O Público tem hoje uma peça que assinala os dez anos da aprovação por parte da Assembleia da República a adopção de crianças por casais de homossexuais. A lei viria a ser aprovada a 29 de Fevereiro de 2016.
Desde então foram adoptadas 71
crianças um número não muito expressivo face a um total de 1614 crianças
adoptadas, mas, com alguma contenção durante a pandemia, o número tem vindo aumentar.
Julgo que é de sublinhar esta
mudança e este trajecto, tanto mais que estamos num tempo em que o quadro de
valores está a ser revisto em baixa, a boçalidade, a ignorância, a homofobia ou
preconceito informam os discursos amplificados sem pudor e que marcam o tempo.
Já não é só a ignorância, é mais do isso, é o desprezo e negação da ciência pela
ciência e pior, pelo outro que é diferente, na cor da pele, na religião, na
língua (algumas),na identidade sexual, em suma, por quem não pertence à nova
tribo da “pessoa de bem” que de pessoa tem pouco e de bem tem nada.
De facto, para além dos discursos
anónimos ou identificados, mais ou menos equilibrados, mais ou menos boçais,
mais ou menos ignorantes ou conhecedores, mais ou menos sofisticados e
assentes, de forma aparente ou efectiva, em ciência, ficarão sempre os valores
e a forma como se olha o mundo para sustentar muito do que continua a ouvir-se.
Não será grave, pelo contrário, parece-me normal e legítimo, mas importa
assumir que se trata de valores e não de ciência.
Nestes tempos ainda parece
necessário retomar o argumentário contra a adopção e que se organiza em torno
de três grandes ideias, a eventual dificuldade da criança em lidar com a sua
orientação sexual, a vulnerabilidade psicológica e o risco de problemas de
comportamento e também o risco acrescido de serem alvo de discriminação, por
exemplo, em contextos escolares.
Como a generalidade dos estudos e
múltiplas organizações científicas e profissionais na área da saúde e da
educação têm demonstrado e divulgado, cito por exemplo que a Associação
Americana de Psicologia aprovou em 2004 uma resolução ou uma referência à Associação
Americana de Psiquiatria que em 2010 afirmava "apoiar as iniciativas que
permitam a casais do mesmo sexo adoptar e co-educar crianças".
Também em 2014 a Ordem dos
Psicólogos de Portugal referiu em parecer que "os resultados das
investigações psicológicas apoiam a possibilidade de co-adopção por parte de
casais homossexuais, uma vez que não encontram diferenças relativamente ao
impacto da orientação sexual no desenvolvimento da criança e nas competências
parentais". Na mesma linha foi divulgada mais recentemente uma outra
revisão de estudos sobre esta matéria mostrando que a homoparentalidade não
afecta o desenvolvimento das crianças.
Podemos também lembrar que a
maioria das pessoas homossexuais terá sido educada em famílias heterossexuais,
que existem muitas crianças com sérios problemas emocionais e vulnerabilidade
psicológica, a experimentarem condições de mal-estar devastador integrando
situações familiares heterossexuais ou, finalmente, que existem múltiplos casos
de crianças discriminadas por variadas razões em contexto escolar o que não nos
faz retirar, por princípio, as crianças da escola, mas, pelo contrário,
combater a discriminação, sejam quais forem as circunstâncias.
Do meu ponto de vista e de uma
forma propositadamente simples, a questão central é que o que faz com toda a
certeza mal às crianças, é serem maltratadas e os maus tratos não decorrem do
tipo de famílias, mas da competência humana e educativa, por assim dizer, de
quem delas cuida, pais, mães ou educadores.
Quando as crianças são bem
tratadas e crescem com adultos que gostam delas, as protegem e as ajudam a
crescer, elas encontram caminhos para lidar com dois pais ou com duas mães.
Insisto, o que as crianças terão
dificuldade em resolver é ter por perto adultos, heterossexuais ou
homossexuais, que não gostam delas, que as maltratam, negligenciam, abandonam,
etc. Isso é que faz mal às crianças.
O resto é uma discussão não
conclusiva, assente em valores de que não discuto a legitimidade, mas que não
podem ser confundidos com ciência ou com um discurso de defesa das crianças de
males que estão por provar.
Parece bem mais importante
defendê-las dos males comprovados e que todos os dias desfilam aos nossos
olhos.
Muitas destas notas não são
novas, também fizeram parte de um artigo de opinião no Público há já uns bons
anos. Enquanto for necessário, voltarei, insistindo.
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