AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A JUSTIÇA, O DIREITO E O AVESSO

O sistema de justiça português, que muitos acham que se poderia chamar apenas de "sistema" ou, em alternativa, "esquema" e em que a "justiça" nem sempre se vislumbra passa, como sempre, por dias agitados.
Ontem soubemos que o Tribunal da Relação retirou a pena de prisão a um indivíduo que agrediu a mulher com uma cadeira e, por outro lado, surge a notícia da prisão de Isaltino Morais que tem sido adiada à custa dos sucessivos recursos e expedientes que o "sistema" prevê para os habilidosos bem preparados se "safarem". Os especialistas dizem que é um sistema garantístico, ou seja, quem tiver meios e manha, é garantido que se "safa".
No CM de hoje, em primeira página pode ler-se que duas magistradas estão impedidas de entrar no DIAP por suspeita de burlas, isso mesmo, as magistradas são suspeitas de burlas.
A primeira página do Público contém três notícias sobre o sistema de justiça. Para além da imprescindível referência à prisão de Isaltino, ficamos a saber que Duarte Lima é o único suspeito do crime relacionado com a herança de Feteira e, notícia curiosíssima, um advogado vai penhorar o carro da ministra da Justiça porque o "sistema" não paga uma verba que uma sentença do tribunal obrigou a devolver.
Tudo isto resulta num caldo que alimenta a percepção de "sistema" que não passa disso mesmo, um sistema, que de justiça tem muito pouco.
Em épocas como as que atravessamos, ainda mais importante seria que em termos de vida cívica, a comunidade tivesse um mínimo de confiança no sistema de justiça como garante da protecção dos seus direitos e que pela sua eficácia fosse dissuasor de abusos.
Acontece quase o contrário, instala-se a ideia da impunidade, do não acontece nada, de que "os grandes safam-se sempre", etc.
Do ponto de vista social, o efeito é pesadíssimo.

TENS QUE SER UM CRISTIANO RONALDO

Actores principais - Pai e filho com uns 6 anos
Actores secundários - A mãe que entre chamadas no telemóvel grita incentivos para o filho
Cenário - uma zona relvada com dois pinos colocados de forma a simular uma baliza.
Assistentes discretos - o escriba
Guião - O pai ensina o filho a dar pontapés numa bola de futebol em direcção à baliza dos pinos.
Cena e diálogo (reconstruído a partir de excertos ouvidos pelo escriba)
O pai apontando para uma zona do pé do miúdo que tem botas de futebol calçadas - Já te disse que é com esta parte do pé que tens de acertar na bola, vê se tomas atenção.
O miúdo em silêncio faz mais uma tentativa que não sai muito bem, não acerta na baliza.
O pai - Assim não vale a pena, não fazes como te digo, tens que estar concentrado, (aqui lembrei-me do Futre, um homem concentradíssimo e, certamente por isso, um grande jogador).
O filho - Mas eu dei com esta parte.
O pai - És parvo, se tivesses dado com essa parte a bola tinha ido para a baliza. Faz outra vez.
O miúdo com um ar completamente sofredor executa o que em futebolês se chama o gesto técnico e a bola teimosamente voltou a não sair na direcção desejada.
O pai - Pareces burro, se queres ser jogador de futebol, tens que te aplicar, (será que o miúdo quer mesmo ou será o pai que quer viver um sonho que foi dele e que agora cobra no filho?).
O miúdo, desesperado, sentou-se no chão com ar de quem espera o fim do jogo.
O pai, irritado, mandou a bola para longe com um forte pontapé.
O escriba pensou que se o árbitro tivesse visto, o pai merecia um cartão.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

CALMA, NÃO DESESPERE

É azar. Parece que coube ao Dr. Isaltino servir de “prova” de que a justiça funciona no Portugal dos Pequeninos. Mas ele que não desespere. Ainda falta o Tribunal Constitucional e mais uma série de manobras, recursos e outros expedientes que o nosso sistema de justiça tão minuciosa e eficazmente tem desenhado para quem dele se sabe aproveitar o possa fazer em seu benefício.
Apesar da prisão hoje realizada, continuo convencido que o caso virá a morrer por morte matada e o Dr. Isaltino poderá ter uma reforma tranquila com a herança que receberá do sobrinho que tem na Suíça e os trocos miseráveis resultantes de uma vida dedicada à causa pública.
No meio do azar, coitado, até teve sorte, felizmente.
A nós só nos calha o azar de ver como anda o Portugal dos Pequeninos.

ABUSOU? Mesmo que o tenha feito, se não lhes bateu será absolvido

Como a realidade não é a projecção dos nossos desejos, a não ser nos discursos de boa parte da nossa classe política, e contém coisas feias, desagraváveis e violentas temos mais um caso de alegados abusos realizados por um médico sobre mulheres internadas e em situação de enorme vulnerabilidade.
Imediatamente me ocorreu o que há meses se passou no Porto. Um médico psiquiatra foi acusado por uma paciente sua, grávida e com um quadro de depressão, de abuso sexual. Em tribunal de primeira instância os comportamentos são dados como provados e o cidadão condenado.
Como é habitual em Portugal, seguiu-se o recurso e o tribunal da relação pronunciou-se pela absolvição do cidadão porque os actos, que continuaram dados como provados, não foram susceptíveis de se considerar violentos.
É inacreditável. É certo que não terão existido agressões físicas muito sérias, a senhora não terá levado uns murros e, muito menos, facadas e tiros. Na verdade, a senhora em situação psicológica vulnerável, estava em acompanhamento clínico devido a depressão, foi só empurrada e pressionada com alguma assertividade, por assim dizer, a práticas que não queria e que certamente não fazem parte da abordagem terapêutica, o chamado acto médico.
Os doutos juízes da relação não vislumbraram sinal de ilícito e decidiram-se pela absolvição. A sua sagacidade e lucidez não lhes permitiu perceber que este foi mais um excelente exemplo da forma como o funcionamento da justiça contribui para a imagem miserável que o cidadão tem de um sistema de justiça em que não confia. Com decisões deste tipo, alguns juízes, do alto da sua impunidade irresponsável, desconhecem o que são princípios éticos e valores que não podem ser hipotecados e branqueados por actos administrativos arbitrários e terroristas ainda que mascarados por uma linguagem indecifrável.
Em quem pode o cidadão confiar se o médico viola mas não bateu e o juiz o absolve porque só violou, não bateu?
Vamos então esperar e saber se este clínico, alegadamente autor dos abusos sexuais, teve a gentileza e dimensão ética para assumir que, como se dizia "numa senhora não se bate nem com uma flor", pode apenas abusar-se. Se assim for, será absolvido.

OS AVÓS NÃO FALHAM

Hoje, a lida permitiu que ao fim da tarde pudesse fazer a corrida habitual pois, como dizem os companheiros de passada, "temos que cuidar do corpo para que ele cuide da cabeça" e eu não discuto, antes pelo contrário, acho que têm razão.
Durante o treino como ia correndo na minha estonteante velocidade deu para assistir aos esforços que um senhor já velho fazia para, acompanhado pela neta (creio) com uns 7 ou 8 anos, colocar a voar um papagaio de papel. Quando passei mais perto, a miúda, uma das poucas que por ali estar àquela hora parece conseguir libertar-se dessa enormidade lesa miúdos que dá pelo nome de "Escola a tempo inteiro", gritava para o avô, "tu consegues ele vai voar, tu consegues ele vai voar".
Naquela altura o vento não ajudava de todo e o papagaio teimava em não descolar enquanto a miúda lá ia gritando incentivos para o avô.
Passados uns minutos, quando os passos me levaram outra vez para aquela zona do Parque da Paz, o papagaio já voava bem alto, seguro pela miúda que em minutos parecia ter crescido um palmo de tão inchada que estava ao comando do papagaio. O avô estava por perto sentado na relva, certamente a descansar do esforço de dar asas ao papagaio numa tarde em que o vento não colaborava.
Fiquei contente e até me sentia, não é nada fácil, um pouco mais leve a correr como se tivesse um papagaio a puxar por mim, aliviando-me do peso.
Os avós nunca falham. Quase nunca.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

PAIS ARRASCA

No CM de hoje aparece uma referência a um programa de educação parental destinado a pais de crianças ou jovens em risco desenvolvido com o apoio da Fundação Gulbenkian e sob a coordenação do Professor Daniel Sampaio. O Programa decorreu durante três anos e envolveu pouco mais de 1000 pais. Já em algumas ocasiões me tenho referido no Atenta Inquietude a esta questão, as dificuldades, diria incapacidade, que muitos pais sentem para lidar com os problemas colocados pelos filhos. Do meu ponto de vista não tem tido a atenção que merece.
Segundo alguns dados conhecidos, relativos a 2010, cerca de 9%, dos casos de pedido de ajuda às Comissões de Protecção de Crianças e Jovens foram realizados pelos pais, o que corresponde a perto de 2350 situações e continuam a aumentar. Na maioria dos pedidos tratava-se obviamente de situações em que os pais já não conseguem controlar os comportamentos e atitudes de adolescentes, ou mesmo de crianças, pelo que recorrem às Comissões em situação muitas vezes de desespero e completamente fora de controle. Estarão lembrados que, de acordo com alguma imprensa, os pais de uma das jovens que recentemente esteve envolvida no episódio de agressão a uma outra com a colocação da gravação no Youtube já tinham solicitado ajuda. As Comissões de Protecção, através de um esforço de mediação, procuram evitar a situação, por vezes desejada pelos pais, da retirada da criança ou jovem do agregado familiar com recurso à institucionalização. Parece correcta a tentativa de manter até ao limite a integridade da família, desde que em condições de funcionalidade e equilíbrio.
A experiência mostra-me de há muito que o exercício da parentalidade, em algumas circunstâncias, não é tarefa fácil, as crianças e adolescentes colocam problemas novos com que muitos pais, e até profissionais, têm dificuldade em lidar. Embaraça-me a excessiva ligeireza com que frequentemente se culpam os pais pelos problemas dos filhos. Enquanto pais serão responsáveis, mas por vezes os problemas estão para além da capacidade de resposta das famílias. Não estou a falar dos casos de negligência, que também existem e devem ser objecto de intervenção, mas de dificuldades reais sentidas por pais que querem ser bons pais e da inexistência de estruturas de apoio acessíveis e generalizadas que ajudem a lidar com essas dificuldades.
Neste contexto e porque os problemas das crianças e jovens em idade escolar não podem deixar de envolver as escolas, parece-me imprescindível que nos estabelecimentos educativos ou próximo e com funcionamento articulado, existam dispositivos de apoio às famílias e ao exercício da parentalidade que ajudem no trabalho dos pais e à relação destes com a escola, de que o Programa apoiado pela Gulbenkian é apenas um exemplo.

ACABARAM-SE OS PRÉMIOS. Merece um prémio de demagogia

A comunidade ficou a saber que os prémios de 500 euros aos melhores alunos das escolas secundárias dos alunos foram suspensos a dias da atribuição e com os premiados à espera embora o Ministro venha dizer que a decisão já tem muito tempo.
Devo dizer que não tenho qualquer simpatia pela atribuição nesta fase da vida escolar dos miúdos por prémios de natureza pecuniária embora seja favorável à discriminação positiva da excelência, das várias excelências. Aliás, várias escolas têm práticas que me parecem interessantes de estabelecer quadros de mérito para além do mérito escolar, sublinhando, por exemplo, mérito desportivo, cultural ou cívico.
Nesta perspectiva, a não existência do prémio pecuniário não me levanta qualquer questão. O que me incomoda nesta história é a enorme carga de demagogia que está presente e que continuará com a "sociedade civil" a mobilizar-se para, sob a forma de uma espécie de mecenato, conter os "danos" causados por esta incompreensível determinação do MEC. Ao que parece as dificuldades económicas sustentarão a decisão e a CNIPE já veio dizer que acha bem a distribuição dos valores dos prémios pelos alunos carenciados e não entende a crítica ao MEC. Parece-me espantoso.
Os apoios sociais escolares sofreram cortes substantivos, as famílias viram reduzidos os abonos de família, existem necessidades ao nível dos professores e funcionários, o início do ano lectivo foi marcado por dificuldades de muitas famílias na aquisição dos caríssimos manuais e materiais escolares e aparece uma medida redentora e emblemática como o corte dos prémios aos alunos.
É óbvio que o montante global dos prémios pecuniários aos alunos é uma irrelevância no orçamento do MEC, aceito, já o referi, que deixassem de existir, mas suspendê-los a dias da sua atribuição é algo que não entendo e de uma demagogia que embaraça.

O GRUPO SANGUÍNEO DOS BEBÉS É OBRIGATÓRIO. E serve para quê?

Ao que diz o Público, uma Portaria de Agosto retoma uma disposição legal de 1989 obrigando a que às crianças que frequentam a educação pré-escolar seja obrigatoriamente conhecido o seu grupo sanguíneo. De acordo com a notícia, os pais estão a ocorrer aos médicos de família no sentido de conseguir tal informação.
Alguns especialistas sustentam que este conhecimento é tecnicamente irrelevante, pois nenhum procedimento clínico nesta matéria é desencadeado sem a confirmação do grupo sanguíneo.
Neste cenário parece tratar-se uma exigência sem fundamento, onerosa em procedimentos, propiciadora de experiências eventualmente complicadas para muitas crianças pequenas e, portanto, dispensável.
No entanto, esta situação também simboliza muitas das disposições que se encontram nos normativos que regulam a instalação e funcionamento de instituições sociais pois criam despesa desnecessária e constrangimentos nos investimentos e funcionamento de equipamentos imprescindíveis. A título de exemplo pode citar-se a dimensão das salas destinadas à direcção ou exigências na construção e nos espaços que não acrescem na qualidade mas se repercutem imenso nos custos de instalação e manutenção dos equipamentos.
O Ministro da Solidariedade e Segurança Social referiu há tempo a intenção de racionalizar este tipo de exigências mas começou mal, aligeirou a regulação das condições das cozinhas das instituições de solidariedade social por parte da ASAE, autorizou o aumento do número de bebés por sala e permitiu que pessoal sem formação pudesse em regime de voluntaria do substitui a presença de profissionais nos cuidados com os mais pequenos.
Haja bom senso.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A 30 À HORA? OS GAJOS SÃO TÓTÓS. Disse o Cajó

Os deputados europeus aprovaram em plenário uma recomendação no sentido de que a velocidade rodoviária em zonas urbanas seja limitada a 30 Km/h em todo o espaço europeu.
Estava mesmo agora comentar esta proposta com o meu amigo Cajó, aquele que é mecânico e tem um Punto kitado, que respondeu com o seu ar típico, “os gajos são malucos, gandas tótós”. E continuou a toda a velocidade, é que para o Cajó não existem limites, ele diz que com o seu Punto não perde um “picanço”.
Ó amigo Zé, esses gajos da política não percebem nada, sabem lá o que é andar na estrada. Você já viu o que é o efeito dum bacano qualquer andar aí a 30, isto fica logo tudo entupido. Você bem vê o que acontece quando um gajo fica atrás das abéculas que andam p’aí com um volante nas unhas”.
Ainda tentei dizer que existem muitos acidentes e atropelamentos e que talvez baixando a velocidade a coisa melhorasse mas o Cajó não vai nessa.
Nada disso amigo Zé, isso é tanga, a coisa é tipo assim, os gajos em vez de multar os bacanos que não sabem conduzir, que só atrapalham, põem toda a malta a andar devagar, tá mal. Já me disseram que no estrangeiro o people só atravessa nas passadeiras e quando tá verde. Se cá fosse assim não é preciso andar devagar e não havia acidentes. Não é por causa da velocidade, os gajos não percebem nada disto. Façam carros bons, baratos, que já não há cenas”.
Ainda tentei argumentar mais qualquer coisa relacionada com os excessos, mas nada.
Amigo Zé, você repare, 99% dos acidentes são causados por totós que não sabem conduzir, estes gajos não deviam era andar na estrada. Toda a gente a 30 à hora só vai é arranjar mais confusão e mais acidentes, vá por mim”.
Não fui por ele mas saí do café para ir de mota a 30 Km/h até casa. Não é fácil.

TRATAR DA SAÚDE

A imprensa de hoje divulga os dados de um estudo realizado pelo Barómetro “os Portugueses e a Saúde de que, entre outros aspectos, relevam que 35 % dos inquiridos entendem que se verifica “má gestão” no Ministério da Saúde e mais de metade, 54 % aceita pagamento diferenciado dos medicamentos com base nos rendimentos.
Um trabalho desenvolvido e publicado pelo ISEG há algum tempo aponta para que o Serviço Nacional de Saúde poderá atingir a insustentabilidade em 2020 se, entretanto, não foram produzidas reformas. Estará naturalmente em aberto o sentido dessas reformas. A preocupação expressa com a qualidade da gestão do Ministério enquadra-se certamente neste risco de insustentabilidade.
Parece-me também de recordar que um estudo da DECO em 2010 sobre a acessibilidade dos portugueses aos serviços de saúde revelou alguns dados importantes.
Em primeiro lugar, seis em cada dez famílias exprimem dificuldades em suportar as despesas com a saúde. Destas, quase metade adiaram o início de terapias e cerca de 40% nem pondera iniciá-las por questões económicas. Cerca de 20% contraíram créditos para este efeito, a maioria no último ano.
Sabemos também que contamos com cerca de 18% de pessoas em situação de risco de pobreza, sendo que entre a população idosa o número é maior, 22% e que os tempos que se avizinham acentuam as dificuldades esperadas e cortes orçamentais também na área da saúde.
Este cenário evidencia as dificuldades enormes que milhões de portugueses sentem no que respeita ao acesso a um direito, o direito a cuidados básicos de saúde, sendo ainda que algumas centenas de milhar nem sequer têm médico de família. É também reconhecida existência de dificuldades do acesso a alguns actos médicos originando listas de espera muito significativas em várias especialidades clínicas.
Quando se pensa nesta situação e na dimensão social do estado exercida através das políticas sociais que muitos querem ver reduzidas, fica evidente como um Serviço Nacional de Saúde eficaz é imprescindível, embora me pareça razoável que se estudem modelos mais equitativos e sustentáveis, que possam implicar algum custo de natureza diferenciada para alguns de nós, mas que não promovam mais discriminação. Neste sentido os inquiridos pelo Barómetro parecem aceitar, por exemplo, a comparticipação diferenciada nos medicamentos.
A questão central será como manter um SNS que garanta equidade e se mantenha com níveis de sustentabilidade ajustados.

PROCURA-SE O TELEMÓVEL DO SR. PADRE

Como cidadão atento e informado que procuro ser e como tinha algum tempo sentei-me com o jornal e a assistir ao Telejornal da RTP.
Entre as várias notícias alinhadas falava-se, adivinhem ... isso mesmo, da crise, interna, europeia e grega em particular, lembro-me ainda de uma assim anunciada "cimeira" entre Passos Coelho e António José Seguro e de repente a minha atenção é captada por uma notícia que durou bastante tempo, relembro que é no Telejornal, no "primetime", na estação de serviço público. Em Vizela foi roubado o telemóvel do pároco, isso mesmo, roubaram o telemóvel do Sr. Padre.
Devido ao impacto nacional do acontecimento e às imprevisíveis consequências que este raro e gravíssimo incidente podem assumir para o país numa altura em que a sua coesão está ameaçada com o buraco da madeira e os dislates de Alberto João, a RTP deslocou uma equipa de reportagem para o local, para o terreno como se diz, e começou por ouvir o Sr. Padre que era mostrado a manipular expeditamente um telemóvel para marcar eventos na agenda. Pois o Sr. Padre estava naturalmente preocupado com a tragédia que se tinha abatido sobre a região, foi ouvido sobre toda a situação e o grande e tormentoso problema nem era propriamente o telemóvel mas a agenda que tinha já eventos para 2012 porque, eu juro que ouvi o Sr. Padre, "se não se utilizarmos estes meios quem é que os vai utilizar", foi mesmo isto que foi dito.
A peça prosseguiu com o Sr. Padre em plena celebração litúrgica na igreja e, como não podia deixar de ser numa reportagem que se preze, foram ouvidos dois populares.
O primeiro, homem expedito e informado, confirmou que o Sr. Padre registava tudo no telemóvel. O segundo, um pouco mais velho, primeiro informou que não usa telemóvel porque não sabe ler e em seguida também disse que o Sr. Padre utiliza muito o telemóvel porque nos telemóveis "sabe-se tudo".
A peça terminou com um apelo do Sr. Padre ao bom senso do ladrão, para que lhe enviasse pelo menos a agenda para o correio electrónico que constava da mensagem que ele tinha enviado para o seu próprio telemóvel, o roubado.
Depois desta longa peça, um modelo de serviço público, creio que o Telejornal continuou com uma irrelevância noticiosa, já não prestei muita atenção, creio que se referia à vitória com maioria absoluta da esquerda francesa nas eleições para o Senado, controlado pela direita desde 1958.
Voltei ao meu jornal, não ligo a pormenores noticiosos sem critério de pertinência jornalística.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

ATESTADOLOGIA, UMA ESPECIALIDADE CLÍNICA

O DN de hoje noticia uma acção inspectiva que concluiu que em quatro meses foram produzidos 70031 atestados médicos a professores, sendo que durante esse período a mesma médica, curiosamente em situação de licença prolongada, assinou 413 atestados. A Inspecção-Geral de Saúde, o MEC, o Ministério Público e a Ordem dos Médicos procedem a inquéritos.
Apesar de muitos estudos sustentarem a vulnerabilidade da classe docente a situações de stress e mal-estar que não é difícil de entender, os números são muito altos.
Estarão lembrados de que há pouco tempo um só médico concedeu 24 baixas no mesmo dia a elementos da PSP pertencentes à mesma esquadra, a das Mercês. Na altura também se afirmou que a situação iria ser investigada pela tutela e pela Ordem dos Médicos.
Não vou obviamente discutir, não sei nem temos informações, a avaliação do ponto de vista da situação clínica, a questão prende-se com o "esquema", sempre o esquema.
É difícil acreditar na bondade da avaliação clínica de médicos que em pouco tempo atestam centenas de caso de incapacidade mas, por outro lado, também não me parece fácil provar que essa avaliação configure um mau acto médico.
O facto de diferentes organismos e a Ordem dos Médicos analisarem estas circunstâncias, parece-me algo de irrelevante e que estará certamente condenado ao arquivamento.
É o tipo de situações em que todos reconhecemos que existe algo que não está bem mas que fica por assim mesmo num país como o nosso.
Ainda há pouco tempo, se noticiava a existências de milhares de casos de baixa médica que não resistiram a uma acção de fiscalização. Trata-se da cultura instalada e da relação ética com o trabalho, trata-se do "porreirismo" e da baixa consciência deontológica, para ser simpático, dos clínicos que de forma leviana assinam baixas médicas por "falta de condições psicológicas" e, finalmente, da impunidade e bonomia laxista com que tudo isto é encarado. Em muitos locais se conhecem uns clínicos a quem recorrer para arranjar um "atestadinho".
Um dia, boa parte de nós alegará "falta de condições psicológicas" para aqui viver, no Portugal dos Pequeninos.

TENS QUE IR PARA MEDICINA, ACABOU-SE

Durante a tarde de hoje numa roda onde estava uma miúda de 16 anos, a frequentar o 11º uma escola privada, abordava-se as escolhas dos gaiatos e os cursos superiores.
A Joana contou algumas das suas inquietações e dúvidas e falava do que se propunha estudar, ainda sem decisão definitiva.
Entretanto, contou algumas histórias de colegas de turma que experimentam sérias dificuldades com a pressão dos pais para determinar o caminho a seguir.
Referiu dois miúdos sem vida social porque estão "obrigados" a seguir medicina pelo que todo o tempo é exclusivamente dedicado ao estudo, sendo que nenhum deles exprime a menor motivação pelo curso.
Contou também a história da miúda que está impedida de ir atrás do seu sonho porque o sonho dos pais é um outro e a miúda chora sempre que fala nisto.
A Joana tem uma amiga cujos pais diariamente lhe cobram que se "pagam um escola privada" para ela poder aceder a medicina, adorando a miúda as coisas da engenharia.
Este tipo de situações afecta a vida de muitos miúdos, bem mais do que imaginamos.
Por diversas razões, falta de informação, tradição familiar, nível de empregabilidade percebida, sonho familiar, etc. muitos miúdos são pressionados para correr atrás de sonhos que não são os seus.
Como é evidente, os mais novos precisam de informação e orientação que suportem as suas escolhas, não tenho a menor dúvida.
No entanto, a construção de um projecto de vida positivo, promotor de realização pessoal e profissional tem que obrigatoriamente passar pela escolha pessoal e não pela imposição por terceiros, ainda que bem intencionados, de um outro projecto.
Costumo dizer que quando alguém ao entrar na vida adulta é "empurrado" para uma narrativa que não é a sua pode, com um bocadinho de sorte, aprender a gostar e escrever uma história bonita. Mas se não aprende a gostar do que lhe impuseram vai sofrer um pesado fardo para o resto da sua vida.
Não é animador.

domingo, 25 de setembro de 2011

BOTAS COM SOLA DA MARCA PENEU

Este fim-de-semana realiza-se no Meu Alentejo a Feira da Senhora d'Aires, uma das maiores no Alentejo.
Ontem o dia acordou embrulhado e o Mestre Marrafa dizia-me "traz água, estamos na Senhora d'Aires, há sempre água". Escudado com a confiança no Instituto de Meteorologia, disse-lhe que não e continuámos a apanhar a azeitona para retalhar. Uns minutos depois, começou a cair uma chuva miudinha o que levou os olhos pequeninos do Mestre Marrafa a rirem-se para mim que confio nas previsões dos cientistas, e a significarem "a Senhora d'Aires traz sempre água".
Precisando de renovar o calçado de trabalho e de facas novas, à tarde fui feirar. Na banca do calçado observava a oferta variada e procurava umas botas como as do costume, sola de pneu.
O feirante ia sugerindo tudo o que lá tinha e às tantas pareceu perceber o que eu queria mesmo, botas com sola de pneu que já não se encontram muito facilmente. Foi à ponta da banca e traz-me com ar de vendedor satisfeito o produto que eu queria. Olhei para as botas um pouco desconfiado pois não pareciam ser as velhas botas com sola de pneu.
O vendedor mostra-me então que eram, sim senhor, o que eu queria. As botas tinham inscrito na sola, feita com borracha vulgaríssima, a marca "PENEU". Fiquei perplexo a olhar para as botas que, lá num cantinho, tinham ainda um discreto "made in China".
Arranjei uma desculpa e desandei esmagado pelo empreendedorismo de uma economia global. Botas com sola "PENEU", ainda não digeri, é de mais para mim numa feira do Alentejo.
Para que nem tudo corre mal, encontrei facas eram das que queria, as de Joaquim Franzina, da Azaruja, duram, cortam bem, são bonitas e são portuguesas.

sábado, 24 de setembro de 2011

OS ALHOS CHINESES

O Presidente da República voltou a defender o consumo privilegiado de produtos portugueses. Algumas notas. No que respeita aos produtos alimentares, o balanço entre as importações e as exportações de produtos alimentares agravou-se 23.7%. Como exemplo, precisamos de importar 60% da carne que consumimos. Em sectores como os lacticínios e os cereais é também importante o aumento das importações. Há uns tempos atrás encontrei à venda alhos da China no estabelecimento onde nos abastecemos no Meu Alentejo, isso mesmo, alhos produzidos na China. Será possível que não consigamos produzir alhos de molde a não termos de os importar da China?
A partir dos anos 80 sucessivas aplicações completamente selvagens de uma designada PAC - Política Agrícola Comum destruíram quase por completo as relações que nós portugueses tínhamos com a terra e com o mar. Uma criminosa e incompreensível gestão e atribuição de subsídios levou ao abandono das terras, ao encerramento de milhares de pequenas explorações e ao abate de boa parte da frota de pesca, tornando-nos obviamente muito mais dependentes da importação dos bens alimentares.
Este cenário serve, naturalmente, os países europeus com sectores agrícolas fortes e com capacidade política para determinar a criminosa PAC. Com a globalização e com custos de produção baixíssimos, devido a salários miseráveis, também países como a China beneficiam deste estado de coisas.
Por isso, já uma vez aqui afirmei, a aquisição, tanto quanto possível de produtos alimentares produzidos em Portugal parece-me uma questão de cidadania. Sempre que posso, recuso comer laranjas com ar engraxado e de estufa enquanto os produtores algarvios deitam fora laranja de excelente qualidade e sabor mas “descalibrada”, seja lá isso o que for e leite, só mesmo de uma vaca portuguesa, com certeza.
Também sei dos riscos do proteccionismo e não é isso que defendo, trata-se apenas de enquanto consumidores podermos ter uma atitude de análise de preços e origem e, sempre que possível e compensador, comprarmos o que é produzido ou transformado em Portugal. Creio que se assim procedêssemos de forma generalizada, se poderia apoiar a defesa e promoção do emprego nas pequenas e médias empresas.

BRIEFING

Via mail os colaboradores foram convocados para um briefing com o CEO e o staff management. Antes do take-off do briefing procedeu-se a uma iniciativa de team-building que conduziu a um brainstorming que potenciasse os outcomes esperados do briefing.
Devido ao stress dos mercados e ao risco de crash, o CEO e restante management staff decidiram-se pelo downsizing no funding. A opção foi o outsourcing que contribuiria para melhorar o cashflow, mantendo-se cada serviço no seu core business. No entanto, o sistema de accountancy operado em backoffice parece incapaz de atingir um fair price na aquisição de serviços. Em consequência do benchmarking, a decisão de management foi mexer nos incomes dos colaboradores e mesmo promover um downsizing no número de colaboradores bem como um esforço de alargamento dos targets.
Depois do coffee break foram então discutidas outras formas de fundraising tendo o CEO sugerido o recurso ao offshore para mascarar ratios negativos até que se atingisse novo break even point.
Foi também decidido recorrer a uma join venture com um dos grandes players que promovesse sinergias que após assessment seriam aprofundadas.
À saída do breifing, o Dr. Lopes comentava para o Dr. Lacerda, “Já não se fazem reuniões como antigamente, o dia inteiro, com almoço, tempo para o charuto e secretárias boas a tirar as notas”.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O ACESSO AO ENSINO SUPERIOR E OS EXAMES DO SECUNDÁRIO. O grande equívoco

Como era previsível este ano voltou a verificar-se a situação de alunos que vindos do ensino recorrente que terminam o ensino secundário atingem excelentes colocações nos processos de candidatura ao ensino superior. Os alunos do ensino recorrente têm a possibilidade legal de frequentar e terminar o secundário em circunstâncias diferentes da via geral. São assim frequentes notas de 20 valores que, é conhecido, algumas escolas privadas administram de forma “simpática”, por assim dizer e numa linguagem leve. Este cenário, permite, por exemplo, a entrada em medicina a alunos que, obviamente, não têm o mesmo nível académico dos que seguem a via geral e atingem notas de excelência e os ultrapassam.
A questão que incomoda os directores escolares, quer do secundário, quer do ensino superior, é legal mas obviamente discutível.
No entanto, só acontece porque, digo-o há muito, a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados.
Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário. Neste cenário caberiam as outras modalidades que permitem a equivalência ao ensino secundário, como o ensino recorrente.
O acesso ao ensino superior é um outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela.
A situação existente, não permite qualquer intervenção consistente do ensino superior na admissão dos seus alunos, a não ser a pouco frequente definição de requisitos em alguns cursos, o que até torna estranha a passividade aparente por parte das universidades sempre tão ciosas da sua autonomia. Parece-me claro que o ensino superior fazendo o discurso da necessidade de intervir na selecção de quem o frequenta não está interessado na dimensão logística e processual envolvida.
Os resultados escolares do ensino secundário deveriam constituir apenas um factor de ponderação a contemplar nos processos de admissão organizados pelas universidades como, aliás, acontece em muitos países.
Sediar no ensino superior o processo de admissão minimizaria muitos dos problemas conhecidos decorrentes do facto da média do ensino secundário ser o único critério utilizado para ordenar os alunos no acesso e eliminaria o “peso” das notas 20 concedidas no ensino recorrente. Todos nós conhecemos os clássicos exemplos de alunos que se dirigem a medicina porque as suas altíssimas notas assim o sugerem, acabando por reconhecer não ser esse o seu caminho e, por outro, um potencial excelente médico que deixará de o ser porque por três vezes ficou a décimas da média de entrada.
Enquanto não se verificar a separação da conclusão do secundário da entrada no superior todos os anos teremos situações desta natureza.

PASSANDO MAL, NÃO SE APRENDE

No Público pode ler-se que legislação do MEC sobre a Acção Social Escolar agora publicada, volta a fazer depender os apoios dos escalões do abono de família. Esta determinação contraria legislação aprovada na AR e poderá implicar a exclusão de muitas famílias dos apoios sociais escolares.
A propósito, algumas notas retomadas de textos anteriores sobre estas matérias.
Há algum tempo atrás um estudo do ISEG apontava para que cerca de 40% das crianças e adolescentes vivessem em situação de pobreza, sendo que esse quadro de privação afecta sobretudo os padrões e a qualidade da alimentação. O estudo sublinhava também, entre ouros indicadores, que o grupo etário 0-17 anos é o mais vulnerável ao risco de pobreza tendo ultrapassado o dos mais velhos.
As perspectivas para o futuro próximo não parecem particularmente animadoras. Sabemos que estamos num período económico recessivo, sem criação de riqueza e que devido aos baixos salários, continuamos um dos países mais assimétricos da Europa pelo que ter trabalho não chega para fugir ao risco de pobreza. Por outro lado, relembro um estudo de há uns meses realizado pelo I junto das autarquias dos distritos de Lisboa, Porto, Setúbal, Coimbra e Faro que revelou que quase metade dos alunos da educação pré-escolar e do 1º ciclo recebe apoios sociais sendo que em alguns concelhos a percentagem de crianças carenciadas atinge os 65%, número verdadeiramente impressionante. Acresce que em muitos concelhos a maioria das crianças apoiadas integram o escalão A dos apoios, o que se destina aos agregados com rendimentos mas baixos.
Estes indicadores sobre as dificuldades que afectam a população mais nova são algo de assustador. Esta realidade não pode deixar de colocar um fortíssimo risco no que respeita ao desenvolvimento e sucesso educativo destes miúdos e adolescentes e portanto, à construção de projectos de vida bem sucedidos. Como é óbvio, em situações limite como a carência alimentar, estaremos certamente em presença de outras dimensões de vulnerabilidade que concorrerão para futuros preocupantes.
É por questões desta natureza que a contenção das despesas do estado, imprescindível, como sabemos, deveria ser feita com critérios de natureza sectorial e não de uma forma cega e apressada, mas naturalmente mais fácil mas que, entre outras consequências, poderão empurrar milhares de crianças para situações de fragilidade e risco com implicações muito sérias.
Relembro a história que já aqui contei e que me aconteceu há uns anos em Inhambane, Moçambique, quando ao passar por uma escola para gaiatos pequenos o Velho Bata me dizer que se mandasse traria um camião de batata-doce para aquela escola. Perante a minha estranheza explicou que aqueles miúdos teriam de comer até se rir, “só aprende quem se ri”, rematou o Velho Bata.
Pois é Velho, putos com fome não aprendem e vão continuar pobres.

OS (DIS)MIÚDOS. Uma nova história

Retomando um tema que de vez em quando aqui trago pela importância que julgo merecer, volto aos (dis)miúdos. Alguns de vós, muito provavelmente, estranharão o título, vou tentar explicar.
De há uns tempos para cá uma boa parte dos miúdos e adolescentes ganharam uma espécie de prefixo na sua condição, o "dis".
Se bem repararem a diversidade é enorme, ao correr da lembrança temos os meninos que são disléxicos em gama variada, disgráficos, discalcúlicos, disortográficos ou até distraídos.
Temos também as crianças e adolescentes que têm (dis)túrbios. Estes também são das mais diferenciadas naturezas, distúrbios do comportamento, distúrbios da atenção e concentração, distúrbios da memória, distúrbios da cognição, distúrbios emocionais, distúrbios da personalidade, distúrbios da actividade, distúrbios da comunicação, distúrbios da audição e da visão, distúrbios da aprendizagem ou distúrbios alimentares.
Como é evidente existem ainda os que só fazem (dis)parates e aqueles cujo ambiente de vida é completamente (dis)funcional.
Pois é, há sempre um "dis" à espera de qualquer miúdo e senão, inventa-se, "ele tem que ter qualquer coisa".
Agora um pouco mais a sério, sabemos todos que existem um conjunto de problemas que podem afectar crianças e adolescentes mas, felizmente, não tantos como por vezes parece. Inquieta-me muito a ligeireza com que frequentemente são produzidos "diagnósticos" e rótulos que se colam aos miúdos e dos quais eles dificilmente se libertarão.
Esta matéria, avaliar e explicar o que passa com os miúdos e adolescentes, exige um elevadíssimo padrão ético e deontológico além da óbvia competência técnica e científica. Não se pode aligeirar, é "dis"masiado grave.
Para ilustrar uma pequena história fresquinha de hoje, uma gaiata de nove anos que já carrega um rótulo de "disléxica", dizia com um ar entre o esperançado e o envergonhado, "a minha professora diz que há meninos lá na sala que dão mais erros que eu e não são disléxicos, eu é que sou".
Elucidativo.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO NÃO DEPENDE DA QUANTIDADE DE EXAMES

No Público pode ler-se que de acordo com o MEC os exames do 6º ano terão um peso de 25%, admitindo-se que posteriormente suba para 30%. Em entrevista ao CM, a Secretária de Estado do Ensino Básico reafirma a intenção de estender a realização de exames nacionais ao 1º ciclo o que não constitui surpresa, consta do programa do governo e vai ao encontro do discurso recorrente do Professor Nuno Crato.
Conheço estas posições mas ainda não percebi como é que, objectivamente, a introdução de mais exames contribui para a qualidade da educação em termos genéricos e torna mais bem sucedido o trabalho de alunos e professores, partindo do princípio de que os exames não servirão para promover "administrativamente" (por assim dizer) bons resultados. Os discursos que oiço na defesa dos exames não explicitam os ganhos de que aí advirão em termos de qualidade. A Secretária de Estado refere que é importante que os meninos se habituem a realizar provas de conhecimento. Também acho mas para isso são necessários exames nacionais?
Defender que a qualidade emerge só porque se realizam mais exames parece decorrer da estranha convicção de que se medir muitas vezes a febre, esta irá baixar o que é, no mínimo, ingénuo.
A introdução de mais exames como panaceia da qualidade promove, do meu ponto de vista, o risco do trabalho escolar se organizar centrado na preparação dos alunos para a multiplicidade de exames que realizam, ou seja, como me dizia há tempos um professor do ensino secundário, "o trabalho com os alunos é muito interessante mas a partir de certa altura sou eu e eles contra os exames".
A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados e de vias diferenciadas de percurso educativo para os alunos sempre com a finalidade de promover qualificação profissional, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados de organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc. O problema é que de há muitos anos a educação anda à deriva das agendas políticas.
A defesa de mais exames, como muitas vezes é feita, corre o risco de sustentar um discurso demagógico, as referências a exigência e a rigor vendem bem, que deixa de lado os aspectos mais essenciais, a necessidade de promover qualificação para todos, sublinho todos, os alunos. Esta qualificação pode obter-se em diferentes níveis, desde o curso profissionalizante de curta duração até ao doutoramento. E nesta perspectiva continuo pouco convencido da imprescindibilidade de mais exames.

O BOM PROFESSOR? O que fala com a gente e explica bem

Há algum tempo em conversas com miúdos do 2º e 3º ciclos discutia-se o que era essa coisa de ser um bom professor.
A maioria dos miúdos envolvia-se activamente e a continuidade das referências levou à identificação de uma resposta que se poderia sintetizar na ideia de que "bom professor é o que fala com a gente e explica bem".
Este entendimento lembrou-me, cito-o aqui frequentemente, o Mestre João dos Santos quando afirmava que alguém tinha sido seu professor "porque foi seu amigo".
De facto, o sucesso dos processos de ensinar e aprender assentam em dois eixos fundamentais, a qualidade do ensinar e a relação entre quem ensina e quem aprende. Do meu ponto de vista, a grande maioria dos professores estará equipada sobre o ensinar. A grande questão é que a nossa escola, de uma forma geral, não facilita a relação. Esta dificuldade decorre, fundamentalmente da extensão dos conteúdos curriculares das diferentes disciplinas e do número excessivo de disciplinas, designadamente no 3º ciclo. Os professores, muitos deles, sentem-se "escravos" do programa que tem de ser dado e do pouco tempo disponível para a construção da relação. Existem disciplinas com um tempo semanal, é obviamente muito difícil construir qualquer relação com os alunos.
Muitas vezes digo que os professores "falam" para o programa, para o explicar, e os alunos "falam" para o programa para o aprender. Não falam entre si sendo que, além disso, existe um grupo significativo de alunos que, por diversas razões como dificuldades ou desmotivação, não conseguem "falar" com o programa. Para estes, os professores vêem-se obrigados a falar par controlar os seus (maus) comportamentos.
Também por estas razões, entendo como urgente uma mudança na organização e conteúdos curriculares que tornassem mais fácil podermos ouvir os miúdos dizer "a gente tem bons professores porque explicam bem e falam com a gente".
Esta ideia não tem nada de romântico nem de utópico, assenta em algo de muito simples, a educação constrói-se com a relação que se alimenta com a comunicação. Sempre.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A GENTE VAI VIVER DE QUÊ?

Segundo a imprensa de hoje existem cerca de 250 000 pessoas inscritas nos Centros de Emprego que não recebem subsídio de desemprego. Este número corresponde a perto de metade do total de inscritos. Há tempos foram divulgados alguns dados referindo-se a cerca de 200 000 pessoas que já terão desistido de procurar emprego e que não constam dos números do desemprego, 688 000 pessoas na altura, o que correspondia a uma taxa de 12,4%. Estas pessoas inactivas, devido à idade ou à falta de habilitações e em situação de desesperança, aumentariam, se fossem contabilizadas, a taxa de desemprego para 15,5%.
Sabe-se também que é intenção já anunciada pelo Governo de baixar os montantes do subsídio de desemprego e o tempo durante o qual se recebe este apoio social. Esta decisão levanta uma terrível e angustiante questão. Os milhares, muitos, de pessoas envolvidas vão (sobre)viver de quê?
Sendo de esperar um período recessivo e, portanto, sem crescimento, torna-se impossível criar a riqueza necessária e redistribuí-la de forma socialmente mais justa para minimizar esta tragédia.
É certo que em Portugal a chamada economia paralela corresponde a cerca de 24% do PIB e muita gente e muitas actividades estão envolvidas neste universo, de qualquer forma o potencial impacto social destes números é, no mínimo, inquietante.
Afirmo com frequência que uma das consequências menos quantificável das dificuldades económicas, sobretudo do desemprego, em particular o de longa duração e de situações em que o tempo obriga a perder o subsídio, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos que se verifica oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas a esmagadora maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em causa a sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha, exactamente por uma questão de dignidade roubada.
A questão da pobreza é um terreno que se presta a discursos fáceis de natureza populista e ou demagógica, sem dúvida. Mas também não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que perto de dois milhões de portugueses conhecem, exigem uma recentração de prioridades e políticas que não se vislumbra. Curiosamente, até da área política mais próxima do actual governo surgem críticas às opções que têm vindo a ser assumidas.
A pobreza e a exclusão deveriam envergonhar-nos a todos, a começar por quem lidera, representam o maior falhanço das sociedades actuais.
A liderança que transforma é uma liderança com responsabilidade social e com sentido ético.

O INÍCIO

o Tiago, um gaiato de dez anos que entrou para o quinto ano numa escola nova começou as aulas muito contente.
No entanto, muito rapidamente foi ficando mais triste. Olhava para a sua mochila e ela não era nova, era a do irmão Manuel que foi viver com o pai que lhe deu uma mochila nova. O Tiago e a Sara ficaram com a mãe. A sua mochila tinha uns buracos e estava mesmo velha, as dos seus colegas eram muito mais bonitas.
Quando os setores diziam para tirar os livros e os materiais da mochila, o Tiago então ficava mesmo aflito, ainda não tinha os livros todos. A mãe disse-lhe que tinha já ido à escola e que estava à espera que tivesse ajuda para ele ter os livros. É que a mãe do Tiago não trabalhava, recebia um subsídio de desemprego. Também tinha poucos materiais e, por isso, sentia-se embaraçado e procurava demorar tempo ou mesmo não os tirava da mochila.
Assim, logo nos primeiros dias o Tiago começou a sentir que as coisas eram muito difíceis e que se calhar não era capaz de aprender. Com uma mochila velha e com poucos materiais e livros a coisa ia ser complicada.
Como sentia um bocado de vergonha não pedia ajuda aos setores e ficava quieto no seu lugar esperando que ninguém desse por ele. Estava mesmo assustado.
Entretanto, os professores iam notando as dificuldades do Tiago e já tinham pedido à directora de turma que o sinalizasse para que fosse pedido apoio.
Ficou em lista de espera.
Agora reparei, esqueci-me de escrever no início do texto, "Era uma vez". Isto é uma história, inventada, como todas as histórias.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

AS ETERNAS NECESSIDADES TRANSITÓRIAS

Ao que se pode ler no Público, o processo de contratação e colocação de professores, lembro que o ano lectivo já começou, parece completamente inquinado com a alteração de regras a meio do processo criando situações de injustiça e complicando ainda mais o clima e a serenidade necessárias ao sucesso e à qualidade do trabalho de alunos e professores.
Há poucos dias referi-me neste espaço ao enleio, como se diz no meu Alentejo, em que se transforma a contratação de professores para as “necessidades transitórias” das escolas.
Em primeiro lugar deve referir-se que este expediente não passa de uma habilidade manhosa na medida em que muitas vezes as necessidades não são “transitórias”, mantêm-se ao longo de anos.
Em segundo lugar os modelos de funcionamento e organização dos processo de contratação introduzem factores aleatórios e de circunstância que promovem injustiças e desigualdades. A imprensa nos últimos dias tem-se referido a episódios pouco recomendáveis nestes processos. Muitos professores, já com anos de experiência sentam-se com ansiedade e angústia em frente a um computador para conhecer as “necessidades transitórias de escola”. Alguns conseguem uma colocação, frequentemente, cumprindo horários incompletos e longe de casa levando a que em muitos casos as pessoas pagam para trabalhar retirando apenas a “vantagem” de acumular tempo de serviço para uma próxima e transitória oportunidade.
O desemprego entre os professores releva, obviamente, de medidas de política educativa com erros de décadas e outros bem mais actuais, mas também da demissão da tutela do ensino superior no sentido de regular e equilibrar a oferta de formação considerando as necessidades do sistema e a evolução demográfica. Por outro lado, o modelo de gestão da colocação de professores carece de óbvia alteração, designadamente, caminhando numa perspectiva de regionalização e localização que acompanhe a necessária autonomia das escolas que, aliás, é uma referência regular nos discursos do Ministro Nuno Crato.
Finalmente, uma nota sobre os efeitos que o atraso e a forma como este processo se desenrola, assumem no arranque do ano lectivo e no seu desenvolvimento. O povo costuma dizer que “o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita”.

OS CUSTOS ALTÍSSIMOS DE UM ENSINO EXCESSIVAMENTE MANUALIZADO

De acordo com o Público o MEC voltou a autorizar as escolas a reservar e a pagar os manuais escolares destinados aos alunos apoiados pela Acção Social Escolar. Os apoios para este efeito sobem entre 30 cêntimos e 2 € acompanhando o aumento do custo dos manuais. Esta decisão tardia, o ano lectivo já arrancou, apesar de positiva pode implicar dificuldades e atrasos significativos no acesso aos manuais por parte de um grupo significativo de alunos pois a primeira orientação era no sentido de as famílias comprarem os manuais e serem ressarcidas posteriormente.
Algumas notas sobre a questão dos manuais escolares e que já aqui abordámos. A Constituição da República estabelece no Artigo 74º que “Compete ao Estado assegurar o Ensino Básico universal, obrigatório e gratuito”.
Segundo a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros os manuais obrigatórios representam um encargo superior a 80 milhões de euros para as famílias de 1,4 milhões de alunos, são conhecidos os ajustamentos nas regras e destinatários dos apoios sociais escolares, temos cerca de dois milhões de portugueses em risco de pobreza e um terço das famílias a viver mesmo encostadas a esse limiar. Acresce ainda que, ao custo com os manuais se deve adicionar o encargo com material escolar e livros de apoio sempre “sugeridos” pelas escolas e que determinam, de acordo com o INE, que as famílias portuguesas gastem mais que a média europeia em educação.
A questão dos manuais escolares é complexa e muito importante, é um nicho de mercado no valor de muitos milhões como referimos. Depois da abolição do execrável livro único de natureza totalitária e da proliferação de manuais aos milhares parece ter-se entrado numa fase de alguma estabilidade, (embora sejam urgentes mudanças na organização e conteúdos curriculares) e, sobretudo, da necessária qualidade, ainda que insuficientemente regulada.
No entanto, do meu ponto de vista, importa questionar não só o papel dos manuais mas, fundamentalmente, da quantidade enorme de outros materiais que os acompanham e que contribuem de forma muito significativa para o aumento da factura dos custos familiares com a educação potenciando injustiça e desigualdade de oportunidades. De facto, para além de imenso material de outra natureza, temos em cada área programática ou disciplina uma enorme gama de cadernos de fichas, cadernos de exercícios, cadernos de actividades, materiais de exploração, etc. etc. que submergem os alunos e oneram as bolsas familiares, até porque muitos destes materiais não são incluídos nos apoios sociais escolares. Em muitas salas de aula verifica-se a tentação de substituir a “ensinagem”, o acto de ensinar, pela “manualização” ou “cadernização” do trabalho dos alunos, ou seja, a acção do professor é, sobretudo, orientar o preenchimento dos diferentes dispositivos que os alunos carregam nas mochilas.
Esta questão, que não me parece suficientemente reflectida nas suas implicações acaba por baixar a qualidade das aprendizagens e apesar de se promover algum controlo da qualidade dos manuais, o mesmo não se verifica com os chamados materiais de apoio o que envolve custos pesados de natureza diversa.

PALAVRA DE MÃE

Mãe, achas que eu vou aprender as coisas da escola?
Claro Joana, és uma menina que aprende muitas coisas, já sabes muitas coisas e algumas até são difíceis.
...
Mãe, mesmo ler?
Mesmo ler, tu conheces já muitas letras e depois aprendes a ler as palavras que estão nos livros. Vais gostar.
Eu gosto de ver os livros.
...
Mãe, aquelas coisas da matemática, são difíceis?
Não Joana, a matemática é engraçada e não é difícil, vais aprender sem dificuldades grandes e vais gostar da matemática.
...
Mãe, a professora vai gostar de mim?
Sim, eu acho que a tua professora vai gostar de ti e dos teus colegas. As pessoas gostam de ti, és uma boa menina.
...
Mãe, acho que vou gostar da escola.
Também acho que sim, vai correr tudo muito bem. Palavra de mãe.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O QUE É A MATEMÁTICA? A "disciplinarização" do 1º ciclo

No Público pode ler-se que a JSD sustenta que professores diferentes assegurem áreas curriculares diferentes no 1º ciclo. Assim, haveria um professor para Língua Portuguesa, outro para Matemática e outro para Estudo do Meio. Ter-se-ão esquecido das Áreas das Expressões Artísticas e Expressão Físico-motora bem como dos professores que intervêm noutras áreas como, por exemplo, as actividades de enriquecimento curricular . Umas das justificações é facilitar a habituação dos alunos ao contacto com vários professores que irão encontrar no 2º ciclo.
Esta lógica é curiosa. Um dos problema ou constrangimentos do 2º ciclo e do 3º ciclos é justamente o número excessivo de disciplinas e de professores. Os jovens social-democratas entre propor a correcção do que se passa nos ciclos seguintes, optam, incompreensivelmente por alargar o erro ao 1º ciclo em que as idades dos miúdos levarão a consequências, do meu ponto de vista, mais negativas.
Há dias, numa roda de gente interessada nas coisas da educação conversava-se sobre uma das características que, do meu ponto de vista, mais carece de modificação no nosso sistema educativo, os conteúdos e a organização curricular, sobretudo no ensino básico.
Comentava-se, entre outros aspectos, a insustentável e injustificada existência de 14 disciplinas no 3º ciclo, a pressão criada no 1º ciclo nos últimos anos no sentido de os professores construírem horários com tempos fixos destinados às diferentes "disciplinas" decorrentes das áreas curriculares definidas. Meio a brincar, meio a sério até se afirmava que estará para aparecer a orientação do ME no sentido de na educação pré-escolar se proceder a esta disciplinarização criando tempos lectivos para as diferentes áreas de trabalho no jardim de infância. Como será óbvio, essas orientações traduzir-se-iam em seguida no aparecimento dos incontornáveis manuais e materiais de apoio, mais conhecidos por "livros de fichas". A proposta da JSD aponta neste sentido.
A conversa estava animada em torno deste paradigma de urgente alteração, a excessiva "departamentalização" dos saberes especialmente nos anos iniciais, quando alguém contou que a filha, a frequentar o 1º ano e ainda a aprender a escola, coisa que é bem precisa antes de começar a aprender as coisas da escola, ao olhar para a mochila lhe perguntou, "mãe, a matemática é aquilo dos números ou das letras?"
Os miúdos fazem perguntas mesmo disparatadas, é claro que a matemática é coisa de números e não tem nada a ver com aquela coisa das letras que é um outro mundo, outra disciplina e até, diz a JSD, com outro professor.

A SAÚDE SEM REMÉDIO

A área da saúde foi identificada como uma das que mais sofrerá os cortes financeiros. Tem-se discutido aspectos relativos aos medicamentos, às taxas moderadoras, aos transplantes, etc. O Ministro da Saúde referiu há dias que existirão 1,7 milhões de pessoas sem médico de família.
A imprensa de hoje refere a situação grave da falta de medicamentos e outros materiais que começa a ocorrer nos hospitais por falta de pagamento aos fornecedores. Nos últimos dias a Roche ameaçou o corte de fornecimento de medicamentos do foro oncológico aos hospitais pela mesma razão.
A preocupação com a doença, sobretudo numa população envelhecida, está permanentemente na cabeça das pessoas e, naturalmente, não estou a falar de hipocondria. Se a este peso acrescer o facto de que não terem um médico de família acessível, que conheçam, que as conheça e com quem, desejavelmente, mantêm uma relação de confiança as pessoas sentem-se fortemente vulneráveis e impotentes.
Assente no fundamental direito à saúde e na imprescindibilidade do SNS a inexistência de médico de família é inaceitável. Como é também reconhecido, a maior parte das pessoas nesta situação não terá grandes possibilidades de recurso a serviços privados.
Gostava também de referir algumas notas de um estudo realizado pela DECO sobre a acessibilidade dos portugueses aos serviços de saúde em 2009/2010.
Em primeiro lugar, seis em cada dez famílias exprimem dificuldades em suportar as despesas com a saúde. Destas, quase metade adiaram o início de terapias e cerca de 40% nem pondera iniciá-las por questões económicas. Cerca de 20% contraíram créditos para este efeito. Sabemos também que contamos com cerca de 18% de pessoas em situação de risco de pobreza, sendo que entre a população idosa o número é maior, 22%.
Este cenário evidencia as dificuldades enormes que milhões de portugueses sentem no que respeita ao acesso a um direito, o direito a cuidados básicos de saúde, sendo também reconhecida existência de dificuldades do acesso a alguns actos médicos originando listas de espera muito significativas em várias especialidades clínicas.
Este quadro evidencia como um Serviço Nacional de Saúde eficaz é imprescindível, embora me pareça razoável que se estudem modelos mais equitativos e sustentáveis, que possam implicar algum custo de natureza diferenciada para alguns de nós de modo a introduzir maiores factores de sustentabilidade, como aliás, o estudo esta semana publicado pelo Expresso evidencia.

AS MINHAS FÉRIAS

As minhas férias foram boas.
Ao princípio fui para a praia com os outros miúdos do ATL. Era fixe, brincávamos e fazíamos jogos na areia e na água.
À tarde, na sala da escola, fazíamos desenhos, pinturas, escrevíamos nos livros de fichas, líamos histórias e assim.
Depois, em casa, brincava com a consola, estava no computador e via filmes na televisão.
Quando acabou o ATL já não ia para a praia, ficava em casa e brincava com a consola, estava no computador e via filmes na televisão.
Umas vezes fui ao Cento Comercial com os meus pais. O meu pai comprava-me sempre um gelado.
As minhas férias foram boas.
Eu gostei muito das minhas férias.

Francisco

domingo, 18 de setembro de 2011

BRINCAR É A COISA MAIS SÉRIA QUE OS MIÚDOS FAZEM

A imprensa de hoje regista a decisão da Câmara de Leiria de encerrar alguns parques infantis por razões de segurança. Já muitas vezes aqui tenho referido como as questões da segurança que envolvem os mais novos são fundamentais, continuamos a ser dos países da Europa com mais acidentes com crianças.
No entanto, esta referência ao encerramento dos parques infantis deixou-me a pensar. Há muitos anos, lembro-me bem, ainda brincávamos na rua, melhor dizendo, ainda brincávamos. É certo que muitos de nós não tiveram muito tempo para brincar, logo de pequenos ficaram grandes. Não tínhamos muitos brinquedos, mas tínhamos um tempo e um espaço onde cabiam todas as brincadeiras.
Entretanto, chegaram outros tempos. Tempos que não são de brincar, são de trabalhar. Roubaram aos miúdos o tempo e o espaço que nós tínhamos e empregam-nos horas sem fim numas fábricas de pessoas, escolas, assim lhes chamam. Aí, os miúdos trabalham a sério pois, só assim, serão grandes a sério, dizem os mais velhos. Às vezes, alguns miúdos ainda brincam de forma escondida, é que brincar passou a uma actividade clandestina que só pais ou professores “românticos” e “incompetentes” acham importante. Muitos outros miúdos vão para umas coisas a que chamam “tempos livres”, que de livres têm pouco, onde, frequentemente, se confunde brincar com entreter e, outras vezes, acontece a continuação do trabalho que se faz na fábrica.
Existe ainda um outro grupo muito grande crianças que passam demasiado tempo trancados num ecrã, sós, em "brincadeiras" cujos riscos são de considerar muito atentamente.
Se perguntarem aos miúdos, vão ficar a saber que brincar é a actividade mais séria que fazem, em que põem tudo o que são, sendo ainda a base de tudo o que vão ser.
Os parques infantis encerrados poderão ser uma ameaça para a segurança dos miúdos, mas insisto, roubar-lhes o tempo e o espaço para brincar é igualmente uma ameaça muito, muito grande.

OS TRABALHOS DAS MULHERES

A imprensa de hoje refere com base num estudo da CGTP, elaborado a partir dos dados do INE, que as mulheres portuguesas recebem, em média, menos 18 % de salário que os homens, cerca de 181 €. Segundo o Relatório Society at a Glance 2011 da OCDE há tempos divulgado, Portugal é o quarto país dos 29 considerados com maior diferença entre homens e mulheres, no que se refere a trabalho não pago, sobretudo a tão portuguesa “lida da casa”, cozinhar, limpar, cuidar dos filhos, etc. Entre nós a diferença é de quase quatro horas.
No mesmo sentido, um trabalho de há algum tempo também realizado pela CGTP com dados do INE e do Ministério do Trabalho, informava que as mulheres portuguesas trabalham em média 39 horas semanais e realizam mais 16 horas de trabalho não remunerado relacionado com a família o que me leva retomar algumas reflexões já aqui deixadas. Também há algum tempo um trabalho internacional revelava que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa. Existem ainda indicadores sustentando que as mulheres portuguesas são de entre as europeias as que mais valorizam a carreira profissional e a família, a maternidade.
Este conjunto de indicadores ilustram as dinâmicas familiares actuais e ajudam, também a entender as dificuldades e inibição que muitas famílias sentem em integrar filhos nos seus projectos de vida e o consequente envelhecimento e ausência de renovação geracional.
É evidente que as questões não são exclusivamente de natureza económica, os valores e a condição da mulher nas diferentes comunidades desempenham um papel crucial e interagem com as questões económicas. Os salários são genericamente baixos e não podemos esquecer a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc. Pode também referir-se que apesar das alterações legislativas o uso partilhado da licença por nascimento de filhos ainda é significativamente baixo.
Acresce que Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é igualmente um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos. Tudo isto contribui para que são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os projectos relativos a filhos.
Este cenário complexo torna urgente a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida.
Importa combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas. Pode parecer disparate mas acho que se poderia investir na construção de redes comunitárias de apoio e guarda das crianças, aproveitando, por exemplo, os seniores que estão sós, desocupados e cheios de vontade de ser úteis a “filhos” e a “netos” que deles precisem. È uma ideia em que sistematicamente insisto.

sábado, 17 de setembro de 2011

A ESBURACADA ÉTICA DE UM PAÍS DE BURACOS

O por demais conhecido buraco financeiro da Madeira, ou melhor, o buraco era conhecido, a dimensão é que não, cavado pelo inimputável Alberto João com a cumplicidade criminosa de sucessivos dirigentes do PSD e dos governos, incluindo os do PS, ocupa a imprensa de hoje. De uma leitura rápida ainda pode encontrar-se na capa do CM que a Autoridade da Concorrência perdoou uma dívida de 14,4 milhões de multa à SIBS e UNICRE por concertação de preços na utilização dos carões bancários, no I informam-nos que se verificam milhares de “desconformidades” na análise dos pagamentos das defesas oficiosas e, também no I, o ex-vice-presidente da Câmara do Porto, Paulo Morais afirma que algumas empresas municipais são “sedes partidárias disfarçadas”. Não vale a pena referir mas encontram-se mais referências deste tipo.
Este cenário de despudor e impunidade que caracteriza de há muito a nossa sociedade, não pode deixar de ter uma consequência grave na qualidade ética da nossa vida que não é despicienda. Os maus-tratos e negligência que dedicamos aos princípios éticos mais substantivos provocam um empobrecimento e degradação do ambiente e da qualidade de vida das quais cada vez parece mais difícil recuperar.
As lideranças, hipotecando a sua condição de promotores de mudanças positivas são fortemente responsáveis pelo peso e impacto que esta pegada ética está a assumir.
Vai sendo tempo de incluir a pegada ética no universo da luta pelo ambiente, pela qualidade de vida e pelo futuro.

A HISTÓRIA DO APAGADO

Era uma vez um homem. Chamava-se Apagado. Em toda a sua vida, de tão apagado que era, mal se notava a sua presença. Os amigos, já poucos, foram-se afastando de tão apagada companhia.
A falta de brilho do Apagado nunca o ajudou a encontrar alguém com quem partilhar a sua vida. No discreto emprego em que se escondia, os colegas apenas suportavam o seu apagado estar. O Apagado cada vez que olhava à sua volta  via menos gente e mais apagado se sentia. Parecia conformadamente apagado.
Um dia, cansado da sua apagada existência, pegou numa borracha grande e, a partir dos pés, meticulosamente, começou a apagar-se em gestos, finalmente, seguros e decididos.
E assim, Apagado se ficou.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

PROFESSORES DE VIDA ADIADA NUM PAÍS ADIADO

A RTP dedicou esta semana que marca o arranque do ano lectivo às questões da educação. Na edição de hoje, entre outros assuntos, abordou-se a situação dos professores contratados que ao não obterem colocação se sentam com ansiedade e angústia em frente a um computador para conhecer as “necessidades transitórias de escola” que, muitas vezes, de transitórias têm pouco. Algumas vezes conseguem uma colocação, frequentemente, cumprindo horários incompletos e longe de casa levando a que em muitos casos as pessoas pagam para trabalhar retirando apenas a “vantagem” de acumular tempo de serviço.
No programa televisivo ouviram-se alguns testemunhos de pessoas já com muitos anos de serviço, que todos os anos têm sobre si o espectro do desemprego, mudando constantemente de poiso num périplo forçado pelo país com tremendas consequências nos projectos de vida das pessoas, daí a referência à vida adiada que titula o trabalho.
O desemprego entre os professores releva, obviamente, de medidas de política educativa com erros de décadas e outros bem mais actuais, mas também da demissão da tutela do ensino superior no sentido de regular e equilibrar a oferta de formação considerando as necessidades do sistema e a evolução demográfica. Por outro lado, o modelo de gestão da colocação de professores carece de óbvia alteração, designadamente, caminhando numa perspectiva de regionalização e localização que acompanhe a necessária autonomia das escolas.
Mais do que os professores, alguns com muitos anos de experiência, que têm vidas adiadas, mantendo a dependência familiar ou adiando a vida familiar própria, é a transformação do país num país adiado que inquieta, por exemplo, quando os “privilegiados” professores que obtiveram colocação olham para as crianças que se sentam todos os dias à sua frente.
Parece também adiada a esperança e a confiança num futuro melhor.

PROFESSORES AO ANO, PROFESSORES AO MÊS, PROFESSORES A DIAS

No universo da educação a unidade temporal de trabalho é o ano lectivo. É no fim de cada ano lectivo que, após avaliações intermédias pautadas pelos três períodos em que se organiza, se avalia o sucesso do trabalho dos alunos, dos professores, das escolas.
Nesta perspectiva, a celebração de contratos mensais com os professores, hoje conhecida, independentemente da sua cobertura legal, é algo de incompreensível.
Não estamos a falar de um serviço prestado transitoriamente, durante um mês ou dois por uma qualquer razão, estamos a falar de um professor que tem como expectativa trabalhar, pelos menos, o ano lectivo com os seus alunos, mas que para tal efeito celebra contratos mensais.
Este processo de uma precariedade incompreensível, implicará, do meu ponto de vista, uma situação de pressão psicológica e de ansiedade pouco positivas para a qualidade do trabalho dos professores nesta situação.
Não deixa de ser dramaticamente curioso verificar que envolvido em tanta conversa sobre a carreira, a avaliação dos professores, a qualidade, etc., surge algo de tão estranho como a contratação mês a mês de um professor que se supõe e espera que desenvolva o seu trabalho com tranquilidade e eficácia.
Não sei qual será a justificação e o impacto financeiro de tal medida que, do ponto de vista estritamente educativo, me parece desastrosa e dificilmente sustentável.
A educação, tal como todas as áreas, deve evitar o desperdício e aceitar contenção nos custos. Mas existem limites a partir dos quais a opção mais barata sai sempre muito mais cara.
Será que a seguir, vamos ter os professores a dias?

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

TUDO SE VENDE, TUDO SE COMPRA, ATÉ AS PESSOAS. É o mercado, anda nervoso

O Público de hoje retoma uma matéria das que maior embaraço pode causar em sociedades actuais, a escravatura, algo de improvável no séc. XXI em países da Europa Ocidental.
Conta-se o caso de uma pessoa que, seguindo a rota habitual desta nova escravatura foi trabalhar na agricultura em Espanha e entre outras experiências acabou trocado por um automóvel. São dramáticas e incompreensivelmente comuns as referências a situações deste tipo, portugueses, pessoas, sequestradas e colocadas a trabalhar em estruturas agrícolas em Espanha. Como em todas as situações desta natureza, as autoridades estimam que os casos conhecidos sejam em número bastante inferior ao que na verdade se verifica. Sabemos também como no mundo inteiro o tráfico de pessoas se constitui como uma das áreas de mercado mais rentáveis, designadamente, no caso de mulheres para o universo da prostituição.
A escravatura para trabalho agrícola parece algo “fora do tempo” e de impossível existência nos nossos países. Mas existe, e é sério o problema que, como não podia deixar de ser, atinge os mais vulneráveis.
Este negócio, o tráfico de pessoas, um dos mais florescentes e rentáveis em termos mundiais, alimenta-se da vulnerabilidade social, da pobreza e da exclusão o que, como sempre, recoloca a imperiosa necessidade de repensar modelos de desenvolvimento económico que promovam, de facto, o combate à pobreza e, caso evidente em Portugal, às escandalosas assimetrias na distribuição da riqueza.
Numa altura em que está na agenda a flexibilização das leis do trabalho, incluindo a dispensa da “justa causa” como razão de despedimento, a competitividade, a pressão sobre a produtividade e o deus mercado que não tem alma, não tem ética e é amoral podem alimentar algumas formas de escravatura “light”, por assim dizer.
As pessoas, muitas pessoas, apenas possuem como bem, a sua própria pessoa e o mercado aproveita tudo, por isso, compra e vende as pessoas dando-lhe a utilidade que as circunstâncias, a idade, e as necessidades de "consumo" exigirem.
O que parece ainda mais inquietante é o manto de silêncio e negligência que frequentemente cai sobre este drama tornando transparentes as situações, não as vemos.

A REVISÃO CURRICULAR. Será desta?

O Ministro da Educação na entrevista há pouco concedida à RTP enunciou a questão urgente que está por fazer, a revisão curricular. Gostei de ouvir, registo, mas relembro que também a Ministra Isabel Alçada anunciou uma reforma curricular que na semana seguinte, (preenchida com muitas reacções de "corporativismo científico" de muitas associações profissionais), passou a um "mero ajuste", expressão da Ministra.
Esperemos para ver.
Parece claro, afirmo-o de há muito, que sem uma séria reforma curricular não teremos alterações significativas e sólidas, não artificiais, nos conhecimentos dos miúdos e na qualidade do trabalho global das escolas. Nesta mudanças assumem especial centralidade as duas ferramentas fundamentais de acesso ao conhecimento, o domínio do português e da educação matemática.
Na actual matriz curricular o tempo de trabalho destinado a português e à educação matemática, agora aumentado, dificilmente permitirá obter melhores resultados, apesar de iniciativas como o Plano Nacional de Leitura, com resultados que devem ser realçados, ou o Plano de Acção para a Matemática ou do trabalho das escolas que, através de dispositivos de apoio próprios, tentam minimizar as dificuldades de muitos alunos. Dado o volume de dificuldades e os recursos das escolas, estas iniciativas acabam, em regra, por ter como destinatários menos alunos do que o necessário.
No entanto, para além disto, defendo um primeiro ciclo com seis anos e uma reorganização de conteúdos para estes primeiros anos de escolaridade obrigatória em que o Português e a e a Educação Matemática devem ocupar um lugar central. Creio que de uma forma geral se entende que o correcto domínio da língua de trabalho, o português, é um requisito fundamental para as aprendizagens em todas as áreas curriculares, bem como a literacia matemática, base do conhecimento científico.
Por outro lado, considero também que o número de disciplinas e a extensão e natureza dos conteúdos curriculares se associam às questões mais frágeis do sistema educativo, designadamente no 3º ciclo, insucesso, absentismo e indisciplina, tudo dimensões fortemente ligadas aos níveis de motivação e funcionalidade percebida dos conteúdos curriculares. A lógica da "disciplinarização" excessiva dos saberes tem informado o sistema educativo mas também o sistema de formação de professores durante demasiado tempo, o que suporta esta disciplinarização sem sentido, 14 disciplinas para 25,5 horas de aulas no 3º ciclo. É, aliás, curioso notar, se bem estivermos atentos, a frequência com que a propósito de qualquer saber, se defende a existência de mais uma disciplina.
Deste quadro resulta, do meu ponto de vista, a necessidade imperiosa de mudança significativa na organização e conteúdos curriculares. Será desta?

PCs NA SALA DE AULA. Sim ou não e para quê?

O Secretário de Estado do Ensino e da Administração anunciou que os programas e-Escolinhas e e-Escolas serão reavaliados durante este ano lectivo. Por princípio, parece-me sempre fundamental a avaliação de qualquer programa, sobretudo quando envolve dinheiros públicos. Deve também dizer-se que, lamentavelmente, a avaliação não é prática habitual entre nós o que ocasiona enorme desgaste e níveis de desperdício.
Desde o seu início, tive oportunidade de o referir no Atenta Inquietude, estes programas foram objecto de muita discussão que, do meu ponto de vista, se tem centrado nas mais das vezes no acessório e não na questão essencial, faz sentido, ou não, e com que função o computador na sala de aula, designadamente quando se considera os alunos em início de escolaridade.
Estando a continuidade destes programas em aberto, algumas notas em estilo telegráfico.
1 – O contacto precoce com as novas tecnologias é, por princípio, uma experiência positiva para os miúdos, para todos os miúdos, se considerarmos o mundo em que vivemos e no qual eles se estão a preparar para viver. Nós adultos estamos a pagar um preço elevado pela iliteracia, os nossos miúdos não devem correr o risco da iliteracia informática.
2 – Os programas em avaliação parecem, à partida, uma iniciativa interessante considerando o referido acima. Teve erros, teve propaganda política, teve marketing a mais, sim teve isso tudo, estamos em Portugal mas, creio, o princípio é positivo.
3 – O computador na sala de aula é mais uma ferramenta, não é A ferramenta, não substitui a escrita manual, não substitui a aprendizagem do cálculo, não substitui coisa nenhuma, é “apenas” mais um meio ao dispor de alunos e professores para ensinar e aprender. Em termos provocatórios, por vezes afirmo que o computador é apenas um lápis mais sofisticado.
4 – É preciso evitar o deslumbramento provinciano do novo-riquismo com as novas tecnologias, reafirmo, são apenas ferramentas que a evolução nos disponibiliza e não algo que nos domina e é visto como uma panaceia.
5 – O que dá qualidade e eficácia aos materiais e instrumentos que se utilizam na sala de aula não é a tanto a sua natureza mas, sobretudo, a sua utilização. Posso ter um computador para fazer todos os dias a mesma tarefa, da mesma maneira, sobre o mesmo tema, etc. Rapidamente se atinge a desmotivação e ineficácia, é a utilização adequada que potencia o efeito as capacidades dos materiais e dispositivos.
6 – Para além de garantir o acesso dos miúdos aos materiais é fundamental disponibilizar a formação e apoio ajustados aos professores sem os quais se compromete a qualidade do trabalho a desenvolver.
7 – Finalmente, como em todas as áreas, é imprescindível avaliar o trabalho realizado, única forma de garantir a sua qualidade.

QUANDO INTEGRAR RIMA COM HUMILHAR

Nesta altura do ano, tal como nos movimentos migratórios, as cidades com ensino superior são invadidas por uma população curiosa, os caloiros. Andam aos bandos pelas ruas, com um ar patético, mascarado de divertido, e enquadrados por uma rapaziada de negro, trajada, como gostam de dizer. É o tempo das praxes aos que chegam ao ensino superior.
Não sei se em resultado de alguns episódios lamentáveis, até com consequências graves do ponto de vista físico o que levou alguns estabelecimentos a "desencorajar" ou mesmo proibiras praxes, se em resultado das escolhas dos próprios estudantes ou em resultado dos esforços do MATA (Movimento Anti-Tradição Académica), parece que as “actividades” de praxe estarão mais brandas do que em anos anteriores. Fico satisfeito, sobretudo se corresponder a decisões assumidas pelos estudantes no seu conjunto e não fruto de ameaças ou determinações da tutela ou da direcção das diferentes escolas, estamos a falar de gente crescida e, espera-se, auto-determinada.
Devo confessar que no universo das praxes académicas pouca coisa me pode surpreender. De forma aparentemente tranquila coexistem genuínas intenções de convivialidade, tradição e vida académica com boçalidade, humilhação e violência sobre o outro, no caso o caloiro.
Apesar dos discursos dos seus defensores, continuo a não conseguir entender como é que, a título de exemplo, humilhar rima com integrar, insultar rima com ajudar, boçalidade rima com universidade, abusar rima com brincar, ofender rima com acolher, violência rima com inteligência ou coacção rima com tradição.
Talvez este discurso seja de um desintegrado, isolado, descurriculado, dessocializado e taciturno tipo que não acedeu ao privilégio e experiência sem igual de ser praxado ou praxar. Desculpem.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

MENINOS PARA UM LADO, MENINAS PARA O OUTRO. Ensino diferenciado? Não, ensino discriminado

Numa iniciativa destinada ao corpo docente do colégio Planalto, exclusivo para rapazes, realizando também uma Conferência na Universidade Católica, esteve em Portugal David Chadwell, apresentado como especialista em ensino diferenciado. Veio explicar como se devem ensinar os rapazes que, por serem rapazes, devem frequentar escolas, claro, só para rapazes. Começa logo aqui um enorme equívoco. Ensino diferenciado significa a mobilização de metodologias de trabalho educativo que procurem responder à diversidade dos alunos na sala de aula, ou seja, sendo as salas de aula constituídas por grupos heterogéneos em diferentes critérios, torna-se necessário encontrar respostas diferenciadas para as diferentes características mantendo as crianças juntas. Não existem grupos homogéneos, nem constituídos por gémeos. O senhor Dr. Chadwell será especialista em ensino discriminado, o que representa exactamente o contrário de diferenciação educativa. Não é novo, sob a responsabilidade dos Colégios Fomento (integra o Planalto) e em pareceria com a Opus Dei já esteve em Lisboa o Professor Cornelius Riordan, sociólogo, que proferiu também uma conferência sobre as vantagens das escolas só para rapazes ou só para raparigas. Na altura escrevi aqui algumas notas que hoje retomo.
Como afirmação prévia, importa esclarecer que não discuto a legitimidade que informa a decisão de pais e encarregados de educação sobre as escolas que desejam para os seus filhos. Sendo certo que a liberdade de escolha é condicionada por múltiplos factores, também é certo que essa escolha pode assentar em critérios como público ou privado, dimensão, estatuto social predominante, laica ou religiosa, com farda obrigatória ou não, com formação de natureza militar ou não, com co-educação ou com separação de géneros, estabelecimentos em moda, etc. Num esforço de alargamento de opções poderá colocar-se até a possibilidade de se desejarem escolas para alunos com excesso de peso que terão, naturalmente, um plano curricular reforçado no âmbito da actividade física e cuidados redobrados na alimentação ou escolas para qualquer forma de minoria para que, ideia peregrina, fiquem mais protegidas dos excessos das maiorias, etc. Estas escolhas assentarão, necessariamente, no conjunto de valores, cultura, representações, expectativas, etc. dos pais. Trata-se de uma opção que lhes assiste.
A questão mais substantiva e que justifica o comentário é a afirmação de que escolas separadas por género são melhores e alguma da sustentação aduzida. Tal como Riordan, também Chadwell na entrevista ao Público não apresenta nenhuma evidência consistente sobre a superioridade do ensino discriminado por géneros assente nas diferenças entre rapazes e raparigas. A defesa do modelo é um enunciado de convicções e de referências pedagógicas sem qualquer solidez no que respeita ao que ele entende ser as necessidades escolares diferentes dos rapazes. É pouco, muito pouco. Curiosamente, o Professor Riordan afirmou na altura que mais de metade dos estudos não são conclusivos sobre os efeitos positivos, mas crê nas vantagens das escolas separadas. Porque sim.
Uma outra questão interessante e não abordada de forma conclusiva por Chadwell, remete para os limites da educação separada. Será desejável até ao fim do secundário ou será melhor prolongar também durante o ensino superior e, entretanto, começar o processo de separação do mercado de trabalho também por géneros uma vez que em adultos também homens e mulheres têm características diferentes?
Termino como comecei, entendo como totalmente legítima e existência de valores de que sustentem a opção pela educação separada mas, por uma questão de honestidade intelectual, não os mascarem de ciência.

OS TIMONEIROS E OS REMADORES

Uma vez as diferentes terras decidiram realizar provas de canoagem. Cada canoa tinha onze tripulantes.
Depois de várias provas verificava-se que a canoa que representava aquela terra onde acontecem coisas ficava quase sempre em último lugar. Tentando perceber a razão de tão magros resultados os responsáveis daquela terra criaram um grupo de trabalho para analisar a questão e, naturalmente, propor soluções.
A profícua, demorada e cara análise do grupo de trabalho mostrou que, de uma forma geral, as canoas das outras terras tinham um timoneiro e dez remadores enquanto a canoa da terra onde acontecem coisas tinha um director-geral, dois assessores, dois subdirectores-gerais, dois directores de serviço, três chefes de divisão e um remador.
Ao constatar tal cenário, o grupo de trabalho logo viu a razão dos sucessivos maus resultados e promoveu as mudanças necessárias. Assim, a tripulação passou a contar com um director-geral, um assessor, dois subdirectores-gerais, dois directores de serviço, quatro chefes de divisão e procederam também à substituição do remador. Acontece que nas provas seguintes os resultados continuaram a ser péssimos e sentiu-se a necessidade de se tomarem, finalmente, medidas drásticas. A toda a tripulação foi atribuído um aumento de vencimento e um prémio de produtividade à excepção do remador que foi despedido com justa causa após um processo que evidenciou inaptidão funcional.
Serve esta história para comentar a notícia do Público sobre a anunciada redução das chefias na administração pública, que só a crise e a imposição do governo no exterior, a chamada Troika, vieram desencadear. Há algumas semanas, um trabalho sobre esta matéria publicado pelo I referia que, em termos genéricos, a administração pública apresenta um rácio de 1 dirigente para 45 trabalhadores, existindo serviços em que a relação é de um para cinco.
Curiosamente e como sabem, continua na agenda a flexibilização do despedimento dos remadores.