AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sexta-feira, 30 de junho de 2023

BEM-ESTAR E ESCOLA. OUTRA VEZ

 No Público de hoje divulga-se o conjunto de estudos que tem vindo a ser realizado pelo Observatório de Saúde Psicológica e Bem-Estar Social com a coordenação da Professora Margarida Gaspar de Matos. O primeiro trabalho foi divulgado em 2022, “Saúde Psicológica e Bem-estar”, e procurou caracterizar a saúde mental e bem-estar de alunos e professores. O estudo envolveu 8.067 crianças e adolescentes do pré-escolar ao 12.º ano e 1.457 professores e os dados divulgados causaram alguma inquietação como sinal de mal-estar.

Recupero alguns indicadores que aqui referi na altura.

Um segundo estudo realizado através de um inquérito a 60 agrupamentos realizado entre Março e Abril de 2023, com o objectivo de com vista a “identificar, antecipar, alertar e recomendar acções necessárias a curto, médio e longo prazo” no que respeita à saúde mental e bem-estar na escola. Os indicadores relativos sinais de depressão e ansiedade agravaram-se em particular nas raparigas e nos alunos do secundário. É referido que “Também nestes grupos foram descritas dificuldades ao nível físico e psicológico, menor tolerância à frustração, maior desinteresse, desmotivação e inércia.”

Não é possível ignorar a importância que merecem estes “retratos” das nossas comunidades escolares apesar de alguma diversidade contextual o que leva a retomar reflexões que frequentemente aqui tenho partilhado.

A experiência abrupta dos períodos de confinamento total por que passaram milhões de crianças e adolescentes em todo o mundo com o encerramento de escolas e, praticamente, de todos os serviços da comunidade de que são utentes, não podia deixar de ter implicações no seu bem-estar.

Desde logo e naturalmente pelo impacto no seu trajecto educativo e de aprendizagem, mas também no seu bem-estar, na sua saúde mental. Aliás, também nos adultos é considerável este impacto como também se verificou nos docentes.

Aliás, creio que o actual clima vivido nas escolas, a crispação associada à forma como é gerida a situação e a carreira dos professores, o modelo de governança, associado a políticas públicas erráticas que interagem com mal-estar e falta de serenidade criam um contexto pouco amigável para o bem-estar na escola.

O confinamento a que foram sujeitos em contextos familiares em que nem sempre os factores de protecção equilibravam os factores de risco, sustentou mudanças no seu bem-estar e comportamentos e a emergência de quadros de risco que agora viajam na "mochila" que os alunos carregam para a escola.

De facto, têm sido múltiplos os estudos que referem esta questão, a deterioração do bem-estar e saúde mental de crianças e jovens, mas também de adultos, designadamente professores no quadro da pandemia e, no caso de docentes, também por questões de natureza profissional, carreira e valorização, bem como o envelhecimento, cansaço ou desânimo. Os confinamentos a que se associaram os períodos de isolamento, a falta de rede social dos pares, as dificuldades de diversa ordem sentidas nos contextos familiares terão dado um contributo significativo. Os dados mais recentes acentuam a importância desta matéria.

Deste quadro resulta a necessidade e urgência de atenção à saúde mental de crianças e jovens ainda que habitualmente a saúde mental seja um parente pobre das políticas públicas de saúde.

Assim, é fundamental que as comunidades educativas tenham os recursos ou dispositivos de acesso a esses recursos que acomodem as situações de vulnerabilidade psicológica e mal-estar. As crianças e adolescentes com necessidades específicas estarão muito provavelmente em situação de risco acrescido.

Crianças e adolescentes são mais resistentes do que por vezes parecem, felizmente. No entanto, importa um ambiente sereno que tranquilize e apoie alunos, professores, pais e técnicos.

É preciso sublinhar que os professores e todos os que estão nas escolas precisam dessa tranquilidade, valorização e reconhecimento para que possam ter mais bem-estar e melhor ensinem, apoiem e aprendam.

Será bom não esquecer que, para além dos recursos, existem circunstâncias de risco para os quais se exigem políticas públicas adequadas.

Contextos familiares vulneráveis são, por exemplo, uma ameaça ao bem e estar e saúde mental de crianças e adolescentes. No que respeita aos professores, as condições de carreira e avaliação, a instabilidade nos trajectos profissionais a desvalorização sentida, a asfixia da burocracia, o clima de escola em algumas situações, são, entre outras razões, um forte contributo para um mal-estar que afecta muitos docentes.

Por todo este cenário é crítico que a recuperação no plano das aprendizagens estivesse associada a uma forte preocupação com a saúde mental de alunos e professores com os apoios e recursos necessários.

Ao que tem sido divulgado o Plano de Recuperação e Resiliência prevê um investimento nos serviços de saúde incluindo a saúde mental, a ver vamos.

Uma nota para sublinhar a importância de que os recursos e iniciativas a desenvolver integrem as escolas no âmbito da sua autonomia e não “apareçam” traduzidos numa imensidade de projectos e iniciativas vindas “de fora” como, lamentavelmente, é frequente.

Como cantava o Zeca Afonso, “seja bem-vindo, quem vier por bem”, e como é evidente, registo todas as iniciativas, projectos, experiências de inovação, etc., que possam contribuir para minimizar ou erradicar problemas, mas já me falta convicção no impacto do modelo mais habitualmente seguido.

Com demasiada frequência muitos destes projectos vêm de fora das escolas, as origens são variadas, não chegam a envolver a gente das escolas, esmagada pelo trabalho, burocracia e outros constrangimentos como, por exemplo, assegurar da melhor forma possível o dia-a-dia do trabalho educativo que tem de ser realizado.

Também com demasiada frequência muitos destes projectos morrem de “morta matada” ou de “morte morrida”, não são avaliados de forma robusta e dão umas fotografias ou vídeos que compõem o portfólio dos organizadores e proporcionam uma experiência que se deseja positiva aos intervenientes no tempo que durou, mas sem mais impacto.

Todavia, preciso de afirmar que muitos destes Planos, Projectos, Inovações, etc. dão origem a trabalhos notáveis que, também com frequência, não têm a divulgação e reconhecimento que todos os envolvidos mereceriam.

Também demasiadas vezes estas iniciativas consomem recursos com baixo retorno e ao serviço de múltiplas agendas.

Tenho para mim, que não podendo a escola responder a todas as questões que afectam quem nelas passa o dia poderia, ainda assim, fazer mais se os investimentos feitos no mundo à volta da escola e que lhe vem bater à porta com propostas fossem canalizados para as escolas.

Com real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados e processos menos burocratizados, as escolas poderiam fazer certamente mais e melhor que quem vem de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.

Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes domínios.

Directores de turma com mais tempo para os alunos e menos burocracia poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.

Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado, o que se verifica poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.

Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno.

São apenas alguns exemplos de respostas com resultados potenciais com um custo que talvez não seja superior aos custos de tantos Projectos, Planos, Programas ou Iniciativas Inovadoras destinadas a múltiplas matérias e com custos associados de “produção” que já me têm embaraçado, mas a verdade é que as agendas e o marketing têm custos.

Está em jogo o desenvolvimento escolar e pessoal de crianças, adolescentes e jovens, ou seja, do futuro.

quinta-feira, 29 de junho de 2023

UMA HISTÓRIA VIRTUAL

Era uma vez um rapaz de 15 anos. O Rapaz gostava de conversar e todos os dias falava com imensa gente, passando muitas horas nessas conversas.
É curioso que apesar de conversar com muita gente ele não conhecia muito bem essas pessoas, nem ele era muito conhecido pelos outros. Cada uma das pessoas que falava com ele fazia uma ideia diferente do Rapaz. Para uns, tinha umas características, para outros teria outras e o Rapaz procurava convencer os seus interlocutores de que era aquilo que lhes dizia que era.
Eram assim os seus dias, criava uma personagem, diferentes personagens e vivia-as no contacto com as pessoas com quem conversava.
O Rapaz vivia dentro do ecrã de um computador, atrás de um Nickname, Coolkid. Na verdade, chamava-se Só.

quarta-feira, 28 de junho de 2023

GORDINHOS E PARADINHOS

 Na imprensa divulga-se a mais recente edição estudo COSI Portugal  (Childhood Obesity Surveillance Initiative), integrado no Childhood Obesity Surveillance Initiative da OMS/Europa, coordenado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge sobre o excesso de peso e obesidade infantil.

Até à penúltima edição (2019), verifica-se um abaixamento dos índices, mas os dados de 2022 revelam uma preocupante subida de 29,7% para 31,9% no excesso de peso, destes valores temos 11,9% para 13,5% no que respeita à obesidade. Ainda assim, o valor actual está perto da média europeia, 29%.

O estudo envolveu 6205 crianças entre os seis e os oito anos de 226 escolas de Portugal continental e dos arquipélagos dos Açores e da Madeira. Verificam-se assimetrias significativas e os estilos e hábitos alimentares ajudam os níveis de excesso de peso e obesidade.

Acresce que entre 2019 para 2022 também aumentaram os níveis de sedentarismo, todos os parâmetros estudados subiram entre 2,2 e 9,3. É de sublinhar, sem surpresa, que se verificou um aumento de 18 para 27% na utilização de videojogos durante a semana pelo menos duas horas por dia.

Estes dados estão em linha com os de relatórios anteriores e com estudos nacionais sobre os hábitos alimentares e estilo de vida dos mais novos e sobre as potenciais consequências para o seu desenvolvimento. Entre os efeitos da pandemia e dos períodos de confinamento, provavelmente, contar-se-á o acréscimo do sedentarismo e, naturalmente, do número de crianças com excesso de peso.

Registou-se também em 2021 a regulamentação da oferta alimentar nas escolas com o objectivo de promover estilos alimentares mais saudáveis.

Apesar de parecer uma birra ou teimosia acho sempre importante sublinhar a importância que deve merecer a questão dos hábitos alimentares e o combate ao sedentarismo, sobretudo nos mais novos.

As consequências potenciais deste quadro em termos de saúde e qualidade de vida são muito significativas, quer em termos individuais, quer em termos sociais. Assim, e como já tenho referido, um problema de saúde pública desta dimensão e impacto justifica a definição de programas de prevenção, educação e remediação que o combatam. Sem surpresa, surgem sempre algumas reacções contra o chamado “fundamentalismo nos hábitos individuais”, mas creio que são também de ponderar as implicações colectivas e sociais do problema.

No entanto, como sabemos, o excesso de peso, o sedentarismo e os riscos associados não serão, para a esmagadora maioria dos miúdos e graúdos nessa situação, uma escolha individual, é algo de que não gostam e sofrem, de diferentes formas, com isso.

Eu sei que à escola não compete tudo, não pode, nem deve ser responsável por todos os problemas que afectem a população em idade escolar. Por outro lado, apesar de em termos de educação familiar se registarem melhores níveis de literacia sobre saúde estilos de vida, ainda temos muito que caminhar.

No entanto, sei, sabemos, que pela educação é que vamos lá.

terça-feira, 27 de junho de 2023

MAYDAY, MAYDAY

 Fui buscar este título a um artigo histórico de um dos meus Mestres, o Professor Joaquim Bairrão Ruivo, e que também o usou com o sentido que tem na aviação, alerta para a gravidade extrema de uma situação que exige socorro urgente e adequado. É o caso da situação e clima vivido na generalidade das escolas conforme apreciação do Conselho das Escolas, órgão representativo das direcções escolares.

Dito de outra forma, a educação está em alerta vermelho e as perspectivas mais imediatas não são animadoras, temo pelo próximo ano lectivo.

A falta de docentes ao longo do ano, o arrastar negligente e incompetente das negociações face aos problemas vividos de há muito pelos docentes, a instabilidade nas escolas, o deslumbramento com a transição digital que impôs a realização generalizada das provas de aferição digitais sem o suporte em recursos adequados e fiáveis em todas as escolas para além do desajustamento da aplicação deste modelo aplicado aos alunos do 2º ano, as dificuldades em assegurar apoios mais diferenciados aos alunos por falta de professores e técnicos, apesar do Plano de Recuperação das Aprendizagens, Plano 21/23 Escola +, são algumas das questões identificadas.

Acontece que algumas destas questões se antecipavam de há muito, a falta de professores face ao envelhecimento da classe e à baixa atractividade pela carreira docente é um deles e, provavelmente, o mais difícil de minimizar e que o arrastar do tempo tem feito piorar o cenário de ano para ano. Na verdade, há anos que sucessivos relatórios nacionais e internacionais têm alertado para gravidade do envelhecimento da classe docente, dos efeitos associados, e da certeza da falta de docentes a curto prazo como já está a acontecer.

Na verdade, este cenário só pode surpreender quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam na comunicação social e dos comentários nas redes sociais dirigidos à educação e aos professores.

Não esqueçamos ainda a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. A educação em Portugal é um terreno altamente permeável e apetecível para as lutas de poder e controlo da partidocracia vigente, muito divido entre quintais, corporações e umbiguismos que lhe retira serenidade e alimenta uma gestão de interesses e das políticas educativas com agendas de múltipla natureza.

Desculpem a insistência, mas a questão é grave. Também sei que não é por muito falar num problema que ele se resolve ou minimiza, mas é preciso sublinhar a urgência.

De entre o conjunto das políticas públicas, o universo da educação tem uma importância crítica, é através da educação que se projecta e constrói um caminho sustentável para o futuro.

segunda-feira, 26 de junho de 2023

A DIGNIDADE

 A dignidade é o amparo de um Homem. A dignidade está em amar e ser amado. A dignidade está em fazer e ser reconhecido. A dignidade está em ter voz e dizer. A dignidade está em ser e poder ser. A dignidade está em viver, não em sobreviver. A dignidade está em ajudar e ser ajudado. A dignidade está no direito, não no privilégio.

Quando nos retiram a dignidade ficamos desamparados.

É grande, é enorme, a quantidade de gente desamparada.

domingo, 25 de junho de 2023

SEDADOS, TRANQUILOS, MAS DOENTES OU INFELIZES

 Em Maio foram divulgados alguns indicadores de um inquérito realizado pela Lundbeck Portugal, farmacêutica especializada em doenças neurológicas e psiquiátricas, que merecem atenção, 33,6% dos inquiridos refere que já teve um diagnóstico de depressão, 62,1% já terá sentido sintomas de depressão em algum momento e 77,3% têm um familiar ou amigo com diagnóstico de depressão. São, na verdade, dados preocupantes, mas não surpreendentes.

A generalidade dos estudos sobre saúde mental em Portugal sugere uma alta incidência de problemas nesta área e a tendência de subida mantém-se.

De acordo com o Infarmed, nos primeiros seis meses de 2022 venderam-se 10.871.282 de embalagens de ansiolíticos, sedativos, hipnóticos e antidepressivos, cerca de 60000 por dia, um acréscimo de 4,1% face a 2021 traduzindo-se num encargo de 32,5 milhões de euros para o SNS.

No que respeita aos mais novos, segundo a Autoridade Nacional do Medicamento, em 2022 forma vendidas 288217 embalagens o metilfenidato, um fármaco, comercializado como Ritalina, Concerta ou Rubifen, destinado ao tratamento da designada perturbação de hiperactividade e défice de atenção (PHDA). Apesar de, felizmente, o consumo ter vindo a diminuir desde 2014, voltou a subir e atingiu um máximo desde 2003,

A estes dados faltará o volume de situações de mal-estar não abordadas através dos fármacos, as não tratadas e o contributo da automedicação apesar da exigência de prescrição médica para este consumo. Este quadro levará a que o número de consumidores seja superior às prescrições e número global de situações de mal-estar seja bem superior aos indicadores de consumo.

Ainda não há muito tempo aqui referi um estudo divulgado em 2021 realizado pelo investigador na área da economia da saúde da Nova SBE, Pedro Pita Barros, “Acesso a cuidados de saúde - As escolhas dos cidadãos 2020”, em que se referia que 10% dos portugueses não vão ao médico quando sentem algum mal-estar e que desta população, 63% recorre à automedicação.

Um estudo coordenado pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra durante o ano lectivo 21/22 envolvendo 5.440 jovens, com uma idade média de 14 anos e de mais de 150 escolas do Continente e Madeira encontrou sintomas de depressão em 42% dos adolescentes. Este este aumento está em linha com outros estudos, nacionais e internacionais.

Os efeitos da pandemia e as dificuldades que agora se vivem terão um impacto severo no bem-estar de pessoas e famílias.

Como já tenho referido, apesar de alguma maior atenção às questões da saúde mental esta continua a ser o parente pobre das políticas de saúde.

Na verdade, as pessoas com doença mental (sobre)vivem com um estigma que lhes retira direitos e qualidade de vida, autonomia e autoregulação. Com demasiada frequência estão sobremedicadas, andam “sedadas” incomodam menos os familiares, vizinhos, colegas, comunidade, nós. São pessoas que, por assim dizer, voam sobre um ninho de cucos.

Como referi e com base em dados recentes, Portugal tem das mais altas taxas de consumo de psicofármacos e de auto-medicação, é a cultura de tomar “qualquer coisinha” que ajude a sossegar face à vida e aos problemas que enfrentamos.

Por outro lado e como também referi, no que respeita aos miúdos, tem emergido uma reconhecida prática de medicalização e sobrediagnóstico dos seus problemas. É reconhecido no âmbito da intervenção dos profissionais de saúde de práticas excessivas de prescrição de fármacos para “acalmar” as crianças.

Estamos a alimentar um processo de "ritalinização" de muitos miúdos a quem, apressadamente e de forma excessivamente ligeira, é colocado um rótulo de “dismiúdo”, ou seja, terá uma “dis”função qualquer, que justifica a medicação, estou a lembrar-me, por exemplo, do aumento exponencial de crianças consideradas "hiperactivas” quando algumas estão bem longe de justificar o rótulo e muito menos o diagnóstico.

Finalmente, uma nota sobre a minha convicção de que a agitação das crianças de que se fala com muita frequência, mais não é, na maioria dos casos, do que uma imagem reflexa da agitação dos adultos que as rodeiam. Adultos agitados, embalam e sustentam crianças agitadas. Por isso, “de facto”, talvez seja melhor tomar qualquer coisinha para ajudar a sossegar, adultos e crianças.

E se não estivermos atentos, não será necessário recorrer à ficção para perceber que uma sociedade de gente sedada é uma sociedade muito mais “tranquila”, doente ou infeliz, mas “tranquila”.

sábado, 24 de junho de 2023

A HISTÓRIA DO ARTESÃO

 Uma vez conheci um Artesão como não há muitos, era um homem de uma sabedoria e de um amor à sua arte que impressionava.

Desde miúdo que sonhava dedicar-se à arte que viria a ser a sua. Preparou-se bem durante bastante tempo e mesmo já a trabalhar sempre procurou compreender mais, falando com outros mestres e outras pessoas que o Artesão entendia que o podiam ajudar a ser melhor.

Mesmo sendo um Artesão muito experiente e trabalhando sempre com a mesma matéria, quando começava cada trabalho estudava e pensava em cada peça que iniciava. Muitas vezes fazia o mesmo tipo de trabalho, mas sabia que os materiais nunca são exactamente iguais e por isso não podem ser sempre trabalhados da mesma maneira. O Artesão dizia muitas vezes que temos de respeitar as diferenças nos materiais, só assim conseguiremos que eles acabem por se transformar em peças valiosas e, na verdade, as peças que saíam das mãos do Artesão eram peças valiosas, muito valiosas.

O Artesão referia frequentemente que algumas das peças se tornavam muito fáceis de produzir, tinham características próprias que lhe facilitavam o trabalho, outras, como ele dizia, davam luta, resistiam ao trabalho, às vezes nem corria bem, mas, quase sempre conseguia algo de interessante e bonito.

Este Artesão tinha uma outra qualidade que o tornou conhecido, não guardava a sua arte só para si, gostava de falar dela, de ajudar os mestres que estavam a começar e que também apreciavam o seu trabalho e a sua ajuda.

Coisa estranha, agora que estou a acabar a história do Artesão reparei que não referi a arte a que se dedicava. Era Professor.

Estes Artesãos começam a rarear, a sua arte não é valorizada, não é atractiva, o futuro nas suas vidas é uma esperança adiada e, curiosamente, são estes artesãos o garante do futuro das comunidades.

sexta-feira, 23 de junho de 2023

O HOMEM QUE VIVIA DO AR

 Os tempos que vamos vivendo fazem-me lembrar a história do Homem que viveu do ar, toda a vida.

É verdade. Lá naquela terra em que acontecem coisas existiu um homem que viveu do ar, toda a vida.

Ainda em pequeno, era um miúdo esperto, começou a perceber qual era o ar que os professores e pais gostavam que ele tivesse. Compunha esse ar e conseguia parecer um miúdo atento, sabedor e simpático. Não era assim tão atento e tão sabedor, mas como compunha um ar simpático de quem precisava, alguns colegas davam uma mão e ele foi-se safando, sem brilho, mas com o ar de quem o tinha. Quando alguma coisa não corria bem, o seu ar de vítima e de inocente livrava-o de complicações.

Foi-se fazendo assim, acabou por tirar um curso que lhe pareceu acessível e onde o seu ar assertivo e confiante lhe granjeou a simpatia de colegas e professores que, à falta de melhor, se contentavam com o ar e o discurso que gostam de ver e ouvir.

A partir de certa altura, o homem que vivia do ar achou por bem dedicar-se à actividade política, coisa que naquela terra não era particularmente apreciada. Inteligente, desde logo compôs o ar que ele percebia que as pessoas gostavam que um político tivesse. Com esse ar e dizendo exactamente o que as pessoas queriam ouvir, acabou por desempenhar actividades de governo.

Com a ajuda de um grupo de assessores e do seu ar de quem sabia sempre do que falava, acabou por ter uma carreira razoavelmente longa.

Retirou-se e gozou um tempo de reforma sempre com o ar de quem tinha vivido uma vida plena ao serviço dos outros.

Ainda hoje naquela terra existe uma legião de seguidores que passa a vida a viver do ar e, muitos deles, todos os dias no ar, o espaço mediático, o mais atractivo cenário para quem vive do ar.

quinta-feira, 22 de junho de 2023

DAS EXPLICAÇÕES

 Lê-se na imprensa que o Presidente do Conselho Nacional de Educação afirmou que o Conselho está a desenvolver um estudo sobre as “explicações” referindo que metade dos alunos do ensino secundário frequentarão estes “dispositivos”.

Parece claro que nos últimos anos este nicho do mercado da educação tem estado em alta com uma oferta crescente estimulada pela pressão da busca de apoio escolar externo.

A pandemia intrometeu-se no mercado e, mais recentemente, é referido o impacto dos processos reivindicativos que as escolas vivem. Tenho para mim, que sendo de considerar estas duas situações, o que verdadeiramente sustenta este florescente nicho de mercado são as políticas públicas de educação que têm sido definidas nos últimos anos.

Algumas vezes aqui tenho abordado esta questão e retomo algumas notas. Recordo um estudo realizado em 2019 pelo grupo “Ginásios da Educação Da Vinci”, um franchising que gere em Portugal 42 centros respondendo a 5400 alunos num universo estimado em 244 mil que recorrem a estes “serviços”. Destes, cerca de 70% têm “explicadores” particulares, maioritariamente professores que dão explicação num “cantinho” da sua casa num volume de facturação estimado em 200 milhões de euros e que passa, por assim dizer ao lado, das obrigações fiscais. Ainda segundo os mesmos dados, existirão à volta de doze mil explicadores e de mil centros de estudo e apoio escolar.

Trata-se de facto de um mercado em expansão e fomentador do empreendedorismo individual e que também contribui para acentuar as desigualdades sociais pré-existentes sem qualquer sobressalto por parte de quem tem sido responsável por políticas públicas.

É um mercado que envolve alunos de todos os anos de escolaridade, mas tem maior procura em anos de exame e no ensino secundário quando está em jogo o acesso ao ensino superior.

Na verdade, é um mercado generalizado como se pode verificar com um passeio pelas proximidades das escolas abundando a oferta de ajudas fora da escola, antes conhecidas por “explicações”, mas agora com designações mais sofisticadas como “Centro de Estudo”, “Ginásio”, "Academia", etc., que, provavelmente, terão mais efeito “catch” no sentido de atingir o “target”, aliás, não são raras as designações em inglês. Ainda temos a oferta mais personalizada, as “explicações” no aconchego caseiro dos explicadores, numa espécie de atendimento personalizado. O mercado está sempre atento e o marketing desempenha um papel importante.

Apesar de nada ter contra a iniciativa privada desde que com enquadramento legal e regulação, o que está longe de existir, várias vezes tenho insistido no sentido de entender como desejável que os apoios e ajudas de que os alunos necessitam fossem encontrados dentro das escolas e agrupamentos. O impacto no sucesso dos alunos minimizaria, certamente, eventuais custos em recursos que, aliás, em alguns casos já existem dentro do sistema.

Esta minha posição radica no entendimento de que a procura “externa” de apoios, legítima por parte das famílias, tem também como efeito o alimentar da desigualdade de oportunidades e da falta de equidade como tem sido regularmente sublinhado em múltiplos estudos.

Neste contexto, recordo que no Relatório do CNE, "Estado da Educação 2016", constava um dado interessante relativo a Portugal que na altura comentei e extraído do TIMSS de 2015. Referindo apenas o secundário, 61% dos estudantes do secundário afirmam ter aulas particulares de Matemática no sentido de melhorar o desempenho nos exames. A comparação com outros países é elucidativa tanto mais se considerarmos o respectivo nível de vida, sendo a Noruega um exemplo extremo.

Também trabalhos realizados pelo CNE e pela Fundação Francisco Manuel dos Santos evidenciam algo de muito significativo apesar de bem conhecido e reconhecido, nove em cada dez alunos com insucesso escolar são de famílias pobres.

A ajuda externa ao estudo como ferramenta promotora do sucesso não está ao alcance de todas as famílias pelo que é fundamental que as escolas possam dispor dos dispositivos de apoio suficientes e qualificados para que se possa garantir, tanto quanto possível, a equidade de oportunidades e a protecção dos direitos dos miúdos, de todos os miúdos.

De uma vez por todas, é necessário contenção e combate ao desperdício, mas em educação não há despesa há investimento. Talvez o investimento canalizado para inúmeros projectos, iniciativas, vestidas de "inovação", consumidoras de recursos e vindas de fora da escola, fosse mais eficiente se utilizado na e pela escola no âmbito da sua autonomia.

quarta-feira, 21 de junho de 2023

A LER, "REGRESSO AO FUTURO DA ESCOLA: DOS ECRÃS AOS LIVROS"

 Parece-me particularmente interessante e oportuna a reflexão de Francisco Laranjo no Público, “Regresso ao futuro da escola: dos ecrãs aos livros”.

O texto recoloca de forma pertinente a questão da transição digital em matéria de educação escolar. No mesmo sentido retomo algumas notas.

Apesar do seu enorme potencial as ferramentas digitais não são a poção mágica para o ensino e aprendizagem. Os computadores ou tablets na sala de aula, os smart boards, não promovem sucesso só pela sua existência. A forma como são utilizados por professores e alunos é que potencia a qualidade e os resultados desse trabalho. Aliás, o mesmo se pode dizer de qualquer outro recurso ou actividade no âmbito dos processos de aprendizagem.

É certo que múltiplos estudos e experiências valorizam estes recursos nos processos de ensino e aprendizagem pelo que é importante garantir o acesso pela generalidade dos alunos, mas, não podem passar a ser o tudo no trabalho escolar.

Neste contexto e como já tenho afirmado, considerando o que se sabe em matéria de desenvolvimento das crianças e adolescentes, dos processos de ensino e aprendizagem e da sua complexa teia de variáveis, das experiências e dos estudos neste universo, mesmo quando aparentemente contraditórios:

1 – O contacto precoce com as tecnologias digitais é, por princípio, uma experiência positiva para os alunos, para todos os alunos, se considerarmos o mundo em que vivemos e no qual eles se estão a preparar para viver. Nós adultos ainda estamos a pagar um preço elevado pela iliteracia, os nossos miúdos não devem correr o risco da iliteracia informática. Os tempos da da pandemia mostraram isso mesmo.

2 – O computador/tablet, kits robóticos, smart boards, etc., na sala de aula são mais uma ferramenta, não são A ferramenta, não substitui a escrita manual, não substitui a aprendizagem do cálculo, não substitui coisa nenhuma, é “apenas” mais um meio, muito potente sem dúvida, ao dispor de alunos e professores para ensinar e aprender e agilizar o acesso a informação e conhecimento.

3 - O que dá qualidade e eficácia aos materiais e instrumentos que se utilizam na sala de aula não é a tanto a sua natureza, mas, sobretudo, a sua utilização, ou seja, incontornavelmente, o trabalho dos professores é uma variável determinante. Posso ter um computador para fazer todos os dias a mesma tarefa, da mesma maneira, sobre o mesmo tema, etc. Rapidamente se atinge a desmotivação e ineficácia, é a utilização adequada que potencia o efeito as capacidades dos materiais e dispositivos.

4 - Para alguns alunos com necessidades especiais o computador pode ser mesmo a sua mais eficiente ferramenta e apoio para acesso ao currículo.

5 – Para além de garantir o acesso dos miúdos aos materiais é obviamente imprescindível promover o acesso a formação e apoio ajustados aos professores sem os quais se compromete a qualidade do trabalho a desenvolver bem como, evidentemente, assegurar as condições exigidas para que o material possa ser rentabilizado.

6 – Finalmente, como em todo o trabalho educativo, são essenciais os dispositivos de regulação e avaliação do trabalho de alunos e professores.

Como referi acima não existem poções mágicas em educação por mais desejável que possa parecer a sua existência. Não deixemos que o fascínio deslumbrado pelas "salas do Futuro" faça esquecer os problemas do presente.

terça-feira, 20 de junho de 2023

UMA FAMÍLIA É UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE. MAIS UMA VEZ

 No Público encontram-se dois trabalhos sobre uma matéria de clara importância, o acolhimento familiar para crianças como alternativa à institucionalização para crianças em situação familiar de risco.

Apesar de alguma evolução ainda temos ainda um cenário complexo e excessivo em matéria de institucionalização de crianças e jovens. É consensual que em nome do bem-estar das crianças e jovens seria desejável que se conseguisse até ao limite promover a desinstitucionalização das crianças por múltiplas e bem diversificadas razões.

A entrevista de Charles H. Zeanah, também no Público, é profundamente elucidativa da importância do acolhimento familiar e da urgência de o promover.

Conforme a peça do Público, Portugal tem 95% das crianças em perigo no contexto familiar e, portanto, afastadas das famílias estão em instituições. Considerando o universo de 6120 crianças acolhidas em instituições em 2022 (residências ou lares de acolhimento) está a desenhar-se um plano no sentido até 2030 reduzir o número para 1200 crianças, “promovendo assim uma taxa de desinstitucionalização de 80%”.

Recordo um estudo de Paulo Delgado do Instituto Politécnico do Porto, creio que divulgado em 2018, em que se referia que as crianças evidenciam uma percepção de bem-estar significativamente diferente consoante estejam em família biológica, 9.05 numa escala de 0 a 10, em famílias de acolhimento, 8.69 e em instituições, 7.61.

Também um estudo de há alguns anos da Universidade do Minho mostrava que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.

A conclusão não questiona, evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos. Também deve acentuar-se o trabalho de grande qualidade que muitas instituições procuram desenvolver. Além disso, sabemos todos, que existem contextos familiares que por razões de ordem variada não devem ter crianças no seu seio, são tóxicas, fazem-lhes mal, pelo que a retirada pode ser uma necessidade que o superior interesse da criança justifica sendo um princípio estruturante das decisões neste universo.

Esperemos que o plano que está a ser desenhado tenha a robustez e os recursos para que esse sempre afirmado superior interesse da criança prevaleça. Uma família é, de facto, um bem de primeira necessidade.

segunda-feira, 19 de junho de 2023

DAS ACTIVIDADES DE ENRIQUECIMENTO CURRICULAR

 A Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência divulgou um balanço relativo às Actividades de Enriquecimento Curricular no presente ano lectivo. Abrangem 83.9% dos alunos a frequentar o 2º ciclo.

Para este ano lectivo a promoção das AEC é da responsabilidade das autarquias que têm maioritariamente como entidades parceiras associações de pais e IPSS. Cerca de 91% das actividades desenvolvem-se depois das aulas e terminam às 17:30h, predominando as actividades de natureza desportiva, 70%, seguindo-se a áreas das artes, 65%.

Muitas vezes aqui tenho abordado a questão das AEC enquadrando-a no tempo que as crianças, designadamente no 1º ciclo, passam na escola.

Portugal, é dos países em que mais tempo as crianças estão na escola e desde o início que considero a iniciativa Escola a Tempo Inteiro um enorme equívoco, as crianças precisam de educação a tempo inteiro e não de escola a tempo inteiro.

Sabemos como os estilos de vida actuais colocam graves dificuldades às famílias para assegurarem a guarda das crianças em horários não escolares. A resposta tem sido prolongar a estadia dos miúdos nas instituições escolares. O modelo é bem recebido por muitos pais e tolerado por muitos outros por falta de alternativas. No entanto e tal como o faço desde 2006, algumas notas a pensar, sobretudo, nos miúdos e nas respostas.

Para além da reflexão sobre o que acontece nesse tempo de permanência na escola e tal como se verifica noutros países, seria imperioso que se alterassem aspectos como a organização do trabalho que minimizassem as reais dificuldades das famílias recorrendo, por exemplo e quando possível, a teletrabalho ou à diferenciação nos horários de trabalho que em alguns sectores e profissões é possível.

Creio que nem toda a gente tem consciência de que, de acordo com a lei e considerando as necessidades das famílias, uma criança, por exemplo do 1º ciclo, pode chegar a 50 horas por semana na escola, considerando horário curricular, AEC, ATL e Componente de Apoio à Família. Aliás, no que respeita aos tempos escolares já sabíamos, como referi acima, que os alunos portugueses, sobretudo no início da escolaridade, têm umas das mais elevadas cargas horárias conforme relatórios da Rede Eurydice ou da OCDE.

Esta overdose de estadia institucional na escola, com o tempo muitas vezes preenchido com actividades de duvidosa qualidade apesar de também existirem muito boas práticas, não pode deixar de ter algum impacto na relação que os miúdos estabelecem com a escola e com as actividades da escola.

Deixem-me recordar que num debate em que participei realizado no Alentejo em 2007 sobre o, na altura, recém-criado Escola a Tempo Inteiro, uma professora contou que na sua escola tinha sido arranjado um espaço para as crianças jogarem futebol a propósito do qual um aluno fez a seguinte observação após o início das AEC, “Quando eu tinha tempo para brincar não tinha um campo. Agora tenho um campo e não tenho tempo para jogar”. Elucidativo.

Como já disse, são conhecidas boas experiências neste universo e devem ser sublinhadas e divulgadas, mas também todos conhecemos situações em que existe a dificuldade óbvia e esperada de encontrar recursos humanos com experiência e formação em trabalho não curricular. Acresce que boa parte das escolas, como é natural, têm os seus espaços estruturados sobretudo para salas de aula. Espaços para prática de actividades desportivas ou de ar livre, expressivas, biblioteca, auditórios, etc., etc., a existirem dificilmente poderão ser suficientes para uma ocupação da população escolar alternativa à sala de aula.

Este obstáculo acaba por resultar na réplica de actividades de natureza escolar com baixo ou nulo benefício e um risco a prazo de desmotivação, no mínimo.

Por outro lado, tanto quanto o tempo excessivo de estadia na escola, merece reflexão o risco e as implicações da natureza “disciplinarizada” desse trabalho, ou seja, organizado por tempos e áreas, de acordo com os modelos de organização curricular.

A enorme latitude de práticas que se encontram actualmente, desde o muito bom ao muito mau, sustentam a inquietação a que acresce o modelo a definir para estruturar estas respostas, ou seja, sendo possível no quadro actual, que entidades externas as desenvolvam como assegurar o envolvimento e responsabilidade da escola e a sua autonomia?

Na verdade, embora compreendendo a necessidade da resposta seria desejável que, tanto quanto possível se minimizasse o risco de em vez de tentarmos estruturar um espaço que seja educativo a tempo inteiro com qualidade, preenchido na escola ou em espaços e equipamentos da comunidade, assistirmos à definição de uma pesada agenda de actividades que motiva situações de relação turbulenta e reactiva com a escola.

Sendo optimista vamos esperar que tudo corra bem e que as boas práticas e experiências prevaleçam.

Nota final. Não referi, mas não esqueço a necessidade de reflectir sobre o modelo de organização das AEC, designadamente o "outsourcing" com situações de pagamento de "salários" indignos a gente qualificada, e a gestão por vezes pouco transparente de recursos humanos ao serviço de pequenos poderes.

Vamos ter que repensar os trabalhos dos miúdos, de muitos miúdos. O consumo excessivo, mesmo de actividades fantásticas ou de actividades escolares, tem riscos.

domingo, 18 de junho de 2023

AOS ALUNOS(AS) DO SECUNDÁRIO,

 Caros alunos e alunas,

Tinham de chegar. Amanhã inicia-se a época de exames nacionais do secundário e durante algum tempo o vosso programa está assegurado, exames. Apenas terão de realizar os exames obrigatórios para acesso aos cursos de ensino superior a que querem candidatar-se, mas terão um caderno de encargos preenchido.

O trabalho realizado durante os últimos anos vai ser testado. Alguns de vós sentir-se-ão relativamente tranquilos enquanto outros, a maioria, vão começar a sentir a ansiedade a subir. É normal, afinal trata-se de realizar um exame e alguma ansiedade ajuda-nos a estar mais atentos.

Os resultados serão importantes pois permitirão aceder ao ensino superior e na escola e curso que vos interessam, e, desculpem o atrevimento, mas tomara a decisão correcta, continuar a estudar. A qualificação superior é uma boa ferramenta para a construção de um projecto de vida mais sustentado e com maior potencial de realização. Os tempos não estão fáceis, mas estudar ainda compensa, acreditem.

Alguns de vós vão sentir-se pressionados para a obtenção de muito bons resultados, porque as médias de acesso nos cursos que desejam frequentar são habitualmente elevadas ou porque vos dizem que para se ser gente tem que se ser excelente. Irão perceber que, felizmente, tal não é verdade, é fundamental tentar fazer o melhor possível, mas não é essencial ser o melhor. Acresce ainda que, muitas vezes, essa pressão não ajuda, antes pelo contrário, atrapalha, … há que ter calma.

Muita gente, pais, professores, psicólogos, psiquiatras, nutricionistas, especialistas em “coaching” em múltiplas áreas, colegas, vos dá conselhos nesta altura, “estuda mais”, “descansa um pouco”, “devias fazer assim”, “era melhor desta maneira”, “não te esqueças de nada”, “toma atenção”, “começa pelas mais fáceis”, “revê no fim”, “cautela com a alimentação”, “é bom espairecer um pouco”, etc., etc. É normal e importa alguma tranquilidade. A presença nas redes sociais e a partilha da experiência com colegas vai certamente ajudar a dissipar o stresse, dividido por muitos pode dar menos para cada um.

A verdade é que não existem receitas infalíveis para o sucesso que não passem por trabalho sério, organização do tempo e das tarefas, percepção das dificuldades e da forma de as minimizar, partilhar dúvidas e pedir ajuda a professores ou colegas, entre outros aspectos que saberão identificar. Cada um de vós encontrará um caminho para lidar com os exames, é normal, somos diferentes.

Como é de prever, alguns acharão os exames mais fáceis e outros mais difíceis, depende sempre do que cada um sabe e dos conteúdos do exame, aquela história clássica de “ainda bem que saiu isto, sabia bem” ou, pior, “logo havia de sair isto que não estava tão preparado”, nada a fazer, são as circunstâncias e em toda a nossa vida iremos deparar com situações mais favoráveis ou menos favoráveis. Todos sabemos que a vossa tarefa não é fácil, mas estou convencido que para muitos de vós as coisas vão correr bem. O vosso trabalho e dos professores e o apoio dos pais merecem.

Como já disse, os próximos exames serão a última etapa antes do ensino superior, mas isso é uma outra narrativa. Um dia destes falaremos disso, cada coisa de sua vez.

Boa sorte e divirtam-se, se possível.

sábado, 17 de junho de 2023

RESGATAR AS UTOPIAS

De uma forma demasiado frequente, a leitura da imprensa torna-se uma experiência de mal-estar e inquietação. Estamos num tempo em que parece emergir a desregulação como rumo da Humanidade.

É fundamental resgatar as utopias.

Resgatar as utopias é o caminho para resgatar as pessoas, todas as pessoas. É o caminho para resgatar a dignidade para as pessoas, para todas as pessoas. É o caminho para construir um sentido para a vida das pessoas, de todas as pessoas. É o caminho para resgatar a ética. É o caminho para resgatar o planeta, todo o planeta. É o caminho para resgatar o sonho, todos os sonhos. É o caminho para ...

Não, não é utopia.

É a sobrevivência e a mudança que a sustenta.

sexta-feira, 16 de junho de 2023

DOS RANKINGS ESCOLARES, UM PRODUTO SAZONAL

 Bom, aí está o produto sazonal que dá pelo nome de “rankings escolares” nas suas diferentes declinações e leituras dos dados disponibilizados e bem pelo ME. Agora, relativos a 2022. Em linha com a sazonalidade, umas notas repescadas.

Apesar de continuar com dificuldade em defender a sua bondade, não tenho uma atitude fundamentalista face à sua construção. Sublinho, sobretudo, a evolução que se tem verificado nos últimos anos, quer na disponibilização de informação por parte do ME para além dos “meros” resultados da avaliação externa, quer na forma como essa informação é tratada e divulgada por diferentes entidades e imprensa. Se me parece muito importante a análise dos dados providenciados pelo ME, já me parece bem menos relevante a construção de listas classificativas de escola.

Continuo também a sentir-me incomodado com as estratégias de marketing dos negócios da educação a propósito da divulgação dos rankings, basta olhar para as páginas da imprensa que divulga rankings.

A mais frequente defesa da sua construção assenta na importância da avaliação externa. No entanto, é evidente que a imprescindível avaliação externa não tem que, necessariamente, obrigar à construção dos rankings que, aliás, alguns países não realizam. Curiosamente, em Singapura terá sido decidido em 2018 abolir a construção e divulgação de rankings escolares com base nos resultados em exames bem como não divulgar outras informações de natureza comparativa sobre o desempenho escolar dos alunos.

A decisão, de acordo como o Ministro da Educação, Ong Ye Kung afirmou na altura, assenta no princípio a promover junto dos alunos e famílias que “aprender não é uma competição”. Aliás, é interessante considerar toda a argumentação e sustentação da medida. A decisão é ainda mais surpreendente considerando a posição cimeira habitualmente ocupada por Singapura nos estudos comparativos internacionais e na sua habitual defesa destes dispositivos.

Mas existindo e apesar das mudanças que se têm verificado que mostram, ou não, os rankings?

Dificilmente mostrarão algo de substantivamente diferente como é que claro.

Mostram que genericamente as escolas privadas apresentam melhores resultados e que também existem escolas privadas com resultados mais baixos. Mostram algumas notas simpaticamente altas.

Mostram que existem escolas públicas com bons resultados e escolas públicas com resultados menos bons.

Mostram uma descida significativa das notas a matemática.

Mostram que existem escolas que face ao contexto sociodemográfico que servem conseguem bons resultados ou, pelo menos, progresso no trajecto dos alunos e que existem escolas públicas que ainda não conseguem contrariar o destino de muitos dos seus alunos.

Mostram que a tradição ainda é o que era, pais (mães) mais escolarizados, têm, potencialmente, filhos com melhores resultados.

Mostram que as escolas públicas são as que mais progressos promovem nos alunos embora não cheguem de forma significativa aos lugares superiores dos rankings da superação. E tal situação é tanto mais de registar quanto sabemos as dificuldades e falta de recursos que se verificam

Mostram que nas escolas com melhores resultados, em regra, são as que têm menos alunos abrangidos pela Acção Social Escolar.

Mostram que a escola, os professores, fazem a diferença.

Mostram ainda que se continua a falar de “melhores escolas” e “piores escolas”.

Mostram que …

Enfim, os rankings mostram tudo, só não mostram o que se fará considerando a informação que os rankings mostram, com que meios, com que recursos humanos, com que políticas públicas. Na verdade, também não mostram o tanto que não se consegue medir, mas se pode avaliar e que é tão essencial como o que se mede.

Quatro notas finais.

1 - A propósito de rankings - Gert Biesta da Universidade Stirling numa obra notável, "Good Education in a Age of Measurement - Ethics, Politics, Democracy", afirma que uma obsessão centrada na medida, assenta na gestão continuada de uma dúvida, "medimos o que valorizamos ou valorizamos o que medimos?"

2 - Por onde andam nos rankings os alunos com necessidades educativas especiais?  (desculpem o termo não inovador dentro do novo paradigma, mas ainda não me habituei às novas "não categorias" como "adicionais", "selectivas" ou "adicionais").  Provavelmente à espera da operacionalização de um novo indicador-chave da avaliação das escolas, a inclusão de cuja consideração na construção dos rankings não me dei conta.

3 – Continuo com a dúvida expressa por Gil Nata e Tiago Neve do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da U. do Porto que num texto no Público a propósito dos rankings de há dois anos escreviam, “Assim, passados 20 anos, a pergunta impõe-se onde estão as evidências de que a publicação dos rankings tenha contribuído para a melhoria do sistema educativo?”

4 – Há algum tempo a directora de um agrupamento de escolas que ocupa posições bem abaixo nos rankings e à qual de me desloco alguma regularidade para colaborar em algumas iniciativas, dizia-me, “Como conhece algumas pessoas da imprensa diga-lhes para nos visitarem durante o ano a ver o que fazemos. É que quando aqui vêm é por causa do ranking, e nós fazemos tantas coisas com os alunos e com os pais”. E eu sei que sim.

Para o ano cá estaremos e atentos ao que resulta deste ano duríssimo para a escola pública.

E voltarei a estas notas. São assim os produtos sazonais.

quinta-feira, 15 de junho de 2023

DO ENSINO PROFISSIONAL

 Foi divulgado o estudo “Como Valorizar o Ensino Secundário Profissional? Dilemas, Desafios e Oportunidades” realizado pela plataforma Edulog numa iniciativa da Fundação Belmiro de Azevedo com a colaboração da Universidade de Aveiro.

Sem surpresa alguns dados. A maioria dos alunos no ensino profissional continua a vir de meios mais desfavorecidos, apenas em 9% dos agregados familiares dos alunos existem elementos com formação superior. Em Portugal, 45% dos alunos do ensino secundário frequentam o ensino profissional, 19º lugar na ordenação dos países europeus com mais alunos a frequentar esta via de formação.

O estudo mostra um grau de atracção dada a mais rápida entra no mercado de trabalho registando-se um grupo de alunos que tendo trajectos anteriores bem-sucedidos procuram uma formação específica ligada ao mundo do trabalho e um grupo de alunos que vê no ensino profissional uma porta de entrada no superior. No entanto, é de registar que em 2021, três quartos das vagas para alunos do ensino profissional ficaram por preencher.

Recordo que em 2022 o presidente da Associação Nacional de Escolas Profissionais afirmava existir uma taxa de empregabilidade a rondar os 90% e a possibilidade de o ensino profissional receber mais alunos para além dos actuais cerca de 40000. O relatório “Monitor da Educação e da Formação 2020” divulgado em 2021” pela Comissão Europeia referia uma taxa de empregabilidade de 76% em 2019 no ensino profissional.

Por outro lado, o Relatório ‘Avaliação do Contributo do PT2020 para a Promoção do Sucesso Educativo, Redução do Abandono Escolar Precoce e Empregabilidade dos Jovens’, produzido pelo consórcio ISCTE, IESE e PPLL, referia que no ensino profissional, 87 em cada 100 alunos completa o ensino secundário enquanto nos Cursos Científico-Humanístico serão 57. Quanto à empregabilidade, 54% dos alunos que completam os Cursos Profissionais encontram trabalho até seis a nove meses depois, face a 36% nos Cursos Científico-Humanísticos.

Estes indicadores mostram a importância que pode assumir o ensino profissional que, do meu ponto de vista, continua subvalorizado contrariamente ao que se verifica noutros países. Algumas notas.

É imprescindível que ao sair do sistema educativo os jovens ao sair do sistema se encontrem equipados com qualificação profissional, quer ao nível do ensino secundário, quer ao nível do ensino superior que com o trabalho no âmbito do ensino politécnico tem condições para processos de qualificação mais curtos e mais diversificados. Assim, tenho registado os avanços realizados na diversificação da ofertam formativa verificada nos últimos anos apesar de alguns equívocos que geraram a percepção de uma formação de “segunda” dirigida aos “maus” alunos. Estes equívocos decorreram também dos discursos e procedimentos adoptados em muitas escolas e envolveram alunos e famílias.

No universo da educação em Portugal, depois de Abril de 74, instalou-se uma das mais generosas e ingénuas ideias que o tempo das utopias gerou, todos os indivíduos deveriam ter formação universitária. Esta ideia, de consequências devastadoras, quis combater a marca de classe presente nas escolhas entre liceu e escolas industriais e comerciais e, sobretudo, o baixo número de alunos que continuavam a estudar. O resultado foi criar um percurso que todos deveriam seguir e que só terminaria no fim do ensino superior universitário.

Com o aumento da escolaridade obrigatória e o aumento exponencial do número de alunos começou a perceber-se o erro trágico de um só percurso, muitos alunos “chumbavam” e abandonavam o sistema sem qualquer tipo de qualificação. Aliás, mesmo completando o ensino secundário, o 12º ano, as competências profissionais eram nulas, isto é, o 12º apenas ensinava, e mal, a continuar a estudar, coisa que, entretanto, era dificultada com a figura (lembram-se?) do "numerus clausus".

A partir de certa altura, timidamente, começaram a surgir ofertas de vias profissionais que, por má explicação política, foram sobretudo entendidas como uma estrada por onde segue quem não tem "jeito" ou competência para estudar. Neste contexto, famílias e alunos sentiram dificuldade em aderir a algo percebido como sendo de segunda. Entretanto, o nível inaceitável de chumbos e abandono no secundário continuava a envergonhar-nos.

Nos últimos anos, temos finalmente assistido a uma significativa diferenciação da oferta educativa, sobretudo depois do 9º ano, e essa oferta começa agora a perceber-se como uma alternativa à continuação de estudos mais prolongada, o ensino superior politécnico ou universitário. A oferta actual é bastante mais extensa o que tem contribuído para a descida muito significativa do abandono escolar. Por outro lado, o crescimento exponencial da oferta tem vindo a levantar algumas reservas face à natureza da oferta formativa e à qualidade da formação providenciada e ainda não se conseguiu alterar significativamente a perspectiva desvalorizada de muitos professores, alunos e famílias.

Como muitas vezes tenho afirmado é fundamental diversificar a oferta formativa, ou seja, promover a diferenciação de percursos. Só por esta via me parece possível atingir um objectivo absolutamente central e imprescindível, todos os alunos devem aceder a alguma forma de qualificação, única forma de combater a exclusão e responder mais eficazmente à principal característica de qualquer sala de aula actual, a heterogeneidade dos alunos. O desenvolvimento deste trajecto precisa de ir contrariando a ideia de que não se destina preferencialmente aos "que não servem" para a escola.

Precisamos, pois, de responder às exigências de qualificação, mas não podemos mascarar as estatísticas empurrando os “maus” para percursos que “recebem” um rótulo de “segunda” pois são percebidos por parte da comunidade como destinados aos menos dotados, “preguiçosos” ou com problemas vários.

Por outro lado, esta oferta deve ser adequada às comunidades educativas e dotada dos recursos e meios necessários bem como de maior e efectiva autonomia das escolas. Como tem sido referido em diferentes avaliações e pelas direcções escolares esta situação está longe de acontecer.

A diferenciação dos percursos é necessária e imprescindível, incluindo, obviamente, o ensino profissional tendo como potenciais destinatários todos os alunos como se verifica em boa parte dos sistemas educativos.

Devem estar disponíveis desde sempre dispositivos de apoio suficientes, competentes e oportunos a alunos e professores e formas de diferenciação que melhor permitam acomodar a diversidade dos alunos.

Finalmente, é fundamental para todo o sistema educativo, importa que existam dispositivos de regulação que sustentem e promovam a qualidade da desta indispensável oferta educativa dado o seu papel na construção de projectos de vida bem-sucedidos. 


quarta-feira, 14 de junho de 2023

O APOIO TUTORIAL ESPECÍFICO

A Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência divulgou dados relativos a 21/22 da medida Apoio Tutorial Específico que, sem surpresa, mostram resultados positivos.

Os modelos de natureza tutorial, conforme as boas práticas já existentes em muitas escolas e os estudos nacionais e internacionais sustentam, são ferramentas sólidas e eficazes para acomodar e responder a dificuldades de alunos e professores nos processos de ensino e aprendizagem.

Defendo de há muito dispositivos desta natureza até como forma de gerir de forma adequada os recursos docentes já integrados no sistema e que manifestamente podem ser utilizados em programas de tutoria ou coadjuvação. Aliás, é também interessante o recurso a alunos para programas de tutoria com vantagens recíprocas, para tutores e para tutorandos.

No entanto, e talvez ajude a perceber alguns dos resultados menos positivos, o Programa de Tutoria em desenvolvimento, da forma como está desenhado, quatro horas semanais por professor tutor para 10 alunos como princípio, e considerando o perfil de intervenção definido e que julgo adequado, tem evidentes constrangimentos. No entanto, também já estamos habituados a que o empenho, competência e profissionalismo da generalidade dos professores minimizem insuficiências que ninguém estranhará. No entanto, não existem milagres e a negação de dificuldades ou exercícios de “wishfull thinking” não resolvem os problemas.

Recordemos as funções atribuídas.

a) Reunir nas horas atribuídas com os alunos que acompanha;

b) Acompanhar e apoiar o processo educativo de cada aluno do grupo tutorial;

c) Facilitar a integração do aluno na turma e na escola;

d) Apoiar o aluno no processo de aprendizagem, nomeadamente na criação de hábitos de estudo e de rotinas de trabalho;

e) Proporcionar ao aluno uma orientação educativa adequada a nível pessoal, escolar e profissional, de acordo com as aptidões, necessidades e interesses que manifeste;

f) Promover um ambiente de aprendizagem que permita o desenvolvimento de competências pessoais e sociais;

g) Envolver a família no processo educativo do aluno;

h) Reunir com os docentes do conselho de turma para analisar as dificuldades e os planos de trabalho destes alunos.

Quem conhece a realidade das escolas e as problemáticas complexas dos alunos em insucesso, com desmotivação, desregulação de comportamento, ausência de projecto de vida, falta de enquadramento e suporte familiar, lacunas graves nos conhecimentos escolares de anos anteriores, etc., quase sempre presentes e só para referir dimensões relativas aos alunos, percebe a dificuldade de reverter, para usar um termo em voga, o seu trajecto escolar.

À luz do que me parece ser um trajecto de defesa da efectiva autonomia das escolas, preferia que, dando o ME orientação e a possibilidade de gerir e alocar recursos a estes programas, que fossem as escolas a organizar os seus programas de tutoria, definindo destinatários, professores e técnicos envolvidos, tempos de realização e objectivos a atingir.

Caberia, evidentemente, às escolas e ao ME a regulação e acompanhamento dos programas e a sua avaliação.

Sabemos, é uma referência comum, a existência de “constrangimentos” que pesam nos recursos disponíveis. Neste cenário parece claro que que muitos professores que não conseguem a vinculação o poderiam fazer para poder alargar este dispositivo de apoio a mais alunos. As decisões em matéria de política pública de educação têm exactamente, também essa função, minimizar problemas e gerir da melhor forma os recursos. A questão dos custos nesta matéria não me parece relevante face aos potenciais benefícios.

No entanto, mais uma vez e não esquecendo a necessidade de combater desperdício e ineficácia, é bom recordar que a qualidade da educação e a promoção do sucesso (traduzido em competências e conhecimentos adquiridas) para todos os alunos não representam despesa, são investimento.

terça-feira, 13 de junho de 2023

AINDA O CARTAZ, UMA NOTA BREVE

 A polémica gerada pelos cartazes, já todos conhecemos os cartazes, passou a ser A questão. O processo de contestação desencadeado pelos professores que têm sérias e longas razões para isso, dilui-se no ruído mediático provocado pela grande questão, o cartaz. Nada de novo nos tempos que correm em que a gestão da comunicação é um dos mais eficientes instrumentos da acção política.

A nova questão, o cartaz, não trará nada de novo ao processo e o essencial, um acordo sério, competente e justo, que devolva serenidade às escolas e permita encarar e enfrentar as questões estruturais que pressionam a escola pública, vai sendo adiado. A falta de professores, é uma delas e muito séria.

Hoje já é tarde para minimizar as dificuldades.

PS - Registar que o cartaz me parece de profundo mau gosto e se procura passar uma mensagem que justifique estar numa manifestação de professores face aos sérios problemas que sentem. então passa, do meu ponto de vista, a mensagem errada.

segunda-feira, 12 de junho de 2023

ARROGÂNCIA E PRECONCEITO, O ÓDIO AOS PROFESSORES

 Um dos mais conhecidos e prolíficos palpitólogos do reino, com formação em tudologia, o Dr. Miguel Sousa Tavares, desenvolveu ao longo do tempo, vá lá saber-se porquê, um ódio de estimação pelos professores, pela classe dos professores.

Assim sendo e como oportunidades não faltam para perorar a quem tem tanto para dizer, o Dr. Tavares vai produzindo regularmente umas prosas em que procura arrasar uma classe de preguiçosos, incompetentes, privilegiados e improdutivos profissionais que, apesar deste conjunto de "virtudes", políticas públicas inadequadas e a deriva das agendas partidárias, tem conseguido trazer os alunos portugueses para níveis de resultados bem mais aceitáveis como comprovam os estudos internacionais e, certamente por milagre, terão dado o seu modesto contributo para a formação da tão apregoada mais qualificada geração de portugueses que, lamentavelmente, tem de partir à procura de um futuro que por aqui não encontra.

Como seria previsível, o actual processo de reivindicação dos professores foi o último pretexto para mais uma catilinária contra os professores. Nada de novo na escrita, a arrogância habitual, a ignorância habitual, os preconceitos habituais, enfim, o habitual discurso conclusivo e sem dúvidas de quem nunca se engana.

O que já me admira um pouco é que aparecem sempre algumas pessoas, professores naturalmente, que se sentem indignadas pelo tratos do Dr. Tavares e tentam responder, claro que sem visibilidade, mais frequentemente através das mais acessíveis, mas nem sempre virtuosas redes sociais, ou suportes da mesma natureza e algumas intervenções também na imprensa.

Nestas iniciativas, os autores tentam rebater com empenho e seriedade, com números, com dados, com factos, as enormidades ignorantes e preconceituosas do Dr. Tavares e é isso que me admira. Estes registos não são compatíveis, ou seja, um discurso assente em preconceito, em definitivos juízos de valor, em achismos, em ignorância, é, obviamente, imune a uma resposta que não seja no mesmo registo e por isso nada se altera. Se por acaso o Dr. Tavares lesse algumas das respostas que se conhecem, concluiria, evidentemente, que estava tudo errado porque sim, porque ele é que está certo. Ponto.

No entanto, tal como fazem com os seus alunos, os bons professores, a grande maioria, não desistem e vão tentando que o Dr. Sousa Tavares saiba alguma coisa deste mundo dos professores e das escolas para além da sua experiência pessoal.

Não há saco.

domingo, 11 de junho de 2023

UMA BOA NOTÍCIA E UMA INQUIETAÇÃO

 Nos tempos que correm é importante a existência de notícias positivas no mundo da educação. De acordo com dados Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência divulgados no Público, em 21/22 estavam inscritos mais de 15000 alunos que no ano anterior. A subida maior verificou-se no pré-escolar, quase oito mil novos alunos.

Embora os números não traduzam um aumento da natalidade, é significativa a inversão da tendência de queda da demografia escolar que se tem verificado nos últimos anos.

No entanto, esta notícia coloca uma inquietação, que escola temos para receber estes alunos, sobretudo os que estão a começar, mas também pensando nos que já estão no seu percurso pela escolaridade obrigatória.

Na verdade, a educação, a escola, atravessa tempos críticos. Arrasta-se um processo de reivindicação de uma classe docente que expressa o cansaço e desânimo de muitos anos a sentir-se maltratada, desvalorizada socialmente e profissionalmente, sem estabilidade e perspectivas de carreira, cansada e envelhecida e com quadros de mal-estar preocupante. Tudo isto se traduz numa preocupante baixa na capacidade para atrair novos professores.

A natureza dos problemas envolvidos, o cansaço e desânimo que os professores sentem, a injustiça e desvalorização de que se sentem alvo, a burocracia asfixiante, o mal-estar acrescido pela manutenção de discursos e intervenções erráticas por parte da tutela e o recurso a procedimentos e discursos que, mais do que esclarecer ou contribuir para a solução, agudizam o confronto não favorecem a possibilidade de concertação e confiança. Episódios recentes acentuam essa preocupação.

O clima das escolas está significativamente alterado e, naturalmente, com impacto no trabalho de alunos, professores, funcionários, técnicos, direcções.

Parece verdadeiramente imprescindível dotar as escolas de forma continua e estável dos recursos necessários para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Recursos suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis, técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais e serão sempre essenciais. Torna-se também necessária a existência de dispositivos de regulação que sustentem o trabalho desenvolvido e de processos desburocratizados.

Hoje mais do que nunca, como ontem escrevi, precisamos de uma escola pública que cumpra o seu desígnio constitucional.

As políticas públicas de educação têm a enorme responsabilidade de assegurarem que tal aconteça. Não podem falhar.

sábado, 10 de junho de 2023

DIA DE PORTUGAL E EDUCAÇÃO

 Cumpre-se hoje o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, um dia em que se pensa Portugal.

Pensar Portugal hoje exige pensar os tempos que a Educação, a Escola, vivem e na forma como estamos a gerir o presente e futuro da nossa maior ferramenta de desenvolvimento, a escola pública, não esquecendo e também, naturalmente, o ensino privado.

Recordando a Constituição:

(…)

Artigo 73.º

Educação, cultura e ciência

1. Todos têm direito à educação e à cultura.

2. O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida colectiva.

(…)

Artigo 74.º

Ensino

1. Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar.

2. Na realização da política de ensino incumbe ao Estado:

a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito;

b) Criar um sistema público e desenvolver o sistema geral de educação pré-escolar;

(…)

É “apenas” isto que está em causa nos dias de hoje, defender a existência de uma escola pública de qualidade que cubra as necessidades de toda a população.

Só a educação e a rede pública de qualidade podem promover equidade e igualdade de oportunidades.

Só a educação e a rede pública de qualidade podem ser verdadeiramente inclusivas e receber todos os alunos.

Só a educação e rede pública pode chegar a todos os territórios educativos e a todas as comunidades.

Só a educação e rede pública de qualidade promovem mobilidade social em circunstâncias de equidade no acesso.

Para que possam cumprir a Constituição a educação e a rede pública precisam de recursos materiais e recursos humanos valorizados e competentes.

Os custos da educação e rede pública de qualidade não são despesa, são investimento.

A políticas públicas de educação têm em cada momento histórico tem a suprema responsabilidade de garantir que assim seja.

É isso que hoje se exige. Em defesa da Educação e da Escola Pública. Em nome dos nossos filhos, dos filhos dos nossos filhos ...

sexta-feira, 9 de junho de 2023

DO SUBSÍDIO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL

 Na imprensa encontram-se referências à estranha situação verificada na Segurança Social de Braga em que centenas de pedidos de atribuição de subsídio de educação especial a crianças com necessidades especiais aguardam decisão, alguns casos já de anos lectivos anteriores.

Entretanto, em tribunal já foram decididos 54 casos favoráveis a famílias que tinham visto negada a atribuição. Ao que é afirmado por técnicos e pais, as avaliações são inadequadas, não cumprem as exigências processuais.

Já algumas vezes aqui tenho referido esta questão que é motivo de frequente controvérsia. Recordo que entre Janeiro e Abril de 2022 a Segurança Social tinha cortado um em cada quatro subsídios, menos 45 000 pagamentos.

As famílias, professores e técnicos especializados vivem com inquietação estes processos pela morosidade e natureza das decisões.

Também já tenho reflectido sobre a existência, designação, os objectivos e a forma como é operacionalizada a atribuição deste subsídio de educação especial bem como as dúvidas que me suscitam. No entanto, é o quadro que temos em funcionamento e a verdade é que as crianças com necessidades educativas especiais, as suas famílias e os professores e técnicos, especializados ou do ensino regular conhecem, sobretudo sentem, um conjunto enorme de dificuldades para, no fundo, garantir não mais do que algo básico e garantido constitucionalmente, o direito à educação e, tanto quanto possível, junto das crianças da mesma faixa etária. É assim que as comunidades estão organizadas, não representa nada de extraordinário e muito menos um privilégio.

Como é evidente, em situações de dificuldade económica, as minorias, são sempre mais vulneráveis, falta-lhes voz.

No fundo, estas inquietações de pais ou técnicos são "apenas” mais um grito, entre muitos, que exprime a indignação destas crianças e famílias que vêem os seus direitos atropelados por quem deveria ser o garante do seu cumprimento.

Como sempre afirmo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como cuidam das minorias.

Lamentavelmente, estamos num tempo estranho com insuficiência de recursos e em que assistimos a processos de “normalização” dos miúdos, sempre em nome da educação inclusiva, é claro.

quinta-feira, 8 de junho de 2023

SERIEDADE, COMPETÊNCIA E JUSTIÇA

 Continua sem fim à vista o conflito entre os professores e o ME e o que tem acontecido não permite antecipar quando e como terminará. No entanto, só há uma forma de resolver conflitos de forma positiva, negociar de forma séria, competente e justa. Lamentavelmente, é o que não tem acontecido.

O ME parece continuar em fuga para afrente e apoia-se na tentativa de torcer o quadro legislativo no sentido de conter ou minimizar as consequências da greve em curso.

Paralelamente é divulgada informação e produzida opinião em dois sentidos, sublinhar o prejuízo causado aos alunos e diabolizar a greve e os professores recorrendo à produção de opinião e números com esse objectivo.

Parece clara a dificuldade em realizar uma greve que não tenha algum impacto na comunidade, esse é, justamente, uma das componentes do próprio processo da greve, seja em que sector de actividade for.

Parece-me também claro que os professores, na sua esmagadora maioria, prefeririam certamente não sentir motivos para realizar a greve com consequentes dificuldades para pais e alunos e para o seu próprio trabalho. Muitos esquecerão que boa parte dos professores também tem filhos ou netos dado o envelhecimento da classe. O processo de reivindicação da classe docente surge da revolta, cansaço e desânimo de muitos anos a sentir-se maltratada, desvalorizada profissionalmente, sem estabilidade e perspectivas de carreira, cansada, envelhecida e com quadros de mal-estar preocupantes.

Reafirmo a ideia de que os sistemas educativos considerados como tendo melhor qualidade, independentemente dos critérios de análise, são, em regra, os que mais valorizam os professores, em termos sociais, em termos profissionais e também no estatuto salarial.

Deixem-me insistir, a defesa da qualidade da educação e da escola, pública e também privada, passa incontornavelmente pela defesa e valorização das condições de trabalho, em diferentes dimensões, que possibilitem que o desempenho de escolas, professores, directores, técnicos, funcionários, alunos e pais tenha o melhor resultado possível.

A eternização deste conflito não serve a ninguém. Negociar com seriedade, competência e justiça servirá a todos.

O que é que aqui não se percebe?

quarta-feira, 7 de junho de 2023

VIDAS DE PROFESSOR

 No Público encontra-se uma peça extremamente elucidativa do que está em jogo no processo de revindicação dos professores que, incompreensivelmente ou talvez não, se arrasta há demasiado tempo com custos que deveriam ser ponderados por quem é responsável por políticas públicas.

São divulgados 45 “retratos” de professores que são exemplos de uma classe que expressa o cansaço e desânimo de muitos anos a sentir-se maltratada, desvalorizada socialmente e profissionalmente, sem estabilidade e perspectivas de carreira, cansada e envelhecida e com quadros de mal-estar preocupante

A natureza dos problemas envolvidos, o cansaço e desânimo que os professores sentem, a injustiça e desvalorização de que se sentem alvo, a burocracia asfixiante, o mal-estar acrescido pela manutenção de discursos e intervenções erráticas por parte da tutela e o recurso a procedimentos que, mais do que esclarecer ou contribuir para a solução, agudizam o confronto não favorecem a possibilidade de concertação e confiança.

O clima das escolas está significativamente alterado e, naturalmente, com impacto no trabalho de alunos, professores, funcionários, técnicos, direcções.

Uma política pública em matéria de educação está ao serviço da educação e das comunidades educativas e da qualidade do seu trabalho, é um instrumento de construção do futuro está obrigada a ter solidez ética, ser competente e politicamente clara.

São testemunhos de professores, pessoas, já com muitos anos de serviço, que percorrem o país procurando alguma estabilidade profissional.

Esta instabilidade é vivida com custos severos do ponto de vista económico, muitos docentes mantêm duas residências, familiares, separação forçada de filhos e cônjuges e também ponto de vista, emocional com potenciais riscos no bem-estar pessoal e desempenho profissional. Correm atrás da esperança de acumular tempo de serviço que lhe garanta colocação efectiva e mais próxima. A prolongar-se, a situação pode constituir mais um contributo para a baixa atractividade que, actualmente, a carreira docente parece revelar. Mais um efeito de um processo que não poderia decorrer da forma que está.

Muitos professores, alguns com muitos anos de experiência, vivem vidas adiadas, sem estabilidade, mantendo a dependência familiar ou adiando a vida familiar própria.

Parece também adiada a esperança e a confiança num futuro melhor.

Reafirmo a ideia de que os sistemas educativos considerados como tendo melhor qualidade, independentemente dos critérios de análise, são, em regra, os que mais valorizam os professores, em termos sociais, em termos profissionais e também no estatuto salarial.

Deixem-me insistir, a defesa da qualidade da educação e da escola, pública e também privada, passa incontornavelmente pela defesa e valorização das condições de trabalho, em diferentes dimensões, que possibilitem que o desempenho de escolas, professores, directores, técnicos, funcionários, alunos e pais tenha o melhor resultado possível.

A eternização deste conflito não serve a ninguém. Negociar com seriedade e justiça servirá a todos.

terça-feira, 6 de junho de 2023

AGRESSÃO A UM PROFESSOR, ENÉSIMO CASO

 Com alguma frequência, demasiada frequência, aqui escrevo sobre ou a propósito de situações de violência dirigida a professores realizada por alunos ou encarregados de educação (serão mesmo de educação?!).  Há poucos dias o tinha feito e mais um episódio grave volta a acontecer, desta vez numa Escola de 2º e 3º ciclo do concelho de Felgueiras. Um professor foi seriamente agredido por um aluno que recorreu a um ferro. A indiferença que a excessiva frequência pode causar não é opção.

Andam negros os tempos para os professores. Sempre que escrevo sobre esta questão, agressões ou insultos a professores e dadas as circunstâncias faço-o com regularidade, é sempre com preocupação e mal-estar, mas é preciso insistir pelo que retomo notas já aqui referidas, não me parece necessário encontrar outras palavras para tratar a mesma questão.

As notícias sobre agressões a professores, cometidas por alunos ou encarregados de educação, continuam com demasiada frequência embora nem todos os episódios sejam divulgados. Aliás, são conhecidos casos de direcções que desincentivam as queixas dado o “incómodo” e “publicidade negativa” para a escola que trará a divulgação.

Os testemunhos de professores vitimizados são perturbadores e exigem atenção e intervenção.

Cada um dos recorrentes episódios é, obviamente, um caso de polícia, mas não pode ser “apenas” mais um caso de polícia e julgo que, mais do que ser notícia, importaria reflectir nos caminhos que seguimos.

Esta matéria, embora seja objecto de rápidos discursos de natureza populista e securitária, parece-me complexa e de análise pouco compatível com um espaço desta natureza.

Justifica-se uma breve reflexão em torno de três eixos: a imagem social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.

Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de gente dentro do universo da educação que tem, evidentemente, responsabilidades acrescidas e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes ou com agendas implícitas, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para alterações significativas da percepção social de autoridade dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, sobretudo, alunos e pais. Os últimos tempos têm sido, aliás, elucidativos com discursos produzidos pela tutela sobre os professores que são parte do problema e não contributo para a solução.

Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais.

No entanto, importa registar que a classe docente é dos grupos profissionais em que os portugueses mais confiam o que me parece relevante.

Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os professores, entre outras profissões, polícias ou profissionais de saúde, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere, só por si, “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de desrespeito ou de agressão. O mesmo se passa, como referi, com outras profissões em que também, por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais da área da saúde, médicos e enfermeiros.

Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa que não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.

Considerando este quadro, creio que, independente de dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo, quer na actuação em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da função docente tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como prioridade na agenda política.

Definitivamente, a valorização social e profissional dos professores, em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade sendo esta valorização uma das dimensões identificadas nos sistemas educativos mais bem considerados.

É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de avaliação ou julgamento e a punição e responsabilização sérias dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.