidade; Media; Instituições e Participação Democrática; Literacia Financeira e Educação para o Consumo; Segurança Rodoviária; Risco, Empreendedorismo; Mundo do Trabalho, Segurança defesa e paz, Bem-estar animal e Voluntariado são fundamentais ao longo do processo de formação de crianças, jovens e adultos.

Nas sociedades contemporâneas um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Para além dos dados referidos e relativos à delinquência juvenil, são também preocupantes indicadores relativos à violência relativos à violência nas relações de namoro entre jovens, sendo que muitos a entendem como “normal”, tal como inquietam o volume de episódios de bullying, ou os consumos de álcool ou droga.

Parece-me importante que as matérias integradas na "Educação para a Cidadania" integrem o trabalho desenvolvido na educação em contexto escolar. Com o mesmo objectivo será importante o desenvolvimento de programas de natureza comunitária envolvendo diferentes áreas das políticas públicas.

Precisamos e devemos discutir sempre como fazer, com que recursos e objectivos e promover a autonomia das escolas, também nestas questões. Por outro lado, não acredito na “disciplinarização” destas matérias, julgo mais interessantes iniciativas integradas, simplificadas e desburocratizadas em matéria de organização e operacionalização.

Sabemos que a prevenção e programas de natureza comunitária, socioeducativa, têm custos, mas importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da pobreza, exclusão, delinquência continuada e da insegurança.

sábado, 19 de novembro de 2022

DA DESMATERIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO

 O Ministério da Educação tornou público que as provas de aferição do 2.º, 5.º e 8.º anos de escolaridade obrigatória de 22/23 serão realizadas pela generalidade dos alunos em suporte electrónico. Esta medida inscreve-se no projecto Dave- Desmaterialização da Avaliação Externa, do IAVE e apoiada pelos recursos do Plano de Recuperação e Resiliência, claro.

Vou deixar de lado o que aqui tenho referido, a não realização de exames nacionais no 4º e 6º ano colocou a imprescindível necessidade de dispositivos externos de regulação que nos dessem “retratos” robustos e comparáveis dos trajectos escolares. Ainda assim, uma nota breve antes da questão da desmaterialização.

Seria esta a função da reintrodução das provas de aferição. Só que o modelo decidido não cumpre esta função, não parece, de facto, uma avaliação de aferição. Dado que ainda não foi alterada, a Lei de Bases do Sistema Educativo define que o ensino básico se organiza numa lógica de ciclo e não de disciplina como o secundário.

Assim, uma avaliação externa de aferição teria de ser realizada no ano final de cada ciclo e não nos anos intermédios, 2º, 5º e 8º ano, os alunos estão a meio do seu caminho de um ciclo.

A argumentação foi de que, realizadas nestes anos, a identificação de dificuldades e a devolução de resultados permitiriam a correcção de trajectórias futuras dos alunos. Certo, assim sendo e neste caso a avaliação não é de aferição, mas de diagnóstico. No entanto, espera-se que diariamente nas salas de aula os professores realizem, mais formal ou mais informalmente, avaliações desta natureza, mais formativa, pois é a mais sólida ferramenta que possuem de regulação do trabalho dos alunos e do seu próprio trabalho.

Acresce que tem sido habitual a rotação em cada ano das disciplinas envolvidas nas provas o que não permite estabelecer de forma sólida dados comparativos que permitam perceber eventuais ajustamentos na trajectória dos alunos.

Retomemos a questão da desmaterialização da avaliação.

Parece claro que em múltiplas áreas e, naturalmente, também na educação, a transição digital parece incontornável e torna necessária a utilização das ferramentas digitais de forma generalizada e integrada nos processos de ensino e aprendizagem, bem como em todos os processos relativos à organização e funcionamento escolar e do sistema no seu todo. Nenhuma dúvida sobre isso. Sem meios digitais não podia estar a escrever este texto.

Importa, no entanto, que a transição digital não faça parte do problema, mas da solução o que, por exemplo, a burocratização “platafórmica” que se verifica na vida de escolas e professores parece sugerir.

Para além da anunciada desmaterialização da avaliação, há pouco tempo soubemos que até 2026 todas as escolas estrão equipadas com manuais digitais, ou seja, serão desmaterializados. Como se adivinha, os recursos necessários serão assegurados com financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência.

É também necessário não esquecer pormenores como o acesso a equipamentos atempado por parte dos alunos, a qualidade dos equipamentos, que, de acordo com os directores de escolas e agrupamentos não parece ser a sua especificação mais relevante, os recursos necessários à adequada utilização dos equipamentos, mas escolas, em particular nas salas de aulas, infra-estruturas eléctricas e rede de net eficientes, por exemplo. As queixas nesta matérias são demasiado frequentes.

Entretanto, por razões e responsabilidades conhecidas, estão a chegar às escolas cidadãos com formação científica em diferentes domínios, mas sem formação para a docência. Chama-se “desprofissionalização” que se atenuará com uma onda de “capacitação” e com o jeito e boa vontade que, obviamente, todos terão. Professor é uma profissão fácil como se sabe.

Temo que este movimento imparável de desmaterialização da educação possa vir a envolver a desmaterialização dos professores, substituindo-os algo como   uns(umas) Siri(s).

Quanto aos alunos, bom, esses parece impossível desmaterializá-los.

Estamos e vamos certamente continuar perante uma realidade que se pode chamar de desafiante.

Como por aqui dizemos, deixem lá ver.

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

DA AVALIAÇÃO DE PROFESSORES

 Hoje, muitos professores, entre outros profissionais da administração pública, estarão a realizar greve face à situação profissional que vivem e que se tem vindo a degradar.

Umas das questões sempre envolvidas é a questão da avaliação que desde há muito é objecto de polémica e discussão e assim continua a ser.

Uma das questões críticas num sistema de educação é que uma classe que assume a enorme e insubstituível função na construção do futuro, precisa, para além da competência evidentemente, de ter a confiança da comunidade, ser valorizada e reconhecida nos múltiplos aspectos do seu desempenho, bem como regulado e avaliado o seu desempenho de forma justa e competente.

Quem acompanha o universo da educação conhece a polémica em que a avaliação de professores tem estado permanentemente envolvida e assim parece continuar.

Uma das questões mais discutidas e que muitas vezes aqui tenho abordado é a definição de quotas em matéria de avaliação que se repercute na atribuição dos níveis qualitativos superiores com consequências que envolvem profunda injustiça.

Na verdade, continuo com uma enorme dificuldade em perceber como se pode promover o mérito se, simultaneamente, se definem quotas para a excelência. Mais uma vez vejamos. Se um qualquer profissional, à luz dos critérios, sejam quais forem, que avaliam a qualidade do seu desempenho, merecer uma avaliação de excelente, tem, necessariamente, de obter esse patamar, dizer-lhe que é excelente, mas já não cabe na quota de excelência é atacar o mérito e incentivar a desmotivação.

O cenário actual abra a porta múltiplas abordagens, a um enorme risco da arbitrariedade e, naturalmente à inaceitável situação de professores com excelente trabalho se verem impedidos de que esse trabalho seja reconhecido, por vezes com a conivência de colegas e direcções.

São recorrentes as referências a situações que acontecem nas escolas e que são todo menos um processo justo e transparente, qualidades imprescindíveis a qualquer sistema da avaliação de profissionais.

Do meu ponto de vista, a insistência na manutenção de quotas é manter um terrível equívoco que se pode traduzir, simplificando, no enunciado, “és excelente, tem paciência, mas já não cabes”.

Não entendo. Ou será que entendo e não gosto do que creio entender.

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

 É preciso insistir. Com dados do Observatório das Mulheres Assassinadas, da União de Mulheres Alternativa e Resposta, a imprensa de hoje refere que, até 15 de Novembro, faleceram 22 mulheres vítimas de violência doméstica, mais nove que o total de 2021. Em consequência, 46 pessoas ficaram órfãs, 21 das quais menores sendo que muitos assistiram aos episódios de violência de que resultaram os crimes.

Recordo ainda, abordei esta questão na altura, que segundo dados disponibilizados pela PSP considerando o período de Janeiro a Junho, foram registados 62000 crimes de violência doméstica, em média 41 por dia.

Acresce que o mundo da violência doméstica é bem mais denso e grave do que a realidade que conhecemos, ou seja, aquilo que se conhece, apesar de recorrentemente termos notícias de casos extremos, é "apenas" a parte que fica visível de um mundo escuro que esconde muitas mais situações que diariamente ocorrem numa casa perto de si.

Por outro lado, para além da gravidade e frequência com que continuam a acontecer episódios trágicos de violência doméstica e como recorrentemente aqui refiro, é ainda inquietante o facto de que alguns estudos realizados em Portugal evidenciam um elevado índice de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.

Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de impunidade instalado, as condenações são bastante menos que os casos reportados e comprovados, bem como alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à situação de dependência que sentem relativamente ao parceiro, à percepção de eventual vazio de alternativas à separação ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos que as mantém num espaço de tortura e sofrimento. Aliás, com demasiada frequência as crianças e adolescentes são também vítimas deste quadro, basta que assistam.

Queremos acreditar que será um cenário em mudanças, ainda que demasiado lenta. Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época.

Torna-se ainda necessário, que nos processos de educação e formação familiar, escolar e comunitária dos mais novos, possamos desenvolver esforços no sentido de promover quadros de valores, de cultura e de comportamentos nas relações interpessoais que minimizem o cenário negro de violência doméstica em que vivemos. A educação e o desenvolvimento que sustenta constituem a ferramenta de mudança mais potente de que dispomos.

É uma aposta que urge e tão importante como os conhecimentos curriculares. Percebe-se também por estas questões a importância da abordagem do universo da “Cidadania e Desenvolvimento” na educação escolar e para todos os alunos.

Entretanto, torna-se fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento acessíveis para casos mais graves, um sistema de protecção eficiente aos menores envolvidos ou testemunhas destes episódios, e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.

A omissão ou desvalorização desta mudança é a alimentação de um sistema de valores que ainda “legitima” a violência nas relações amorosas, que a entende como “normal”.

udo isto tem como efeito a continuidade dos graves episódios de violência que regularmente se conhecem, muitos deles com fim trágico.

Apesar da natureza e gravidade fora do comum dos dias que vivemos e para os quais não estávamos preparados, talvez seja de não esquecer questões como estas que devastam o quotidiano ou a vida de muita gente.

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

A HISTÓRIA DO PÉ LEVE

 Não sei se já vos contei a história do Pé Leve. Foi um companheiro de escola de há muitos anos, no tempo em que a escola se chamava primária e que só era obrigatório andar por lá quatro anos.

O Pé Leve ganhou esse nome, que me fez esquecer o verdadeiro, por uma particularidade, não parava um minuto. Era o miúdo mais agitado que conhecíamos, sempre em movimento e com uma energia que parecia não ter fim. Ainda não se tinha inventado a hiperactividade, hoje talvez não escapasse à ritalinização.

Dava ideia, por vezes, que partia antes de chegar. Mudava de actividade, brincadeira ou conversa, sem cessar exasperando-nos. No entanto, não nos conseguíamos aborrecer com o Pé Leve, era pequeno, quase sempre a rir, parecia impossível que alguém se zangasse com ele.

Mas havia. A nossa professora, a D. Conceição, senhora à beira da reforma e com a paciência também já a pedir descanso, não aguentava o andamento, por assim dizer, do Pé Leve. Perguntava-lhe centenas de vezes porque não assentava ele, a seguir zangava-se, ralhava mesmo a sério e, aqui para nós, às vezes puxava mesmo pela régua e as mãos do Pé Leve ganhavam uma cor diferente. Os olhos ficavam com água, mas na boca continuava um sorriso. Nada fazia alterar o comportamento do Pé Leve.

Como a escola naquele tempo era curta e poucos de nós continuávamos a estudar, eu e alguns outros perdemos o rasto ao Pé Leve.

Há algum tempo, estávamos dois ou três desse tempo à conversa e alguém informou que tinha sabido que o Pé Leve tinha terminado a sua viagem.

Ninguém disse nada por algum tempo, mas acho que todos pensámos que só assim o Pé Leve poderia assentar. É a vida dos Pé Leves, de alguns.

terça-feira, 15 de novembro de 2022

SOBRESSALTOS DIGITAIS

 Ao que se lê na imprensa e de acordo com directores e professores, cerca de 200 000 computadores distribuídos às escolas no âmbito do programa Escola Digital e ao abrigo do PRR estão por distribuir aos alunos, um terço do total e ainda longe dos previstos 1.050.000 computadores para alunos e professores na escolaridade obrigatória.

É referido que muitas famílias recusam recebê-los, pois em caso de problemas serão responsáveis pelos equipamentos. Nesta situação estão sobretudo famílias com menores rendimentos o que, naturalmente, não será de estranhar. Uma hipótese seria que a sua utilização estivesse integrada no seguro escolar.

Acontece também que a qualidade dos equipamentos, de acordo com os directores, não parece ser a sua especificação mais relevante o que que compromete o seu uso.

Por outro lado, os recursos necessários à adequada utilização dos equipamentos, mas escolas, em particular nas salas de aulas, infra-estruturas eléctricas e rede de net eficientes, por exemplo.

A transição digital parece e torna necessária a utilização das ferramentas digitais de forma generalizada e integrada nos processos de ensino e aprendizagem. Múltiplos estudos e experiências valorizam este recurso nos processos de ensino e aprendizagem o que torna imprescindível garantir o acesso ao digital pela generalidade dos alunos, professores e escolas. Não são mágicos, mas são imprescindíveis.

A não ser assim, comprometemos a equidade e qualidade na educação. 

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

DOS VIDEOJOGOS

 No Público divulgam-se alguns dados de um trabalho realizado por uma equipa do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Universidade do Porto, que envolveu 1266 estudantes com idades compreendidas entre os 11 e os 21 anos.

Perto de 40% ocupam duas ou mais horas por dia a navegar nas redes sociais e 24% estão pelo menos duas horas a jogar videojogos.

Os jovens que reportam mais horas de utilização têm menor desempenho escolar embora em termos médios. Relativamente a um potencial risco de dependência, de acordo com os instrumentos usados no estudo as afirmações “tenho vontade de jogar videojogos todo o dia” e “gosto de jogar videojogos para esquecer a vida real” mereceram maior grau de concordância dos inquiridos, 29% e 32%, a concordar ou concordar totalmente, respectivamente.

Algumas notas recuperadas de outros escritos sobre esta questão que, evidentemente, não sairá da agenda das preocupações nos tempos mais próximos.

Antes de mais gostava de sublinhar que a abordagem a estas matérias deve ser cautelosa e sem “pre” ou “pré” conconceitos. Na verdade, a utilização dos videojogos não é uma matéria de simples abordagem, existem opiniões de sentido bem diferente. As circunstâncias mais recentes que potenciaram o recurso às tecnologias digitais não devem ser esquecidas.

Uns opinam que os estudos sugerem riscos no uso excessivo destes materiais, recordo uma conferência há algum tempo realizada no ISCTE por Bruce D. Bartholow. Por outro lado, alguns socorrem-se de estudos que não encontram nenhuma relação de causa efeito entre o consumo de videojogos violentos e o desencadear de comportamentos de extrema violência, sendo ainda que existe quem defenda, em abstracto, o potencial educativo dos videojogos.

O acesso extraordinariamente facilitado a videojogos com conteúdos obviamente desajustados algumas idades constitui justamente a base das opiniões mais cautelosas.

Julgo que se trata de uma matéria em que, por estranho que pareça, todos podem ter razão, ou seja, em muitas crianças, adolescentes ou adultos, comportamentos de enorme violência aparecem associados ao consumo de videojogos violentos, mas nem todos os miúdos adolescentes ou jovens que os consomem desenvolvem comportamentos de violência, daí a inexistência de uma relação de causa-efeito.

A questão central, do meu ponto de vista, não é sobre se os videojogos fazem mal ou se fazem bem, é sobre o tempo que ocupam na vida dos miúdos e sobre a qualidade e os conteúdos disponíveis considerando a idade das crianças. Este é, justamente, um dos aspectos relevantes neste estudo.

Muitos de nós, especialistas ou não, inquietamo-nos com o tempo excessivo que muitas crianças e adolescentes passam sós, ou com outros "sós" do outro lado, agarradas a um ecrã, numa espécie de teledependência e já configurando um comportamento aditivo com consequências importantes no bem-estar dos mais novos.

Esta preocupação não tem nada a ver com um entendimento definitivo de que os videojogos são perigosos embora alguns o possam ser. Existem excelentes videojogos que, naturalmente, serão úteis e positivos na vida dos miúdos incluindo os processos de aprendizagem escolar. Aliás, os produtores deste tipo de conteúdos sabem muito bem como construir “produtos” com características que “agarrem” o jogador.

Segundo alguns estudos, perto de 50% das crianças até aos 15 anos terão computador ou televisor no quarto sendo que considerando os smartphones os números são bastante superiores e de regulação mais difícil.

Acontece que mesmo durante o período de sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de um ecrã, pc, tv ou telemóvel. Com é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.

Uma outra questão e pretexto para estas notas é a situação de adolescentes, jovens ou adultos para quem os videojogos de entretenimento ou de apostas criam dependência, induzem mal-estar e sofrimento bem como às famílias. São cada vez mais frequentes por corresponderem a necessidades e problemas reais a referência a respostas existentes ou necessárias para estas situações. Não adianta pensar que só acontece aos outros. Pode, sem nos darmos conta, estar a instalar-se de mansinho numa criança ou adolescente perto de si.

Recorrendo a dados do projecto europeu EuKids Online, 2018, o uso continuado da Internet repercute-se em 45% das crianças portuguesas com um dos seguintes sintomas: não dormir, não comer, falhar nos trabalhos de casa ou deixar de socializar.

Neste quadro, julgo merecer particular atenção o impacto que esta utilização demorada tem no desenvolvimento de crianças e adolescentes, designadamente nos hábitos e saúde do sono.

Comer faz bem às crianças, mas comer excessivamente e produtos de má qualidade, provoca sérios problemas de saúde. Que se eduque o consumo, sem se diabolizar ou exaltar o produto.

Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais, alguns deles com níveis baixos de alfabetização informática. Considerando as implicações sérias na vida diária e que só estratégias proibicionistas não são muito eficazes, importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças, adolescentes e jovens.

domingo, 13 de novembro de 2022

DA VELHICE, TAMBÉM CONHECIDA POR "PESTE GRISALHA"

 

Talvez por já não estar longe dos 70 e estar reformado, ainda que com alguma actividade profissional, o texto de Pacheco Pereira de ontem no Público, “Mais uma vez a “peste grisalha” – uma “justiça” que é uma injustiça”, deu-me que fazer, na leitura e na reflexão.

Faço parte daquela entidade que tem vindo a ser tratada por “peste grisalha” constituída por uns malandros já velhos que vivem à custa do trabalho dos mais novos e, confesso, não me senti bem. Ao que parece, estará nas intenções programáticas do PSD dar fim a esta injustiça geracional.

Devo dizer que a minha situação de “grisalho” é vivida com alguma tranquilidade, o valor da reforma permite-o, até ver e se não enfrentar grandes sobressaltos. Já pedi desculpa por isso às pessoas mais novas que me sustentam apesar dos meus 42 anos de contributo fiscal. No entanto, sei que a minha mãe sentia muita dificuldade em assegurar uma velhice tranquila depois de ter começado a trabalhar aos 12 e só ter parado quando já não podia. Também sei que a reforma do Mestre Marrafa que começou a trabalhar aos 9 anos a guardar porcos é absorvida na totalidade pela estadia numa instituição de cuidados continuados e não chega para tudo o que precisa.

De facto, é preciso acabar com esta injustiça da peste grisalha, os velhos sustentados pelos mais novos que não sabem o que os espera quando chegarem a “grisalhos”.

A questão é que, como diz JPP no texto, “A verdade nua e crua, e que muita gente não gosta de ouvir, é que ser jovem é, sob todos os pontos de vista, melhor do que ser velho”.

Em 2016 foi divulgado um estudo sobre a forma como os mais velhos percebem o que foi e é a sua vida, “Envelhecimento em Lisboa, Portugal e Europa: uma perspectiva comparada”, realizado pelo Instituto do Envelhecimento do Instituto de Ciências Sociais.

Os dados mostraram que apenas um quarto dos velhos olha para o seu passado com “alegria”, só 29.9% afirma ter tido uma vida feliz “muitas vezes” e os restantes “raramente” ou “nunca” se sentiram felizes.

Os velhos portugueses estão também entre os que mais dificuldades exprimem em termos de saúde, em particular de saúde mental e no consumo de fármacos, recursos económicos e actividade física e social. Evidenciam também de forma significativa baixas expectativas face ao futuro.

Quando se comparam os indicadores relativos à esperança de vida, em que realizámos um progresso notável, com a manutenção de vida saudável nessa última fase, em que ocupamos os lugares mais baixos a Europa, ou seja, vivemos mais, mas mais doentes, sobretudo as mulheres, importa não esquecer as condições de vida, um indicador com influência muito significativa. A definição deste nível de vida não se liga apenas a recursos económicos, mas, sobretudo, a recursos educacionais, nível de literacia e informação, acessibilidade a apoios, etc.

Este cenário sublinha duas questões que parecem fundamentais e que nem sempre parecem suficientemente valorizadas. Em primeiro lugar há que considerar a importância decisiva que em todas as dimensões da vida das pessoas assumem a qualificação e a informação. Melhores níveis de formação e literacia promovem melhor qualidade nos estilos de vida o que estudo agora divulgado também acentua.

Na verdade, as condições de vida de boa parte dos nossos velhos são complicadas.

Começam por ser desconsiderados pelo sistema de segurança social que com pensões miseráveis, transforma os velhos em pobres, dependentes e envolvidos numa luta diária pela sobrevivência. Continua com um sistema de saúde que deixa muitos milhares de velhos dependentes de medicação e apoio, sem médico de família e com dificuldades evidentes no acesso aos cuidados de saúde. Em muitas circunstâncias, as famílias, seja pelos valores, seja pelas suas próprias dificuldades, não se constituem como um porto de abrigo, sendo parte significativa do problema e não da solução.

Finalmente, as instituições, muitas delas, subordinam-se ao lucro e escudam-se numa insuficiente fiscalização além de que, com frequência, os equipamentos de qualidade são inacessíveis aos rendimentos de boa parte dos nossos velhos.

Por outro lado, é também de referir que as alterações dos estilos de vida e dos valores produzem cada vez mais situações de solidão e isolamento entre os velhos, com consequências que têm feito manchetes. Estão em extinção as relações de vizinhança e a vivência comunitária, fontes privilegiadas de protecção dos mais velhos. Muitos velhos morrem de "sozinhismo" ainda que na certidão de óbito possa surgir outra causa.

É certo que existe, felizmente, um pequeno número de idosos que além do apoio familiar, ainda possuem meios que lhes permitem aceder a bens e equipamentos que contribuem para uma desejável e merecida qualidade de vida no fim da sua estrada.

No entanto, lamentavelmente, boa parte dos velhos, sofreu para chegar a velho e sofre a velhice.

Não é um fim bonito para qualquer narrativa.

A narrativa da “peste grisalha” é um despudorado insulto a boa parte dos portugueses e aos direitos e valores éticos, sociais, morais e constitucionais.

sábado, 12 de novembro de 2022

DO CLIMA DA ESCOLA

 No Público está um texto de Paulo Prudêncio, ”Já só há espaço para o conformismo”. A reflexão sobre a escola e o clima que nelas se vive justifica leitura. A propósito, algumas notas.

Os tempos vão duros para toda a comunidade e, naturalmente, também se repercutem na escola. Como muitas vezes aqui abordo, a escola, a instituição escola, vive ela própria tempos complicados, envelhecimento, desencanto e cansaço em muitos docentes que interage com a falta de professores e se associa ao conformismo de que fala Paulo Prudêncio, climas institucionais nem sempre amigáveis e fonte de apoio e tranquilidade, falta de recursos, de auxiliares de educação e técnicos, os ainda presentes efeitos de dois anos completamente atípicos, um modelo de “municipalização”  que levanta dúvidas, alterações nos quadros de valores e representações das comunidades que se traduzem na relação com  a escola e com os professores, algumas dimensões inadequadas das políticas públicas de educação, etc., etc.

No entanto, é esse o ponto que queria sublinhar, apesar de como aqui tantas vezes tenho referido considerar urgente a reflexão e intervenção adequada relativamente aos problemas dos alunos, aprendizagens e comportamentos, às questões sérias que envolvem os professores incluindo as de natureza profissional, às relações interpessoais e clima social ou de organização, ao funcionamento e governação das escolas, não simpatizo com a alimentação da ideia de que todos os que diariamente chegam às escolas entram no inferno, o que não remete para o texto do Paulo Prudêncio, mas para muitos discursos sobre a escola. Tal entendimento não invalida o saber que para alguns professores, funcionários e alunos a escola será … o inferno.

A verdade é que, apesar de todos os constrangimentos e dificuldades e do que ainda está por fazer, o trabalho desenvolvido por professores, técnicos, funcionários e alunos é bem-sucedido na maioria das situações e isso deve ser sublinhado. De uma forma geral, professores, técnicos, funcionários e alunos, quase todos, fazem a sua parte.

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

QUENTES E BOAS

 Hoje é o dia de S. Martinho, um dia em que quando era miúdo se tornava obrigatório comer castanhas assadas ou cozidas. Os mais velhos acompanhavam-nas com água-pé. Coisas de outros tempos, é claro.

Agora, temos umas referências rápidas nas escolas, uma chamada de atenção nas superfícies comerciais, sempre se vendem umas castanhas, e pouco mais. Em algumas zonas ainda se realizam os magustos e alimenta-se a tradição e o gosto.

No entanto, em algumas ruas de Lisboa, e não só evidentemente, nestes dias ainda não muito frios, estamos no Verão de S. Martinho, com a noite a chegar mais cedo ainda sentimos o perfume das castanhas assadas pelos vendedores ambulantes que persistem na actividade. Sim, acho mesmo bom o cheiro das castanhas assadas na rua.

Apesar dos orçamentos apertados ainda fazemos um esforço para aceder às castanhas assadas, mesmo que meia dúzia. É a única coisa que nos chega embrulhada num agradável "quentes e boas" o que na verdade merece saudação.

Em tempos amargos e frios como os que vivemos, é bom chegarem as castanhas assadas, "quentes e boas". Se calhar é isso que lhes dá o valor e daí serem caras.

Agora já não se vendem embrulhadas em jornal ou nas infindáveis páginas das listas telefónicas. Coisas da segurança alimentar, ao que disseram, mas não é a mesma coisa. Castanhas assadas que se prezem vêm num funil feito de uma página de lista telefónica ou, vá lá, num papel de jornal.

Podemos tentar produzir em casa com equipamentos mais sofisticados umas castanhas assadas, mas nunca ficam ou eu nunca consegui que ficassem ... quentes e boas, como as que se vendem na rua, mas é o que se pode arranjar.

Nem com o mesmo cheiro a Inverno.

Vou começar o fim-de-semana aqui no Monte com umas quentes e boas que farão companhia a um copo de água-pé que mão alentejana, amiga e generosa me fez chegar. Vão sabe a pouco, mas ... amanhã há mais. O S. Martinho também é quando um homem quiser ... e puder.

À vossa saúde.

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

DO FECHAMENTO DE ESCOLAS

 No Público encontrei uma crónica de João da Silva, muito bonita, “Uma escola reabriu no Alentejo. Em Cabrela, escreveu-se o mais bonito dos poemas”. O texto assinala e festeja a reabertura da escola do 1º ciclo de Cabrela, Montemor-o-Novo.

Tal como me entristeceu e questionei o movimento de encerramento de escolas iniciado há uns anos, também me alegro com esta reabertura. Não será significativa para o país, mas é essencial para a comunidade como se sublinha no texto.

Retomo umas notas sobre esta questão do encerramento de escolas que também está associado à criação de mega-agrupamentos que, muitos deles, se transformam em mega-problemas, mas esta é uma outra matéria.

Muitas das questões que se colocam em educação, como noutras áreas, independentemente da reflexão actual, solicitam algum enquadramento que nos ajudem a melhor entender o quadro temos no momento.

Como já tenho escrito a este propósito, durante décadas de Estado Novo, tivemos um país ruralizado e subdesenvolvido. Em termos educativos e com a escolaridade obrigatória a ideia foi “levar uma escola onde houvesse uma criança”. Tal entendimento minimizava a mobilidade e a abertura de espírito algo a evitar. No entanto, como é sabido, os movimentos migratórios e emigratórios explodiram e o interior entrou em processo de desertificação o que, em conjunto com a decisão de política educativa referida acima, criou um universo de milhares de escolas, sobretudo no 1º ciclo, com pouquíssimos alunos. Como se torna evidente e nem discutindo os custos de funcionamento e manutenção de um sistema que admite escolas com 2, 3 ou 5 alunos, deve colocar-se a questão se tal sistema favorece a função e papel social e formativo da escola. Creio que não e a experiência e os estudos revelam isso mesmo. Parece, pois, ajustada a decisão de em muitas comunidades proceder a uma reorganização da rede.

É também verdade que muitas vezes se afirma que a “morte da escola é a morte da aldeia”. No entanto, creio que será, pelo menos de considerar, que os modelos de desenvolvimento económico e social promovem a litoralização e desertificação do interior. Apostas políticas erradas não contrariam este processo, antes pelo contrário, promovem-no fechando os equipamentos sociais, incluindo as escolas, uma das formas evidentes de fixação das pessoas. Cria-se assim um ciclo sem fim, as pessoas partem, fecham-se equipamentos, as pessoas não voltam ou continuam a partir. E este processo de definhamento vai-se alastrando. Aliás o texto salienta como com a reabertura da escola contribui para fixar e atrair famílias.

Torna-se fundamental e urgente a coragem e a visão para outros caminhos.

Por outro lado, como referia acima, a concentração excessiva de alunos em centros educativos ou mega-agrupamentos não ocorre sem riscos, tornam-se mega-problemas. Para além de aspectos como distância a percorrer, tipo de percurso e apoio logístico, importa não esquecer que escolas demasiado grandes são mais permeáveis a insucesso escolar e exclusão, absentismo, problemas de indisciplina e outros problemas de natureza comportamental como bullying

Neste cenário, a decisão de encerrar escolas não deve ser vista exclusivamente do ponto de vista administrativo e económico, não pode assentar em critérios generalizados esquecendo particularidades contextuais e, sobretudo, não servir como tudo parece servir em educação, para o jogo político. 

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

DOS TPC

 A propósito do texto de Maria João Marques no Público, “Manifesto anti-trabalhos de casa”, tema que, provavelmente, nunca será objecto de uma abordagem consensual, retomo algumas notas que possam contribuir para a reflexão.

Talvez fruto do clima de fortíssima crispação que nos últimos anos envolve a educação, os debates e as ideias também tendem a ser crispadas, com opiniões definitivas e, aparentemente, sem margem de entendimento. Também assim tende a acontecer quando se discute a questão dos TPC, ser contra ou ser a favor. Sem qualquer visão fundamentalista ficam algumas ideias para uma discussão e mudanças que me parecem necessárias, aliás, umas não vão sem a outra.

Num trabalho da OCDE de 2014, "Does homework perpetuate inequities in education?"  e entre outros dados interessantes referia-se que os alunos com famílias de meios sociais e económicos mais favorecidos gastam mais 2 horas em trabalhos de casa que os seus colegas com famílias de estatuto mais baixo o que, sublinhava a OCDE, poderá alimentar a falta de equidade.

Neste contexto, parece-me pertinente recordar que o nível de escolaridade dos pais, em Portugal conforme todos os estudos conhecidos é um fortíssimo preditor do sucesso escolar dos filhos.

Estes dados sustentam o entendimento de que os trabalhos de casa correm o sério risco de alimentar desigualdade de oportunidades e obriga-nos a reflectir sobre a sua utilização.

Parece-me também importante o facto de que no nosso sistema educativo os alunos do 1º, por exemplo,  podem passar 8 ou 10 horas diárias na escola considerando o tempo lectivo, as Actividades de Enriquecimento Curricular e a Componente de Apoio à família, (no limite algumas crianças poderão bem mais de 40 horas semanais na escola, uma enormidade). Este tempo de permanência na escola é um dos mais longos dos países da OCDE. Acresce que em muitas circunstâncias, muitos alunos têm ainda Trabalhos Para Casa que, nas mais das vezes, são a continuação ou a réplica de trabalhos escolares, ou seja, mais do mesmo.

Não tenho nenhuma posição fundamentalista, insisto, mas creio que deve distinguir-se com clareza o Trabalho Para Casa e o Trabalho Em Casa. O TPC é trabalho da escola feito em casa, o trabalho em casa será o que as crianças podem fazer em casa que, não sendo tarefas de natureza escolar, pode ser um bom contributo para as aprendizagens dos miúdos. O que acontece mais frequentemente é termos Trabalhos Para Casa e não Trabalho Em Casa.

Os TPC clássicos têm ainda o problema de colocar com frequência os pais em situações embaraçosas, querem ajudar os filhos, mas não possuem habilitações para tal.

A propósito, sempre me lembro de numa reunião de pais em que participava já há muitos anos e se discutia esta questão, dizia uma mãe, “o senhor, da maneira que fala, se calhar é capaz de ajudar o seu filho, mas na minha casa, chora a minha filha e choro eu, ela porque quer ajuda, eu porque não sou capaz de lha dar.” Colocar os pais nesta posição parece-me discutível, no mínimo.

Sim, eu sei, que é apenas uma situação, não é a floresta, mas dá que pensar.

Torna-se, pois, necessário que professores e escolas se entendam sobre esta matéria, diferenciando trabalho de casa, igual ao da escola, de trabalho em casa, trabalho em que qualquer pai pode, deve, envolver-se e é útil ao trabalho que se realiza na escola.

Tudo isto considerado, o recurso ao TPC deveria avaliar se o aluno, cada aluno, tem capacidade e competência para o realizar autonomamente, por exemplo, o treino de competências adquiridas. Na verdade, porque milagre ou mistério, uma criança que tem dificuldade em realizar os seus trabalhos na sala de aula, onde poderá ter apoio de professores e colegas, será capaz de os realizar sozinha em casa? Naturalmente tal só acontecerá com a ajuda dos pais ou, eventualmente, de "explicadores" a que muitas famílias, sabemos quais, não conseguem aceder.

No entanto, do meu ponto de vista, sobretudo nas idades mais baixas, o bom trabalho na escola deveria dispensar o TPC. É uma questão de saúde e qualidade de vida.

Parece ainda de sublinhar que os estudos sugerem que "é sobretudo a qualidade das aulas, mais do que o tempo global de aprendizagem que está associado ao sucesso na aprendizagem. Aliás, no citado relatório da OCDE também se conclui que não há uma relação significativa entre o número médio de horas gastas nos TPC e os resultados escolares.

Andaríamos melhor se reflectíssemos sem preconceitos e juízos fechados sobre questões desta natureza. Não é uma questão de ser a favor ou contra os TPC, é reflectir sobre o que são? Como se utilizam? Que efeitos na generalidade dos alunos? Como se adaptam às circunstâncias e diferenças de contexto dos alunos como idade/ciclo de escolaridade, nível de escolarização familiar, etc.

terça-feira, 8 de novembro de 2022

SAÚDE MENTAL E COMPORTAMENTO

 No Público divulga-se um projecto de intervenção e investigação desenvolvido por uma equipa da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra dirigido à população de jovens institucionalizados na rede nacional de centros educativos por comportamentos de agressão. De acordo com Diana Ribeiro da Silva o programa gera impacto positivo no quadro de saúde mental e bem-estar dos jovens e está em preparação a sua implementação alargada e a divulgação para outros países.

Há muito pouco tempo abordei aqui a esta questão que, habitualmente, não faz parte das agendas mais mediáticas, o funcionamento dos centros educativos. Retomo algumas notas.

Em Outubro foi divulgado o relatório da Comissão de Acompanhamento e Avaliação dos Centros Educativos. Estas instituições acolhem jovens delinquentes institucionalizados por crimes cometidos antes dos dezasseis anos.

O relatório produziu uma apreciação muito crítica desde as condições degradadas das instalações à escassez de técnicos de reinserção social, mal pagos e sem perspectivas de carreira. Acontece ainda que nem sempre as decisões dos tribunais são cumpridas.

Este cenário compromete de forma crítica o cumprimento dos objectivos da Lei Tutelar Educativa que se podem traduzir na construção de um projecto de reinserção social bem-sucedido para cada um destes jovens.

Como o trabalho agora conhecido muito destes jovens apresentam problemáticas de saúde mental para as quais urge atenção.

Como já tenho escrito, a prevenção é, naturalmente, a questão crítica. Neste sentido, um sistema público de educação com qualidade, com recursos diversificados e competentes e autonomia das escolas, é a melhor ferramenta de promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. É através de uma educação global que se minimiza o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis e a emergência de comportamentos mais disruptivos por ausência de projecto de vida. O trabalho agora divulgado sublinha a importância dos contextos de vida destes jovens. Este continua a ser o nosso caderno de encargos.

Depois de iniciado um trajecto de delinquência importa que registar que em 2018, um relatório da Direcção de Serviços de Justiça Juvenil envolvendo os Centros Educativos e das equipas de Reinserção Social referia que decorridos dois anos do cumprimento de uma medida tutelar de internamento 31% dos jovens voltam a ser condenados. Se considerarmos a reincidência num período mais alargado a taxa é ainda maior apesar de alguma melhoria mais recente.

Uma das questões referidas como associadas a este valor prende-se com a necessidade de garantir a resposta adequada por parte dos Centros Educativos e do apoio e suporte após a saída da instituição. O relatório agora conhecido vem mostrar como dificilmente estas necessidades serão cumpridas.

Múltiplos estudos evidenciam a importância da prevenção, da integração comunitária e da saúde mental como eixos centrais na resposta a este problema sério das sociedades actuais. As casas de autonomia, uma intenção conhecida em 2013 e na lei desde 2015, visam justamente apoiar este processo e saída dos centros e de promoção de uma reinserção social bem-sucedida. No entanto, apenas em 2019 e de forma pouco expressiva arrancou o processo de instalação das primeiras casas de autonomia.

Sabemos que a educação, prevenção e programas comunitários de reabilitação e integração têm custos, no entanto, importa ponderar entre o que custa prevenir e cuidar e os custos posteriores do mal-estar e da pré-delinquência ou da delinquência continuada e da insegurança.

Parece ser cada vez mais consensual que mobilizar quase que exclusivamente dispositivos de punição, designadamente o internamento enquanto menor de idade e a prisão para os mais velhos, parece insuficiente para travar este problema e, sobretudo, inflectir as trajectórias de marginalização de muitos dos adolescentes e jovens envolvidos em episódios de delinquência.

No entanto, a discussão sobre estas matérias é inquinada por discursos e posições frequentemente de natureza demagógica e populista alimentados por narrativas sobre a insegurança e delinquência percebida, alimentadora de teses securitárias.

Apesar de, repito, a punição e a detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade instalada, é minha forte convicção de que só punir e prender não basta.

É em todo este caldo de cultura que em muitos contextos familiares vulneráveis nascem e se desenvolvem as sementes de mal-estar que geram os episódios que regularmente nos assustam e inquietam e com consequências sérias.

Daí a importância do trabalho desenvolvido e agora divulgado.

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

AS TECNOLOGIAS DIGITAIS EM EDUCAÇÃO

 A propósito do texto de Marco Bento no Público, “Uma escola de (des)equilíbrios!” que merece leitura e reflexão e apesar de não ser um especialista nesta questão (como o Professor Marco Bento), retomo algumas umas notas no mesmo sentido, a tentativa de um olhar equilibrado sobre a utilização das tecnologias digitais nos processos de ensino e aprendizagem.  

Apesar do seu enorme potencial as ferramentas digitais não são a poção mágica para o ensino e aprendizagem. Os computadores ou tablets na sala de aula, os smart boards, ou outros recirsos da mesma natureza, não promovem sucesso só pela sua existência. A forma como são utilizados por professores e alunos é que potencia a qualidade e os resultados desse trabalho. Aliás, o mesmo se pode dizer de qualquer outro recurso ou actividade no âmbito dos processos de aprendizagem.

Sublinho, no entanto, os múltiplos estudos e experiências que valorizam este recurso nos processos de ensino e aprendizagem o que torna imprescindível garantir o acesso ao digital pela generalidade dos alunos, professores e escolas. A não ser assim, comprometemos equidade e qualidade na educação.

Neste contexto e como já tenho afirmado, considerando o que se sabe em matéria de desenvolvimento das crianças e adolescentes, dos processos de ensino e aprendizagem e da sua complexa teia de variáveis, das experiências e dos estudos neste universo, mesmo quando aparentemente contraditórios:

1 – O contacto precoce com as tecnologias digitais é, por princípio, uma experiência positiva para os alunos, para todos os alunos, se considerarmos o mundo em que vivemos e no qual eles se estão a preparar para viver. Nós adultos ainda estamos a pagar um preço elevado pela iliteracia, os nossos miúdos não devem correr o risco da iliteracia informática. Os tempos da da pandemia mostraram isso mesmo.

2 – O computador/tablet, kits robóticos, smart boards, etc., na sala de aula são mais uma ferramenta, não são A ferramenta, não substitui a escrita manual, não substitui a aprendizagem do cálculo, não substitui coisa nenhuma, é “apenas” mais um meio, muito potente sem dúvida, ao dispor de alunos e professores para ensinar e aprender e agilizar o acesso a informação e conhecimento.

3 - O que dá qualidade e eficácia aos materiais e instrumentos que se utilizam na sala de aula não é a tanto a sua natureza, mas, sobretudo, a sua utilização, ou seja, incontornavelmente, o trabalho dos professores é uma variável determinante. Posso ter um computador para fazer todos os dias a mesma tarefa, da mesma maneira, sobre o mesmo tema, etc. Rapidamente se atinge a desmotivação e ineficácia, é a utilização adequada que potencia o efeito as capacidades dos materiais e dispositivos.

4 - Para alguns alunos com necessidades especiais o computador pode ser mesmo a sua mais eficiente ferramenta e apoio para acesso ao currículo.

5 – Para além de garantir o acesso dos miúdos aos materiais é obviamente imprescindível promover o acesso a formação e apoio ajustados aos professores sem os quais se compromete a qualidade do trabalho a desenvolver bem como, evidentemente, assegurar as condições exigidas para que o material possa ser rentabilizado.

6 – Finalmente, como em todo o trabalho educativo, são essenciais os dispositivos de regulação e avaliação do trabalho de alunos e professores.

7 – Tudo isto considerado a escola pública deve promover até ao limite a universalidade do acesso a estes dispositivos. Sim tem custos, mas a exclusão sai mais onerosa.

Como referi acima, não existem poções mágicas em educação por mais desejável que possa parecer a sua existência. Não deixemos que o fascínio deslumbrado pelas "salas do Futuro" faça esquecer os problemas do presente.

domingo, 6 de novembro de 2022

"COMO É QUE CORREU O TESTE?"

 É Domingo, não parece boa ideia falar do trabalho, da escola. Acontece que há pouco os meus netos me disseram que estavam a preparar-se para a ficha de amanhã, de Matemática, o Tomás no 1º ano e o Simão no 4º.

Recuei no tempo e lembrei-me que nestas alturas, no dia do teste, o meu pai invariavelmente me perguntava “como é que correu o teste?” e eu sempre respondia, mais ou menos e a coisa era mesmo assim, lá ia dando para “passar”. O tempo andou e comecei a perguntar ao meu filho, “como é que correu o teste?” e agora, amanhã, perguntarei aos netos “como é que correu o teste? O teste é de todos os tempos da escola e é necessário que seja.

Felizmente, não me pareceram muito preocupados com o “teste”, faz parte do trabalho deles, como faz parte do trabalho dos professores, não há educação escolar sem avaliação.

O que desejava é que esta imprescindível dimensão e o trabalho que envolve tivessem como preocupação a simplificação, estivessem libertos da pressão “grelhadora” e da burocracia asfixiante a que professores e escolas estão sujeitos. Seria bem ais útil para todos.

Não vale a pena correr atrás de novos paradigmas, de discursos e propostas de práticas travestidas de inovação que nada acrescentam e, por vezes, vêm complicar. É verdade que andar atrás do “novo” é uma tentação para muitos e alimenta portfólios e apresentações.

Como é evidente, este apelo à simplificação não tem a ver com menos rigor, qualidade, intencionalidade educativa ou não proporcionar tempo de efectiva aprendizagem para todos. Antes pelo contrário, se conseguirmos simplificar processos e recursos, incluindo a avaliação, alunos, professores e famílias beneficiarão mais do esforço enorme que todos têm de realizar e estão a realizar.

Sempre que falo desta questão recordo-me do Mestre João dos Santos, a quem tarda uma homenagem com significado nacional, quando dizia, cito de memória pelo privilégio de ainda o ter conhecido e ouvido, que em educação o difícil é trabalhar de forma simples, é mais fácil complicar, mas, obviamente, menos eficaz, menos produtivo e muito mais desgastante.

Talvez valesse a pena tentarmos esta via de maior simplificação. As circunstâncias já são suficientemente complicadas.

Assim, estimados netos Tomás e Simão, que a ficha vos corra bem e que ajude as vossas professoras a percorrer convosco a estrada que leva ao futuro.

sábado, 5 de novembro de 2022

DO ENSINO PROFISSIONAL

 Há uns dias encontrei na imprensa um trabalho sobre o ensino profissional no qual presidente da Associação Nacional de Escolas Profissionais afirmava existir uma taxa de empregabilidade a rondar os 90% e a possibilidade de o ensino profissional receber mais alunos para além dos actuais cerca de 40000.

Não conheço outros indicadores, recordo que o relatório “Monitor da Educação e da Formação 2020” divulgado em 2021” pela Comissão Europeia referia uma taxa de empregabilidade de 76% em 2019 no ensino profissional.

Por outro lado, o Relatório ‘Avaliação do Contributo do PT2020 para a Promoção do Sucesso Educativo, Redução do Abandono Escolar Precoce e Empregabilidade dos Jovens’, produzido pelo consórcio ISCTE, IESE e PPLL, referia que no ensino profissional, 87 em cada 100 alunos completa o ensino secundário enquanto nos Cursos Científico-Humanístico serão 57. Quanto à empregabilidade, 54% dos alunos que completam os Cursos Profissionais encontram trabalho até seis a nove meses depois, face a 36% nos Cursos Científico-Humanísticos.

Estes indicadores mostram a importância que pode assumir o ensino profissional que, do meu ponto de vista, continua subvalorizado contrariamente ao que se verifica noutros países. Algumas notas.

É imprescindível que ao sair do sistema educativo os jovens ao sair do sistema se encontrem equipados com qualificação profissional, quer ao nível do ensino secundário, quer ao nível do ensino superior que com o trabalho no âmbito do ensino politécnico tem condições para processos de qualificação mais curtos e mais diversificados. Assim, tenho registado os avanços realizados na diversificação da ofertam formativa verificada nos últimos anos apesar de alguns equívocos que geraram a percepção de uma formação de “segunda” dirigida aos “maus” alunos. Estes equívocos decorreram também dos discursos e procedimentos adoptados em muitas escolas e envolveram alunos e famílias.

No universo da educação em Portugal, depois de Abril de 74, instalou-se uma das mais generosas e ingénuas ideias que o tempo das utopias gerou, todos os indivíduos deveriam ter formação universitária. Esta ideia, de consequências devastadoras, quis combater a marca de classe presente nas escolhas entre liceu e escolas industriais e comerciais e, sobretudo, o baixo número de alunos que continuavam a estudar. O resultado foi criar um percurso que todos deveriam seguir e que só terminaria no fim do ensino superior universitário.

Com o aumento da escolaridade obrigatória e o aumento exponencial do número de alunos começou a perceber-se o erro trágico de um só percurso, muitos alunos “chumbavam” e abandonavam o sistema sem qualquer tipo de qualificação. Aliás, mesmo completando o ensino secundário, o 12º ano, as competências profissionais eram nulas, isto é, o 12º apenas ensinava, e mal, a continuar a estudar, coisa que, entretanto, era dificultada com a figura (lembram-se?) do "numerus clausus".

A partir de certa altura, timidamente, começaram a surgir ofertas de vias profissionais que, por má explicação política, foram sobretudo entendidas como uma estrada por onde segue quem não tem "jeito" ou competência para estudar. Neste contexto, famílias e alunos sentiram dificuldade em aderir a algo percebido como sendo de segunda. Entretanto, o nível inaceitável de chumbos e abandono no secundário continuava a envergonhar-nos.

Nos últimos anos, temos finalmente assistido a uma significativa diferenciação da oferta educativa, sobretudo depois do 9º ano, e essa oferta começa agora a perceber-se como uma alternativa à continuação de estudos mais prolongada, o ensino superior politécnico ou universitário. A oferta actual é bastante mais extensa o que tem contribuído para a descida muito significativa do abandono escolar. Por outro lado, o crescimento exponencial da oferta tem vindo a levantar algumas reservas face à natureza da oferta formativa e à qualidade da formação providenciada e ainda não se conseguiu alterar significativamente a perspectiva desvalorizada de muitos professores, alunos e famílias.

Como muitas vezes tenho afirmado é fundamental diversificar a oferta formativa, ou seja, promover a diferenciação de percursos. Só por esta via me parece possível atingir um objectivo absolutamente central e imprescindível, todos os alunos devem aceder a alguma forma de qualificação, única forma de combater a exclusão e responder mais eficazmente à principal característica de qualquer sala de aula actual, a heterogeneidade dos alunos. O desenvolvimento deste trajecto precisa de ir contrariando a ideia de que não se destina preferencialmente aos "que não servem" para a escola.

Precisamos, pois, de responder às exigências de qualificação, mas não podemos mascarar as estatísticas empurrando os “maus” para percursos que “recebem” um rótulo de “segunda” pois são percebidos por parte da comunidade como destinados aos menos dotados, “preguiçosos” ou com problemas vários.

Por outro lado, esta oferta deve ser adequada às comunidades educativas e dotada dos recursos e meios necessários bem como de maior e efectiva autonomia das escolas. Como tem sido referido em diferentes avaliações e pelas direcções escolares esta situação está longe de acontecer.

A diferenciação dos percursos é necessária e imprescindível, incluindo, obviamente, o ensino profissional tendo como potenciais destinatários todos os alunos como se verifica na maioria dos sistemas educativos que se preocupam com os alunos, com todos os alunos.

O que deve estar disponível desde sempre são dispositivos de apoio suficientes, competentes e oportunos a alunos e professores e formas de diferenciação que melhor permitam acomodar melhor a diversidade dos alunos.

Finalmente, é fundamental para todo o sistema educativo, importa que existam dispositivos de regulação que sustentem e promovam a qualidade da desta indispensável oferta educativa dado o seu papel na construção de projectos de vida bem-sucedidos.