AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

DOS TPC

 A propósito do texto de Maria João Marques no Público, “Manifesto anti-trabalhos de casa”, tema que, provavelmente, nunca será objecto de uma abordagem consensual, retomo algumas notas que possam contribuir para a reflexão.

Talvez fruto do clima de fortíssima crispação que nos últimos anos envolve a educação, os debates e as ideias também tendem a ser crispadas, com opiniões definitivas e, aparentemente, sem margem de entendimento. Também assim tende a acontecer quando se discute a questão dos TPC, ser contra ou ser a favor. Sem qualquer visão fundamentalista ficam algumas ideias para uma discussão e mudanças que me parecem necessárias, aliás, umas não vão sem a outra.

Num trabalho da OCDE de 2014, "Does homework perpetuate inequities in education?"  e entre outros dados interessantes referia-se que os alunos com famílias de meios sociais e económicos mais favorecidos gastam mais 2 horas em trabalhos de casa que os seus colegas com famílias de estatuto mais baixo o que, sublinhava a OCDE, poderá alimentar a falta de equidade.

Neste contexto, parece-me pertinente recordar que o nível de escolaridade dos pais, em Portugal conforme todos os estudos conhecidos é um fortíssimo preditor do sucesso escolar dos filhos.

Estes dados sustentam o entendimento de que os trabalhos de casa correm o sério risco de alimentar desigualdade de oportunidades e obriga-nos a reflectir sobre a sua utilização.

Parece-me também importante o facto de que no nosso sistema educativo os alunos do 1º, por exemplo,  podem passar 8 ou 10 horas diárias na escola considerando o tempo lectivo, as Actividades de Enriquecimento Curricular e a Componente de Apoio à família, (no limite algumas crianças poderão bem mais de 40 horas semanais na escola, uma enormidade). Este tempo de permanência na escola é um dos mais longos dos países da OCDE. Acresce que em muitas circunstâncias, muitos alunos têm ainda Trabalhos Para Casa que, nas mais das vezes, são a continuação ou a réplica de trabalhos escolares, ou seja, mais do mesmo.

Não tenho nenhuma posição fundamentalista, insisto, mas creio que deve distinguir-se com clareza o Trabalho Para Casa e o Trabalho Em Casa. O TPC é trabalho da escola feito em casa, o trabalho em casa será o que as crianças podem fazer em casa que, não sendo tarefas de natureza escolar, pode ser um bom contributo para as aprendizagens dos miúdos. O que acontece mais frequentemente é termos Trabalhos Para Casa e não Trabalho Em Casa.

Os TPC clássicos têm ainda o problema de colocar com frequência os pais em situações embaraçosas, querem ajudar os filhos, mas não possuem habilitações para tal.

A propósito, sempre me lembro de numa reunião de pais em que participava já há muitos anos e se discutia esta questão, dizia uma mãe, “o senhor, da maneira que fala, se calhar é capaz de ajudar o seu filho, mas na minha casa, chora a minha filha e choro eu, ela porque quer ajuda, eu porque não sou capaz de lha dar.” Colocar os pais nesta posição parece-me discutível, no mínimo.

Sim, eu sei, que é apenas uma situação, não é a floresta, mas dá que pensar.

Torna-se, pois, necessário que professores e escolas se entendam sobre esta matéria, diferenciando trabalho de casa, igual ao da escola, de trabalho em casa, trabalho em que qualquer pai pode, deve, envolver-se e é útil ao trabalho que se realiza na escola.

Tudo isto considerado, o recurso ao TPC deveria avaliar se o aluno, cada aluno, tem capacidade e competência para o realizar autonomamente, por exemplo, o treino de competências adquiridas. Na verdade, porque milagre ou mistério, uma criança que tem dificuldade em realizar os seus trabalhos na sala de aula, onde poderá ter apoio de professores e colegas, será capaz de os realizar sozinha em casa? Naturalmente tal só acontecerá com a ajuda dos pais ou, eventualmente, de "explicadores" a que muitas famílias, sabemos quais, não conseguem aceder.

No entanto, do meu ponto de vista, sobretudo nas idades mais baixas, o bom trabalho na escola deveria dispensar o TPC. É uma questão de saúde e qualidade de vida.

Parece ainda de sublinhar que os estudos sugerem que "é sobretudo a qualidade das aulas, mais do que o tempo global de aprendizagem que está associado ao sucesso na aprendizagem. Aliás, no citado relatório da OCDE também se conclui que não há uma relação significativa entre o número médio de horas gastas nos TPC e os resultados escolares.

Andaríamos melhor se reflectíssemos sem preconceitos e juízos fechados sobre questões desta natureza. Não é uma questão de ser a favor ou contra os TPC, é reflectir sobre o que são? Como se utilizam? Que efeitos na generalidade dos alunos? Como se adaptam às circunstâncias e diferenças de contexto dos alunos como idade/ciclo de escolaridade, nível de escolarização familiar, etc.

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