AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sábado, 6 de julho de 2024

A PROPÓSITO DE "VAMOS FALAR SOBRE ECRÃS E TECNOLOGIAS DIGITAIS"

 A Ordem dos Psicólogos Portugueses divulgou um trabalho que tempo por objectivo ajudar a regular a exposição a ecrãs, nos diversos dispositivos, de crianças, adultos e idosos. Tem como título, “Vamos falar sobre ecrãs e tecnologias digitais” e pode ser consultado no site da OPP, através de um ecrã, é claro.

A este propósito retomo umas notas destinadas fundamentalmente aos “utilizadores” mais novos embora o alargamento da população destinatária seja de salientar. Desculpem a insistência e repetição, mas a questão é demasiado importante e com riscos que as justificam. 

Felizmente, parece estar a assistir-se a um movimento que evidencia uma preocupação crescente com a digitalização que tem tido especial ênfase nos contextos escolares.

Já este ano foi divulgado um trabalho realizado por investigadores da Universidade de Aveiro mostra que o tempo excessivo que crianças de 4 e 5 anos podem passar em frente a um ecrã tem um impacto negativo no desenvolvimento da linguagem. Ainda assim, importa sublinhar que não devemos diabolizar os recursos digitais, mas sim, promover uma utilização adequada.

Em Agosto de 2023 foi publicado pela revista JAMA Pediatrics um trabalho, “Screen Time at Age 1 Year and Communication and Problem-Solving Developmental Delay at 2 and 4 Years”, em que se analisa a relação entre o tempo de exposição a ecrãs com riscos no seu desenvolvimento. Estar um tempo superior a duas horas em frente aos diversos tipos de ecrãs pode potenciar o risco de atraso no desenvolvimento nos anos seguintes.

A investigação envolveu 7097 crianças e concluiu que quanto maior for o tempo de exposição maior a probabilidade de compromissos no desenvolvimento, designadamente nas comunicação e resolução de problemas embora se reflicta noutras áreas e aumente com maior exposição.

O trabalho parece ser suficientemente robusto para que consideremos esta questão que tem estado na agenda. Aumentou exponencialmente com os períodos de confinamento e para muitas crianças o ecrã é algo omnipresente no seu dia-a-dia.

Recordo ainda um trabalho divulgado em 2020 e que aqui comentei “Social inequalities in traditional and emerging screen devices among Portuguese children: a cross-sectional study” publicado em BMC Public Health e realizado por uma equipa do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde da Universidade de Coimbra que também mostra dados que devem ser levados em conta.

O trabalho envolveu 8.430 crianças entre os três e os dez anos e sugere que até aos cinco anos as crianças passam por dia e em média 154 minutos em frente a um ecrã considerando os diferentes dispositivos disponíveis. Nas crianças mais velhas o tempo de exposição é superior, 201 minutos em média. Independentemente de outras variáveis como género, idade ou dispositivo utilizado, o tempo de exposição é sempre maior em famílias de menor estatuto académico e económico.

Recordo que em 2023 a agência francesa de saúde pública lançou um novo alerta a partir de estudos realizados relativos à exposição excessiva das crianças aos ecrãs, sobretudo nas crianças até aos três anos.

Sublinhe-se também que a OMS, tal como a Associação Americana de Pediatria, indicam extrema prudência para crianças até aos dois e anos e aconselham a que tempo de exposição ao ecrã não exceda uma hora diária até aos cinco anos e duas horas depois dos seis anos.

Uma pequena nota para referir que estando numa conversa com pais a propósito destas questões, referi estas orientações da OMS. Um pai pede a palavra para me dizer, “isso são opiniões”. Felizmente, para comentar tive a ajuda de alguns pais. É que já não tenho muita paciência.

Estão também identificados os riscos da sobreexposição, sedentarismo e obesidade, falta de qualidade e tempo de sono ou alterações no desenvolvimento, por exemplo na linguagem como mostra o estudo que justificou estas notas. A evidência também sugere que os riscos aumentam quando, como é frequente, a presença excessiva em frente de um ecrã está associada a um menor nível de interacção com adultos, designadamente com os pais.

Como tantas vezes já tenho referido, o ecrã, qualquer ecrã, é hoje a “baby-sitter” de muitíssimas das nossas crianças e adolescentes que neles, ecrãs, passam um tempo enorme “fechados”. Por vezes, sobretudo em adolescentes e jovens, "acompanhados" de outros tão sós quanto eles.

Acontece também que, como referido acima, durante o período de sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de um ecrã, pc, tv ou "smartphone". Desculpem insistir nestas questões, mas, como é óbvio, esta situação não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.

Comer é necessário e faz bem às crianças, mas comer excessivamente e produtos de má qualidade, provocam sérios problemas de saúde. Que se eduque o consumo, sem se diabolizar ou exaltar o produto.

Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais, alguns deles com níveis baixos de alfabetização informática, sobretudo no que respeita aos riscos, como constato em muitas conversas que mantenho com grupos de pais.

Considerando as implicações sérias na vida diária e que só estratégias proibicionistas não são muito eficazes, importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

sexta-feira, 5 de julho de 2024

A LER, "CONFISSÕES DE UM PSICÓLOGO PERANTE A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL"

 Vale pena ler e, sobretudo, pensar no texto de Luís Fernandes no Público, “Confissões de um psicólogo perante a Inteligência Artificial”.

(…)

Poderemos construir toda a sofisticação da Inteligência Artificial, mas isso não resolve nenhuma das angústias que continuam a alimentar o rio desta nossa incompreensão pelo mais profundo do que somos.

(…)

quinta-feira, 4 de julho de 2024

OS DIAS MÁGICOS DA AVOZICE

 Desculpar-me-ão, mas cá estou de novo a recordar a perplexidade e o gozo da última grande descoberta nesta minha viagem que já vai longa. É sempre assim a cada 4 de Julho ou 5 de Abril.

Cumprem-se hoje onze desde que, com o Simão, entrei pela primeira vez no mundo encantado, no mundo mágico da avozice que se alargou com achegado do Tomás. O tempo voa e o tempo dos velhos parece que voa mais depressa.

Esta mudança de geração tem sido uma bênção em cada dia que passa e contribui decisivamente para cumprir a narrativa de um Homem de sorte, eu.

Às vezes, quando brincam ou quando dormem, fico assim a olhar para eles, para os meus netos, o grande neto Grande, o Simão, e o grande neto Pequeno, o Tomás, fico a imaginar que viagens irão fazer. Nessas alturas sinto-me assim …  desculpem o atrevimento... um anjo da guarda.

Na verdade, que mais deve ser um pai ou um avô que não um anjo da guarda.

Às vezes, não sabemos, não percebemos, não queremos ou não podemos.

Mas é bonito.

quarta-feira, 3 de julho de 2024

TRANSITA, MAS NÃO PROGRIDE

 Está a terminar o ano escolar, estamos em época de exames, e começa o tempo de olhar para resultados.

Muito provavelmente vamos ter acesso ao indicador “percurso de sucesso”, completar o ciclo no número de anos previsto, que, em linha com o que tem acontecido nos últimos anos, mostrará taxas de sucesso muito positivas e em subida assim como também repercutirá sem surpresa variáveis como o contexto familiar dos alunos.

A questão é que, também muito provavelmente, quando se cruzarem com dados das avaliações externas, exames e provas de aferição surgirão algumas incongruências.

Como já tenho escrito a propósito de resultados de anos anteriores, este cenário mina a confiança no sistema educativo que tem, justamente, como instrumentos de regulação os dispositivos de avaliação externa.

Considerando como indicador de sucesso concluir o ciclo no tempo esperado, poderemos interpretar a transição de ano como sucesso na aprendizagem de competências e conhecimentos? Ou teremos de considerar que ter sucesso é a “a passagem de ano” na velha fórmula de “transita, mas não progride”? Conhecem-se relatos de escolas em que se verifica alguma “pressão” para a “transição”.

Importa sublinhar com muita clareza que levantar esta questão não significa a defesa da retenção como ferramenta de sucesso e qualidade. Não é, sabemos que o “chumbo”, só por si, não gera sucesso e qualidade. Nenhuma dúvida sobre isto.

E volto a insistir. A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens e com regulação externa, sim, naturalmente, mas também com a avaliação justa e competente do trabalho dos professores e das escolas, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar e que significam conhecimentos e competências adquiridas.

É o que ainda não conseguimos fazer acontecer de forma consistente, generalizada e sustentada em Portugal, apesar da imensidade de projectos, iniciativas, inovação, actividades, ondas de capacitação, que, demasiadas vezes, chegam do exterior às escolas. Podem ser interessantes, mas … não são mágicas, por mais que num exercício de "wishful thinking" os queiramos entender e vender como tal.

Não será este o caminho.

terça-feira, 2 de julho de 2024

DA GOVERNANÇA DAS ESCOLAS E AGRUPAMENTOS

 Por diferentes razões o clima das escolas nos últimos anos tem sido pouco amigável, para ser simpático, para alunos, professores, técnicos e pais e apesar dos muitos discursos que a tutela vai produzindo ou do Plano + Aulas, + Sucesso, o regresso à normalidade, seja isso o que for, não se afigura para brave dada as múltiplas variáveis que contribuem para esta “entidade”, o clima de escola.

Tem também sido recorrente a divulgação em diferentes suportes de situações de conflito em diferentes escolas e agrupamentos no âmbito da actuação das respectivas direcções. Sim, também conhecemos situações em que as coisas correm bem dentro do que se pode esperar num universo tão complexo como a educação. Retomo algumas notas sobre a direcção de escolas e agrupamentos.

O modelo de direcção unipessoal das escolas e agrupamentos e a forma como é desempenhado volta com regularidade à agenda incluindo o questionar do próprio modelo face a uma direcção colegial. Têm existido estudos de opinião e tomadas de posição individuais ou manifestos que alimentam a discussão ou mesmo a necessidade de alterar o modelo de direcção.

Como já tenho afirmado a propósito de outras matérias, talvez fruto do ambiente de fortíssima tensão que nos últimos anos envolve a educação, os debates e as ideias também tendem a ser crispados, com opiniões definitivas e sem margem de entendimento e, frequentemente, com agendas menos explícitas. O modelo de gestão das escolas será apenas mais um exemplo deste cenário.

Com o atrevimento de quem não vive por dentro o quotidiano das escolas, mas que nas últimas décadas tem, como profissional e como cidadão, acompanhado de forma atenta o universo da educação, retomo algumas considerações.

Conforme tenho dito, sempre me pareceu claro que a transformação da direcção de escolas e agrupamentos num modelo unipessoal e a sua forma de eleição através dos conselhos gerais, acompanhada por uma política de mega-agrupamentos diminuindo substancialmente o número de unidades orgânicas, gosto desta designação, se inscreveu na sempre presente tentação de controlo político do sistema. A experiência tem vindo a evidenciar essa situação.

São conhecidos casos, alguns chegam à imprensa, de processos de eleição de direcções escolares que mais não são do que formas de colocar pessoas com o alinhamento certo na função. Aliás, o próprio funcionamento dos Conselhos Gerais é, em algumas situações, um exemplo disto mesmo. Assim sendo, o modelo de gestão unipessoal e a forma de eleição dos directores não são garantias de “mais democracia” ou “melhor democracia” nas escolas.

Dado um pecado estrutural do nosso sistema educativo, a ausência de dispositivos de regulação ao longo de décadas, coexistem boas experiências e práticas em situações de direcção unipessoal com situações bem negativas.

Por outro lado, importa recordar que, em muitas circunstâncias, também a “gestão democrática", de democrática não tinha assim tanto e também se verificavam casos gritantes de menor competência.

Dito isto, parece-me que tanto quanto ou mais do que o modelo de direcção, unipessoal ou colegial, julgo de reflectir na forma de eleição, participam todos os docentes ou um pequeno grupo que “representa” o corpo docente no conselho geral, o mesmo se passando com os funcionários.

Por outro lado, também me parece que deve existir um claro reforço do papel dos Conselhos Pedagógicos no funcionamento de escolas e agrupamentos. Parece-me também clara a vantagem da presidência do Pedagógico ser claramente independente da direcção da escola, sobretudo num modelo de direcção unipessoal.

Importa também que a reflexão sobre a direcção de escolas e agrupamentos seja acompanhada de uma verdadeira reflexão sobre o quadro de autonomia nas suas várias dimensões e equilíbrios. Qual o efeito da municipalização ou “proximidade”, como também lhe chamam, na autonomia e funcionamento de escolas e agrupamentos.

É claro que quanto mais sólido for o modelo de autonomia das escolas mais importante se torna o papel e função da direcção, independentemente do modelo. Esta é do meu ponto de vista a questão central.

Muitos estudos e a experiência mostram que nas organizações, incluindo escolas, a qualidade das lideranças tem um impacto forte no desempenho, em diferentes dimensões, das instituições e também de todos os que nela funcionam. Boas lideranças escolares traduzem-se em melhores e mais estáveis climas de trabalho, maior nível de colaboração entre os profissionais, menor absentismo, melhores resultados ou menos incidentes de natureza disciplinar, ambientes escolares mais amigáveis em termos de educação inclusiva, melhor relação com pais e comunidade, entre outros aspectos. Como exemplo, em 2019 um estudo realizado pela Universidade do Porto da Universidade do Porto sugeria que o estilo de liderança dos directores das escolas tem um impacto importante na motivação dos professores pois existe uma “correlação significativa entre a forma como são geridos os estabelecimentos de ensino e a relação que os docentes têm com a sua profissão.  Creio que o cenário não se terá alterado.

Camões já afirmava que um “fraco Rei faz fraca a forte gente” o que numa actualização republicana poderá entender-se como a defesa de lideranças competentes, com uma gestão participada, com mecanismos de eleição alargados, transparentes, escrutinados e com, insisto, mecanismos de regulação que previnam excessos e abusos.

Alguns episódios na contratação de docentes ou de funcionários e nos processos que envolvem técnicos e docentes, são exemplos em ter em conta pela forma negativa como foram geridos ou desencadeados por algumas direcções de escolas de escolas e agrupamentos.

Vamos ver como e quando conseguiremos a estabilidade imprescindível ao trabalho de todos os envolvidos nas comunidades escolares.

segunda-feira, 1 de julho de 2024

FAUSTO PARTIU

Fausto partiu. Uma música e uma voz que fazem parte da banda sonora da minha vida. "Por este rio acima" será certamente uma das mais bonitas obras que iluminam a nossa cultura.