AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

VIOLÊNCIA ENTRE JOVENS

 Nos últimos dois dias registaram-se episódios de violência e agressão entre adolescentes e jovens. Considerando a gravidade, implicações e frequência (apesar dos episódios conhecidos serem apenas uma parte dos que ocorrem), parece-me sempre importante reflectir sobre eles o que me leva a retomar algumas notas.

Os comportamentos agressivos e abusos entre jovens em contexto escolar, bullying por exemplo, ou fora deles, na vida nocturna por exemplo, são de sempre ainda que os estudos destes fenómenos sejam mais recentes. Não sendo também um fenómeno recente importa considerar o impacto da acção de grupos de adolescentes e jovens, os "gangues", a que as redes sociais dão amplificação e também alimentam. O volume e a gravidade de alguns episódios e, sobretudo, a sua mediatização através das redes sociais acrescentam uma maior visibilidade e preocupação que tem sido expressa nos mais recentes relatórios sobre segurança.

Na verdade e com alguma inquietação, em vários estudos ultimamente realizados constata-se que os adolescentes tendem a encarar a violência entre si e de uma forma geral, como normal o que não surpreenderá os mais atentos. A sociedade da informação, os sistemas de valores e um lado B dos actuais estilos de vida a que podemos acrescentar alguns conteúdos de vídeo jogos ou séries banalizam a violência, não são os adolescentes que a banalizam embora não esteja a estabelecer relações de causa e efeito.  Acrescem os contributos advindo de problemas sociais sérios que exclusão, pobreza, ausência de projectos de vida, etc., alimentam.

Por outro lado, a escola e o meio circundante, por serem os espaços onde os adolescentes e jovens passam a maior parte do seu tempo são, naturalmente, os espaços onde emergem e se tornam visíveis os problemas e inquietações que muitos alunos carregam. No entanto, não é possível considerar-se que a escola é mágica e omnipotente pelo que tudo resolverá. Tudo pode envolver a escola, mas nem tudo é da exclusiva responsabilidade da escola, família e outros actores da comunidade devem assumir responsabilidades até porque muitos dos jovens participantes nestes episódios estão já fora da idade de cumprimento da escolaridade obrigatória.

No entanto, sem desresponsabilizar as famílias importa não esquecer que alguns pais se sentem tão perdidos quanto os filhos, têm elas próprias dificuldades e disfuncionalidades que são parte do problema e não da solução pelo que também elas precisam de apoio, só responsabilizá-las não chega.

No que respeita à violência entre jovens, um fenómeno complexo, existem ainda duas questões que me parecem essenciais e contributivas para lidar com a situação. Em primeiro lugar é importante criar nos adolescentes jovens ou adultos vitimizados a convicção de que se podem queixar e denunciar as situações e encontrar dispositivos de apoio que garantam a protecção da vítima pois o medo de represálias é o principal motivo da não apresentação da queixa, sobretudo entre os mais novos. É importante também que os actores da escola e da comunidade saibam detectar nos adolescentes e jovens alunos sinais que indiciem vitimização e mal-estar.

Em segundo lugar, é preciso contrariar no limite do possível a ideia de impunidade, de que não acontece nada ao agressor. As escolas, tal como a comunidade em geral, podem e devem assumir atitudes e discursos que, visivelmente, mostrem um sinal de que não existe tolerância para determinados comportamentos.

É também importante que famílias, escolas e demais instituições com intervenção social estejam atentas e que possam ser dotadas de dispositivos de apoio e recursos suficientes e competentes que permitam o desenvolvimento de iniciativas no plano da formação e apoio aos adolescentes e jovens, integrados ou não nos conteúdos curriculares, que, tanto quanto possível, minimizem o risco de incidentes como os que têm ocorrido.

Os discursos demagógicos e populistas não são um bom serviço prestado à minimização destes incidentes que minam a qualidade cívica da nossa vida.

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

O LUXO DO DESPERDÍCIO

 Os tempos que vivemos são duros e torna-se difícil hierarquizar os problemas que afectam as comunidades. Talvez não seja o que mais frequentemente nos preocupa e faz reflectir, mas cumpre-se hoje o Dia Internacional da Consciencialização sobre Perdas e Desperdício Alimentar. É verdade, existe um dia para pensar no desperdício alimentar.

Recordo um trabalho de 2018 de Iva Pires, “Desperdício Alimentar”, divulgado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos no qual se estimava que cada família portuguesa desperdice 80 quilos de alimentos por ano, 1,5 Kg por semana.

A questão do desperdício alimentar, por cá e no mundo mais desenvolvido, não tem o destaque que se justificaria e, sobretudo, não parece abrandar. Num trabalho citado no The Guardian em 2016 lia-se que metade de toda a comida produzida nos EUA é deitada ao lixo.

Mais alguns dados. A Organização para a Alimentação e a Agricultura, da ONU, estima que 1,3 mil milhões de toneladas de alimentos, um terço do que é produzido, são desperdiçadas com um custo de anual de 570 mil milhões de euros para a economia global, o suficiente para alimentar 925 milhões de pessoas. Vivemos num mundo estranho. Na Europa, até chegar ao consumidor perde-se entre 30 e 40% da comida, qualquer coisa como 179 quilos por habitante, 42% dos quais em casa.

O Projecto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar (PERDA), desenvolvido pela Universidade Nova de Lisboa, conhecido em 2014, sugere que “no campo e no armazenamento, no sector da pecuária e nas pescas, todos os anos são desperdiçadas 332 mil toneladas de alimentos em Portugal, valor que ultrapassa o desperdício que é feito pelos próprios consumidores (324 mil toneladas de comida deitadas fora).

Somando as 77 mil toneladas perdidas na indústria que processa os alimentos, entre o campo e as fábricas, desperdiçam-se no total 409 mil toneladas por ano.”

Esta escala de valores no que respeita ao desperdício de alimentos é devastadora e, como por vezes se quer acreditar, não é coisa de gente rica, é coisa de toda a gente e mostra o quase tudo que está por fazer embora actualmente tenhamos em Portugal algumas iniciativas importantes no sentido de atenuar desperdícios.

Na verdade, o desperdício é um subproduto dos modelos de desenvolvimento e dos sistemas de valores que deveria merecer uma fortíssima atenção.

Há algum tempo, creio que em 2013, o Parlamento Europeu aprovou um relatório segundo o qual a União Europeia que tem 79 milhões de pessoas a viver abaixo do limiar de pobreza, 15,8% da população, e desperdiça anualmente cerca de metade do que consome em alimentos. Este desperdício corresponde a 89 mil milhões de toneladas, um assombro. Aliás, o Parlamento Europeu estabeleceu como objectivo reduzir em 50% o desperdício até 2025.

Neste quadro releva a necessidade urgente de ponderar os modelos de desenvolvimento económico e social, questionar o quadro de valores com que nos organizamos em comunidade, designadamente no que respeita ao consumo e aos excessos e combater desperdícios que também são consequência desses modelos.

Acresce que a perda e o desperdício de alimentos se repercutem significativamente na sustentabilidade dos recursos. O desperdício foi produzido com recursos, terra, água, trabalho, investimento que, obviamente, são inúteis e com sérios custos ambientais associados às alterações climáticas.

Escrever sobre estas questões em espaços desta natureza terá alcance zero, mas continuo convencido que é fundamental não deixar cair a preocupação, talvez seja melhor chamar-lhe a indignação, com a pobreza e exclusão para as quais os níveis de desperdício dão um forte contributo.

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

COM UM BOCADINHO DE SORTE

 Com um bocadinho de sorte teria nascido numa família que o desejasse e onde não representasse um estorvo.

Com um bocadinho de sorte teria brincado quando foi a altura de brincar.

Com um bocadinho de sorte teria passado por uma escola que sentisse sua e onde acreditassem que era capaz.

Com um bocadinho de sorte teria encontrado os amigos certos que o não levassem por descaminhos.

Com um bocadinho de sorte teria encontrado alguém que gostasse dele e ficasse a seu lado.

Com um bocadinho de sorte não teria a vida, má e feia, em que mergulhou.

Com um bocadinho de sorte teria percebido que o consumo o consumiria.

Com um bocadinho de sorte não teria estado naquele momento, naquele sítio.

Com um bocadinho de sorte não teria acabado assim, ainda novo.

Com um bocadinho de sorte teria sido gente.

(…)

Tantos miúdos que nascem e crescem sem um bocadinho de sorte. Dizem que é destino ... ou fado. Será que não conseguimos contrariar o destino?

terça-feira, 27 de setembro de 2022

SAÚDE MENTAL E ESCOLA - UM NOVO PROGRAMA

 Em Maio, foram divulgados os resultados e conclusões do estudo “Saúde Psicológica e Bem-estar” promovido pelo Ministério da Educação que procura caracterizar a saúde mental e bem-estar de alunos e professores. O estudo envolveu 8.067 crianças e adolescentes do pré-escolar até ao 12.º ano e 1.457 professores e os dados divulgados causaram alguma inquietação como sinal de mal-estar.

Na altura escrevi umas notas que recupero bem como alguns dos dados.


A experiência abrupta dos períodos de confinamento total por que passaram milhões de crianças e adolescentes em todo o mundo com o encerramento de escolas e, praticamente, de todos os serviços da comunidade de que são utentes, não podia deixar de ter implicações no seu bem-estar.

Desde logo e naturalmente pelo impacto no seu trajecto educativo e de aprendizagem, mas também no seu bem-estar, na sua saúde mental. Aliás, também nos adultos é considerável este impacto como também se verificou nos docentes.

O confinamento a que foram sujeitos em contextos familiares em que nem sempre os factores de protecção equilibravam os factores de risco, sustentou mudanças no seu bem-estar e comportamentos e a emergência de quadros de risco que agora viajam na "mochila" que os alunos carregam para a escola.

De facto, têm sido múltiplos os estudos que referem esta questão, a deterioração da saúde mental de crianças e jovens, mas também de adultos, designadamente professores no quadro da pandemia e, no caso de docentes, de questões de natureza profissional. Os confinamentos a que se associaram os períodos de isolamento, a falta de rede social dos pares, as dificuldades de diversa ordem sentidas nos contextos familiares terão dado um contributo significativo. Os dados mais recentes acentuam a importância desta matéria.

Deste quadro resulta a necessidade e urgência de atenção à saúde mental de crianças e jovens ainda que habitualmente a saúde mental seja um parente pobre das políticas públicas de saúde.

Assim, é fundamental que as comunidades educativas tenham os recursos ou dispositivos de acesso a esses recursos que acomodem as situações de vulnerabilidade psicológica e mal-estar. As crianças e adolescentes com necessidades específicas estarão muito provavelmente em situação de risco acrescido.

Crianças e adolescentes são mais resistente do que por vezes parecem, felizmente. No entanto, como já tenho escrito, importa um ambiente sereno que tranquilize e apoie alunos, professores, pais e técnicos.

É preciso sublinhar os professores e todos os que estão nas escolas precisam dessa tranquilidade para que possam ter mais bem-estar e melhor ensinem, apoiem e aprendam.

Será bom não esquecer que, par além dos recursos existem circunstâncias de risco para os quais se exigem políticas públicas adequadas.

Contextos familiares vulneráveis são, por exemplo, uma ameaça ao bem e estar e saúde mental de crianças e adolescentes. No que respeita aos professores, as condições de carreira e avaliação, a instabilidade nos trajectos profissionais a desvalorização sentida pelos professores, a asfixia da burocracia, o clima de escola em algumas situações, são, entre outras razões, um forte contributo para um mal-estar que afecta muitos docentes.

Por todo este cenário é crítico que a recuperação no plano das aprendizagens estivesse associada a uma forte preocupação com a saúde mental de alunos e professores com os apoios e recursos necessários.

Ao que tem sido divulgado o Plano de Recuperação e Resiliência prevê um investimento nos serviços de saúde incluindo a saúde mental, a ver vamos.

Uma nota final para a sublinhar a importância de que os recursos e iniciativas a desenvolver integrem as escolas no âmbito da sua autonomia e não “apareçam” traduzidos numa imensidade de projectos e iniciativas vindas “de fora” como, lamentavelmente, é frequente.

Hoje, no Público, divulga-se uma iniciativa, “Ao teu lado - Programa de Promoção de Bem-estar Mental nas Escolas” que irá ser desenvolvido em mais de 100 estabelecimentos de ensino durante os próximos quatro anos envolvendo mil alunos entre os 12 e os 15 anos, 800 professores e 2015 famílias.

Tinha de ser, mais uma iniciativa, para algumas escolas.

Desta vez é financiada pela Z Zurich Foundation e num primeiro ano sensibilizará as comunidades escolares para a problemática e em seguida intervirá com alunos e professores.

A operacionalização do Programa será da responsabilidade da EPIS - Empresários Pela Inclusão Social numa parceria com a Unidade de Psicologia Clínica Cognitivo - Comportamental da Universidade de Coimbra. Existirá uma equipa de investigação que realizará uma avaliação do impacto e eficácia do programa para perceber se houve um efectivo aumento do bem-estar mental.

Sim, como cantava o Zeca Afonso, “seja bem-vindo, quem vier por bem”, e como é evidente, registo todas as iniciativas que possam contribuir para minimizar ou erradicar problemas, mas já me falta convicção no impacto do modelo mais habitualmente seguido.

Para cada constrangimento ou dificuldade percebida nas e pelas escolas e com regularidade, aparece vindo de fora ou gerido de fora, um Plano, um Projecto, um Programa, uma Iniciativa, as combinações são múltiplas, destinado a essa problemática.

Durante as últimas décadas, perco a conta a planos, projectos, programas, experiências inovadoras que chegaram às escolas para combater o insucesso ou, pela positiva, promover o sucesso, promover a leitura e escrita, promover a matemática, promover a educação científica, promover a educação inclusiva, erradicar ou minimizar o bullying, a relação entre escola e pais e encarregados de educação, promover a expressão artística e a criatividade, promover comportamentos saudáveis e actividades desportivas, literacia financeira, promover a inovação e as novas tecnologias, para não falar de iniciativas mais "alternativas", por assim dizer, e que têm poderes mágicos, parece.

Com demasiada frequência muitos destes projectos vêm de fora das escolas, as origens são variadas, não chegam a envolver a gente das escolas, esmagada pelo trabalho, burocracia e outros constrangimentos como, por exemplo, assegurar da melhor forma possível o dia-a-dia do trabalho educativo que tem de ser realizado.

Também com demasiada frequência muitos destes projectos morrem de “morta matada” ou de “morte morrida”, não são avaliados de forma robusta e dão umas fotografias ou vídeos que compõem o portfólio dos organizadores e proporcionam uma experiência que se deseja positiva aos intervenientes no tempo que durou, mas sem mais impacto.

Todavia, preciso de afirmar que muitos destes Planos, Projectos, Inovações, etc. dão origem a trabalhos notáveis que, também com frequência, não têm a divulgação e reconhecimento que todos os envolvidos mereceriam.

Também demasiadas vezes estas iniciativas consomem recursos com baixo retorno e ao serviço de múltiplas agendas.

Tenho para mim, que não podendo a escola responder a todas as questões que afectam quem nelas passa o dia poderia, ainda assim, fazer mais se os investimentos feitos no mundo à volta da escola e que lhe vem bater à porta com propostas fossem canalizados para as escolas.

Com real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados as escolas poderiam fazer certamente mais e melhor que quem vem de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.

Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes domínios.

Directores de turma com mais tempo para os alunos e menos burocracia poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.

Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado, o que se verifica é inaceitável, poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.

Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno.

São apenas alguns exemplos de respostas com resultados potenciais com um custo que talvez não seja superior aos custos de tantos Projectos, Planos, Programas ou Iniciativas Inovadoras destinadas a múltiplas matérias e com custos associados de “produção” que já me têm embaraçado, mas a verdade é que as agendas e o marketing têm custos.

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

A MINHA ESCOLA É MELHOR QUE A TUA. OUTRO DIÁLOGO IMPROVÁVEL

 A minha escola é melhor que a tua, não tem repetentes.

A minha escola é melhor que a tua, também tem alunos com notas muito altas.

A minha escola é melhor que a tua, tem professores muito bons.

A minha escola é melhor que a tua, também tem professores fixes.

A minha escola é melhor que a tua, tem autocarros para nos ir buscar e levar para casa.

A minha escola é melhor que a tua, a gente pode ir a pé e diverte-se.

A minha escola é melhor que a tua, a gente porta-se bem.

A minha escola é melhor que a tua, a gente não tem farda.

A minha escola é melhor que a tua, não tem alunos esquisitos.

A minha escola é melhor que a tua, também tem alunos que são fixes.

A minha escola é melhor que a tua, tem montes de actividades para a gente fazer.

A minha escola é melhor que a tua, não tem montes de actividades para a gente fazer.

A minha escola é melhor que a tua, mas às vezes eu não gosto muito da minha escola.

A minha escola é melhor que a tua, mas às vezes eu também não gosto muito da minha escola.

domingo, 25 de setembro de 2022

AGORA O JARDIM DE INFÂNCIA A TEMPO INTEIRO

 O equívoco continua. Na imprensa de hoje divulga-se que o Governo pretende alargar o horário da educação pré-escolar pública que terminando agora às 15h, presumivelmente, se estenderá até às 17:30 como no 1º ciclo. A medida, assim como o almoço gratuito, estará inscrita no Plano de Acção da Garantia para a Infância.

Muitas crianças que frequentam a educação pré-escolar já estão no jardim de infância mais do que as cinco horas lectivas. As famílias recorrem, por necessidade ou opção, à frequência das Actividades de Animação e de Apoio à Família.

Não esqueço que os estilos de vida actuais colocam graves problemas às famílias para assegurarem a guarda das crianças em horários não escolares. A resposta tem sido prolongar a estadia dos miúdos nas instituições escolares radicando no equívoco que referi de início, o estabelecimento de uma visão de “Escola a tempo inteiro” em vez de “Educação a tempo inteiro”, agora na versão “Jardim de Infância a Tempo Inteiro”.

É preciso o maior dos esforços, espaços, equipamentos e recursos humanos qualificados para que se não transforme, agora o jardim de infância, numa “overdose” asfixiante para muitos miúdos e um clima pouco positivo de trabalho para todos profissionais que aí desempenham funções.

É verdade que sempre existirão boas práticas existem boas práticas neste universo, mas também conhecemos situações em que se verifica a dificuldade óbvia e esperada de encontrar recursos humanos com experiência e formação em trabalho não curricular com crianças a partir dos seis anos.

Reafirmo a consciência das enormes dificuldades que as famílias sentem na guarda das crianças em tempo não escolar. No entanto, não podem ser minimizadas basicamente com o recurso do prolongamento da estadia das crianças na escola, agora no jardim de infância.

A medida, ao que se lê, inscreve-se no Plano de Acção da Garantia para a Infância, mas seria mais ajustado que se considerasse a existência de um Plano de Acção de Garantia para a Família.

Neste Plano caberiam medidas integradas em política públicas de natureza social ou laboral que contribuam para que os tempos das famílias sejam mais amigáveis para os filhos, por exemplo o recurso ao teletrabalho ou a diferenciação nos horários de trabalho que em alguns sectores e profissões é possível.

Seria também de explorar a possibilidade de recorrer a outros serviços e equipamentos das comunidades, desportivos ou culturais, por exemplo, que respondessem às necessidades de crianças e jovens e não os manter na escola, a resposta mais fácil, mas com inconvenientes que me parecem claros. Aqui sim, parece-me importante o papel das autarquias.

Não podemos continuar a empurrar os miúdos para estadias nas instituições escolares que, com frequência, superam as horas de trabalho semanal definidas para adultos.

Não é uma fatalidade que tenhamos o cenário que se verifica, existem múltiplas possibilidades como se verifica em vários países.

sábado, 24 de setembro de 2022

OS DIAS DO ALENTEJO

 Nas duas últimas semanas chegaram as primeiras chuvas ao Alentejo. Por pouco não se cumpria a tradição de termos chuva na Feira d´Aires que se realiza este fim-de-semana neste canto alentejano.

Desde há muitos meses, demasiados meses, que tal não acontecia e o calor foi áspero. A terra gretada e desesperada por água agradeceu, já está a mudar de cor para um castanho mais escuro e amaciou. É uma terra milagrosa, uns dias de chuva e o pasto já está a nascer e vai ganharum verde que é vida e rapidamente irá tapar o castanho que ainda predomina.

Deu para fabricar um bom bocado de terra para começar a preparar a horta, o alho francês e as diferentes espécies de couve que compõem os pratos de Inverno já estão na terra. O cheiro da terra molhada a ser fabricada é redentor e assinala um novo começo. Seria desejável que este novo começo fosse mais amplo.

Também por esta altura é o tempo das nozes, a maior parte ficará apanhada esta semana. Algumas ainda não largam bem o involucro, têm um óleo que custa a sair da pele e nem sempre as luvas conseguem evitar umas mãos coloridas. Parecem boas, terão de secar um pouco e durarão até ao próximo ano.

E são assim os dias do Alentejo, agora menos completos, não temos o Mestre Marrafa aqui na lida com a gente.



sexta-feira, 23 de setembro de 2022

ESTUDAR, UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE ... MAS MUITO CARO

 Neste início de ano de lectivo registou-se no ensino superior o segundo maior contingente de alunos colocados o que é de sublinhar. No entanto, verificou-se que 10% dos alunos colocados não se inscreveram.

Este período também tem sido marcado pela enorme dificuldade criada no alojamento a alunos deslocados, designadamente, em Lisboa e Porto, mas não só. O cenário é de falta de oferta, o mercado turístico é mais atractivo, e pela exorbitância dos preços.

É também sabido que atravessamos um período muito duro para as famílias com impacto significativo em termos económicos pelo que podemos falar de “tempestade perfeita”.

Também sabemos que o abandono escolar no final do 1º ano no ensino superior aumentou em 20/21. Dos alunos que ingressaram num curso técnico superior, 24,4% tinham abandonado no final do primeiro ano face a 18,7% no ano anterior. Nas licenciaturas passou de 9,1% para 10,8%.

Todo este contexto vem mostrar que, apesar da qualificação ser um bem de primeira necessidade e um forte contributo para projectos de vida bem-sucedidos, existe uma questão de natureza estrutural, estudar no ensino superior é muito caro em Portugal. A recente alteração do regulamento de atribuição de bolsas não minimizou esta situação.

Algumas notas começando por alguns dados que já aqui tenho citado.

De acordo com Relatório do CNE, "Estado da Educação 2019", a percentagem de alunos que em Portugal acede a bolsas de estudo para o 1º ciclo está no segundo escalão mais baixo da análise, entre 10 e 24,9%. Para comparação, Irlanda, Países Baixos estão no intervalo entre 25% e 49,9% e a Suécia no superior a 75%. Países como Espanha, França, Reino Unido e muitos outros têm percentagens de alunos com apoio superiores a nós e, sem estranheza, também maior nível de qualificação.

Em 2018 foi divulgado um estudo já aqui citado, “O Custo dos Estudantes no Ensino Superior Português” da responsabilidade do Instituto de Educação da U. de Lisboa, relativo ao ano lectivo de 2015/2016 mostrando que cada estudante universitário gastou em média 6445€ em despesas como propinas, material escolar, alojamento ou alimentação. Os alunos de instituições universitárias privadas têm uma despesa perto dos 10000€ e nos politécnicos privados o custo será de 8296€. De facto, sendo a qualificação superior um bem de primeira necessidade para os cidadãos e para o país, é um bem muito caro, demasiado caro para muitas famílias e indivíduos.

Estudos comparativos internacionais, “Social and Economic Conditions of Student Life in Europe”, por exemplo, também mostram que as famílias portuguesas são das que suportam uma fatia maior dos custos de frequência do superior sendo que ainda se verifica uma forte associação entre a frequência do ensino superior e nível de escolarização e estatuto económico das famílias.

Apesar de um abaixamento do valor as propinas no ensino público, as dificuldades sentidas por muitos estudantes do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público, quer no sistema privado com valores bem mais altos de propinas, são, do meu ponto de vista, consideradas frequentemente de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal entendimento parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um luxo, um bem supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.

A qualificação é a melhor forma de promover desenvolvimento e cidadania de qualidade pelo que apesar de ser um bem caro é imprescindível.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

EDUCAÇÃO E ESTABILIDADE

 Estão a decorrer negociações entre o ME e representantes dos professores com uma agenda bem pesada e com negociações que não serão fáceis quando se discutem modelos de colocação e recrutamento. Estarão ainda de fora outras questões centrais como modelo de carreira e avaliação para além do estatuto salarial.

Independentemente das opções que estarão em cima da mesa, incluindo o alargamento da autonomia das escolas, julgo que será imprescindível acautelar dimensões como transparência, regulação, escrutínio e justiça. São por demais os exemplos das portas que se abrem com decisões e procedimentos dificilmente aceitáveis à luz destes critérios.

Parece-me ainda essencial que a discussão tenha também como eixo crítico a estabilidade, a estabilidade das escolas e do seu corpo docente e, naturalmente, a estabilidade dos professores.

São muitos, demasiados, os professores que ao longo de muitos anos vão percorrendo o país em busca de alguma estabilidade profissional.

Esta instabilidade é vivida com custos severos do ponto de vista económico, muitos docentes mantêm duas residências, familiares, separação forçada de filhos e cônjuges e até, do meu ponto de vista, emocional com potenciais riscos no bem-estar e desempenho profissional. Esta é, seguramente, uma das razões para a baixa atractividade da profissão docente.

Este cenário releva, obviamente, de medidas de política educativa com erros de décadas e outros mais actuais. Por outro lado, o modelo de gestão da colocação de professores carece de óbvia alteração, designadamente, caminhando numa perspectiva de descentralização que acompanhe a necessária e regulada autonomia das escolas e promova estabilidade.

Muitos professores, alguns com muitos anos de experiência, vivem vidas adiadas, sem estabilidade, mantendo a dependência familiar ou adiando a vida familiar própria.

Parece também adiada a esperança e a confiança num futuro melhor.

Será que vamos desperdiçar, mais uma oportunidade?

A história não vos absolverá.

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

PROFESSORES NOVOS, NOVOS PROFESSORES

 Nesta altura de início de ano lectivo multiplicam-se na imprensa as referências ao universo da educação. Boa parte delas tratam os problemas e inquietações em torno dos professores, justamente o grupo que tal como os alunos mais precisa de serenidade no seu trabalho.

No DN e a propósito do envelhecimento significativo e preocupante, mas previsível, da classe docente, encontra-se uma entrevista com David Erlich, professor de Filosofia que, com 33 anos, integra o grupo de 1,1% de professores com menos de 35 anos.

Gostei de ler a entrevista, merece reflexão, e devolve-nos algum esperança e optimismo. Também transmite alguma serenidade bem necessária a um universo atolado em burocracia e enredado em inúteis procuras de “nova escola”, “novos professores”, “novos paradigmas”, “projectos inovadores”, “iniciativas” “novas filosofias”, etc.

Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação por diferentes razões incluindo emocionais, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.

Sabemos que os sistemas educativos com melhor desempenho são também os sistemas em que os professores são mais valorizados, reconhecidos e apoiados.

Parece clara a necessidade urgente de definir uma resposta oportuna e consistente a este trajecto.

Não parece difícil perceber porquê.

terça-feira, 20 de setembro de 2022

APRENDER A ANDAR DE "BINA" NA ESCOLA

 Com alguma curiosidade leio no Expresso que a partir deste mês 259 escolas públicas começarão a receber kits de bicicletas e capacetes no âmbito do Desporto Escolar sobre Rodas esperando-se que todas as escolas sejam abrangidas até 2024. Finalmente, algo que na educação anda sobre rodas.

Com a medida pretende-se que todos os alunos aprendam a andar de bicicleta até ao final do 6º ano e se promovam formas mais saudáveis de mobilidade apesar de contextos muito pouco amigáveis em muitas das nossas cidades e vilas.

Ainda que possa entender a iniciativa não deixo de achar alguma estranheza na ideia de ser a escola a ensinar a andar de bicicleta ainda que também defenda que “andar de bina” é uma aprendizagem essencial.

Como sempre, alguma competência que é julgada útil vai engordar o trabalho da escola restando saber até quando a escola aguentará o contínuo aumento de solicitações. É bom lembrar que a escola passa por tremendas dificuldades para assegura o que só a escola pode fazer, ensinar os alunos através do trabalho dos professores que … não chegam para as necessidades.

É verdade que os estilos de vida e rotinas diárias se alteraram, as crianças tendem a desenvolver outro tipo de actividades pelo que várias escolas e agrupamentos ou autarquias têm desenvolvido iniciativas no mesmo sentido.

Recordo que a Câmara de Torres Vedras desenvolveu há já algum tempo uma iniciativa, “Mini-Agostinhas”, que envolvendo numa 1ª fase alunos do 1º e 2º ano de três escolas fomentou a aprendizagem do andar de bicicleta. Como afirmava um professor envolvido, muitas crianças acedem primeiro ao “tablet” que à bicicleta.

Recupero ainda o que escrevi a propósito de uma iniciativa semelhante numa escola básica de Lisboa na qual, também de acordo um dos responsáveis, numa turma de 4º ano com 25 a alunos, 80% não sabia andar de “bina”.

A experiência de andar de bicicleta está de facto ausente da vida de muitas crianças. Por questões da segurança, a alteração da percepção de valores, equipamentos, brinquedos e actividades dos miúdos e, sobretudo, a mudança nos estilos de vida, o brincar e, sobretudo, o brincar na rua começa a ser raro.

Embora consciente de variáveis como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível “devolver” os miúdos ao circular e brincar na rua, talvez com a supervisão de velhos que estão sós as comunidades. Seria muito bom que as famílias conseguissem alguns tempos e formas de ter as crianças fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.

Quantas histórias e experiências muitos de nós carregam vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de formas diferentes para aquilo que somos e de que gostamos.

Como muitas vezes tenho escrito e afirmado, o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente, os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia.

Curiosamente, se olharmos às nossas condições climatéricas, Portugal é um dos países com valores mais baixos no tempo dedicado a actividades de ar livre, situação com implicações menos positivas na qualidade de vida, nas suas várias dimensões, de miúdos e crescidos.

Talvez, devagarinho e com os riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os dias.

A notícia e as notas, que alinhei fizeram-me também recordar com imensa ternura e nostalgia a minha bicicleta de adolescente, lá muito para trás no tempo numa estória que já por aqui passou.

Tive a sorte de ter uma bicicleta desde gaiato pequeno, oferta de tios generosos, por isso sempre me habituei a bicicletas até porque foi o veículo de transporte familiar até à adolescência, altura em que o orçamento lá de casa possibilitou a aquisição de uma motorizada para a família e na qual todos se reviam embevecidos. É certo que continuávamos em duas rodas, mas sempre tinha motor.

Já mais crescido, a economia familiar tinha limites apertados e não chegava para uma bicicleta nova de roda 28 pelo que desenvolvi um empreendedor plano. Recolhia cobre de fios velhos de instalações eléctricas e latão, sobretudo dos casquilhos das lâmpadas, que trocava no ferro-velho do Gato Bravo por peças para a minha bicicleta. O quadro, as rodas, selim, o guiador, os travões, o dispositivo de iluminação com o dínamo na roda e a minha bicicleta foi crescendo, linda, através do que se poderia designar por um modelo pioneiro de “assembling”, com a ajuda sabedora e companheira do meu pai, um conhecedor de bicicletas e, sobretudo, um especialista em gente miúda. Não vos posso dizer a cor da minha bicicleta porque teve várias, era uma bicicleta personalizada.

De vez em quando, conseguia outro guiador, outro selim e a minha amada e invejada bicicleta sofria um “restyling” ou “tuning”, até mudanças ganhou. Grandes voltas percorremos nós, quase sempre com o Zé Padiola, tantas idas à Costa da Caparica e à Fonte da Telha, sempre por estradas que há quarenta anos ainda nos permitiam andar de bicicleta sem os riscos actuais.

É verdade que eu e ela também testámos o chão, mas éramos solidários e amigos, quando eu caía, ela acompanhava-me sem um queixume ou ponta de revolta.

Era uma diversão a sério. Que saudades da minha bicicleta e do tempo em que aprendíamos muito na rua.

Ainda agora, não tanto quanto queria, ando de bicicleta sempre com gozo, tal como o fazem os meus netos que já me fogem na "brasa", o Tomás, seis anos, diz que é por causa das mudanças. Eu sei, Tomás, é mesmo uma questão de mudanças, as que a idade traz, por exemplo.

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

OS FARDOS QUE AS CRIANÇAS CARREGAM

 Muito provavelmente esta não será uma questão importante embora seja uma questão de peso e que deveria merecer alguma atenção. Refiro-me ao excesso de peso que muitas crianças e adolescentes carregam nas mochilas.

Em 2017, na sequência de uma petição subscrita por mais de 50000 cidadãos, foi aprovada no Parlamento uma recomendação sobre esta questão e em 2017 o ME divulgou um conjunto de recomendações sob a designação “Mochila Leve” relativas ao excesso de peso que muitos crianças e adolescentes carregam nas mochilas. A campanha iniciada tem como designação “Mochila Leve”.

Nessas recomendações contemplavam-me medidas como o estabelecimento de dispositivo de homologação das mochilas e das condições ergonómicas mais adequadas, a definição de salas fixas para cada turma, para evitar que as crianças tenham de carregar as mochilas durante os intervalos, a instalação de cacifos, a possibilidade dos materiais escritos, manuais, por exemplo, livros serem produzidos com um papel com uma gramagem mais leve ou a utilização gradual dos recursos digitais que também se estavam incluídas na recomendação do Parlamento.

Os anos da pandemia viraram do avesso o mundo da escola que parece recuperar agora as suas rotinas, ainda que não a sua tranquilidade.

Eu sei que nem toda gente concorda que a vida de muitos miúdos se traduz num fardo bem pesado, mas a verdade é que diferentes estudos sugerem que cerca de sete em cada dez crianças transportam às costas um peso superior ao aconselhado pela OMS, 10% do seu peso corporal.

Como é óbvio, pelas suas implicações e riscos, imediatos e a prazo, para a saúde dos miúdos, esta questão deve merecer a atenção de pais e educadores no sentido de a minimizar, embora, por outro lado, o seu transporte configure um exercício físico que minimiza a ausência de espaços e equipamentos adequados em muitas das nossas escolas e combate uma infância sedentarizada, a troco, é certo, de uma coluna castigada. Nada é perfeito, dir-se-á com algum cinismo.

No entanto, aproveitando o espaço e o tempo de reflexão, talvez também fosse útil olhar de uma forma mais alargada para o peso excessivo que muitas crianças carregam nas suas costas.

As mochilas escolares serão apenas um dos carregos, por assim dizer, mas existem outros que temo ficarem fora deste conjunto de recomendações e nas quais insisto.

Estou a pensar no peso da pressão para que sejam excelentes.

Estou a pensar no peso da pressão para que sejam o que não são e da pressão para que não sejam o que são.

Estou a pensar no peso da pressão de viver demasiado só.

Estou a pensar no peso da pressão que leva a que, por vezes, só gritando e agitando-se se façam ouvir.

Estou a pensar no peso da pressão de não conhecer o caminho e sentir-se perdido.

Estou a pensar no peso da pressão de actividades sem fim e, às vezes, sem sentido.

Estou a pensar no peso da pressão do depressa e bem.

Estou a pensar no peso da pressão para sejam diferentes e na pressão para que sejam iguais.

Estou a pensar na pressão da exclusão e do insucesso.

Estou a pensar na pressão dos que são vitimizados por outros que também sendo vítimas se escondem na agressão.

Estou a pensar no peso da pressão causada por famílias demasiado distantes ou por famílias demasiado próximas ou ainda por famílias ausentes.

Na verdade, há miúdos que carregam o mundo às costas. Entende-se as preocupações dos professores, pediatras, psicólogos, ortopedistas, outros especialistas e de muitos de nós com a coluna dos miúdos.

Não, não é uma visão romântica ou “eduquesa”, seja lá isso o que for, trata-se do bem-estar de crianças e adolescentes.

domingo, 18 de setembro de 2022

DOS DOCENTES CONTRATADOS

 O CM retoma com colocação em primeira página a ausência de resposta do Ministério da Educação à Comissão Europeia sobre a regularização da progressão salarial dos professores contratados a que estava obrigado por uma directiva de 1999 que deveria ter sido transposta em 2001.

A Comissão abriu um procedimento por infracção contra Portugal em Novembro a que o Ministério deveria responder até 5 de Setembro.

A questão deve-se a que os professores contratados não têm o seu salário actualizado anualmente, mantendo-se inalterado e significativamente abaixo vencimento dos seus colegas que integram os quadros. Esta situação afecta milhares de professores com muitos anos de serviço e que não têm conseguido aceder aos quadros em virtude das opções erradas em matéria de política educativa. Esta situação não é a única razão, mas faz parte do conjunto de dimensões que alimentam o cenário que vivemos de falta de docentes e pouca atracção pela profissão.

No dia 9 o Ministro da Educação, sem adiantar quando responderia à Comissão, afirmou, lê-se no JN, que o processo ainda está na fase de “direito de oposição”, “Ainda estamos no diálogo jurídico-legal com a Comissão Europeia”. Como?

“Direito de oposição” a quê? A que um professor veja o seu salário progredir a cada ano de trabalho tal como acontece aos seus colegas?

“Diálogo jurídico-legal”?!

Não senhor Ministro, esta questão não é um problema jurídico-legal, é um problema de ética, de seriedade institucional, de justiça moral e zelo, de equidade, de respeito por profissionais e pelo seu trabalho, pela ordem que lhe parecer.

Gerir esta questão com base nas habilidades processuais jurídicas é inaceitável e ajuda a perceber a forma e a cultura com que o Ministério da Educação tem tratado os professores.

Importa sublinhar que também sabemos, e o Senhor Ministro também sabe, que apesar das dificuldades que o mundo da educação sempre sente,  os sistemas educativos com melhor desempenho são também os sistemas em que os professores são mais valorizados, reconhecidos e apoiados.

sábado, 17 de setembro de 2022

DA POBREZA

 Segundo dados divulgados pelo Eurostat relativos a 2021, o índice de pobreza subiu na UE em termos médios, sendo que em Portugal a subida foi maior, afecta cerca de 2,3 milhões de pessoas, mais 2,4% que em 2020, e acima da média europeia, 21,7%.

Conforme trabalho no Expresso e de forma mais diferenciada, sem surpresa, a pobreza afecta mais as famílias com crianças, a população menos escolarizada e mulheres. Considerando a população em situação de pobreza, 22,9% são crianças e 24,25 têm entre 18 e 24 (justamente a idade de frequência do ensino superior ou a entrada no mercado de trabalho). Portugal foi o país em que a situação mais se agravou descendo cinco lugares na ordenação realizada.

Com a situação que actualmente atravessamos e não esperando alterações substantivas nos tempos mais próximos as circunstâncias de vida para boa parte da população são dramáticas mesmo para muitas pessoas que trabalham e não conseguem sair da pobreza.

Também sabemos que a pobreza tem claramente uma dimensão estrutural e intergeracional, de acordo com vários estudos, as crianças de famílias pobres demorarão até cinco gerações a aceder a rendimentos médios, um indicador acima da média europeia.

A escola é certamente uma ferramenta poderosa de promoção de mobilidade social, mas, por si só, dificilmente funciona como elevador social.

O impacto das circunstâncias de vida no bem-estar das crianças, em particular no rendimento escolar e comportamento, é por demais conhecido. Essas circunstâncias constituem, aliás, um dos mais potentes preditores de insucesso e abandono quando são particularmente negativas, como é o caso de carências significativas ao nível das necessidades básicas, incluindo bem-estar psicológico e emocional. Em qualquer parte do mundo, miúdos que passam mal têm menor desempenho escolar e mais provavelmente vão continuar pobres. Com ligeiras alterações as estatísticas internacionais referentes a assimetrias e incapacidade de proporcionar mobilidade social através da educação vão-se mantendo. Não estranhamos. Dói, mas é “normal”, será o destino.

É verdade que com muita frequência a escola distribui refeições e disponibiliza recursos a alunos mais carenciados e ainda bem que o faz. No entanto, não compete à escola a resolução de questões estruturais nas quais radica a pobreza continuada nem o providenciar de necessidades básicas às crianças.

Assim, ou nos concertamos na exigência a alterações nos modelos de desenvolvimento de modo a garantir, tanto quanto possível, equidade e um combate eficaz à exclusão com a consequente alteração nas políticas públicas, ou ciclicamente nos confrontamos com indicadores desta natureza. Os dias que vivemos mostram como e difícil é concertar perspectivas na promoção de um sentido comum, o bem-estar das comunidades.

Não, não é destino que os filhos dos filhos dos filhos, dos filhos das famílias pobres continuem pobres. Se assim acontece e continuar a acontecer é a falência das políticas públicas e dos que por elas são responsáveis.

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

AGORA VAI

 No Público encontra-se um trabalho elucidativo sobre as dificuldades que muitos pais de crianças com necessidades especiais sentem para encontrar respostas para os filhos no complemento ao horário escolar ou mesmo para participarem nas Actividades de Enriquecimento Curricular. Estas respostas envolvem Ateliers de Tempos Livres, actividades no âmbito da Componente de Apoio à Família ou as Actividades de Animação e de Apoio à Família.

Estas respostas podem ser no âmbito privado, social ou autárquico para além das responsabilidades da escola.

Nada de novo, lamentavelmente. Para as crianças com necessidades especiais e respectivas famílias, a vida é muito complicada face à qualidade e acessibilidade aos apoios e recursos educativos e especializados necessários. Não esqueço os bons exemplos e práticas que conhecemos, assim como sei do empenho e profissionalismo da maioria dos profissionais que trabalham nestas áreas.

O que me parece relevante é a resposta da Secretária de Estado da Inclusão a solicitação do Público, estão definidas três prioridades para este ano lectivo, a revisão do DL 54/2018 respeitante à Educação Inclusiva, acções de formação para os “actores escolares” sobre este documento e a criação de um grupo de trabalho com membros do seu gabinete e do Ministério da Educação, para analisar as queixas que recebam dos pais, “Será uma task force para receber exposições e procurarmos resolver caso a caso, de forma mais cirúrgica”.

A sério!?

Sendo certo que importa pensar na revisão do DL 54/2018 precisamos de perceber em que sentido e com base em que avaliação?

A onda de capacitação que varre o sistema tinha, naturalmente, de ser … inclusiva.

E mais uma “task force”, claro, para ouvir as queixas e (procurar) resolver os problemas.

Daí este meu cansaço.

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

À CONVERSA COM PAIS

 Mais uma vez voltei ao Agrupamento de Escolas de Santo António, na zona do Barreiro, para uma conversa com um numeroso grupo de pais/mães de alunos que começam este ano o 5º ano. O Agrupamento é um daqueles territórios educativos onde, dizem, se faz “intervenção prioritária” ainda que, em bom rigor e tal como em todos os territórios educativos, se realize a intervenção possível.

Apesar da redução da actividade profissional o trabalho com pais e encarregados de educação é sempre estimulante. Mais estimulante é quando estamos numa comunidade educativa que procura empenhadamente construir um futuro melhor para os seus filhos ou alunos, muitos dos quais a viver em circunstâncias de alguma vulnerabilidade.

Buscar por um inexistente manual de instruções para lidar com os filhos, ajudar a construir um caminho que os leve sem grandes sobressaltos ao futuro, dá sempre origem a histórias e inquietações que partilhadas ajudam a pensar e a fazer.

Para além de abordarmos algumas questões mais específicas relativas à transição do 4º para o 5º ano e noutra escola com características diferentes, acordámos em ideias simples e que parecem bons contributos.

Educar pode traduzir-se em ajudar alguém a tomar conta de si próprio. Assim, a autonomia é o fio estruturante da acção educativa e começa no berço. Quanto mais autónomos mais autodeterminados e auto-regulados as crianças e jovens serão, menos será necessário "tomar conta deles", eles saberão tomar conta de si de forma adequada.

O afecto é imprescindível, não existe "afecto a mais" ou, noutra versão, "mimos a mais". Existe mau afecto e mau mimo e mau porque é tóxico, faz mal e não por ser muito. As regras e os limites são bens de primeira necessidade. Tal como com os afectos, nenhuma dieta educativa pode prescindir de regras e limites.

A educação, escolar ou familiar, assenta relação que tem como ferramenta essencial a comunicação. A comunicação é essencial, em qualquer idade.

Os pais, todos os pais independentemente da sua qualificação escolar têm um papel importante na sua relação com a escola e na relação dos seus filhos com a escola.

Estudar e adquirir uma qualificação é o melhor passaporte para o futuro e os pais ajudam a adquiri-lo em conjunto com a escola.

Foi boa a conversa, um dia destes lá voltarei.

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

AOS VOSSOS LUGARES

Entre terça e a próxima sexta-feira iniciam-se as aulas embora não todas, faltarão professores para algumas o que condicionará a actividade escolar.

Depois de dois anos completamente atípicos seria desejável um ano lectivo que se iniciasse e decorresse com alguma serenidade. No entanto, o universo da educação parece estar condenado ao sobressalto, os discursos não se centram no trabalho em sala de aula de alunos e professores, mas noutras dimensões da “escola” cujo relevo quase faz esquecer o que é central, aprender e ensinar num clima positivo e tranquilo.

Tanto está a ser dito, que dificilmente serei capaz de acrescentar algo a não ser reforçar um apelo à serenidade.

Assim e talvez porque o meu neto pequeno, o Tomás, está a iniciar a escolaridade obrigatória, umas notas pensando sobretudo nos que vão começar a sua estrada na escolaridade obrigatória. Deixem que fale um pouco do que se espera e deseja que aconteça nos próximos tempos, o trabalho de professores e alunos em sala de aula, as aulas, o que menos me parece ser objecto de reflexão.

Para a maioria das crianças e apesar da sua experiência na educação pré-escolar, a "entrada" na escola, ou melhor, o processo de início da escolaridade obrigatória, continua a ser uma experiência fundamental para o lançamento de um percurso educativo e formativo com sucesso.

Em muitíssimas circunstâncias da nossa vida, quando alguma coisa não correu bem, é possível recomeçar e tentar de novo esperando ser mais bem-sucedido. Todos experimentámos episódios deste tipo.

Pois bem, o processo de início da escolaridade envolve na verdade um conjunto de circunstâncias irreversíveis, ou seja, quando corre mal já não é possível voltar atrás e recomeçar com a esperança de que a situação vá correr melhor. Por isso se torna imprescindível que o começo seja positivo. Para isso, importa que seja pensado e orientado, que crie as rotinas, a adaptação e a confiança em miúdos e em pais indispensáveis à aprendizagem e ao desenvolvimento bem-sucedidos.

Os tempos actuais tornam bastante mais difícil que assim seja, mas esse é o nosso grande desafio.

É fundamental não esquecer que por variadas razões, os miúdos à "entrada" na escola não estão todos nas mesmas condições, ambiente, experiências e recursos familiares, percurso anterior, características individuais, etc. o que exige desde o início uma atenção diferenciada que combata a cultura de que devem ser todos tratados da mesma maneira, normalizando o diferente, que alguma opinião publicada e ignorante defende. Muitas vezes os lugares da escola não conseguem acomodar a diversidade dos alunos, a escola ainda não é para todos com a mesma qualidade.

Antes de, com voluntarismo e empenho, se tentar ensinar aos miúdos as coisas da escola é preciso, como sempre afirmo, dar tempo, oportunidade e espaço para que os miúdos aprendam a escola. Depois de aprenderem a escola estarão mais disponíveis para aprender então as coisas da escola.

Vai começar o tempo do trabalho "a sério" e muitas crianças irão rapidamente sentir-se pressionados para a excelência, o mundo não é para gente sem sucesso. Vão ter que adquirir competências, muitas competências, em variadíssimas áreas, porque é preciso ser bom em tudo e é preciso preparar para o futuro, curiosamente, descuidando, por vezes, o presente.

E vão também começar a perceber como anda confusa a cabeça dos adultos, como estamos sem perceber o nosso próprio presente e com dificuldade em antecipar o futuro, que será o presente deles.

Vão, parte deles, desaprender de rir, de se sentir bem e de brincar, a coisa mais séria que sempre fizeram.

Vão ouvir cada vez mais frequentemente qualquer coisa como "não podes fazer isso, já és uma mulherzinha, ou um homenzinho", como se as mulherzinhas e os homenzinhos já crescidos não fizessem asneiras.

Vão conhecer tempos em que se sentem sós e perdidos com um mundo demasiado grande pela frente.

Mais cedo ou mais tarde, alguns deles, vão sentir uma dor branda que faz parte do crescer, mas que, às vezes, não passa com o crescer.

Também sei, felizmente que a grande maioria vai continuar a sentir-se bem, por dentro e para fora.

Pode parecer-vos um pouco estranho, mas gostava que a estes miúdos que agora vão começar "a escola", tal como aos outros que já a cumprem, lhes apetecesse "fugir para a escola" e que nós possamos ser capazes de lhes dizer "Cresçam devagarinho, não tenham pressa".

É que depressa e bem, não há quem, como se costuma dizer.

Boa sorte e bom trabalho para alunos, professores, técnicos, funcionários e pais.

terça-feira, 13 de setembro de 2022

ESCOLA ONZE MESES POR ANO

 Ontem, a propósito da entrevista de Carlos Neto ao Público e da iniciativa “Escola a Tempo Inteiro”, abordei aqui a questão dos tempos da escola. Apesar disso, retomo a questão.

Com alguma estranheza da minha parte passou despercebida, que me desse conta, a notícia no CM relativa à apresentação por parte da Confederação Nacional das Associações de Pais ao Governo de uma proposta defendendo que o fim das férias escolares dos alunos seja em Agosto.

Não é nada de novo, em 2015 já o Presidente da CONFAP tinha defendido a existência de apenas um mês de férias para os alunos.

Estranhamente, ou talvez não, vou comentar a proposta de hoje com o que disse em 2015. No sistema educativo que temos e no modelo de sociedade em que vivemos proporcionar onze meses de estadia na escola é insustentável.

É verdade, sentimos todos, que os estilos de vida actuais colocam graves problemas às famílias para assegurarem a guarda das crianças em horários não escolares. A resposta tem sido prolongar a estadia dos miúdos nas instituições escolares radicando, como ontem escrevia, no que considero um equívoco, o estabelecimento de uma visão de “Escola a tempo inteiro” em vez de “Educação a tempo inteiro”. A CONFAP insiste neste caminho.

No actual quadro de organização das escolas os alunos podem estar na escola entre as 8h (ou 7:30 em algumas escolas) e as 19h (19:30 em algumas escolas), é obra!

É preciso o maior dos esforços, espaços, equipamentos e recursos humanos qualificados para que se não transforme a escola numa “overdose” asfixiante para muitos miúdos e um clima pouco positivo de trabalho para todos profissionais que nela desempenham funções.

É verdade que existem boas práticas neste universo, mas também conhecemos situações em que se verifica a dificuldade óbvia e esperada de encontrar recursos humanos com experiência e formação em trabalho não curricular com crianças a partir dos seis anos.

Acresce que muitas escolas, fruto da concentração de alunos e do número de alunos por turma, não possuem espaços ou equipamentos que permitam com facilidade o desenvolvimento de actividades fora do figurino mais habitual de actividades de natureza escolar.

Em muitas situações, apesar do empenho dos profissionais (alguns não o são por falta de qualificação adequada), apesar dos alunos estarem “guardados” o benefício imediato é quase nulo e a consequência a prazo poderá ser a desmotivação, no mínimo.

Neste quadro, manter aos alunos onze meses na escola é de um enorme risco.

Creio que a CONFAP andaria melhor se promovesse, dentro das suas competências, a discussão sobre a organização do trabalho, os horários e políticas de família, para que as famílias, quando fosse possível evidentemente, pudessem ter alternativas de horários laborais que lhes permitissem mais disponibilidade para os filhos.

Seria também de explorar a possibilidade de recorrer a outros serviços e equipamentos das comunidades, desportivos ou culturais, por exemplo, que respondessem às necessidades de crianças e jovens e não os manter na escola, a resposta mais fácil, mas com inconvenientes que me parecem claros. Aqui sim, parece-me importante o papel das autarquias.

Na mesma lógica da pretensão expressa pela CONFAP por que não avançar com a proposta de que as escolas estejam abertas, por exemplo, à sexta à noite de modo a permitir vida cultural ou social dos pais?

Sim, é anedótico e demagógico, mas trata-se de sublinhar que, por um lado, a escola não pode ser a solução para todos os problemas das famílias, crianças e jovens e que, por outro lado, nem sempre os interesses dos pais coincidem com os interesses dos filhos.

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

EXPLICAÇÕES

 Apesar de ainda estarmos no início do ano lectivo e de acordo com o JN o recurso a apoio escolar externo, a “explicação”, está já em alta, quer na procura, quer no crescimento da oferta com a abertura de novos espaços. Trata-se de um nicho de mercado que apesar da pandemia, ou por causa da pandemia, continua em franco florescimento.

Algumas vezes aqui tenho abordado esta questão e retomo algumas notas. Recordo um estudo realizado em 2019 pelo grupo “Ginásios da Educação Da Vinci”, um franchising que gere em Portugal 42 centros respondendo a 5400 alunos num universo estimado em 244 mil que recorrem a estes “serviços”. Destes, cerca de 70% têm “explicadores” particulares, maioritariamente professores que dão explicação num “cantinho” da sua casa num volume de facturação estimado em 200 milhões de euros e que passa, por assim dizer ao lado, das obrigações fiscais. Ainda segundo os mesmos dados, existirão à volta de doze mil explicadores e de mil centros de estudo e apoio escolar.

Trata-se de facto de um mercado em expansão e fomentador do empreendedorismo individual e que também contribui para acentuar as desigualdades sociais pré-existentes sem qualquer sobressalto por parte de quem é responsável por políticas públicas.

É um mercado que envolve alunos de todos os anos de escolaridade, mas tem maior procura em anos de exame e no ensino secundário quando está em jogo o acesso ao ensino superior.

Na verdade, é um mercado generalizado como se pode verificar com um passeio pelas proximidades das escolas abundando a oferta de ajudas fora da escola, antes conhecidas por “explicações”, mas agora com designações mais sofisticadas como “Centro de Estudo”, “Ginásio”, "Academia", etc., que, provavelmente, terão mais efeito “catch” no sentido de atingir o “target”, aliás, não são raras as designações em inglês. Ainda temos a oferta mais personalizada, as “explicações” no aconchego caseiro dos explicadores, numa espécie de atendimento personalizado. O mercado está sempre atento e o marketing desempenha um papel importante.

Apesar de nada ter contra a iniciativa privada desde que com enquadramento legal e regulação, o que está longe de existir, várias vezes tenho insistido no sentido de entender como desejável que os apoios e ajudas de que os alunos necessitam fossem encontrados dentro das escolas e agrupamentos. O impacto no sucesso dos alunos minimizaria, certamente, eventuais custos em recursos que, aliás, em alguns casos já existem dentro do sistema.

Esta minha posição radica no entendimento de que a procura “externa” de apoios, legítima por parte das famílias, tem também como efeito o alimentar da desigualdade de oportunidades e da falta de equidade como tem sido regularmente sublinhado em múltiplos estudos.

Neste contexto, recordo que no Relatório do CNE, "Estado da Educação 2016", constava um dado interessante relativo a Portugal que na altura comentei e extraído do TIMSS de 2015. Referindo apenas o secundário, 61% dos estudantes do secundário afirmam ter aulas particulares de Matemática no sentido de melhorar o desempenho nos exames. A comparação com outros países é elucidativa tanto mais se considerarmos o respectivo nível de vida, sendo a Noruega um exemplo extremo.

Também trabalhos realizados pelo CNE e pela Fundação Francisco Manuel dos Santos que evidenciam algo de muito significativo apesar de bem conhecido e reconhecido, nove em cada dez alunos com insucesso escolar são de famílias pobres.

A ajuda externa ao estudo como ferramenta promotora do sucesso não está ao alcance de todas as famílias pelo que é fundamental que as escolas possam dispor dos dispositivos de apoio suficientes e qualificados para que se possa garantir, tanto quanto possível, a equidade de oportunidades e a protecção dos direitos dos miúdos, de todos os miúdos.

De uma vez por todas, é necessário contenção e combate ao desperdício, mas em educação não há despesa há investimento. Talvez o investimento canalizado para inúmeros projectos, iniciativas, vestidas de "inovação" e vindas de fora da escola fosse mais eficiente se utilizado na e pela escola no âmbito da sua autonomia.

domingo, 11 de setembro de 2022

PARA REFLECTIR, A ENTREVISTA DE CARLOS NETO NO PÚBLICO

 Vale a pena reflectir sobre a entrevista do Professor Carlos Neto no Público. Não temos de concordar ou discordar relativamente a tudo o que é afirmado, mas precisamos de reflectir em muitas das questões abordadas.

Desde 2006, quando foi lançada, que considero a “Escola a Tempo Inteiro” um dos maiores equívocos em matéria de educação. Precisamos de “Educação a Tempo Inteiro”, não de “Escola a Tempo Inteiro”.

As enormes dificuldades que as famílias sentem na guarda das crianças em tempo não escolar, não podem ser minimizadas basicamente com o recurso do prolongamento da estadia das crianças na escola.

Urgem medidas integradas em política públicas de natureza social ou laboral que contribuam para que os tempos das famílias sejam mais amigáveis para os filhos, por exemplo o recurso ao teletrabalho ou a diferenciação nos horários de trabalho que em alguns sectores e profissões é possível.

Não podemos empurrar os miúdos para estadias nas escolas que, com frequência, superam as horas de trabalho semanal definidas para adultos.

Não é uma fatalidade que tenhamos o cenário que se verifica, existem múltiplas possibilidades como se verifica em vários países.

sábado, 10 de setembro de 2022

AS PALAVRAS ADEQUADAS

 Entre as diversificadas actividades de aprendizagem da escrita e da leitura nos primeiros anos de escolaridade, muitos professores recorrem ao completamento de frases ou pequenos textos com espaços em branco que os alunos devem preencher com as palavras adequadas retiradas de uma pequena lista, ou, mais difícil, escolhidas pelos alunos.

É um exercício engraçado que após o domínio aparente das competências de leitura e escrita deixa de ser realizado o que, do meu ponto de vista, não deveria acontecer.

Ao longo do nosso crescimento e aprendizagem assume progressiva importância a escolha das palavras adequadas. Em muitas circunstâncias da nossa vida e por razões bem diferentes na sua natureza, experimentamos sérias dificuldades na utilização das palavras ajustadas. Umas vezes, faltam-nos e sem a lista à mão ficamos aflitos para encontrar a boa palavra. Outras vezes, sobram-nos e nem sabemos muito bem o que fazer com elas, onde as colocar e quais.

Na verdade, já todos passámos por muitas situações em que não ouvimos ou dissemos as palavras adequadas. Pode ser maior ou menor, mas é um embaraço que repetidamente nos acontece.

É por isso que julgo ser importante continuar durante a vida a aprender a escolher as palavras certas para o que queremos dizer.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

DO BULLYING

 Nesta série de textos enquadrados pelo início do ano escolar, uma reflexão sobre uma questão bem presente no quotidiano da vida escolar e fonte de mal-estar e sofrimento para muitas crianças, o bullying nas suas múltiplas variantes.

Há dias o CM revelava dados do ME segundo os quais, no último ano lectivo, foram reportados pelas escolas 225 casos de bullying incluindo cyberbullying.

É uma matéria que merece atenção e intervenção, o bullying e em particular o cyberbullying, continua a ser fonte de sofrimento para muitas crianças e jovens e, naturalmente, uma fonte de preocupação para famílias, professores e técnicos.

Mesmo durante o período do de confinamento a variante cyberbullying constituiu uma fonte de enorme inquietação como emergiu no estudo “Cyberbullying em Portugal durante a pandemia da covid-19” do Centro de Investigação e Intervenção Social do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, que aqui  referi, e nos dados revelados pela Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil, uma em cada cinco crianças com obesidade foi pela primeira vez vítima de cyberbullying durante os meses de confinamento e ensino à distância.

Algumas notas repescadas direccionadas a pensar sobretudo nos alunos que ainda frequentam a escolaridade obrigatória.

Desde logo parece-me de chamar a atenção que também por questões desta natureza se percebe a necessidade de uma área reflexão trabalhada na escola, que chegue a todos os alunos e que promova a qualidade das relações interpessoais, a empatia, solidariedade e inteligência emocional, etc.

O cyberbullying parece ser actualmente a variante de bullying mais preocupante. Contrariamente ao bullying presencial o cyberbullying não tem “intervalos”, normalmente os fins-de-semana pois ocorrem predominantemente nos espaços escolares. Não sendo presencial o(s) agressor(es) não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento infringido o que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e inibir o comportamento agressivo. Esta situação é potenciada quando se junta a um menor nível de empatia pelo outro o que ficou muito claro no primeiro trabalho citado acima e que merece leitura.

Também por estas razões é fundamental uma atitude ajustada face a este tipo de comportamentos.

Em termos globais, sabe-se também que a ocorrência de situações de bullying é bem superior ao número de casos que são relatados. Uma das características do fenómeno, nas suas diferentes formas, incluindo o cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores, técnicos ou funcionários. É bem provável que, de facto, os 225 casos reportados estejam longe de constituir o universo de episódios

Este cenário determinaria, só por si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem minimizar o volume de incidências, algumas das quais de gravidade severa.

Neste contexto e dada a gravidade e frequência com que ocorrem estes episódios, é imprescindível que lhes dediquemos atenção ajustada a sinais dados por crianças e adolescentes, nem sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade, nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.

Neste universo e mais uma vez importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição, quando for caso disso.

Esta utilização mostra a necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e alunos possam obter informação e apoio. Segundo o trabalho do CM 240 escolas irão aderir neste ano lectivo ao Plano Escola sem Bullying. Entretanto estão criados vários portais e disponíveis alguns canais de denúncia e procura de orientação e suporte dirigido a pais, professores, técnicos e, naturalmente, alunos.

Lamentavelmente, parte importante das entidades e iniciativas de apoio e suporte é exterior às escolas e ilustra a falta de resposta estruturada e global do sistema educativo, para além das insuficiências de recursos e na formação de técnicos e de professores sobre esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento e identificação.

A existência de dispositivos de apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes, designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de supervisão dos espaços escolares, é uma tarefa urgente.

Do meu ponto de vista, o argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar ou não fazer são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos ou não conseguimos dar atenção, seja em casa, ou na escola.

Estes sinais não devem ser ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser trágico.

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

DA INDISCIPLINA ESCOLAR

 Mais umas notas a propósito do início do ano escolar, desta vez centradas no comportamento dos alunos em sala de aula, designadamente, as situações de indisciplina que tanto solicitam a intervenção dos docentes com impacto nas actividades de ensino e aprendizagem e constituem tema recorrente no trabalho realizado com professores.

Recordo que o trabalho da OCDE, “TALIS 2018 Results (Volume I) Teachers and School Leaders as Lifelong Learners”, referia que em Portugal e de acordo com as respostas dos docentes inquiridos, o tempo gasto em sala de aula no controle do comportamento dos alunos é superior à média da OCDE. Nas nossas salas de aula, 73.5% do tempo é usado em actividades de ensino e aprendizagem e na OCDE a média é de 78.1% sendo o tempo restante dedicado a questões de burocracia, controle de assiduidade e, sobretudo ao comportamento. Aliás, o comportamento é também um dos factores fortemente associados aos níveis de cansaço e risco de exaustão verificados na classe docente e potenciados pela elevada média de idades.

Em primeiro lugar julgo que importa clarificar o que está em causa. Quebrar as regras de funcionamento da sala de aula ou da escola serão indisciplina, insultar, humilhar, confrontar fisicamente um professor, comportamentos frequentes de agressão ou roubos a colegas configuram pré-delinquência ou delinquência e comportamentos disruptivos podem ainda estar ligados a perturbações de natureza psicológica.

A escola, os professores, não pode ser responsabilizada e considerada competente por e para todo este universo de problemas nos comportamentos dos mais novos. Para situações de pré-delinquência ou perturbações do comportamento pode, evidentemente, dar contributos, mas não assumir a responsabilidade pelo que importa clarificar a análise.

Centremo-nos então na indisciplina escolar que considero matéria de competência da escola e matéria de responsabilidade de toda a comunidade, incluindo obviamente os pais.

Ainda no 1º ciclo e de uma forma geral as crianças têm um entendimento ajustado sobre quais os comportamentos adequados em sala de aula que, naturalmente, com a idade se torna mais sólido. Assim sendo e numa abordagem simples, sabendo as crianças e adolescentes quais os comportamentos adequados por que razão ou razões não os assumem de forma consistente? Não estou a falar de alunos “certinhos”, testar regras e limites faz parte do desenvolvimento, mas de comportamentos que de uma forma continuada e excessiva perturbam o funcionamento das aulas.

A este cenário e para além do que se passa em matéria de educação familiar no que respeita à promoção da auto-regulação dos comportamentos parece-me importante referir que todas as figuras sociais a que se colam traços de autoridade por exemplo, pais, professores, médicos, polícias, idosos, etc., viram alterada a representação social sobre esses traços o que, se traduz, na relação estabelecida.

As mudanças significativas no quadro de valores e nos comportamentos criam dimensões novas em torno de um problema velho, a indisciplina. Daqui decorre, por exemplo, que restaurar a autoridade dos professores, tal como era percebida há décadas, é uma impossibilidade porque os tempos mudaram e não voltam para trás. Pela mesma razão, não se fala em restaurar a relação pais – filhos nos termos em que se processava antigamente e falar da "responsabilização" dos pais é interessante, mas é outro nada.

Um professor, de qualquer ciclo ou nível de ensino, ganha tanta mais autoridade quanto mais competente, apoiado e valorizado se sentir. Os dispositivos de apoio suficientes e competentes ao trabalho de professores e alunos constituem uma variável central no que respeita à indisciplina, mas não só à indisciplina.

Também por isto se questiona a constituição de mega-agrupamentos e de escolas e turmas com dimensões excessivas, variável associada à indisciplina escolar.

É também importante reflectir sobre a formação de professores nestes conteúdos. As escolas e os dispositivos de formação de professores não podem “ensinar” só o que sabem ensinar, mas o que é necessário ser aprendido pelos novos, mas poucos professores que o sistema recebe, e pelos professores em serviço.

Parece também importante a existência de estruturas de mediação entre a escola e a família o que implica a existência de recursos humanos qualificados e disponíveis. Já temos suficiente experiência, existem boas iniciativas em muitas escolas permitem disponibilizar algum apoio aos pais dos miúdos “maus” que querem ter miúdos “bons” e identificar as situações para as quais, a comprovada negligência dos pais exigirá outras medidas que envolvam, eficazmente e em tempo oportuno as CPCJ.

Um caminho de autonomia, com a alteração desejável dos modelos de organização e funcionamento das escolas e na gestão curricular, deve permitir que as escolas, algumas escolas, mais problemáticas, estando ou não integradas em TEIP tivessem menos alunos por turma, mais assistentes operacionais com formação em mediação e gestão de conflitos, mais técnicos ou ainda que se utilizassem mais professores em dispositivos de apoio a alunos em dificuldades. As dificuldades dos alunos estão com muita frequência na base do absentismo e da indisciplina, os alunos com sucesso, em princípio, não faltam e não apresentam grandes problemas de indisciplina.

Parece-me de acentuar que os estudos sugerem com clareza a existência de impacto positivo do menor número de alunos por turma no clima e comunicação na sala de aula, na maior facilidade de práticas educativas mais diferenciadas, no comportamento dos alunos, etc., o que, evidentemente deve ser considerado.

Dispositivos assentes em tutorias que envolvam os alunos mais problemáticos parecem um bom contributo desde que realizadas com tempo, recursos e formação ajustados.

Por outro lado, os estudos e as boas práticas, mostram também que a presença simultânea de dois professores é uma boa ferramenta de promoção de sucesso na aprendizagem e para a minimização de problemas de comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às dificuldades dos alunos também na prevenção da indisciplina.

Os professores também sabem que na maior parte das vezes, os alunos indisciplinados não mudam os seus comportamentos por mais suspensões que sofram. É evidente que importa admitir sanções, no entanto, fazer assentar o combate à indisciplina nos castigos aos alunos é ineficaz, é facilitista na medida em que é a medida mais fácil e mais barata, é demagógica porque vai ao encontro dos discursos populistas que aplaudem a ideia do "prender" do "expulsar" até ficarem só os nossos filhos.

O problema é quando também nos toca a nós, aí clamamos por apoios.

Os discursos demagógicos e populistas, ainda que bem-intencionados, não são um bom serviço à minimização dos muito frequentes incidentes de indisciplina que minam a qualidade cívica da nossa vida além, naturalmente, da qualidade e sucesso do trabalho educativo de alunos, professores e pais.

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

ROTINAS

 Com o fim das férias e o início das aulas a chegar, mais novos e mais velhos começam a retomar as suas rotinas. Algumas notas a propósito de rotinas e comportamentos.

Como muitas vezes aqui tenho referido preocupa-me que em muitos contextos familiares as crianças cresçam com alguma dificuldade de regulação e, sobretudo, auto-regulação dos seus comportamentos. Esta situação traduz-se na forma como se comportam nos diferentes espaços nos quais passam os dias, sobretudo em casa e na escola.

Como também já aqui tenho partilhado, em muitos diálogos com pais transparece alguma dificuldade, por várias razões, na definição de regras e limites que com bom senso e flexibilidade são imprescindíveis como organizadores do comportamento dos miúdos.

Para além disso, de há uns tempos para cá começou a registar-se em muitos pais um discurso crítico das rotinas que, naturalmente, é decorrente da forma como olham para a sua vida e das suas crenças e representações. Começaram a ouvir-se afirmações no sentido de combater a instalação de rotinas por oposição à importância da criatividade, da inovação, da não repetição sistemática de comportamentos ou procedimentos, etc.

A questão é que, do meu ponto de vista este entendimento, assenta no enorme equívoco de entender que dimensões que estes pais e, creio, a maioria de nós, considera importantes como criatividade e inovação, por exemplo, seriam incompatíveis com a instalação de rotinas, elas próprias também essenciais ao desenvolvimento e funcionamento das crianças devido, fundamentalmente, à sua função reguladora e organizativa. O resultado em muitas circunstâncias e contextos educativos, familiares ou mais formais era, é, um funcionamento desregulado, desorganizado e sem regras.

Entre os adultos o equívoco está ainda presente de forma mais nítida. Ouve-se com alguma frequência a afirmação de se ser contra as rotinas como forma de emancipação intelectual e social pelo que, “são contra” as rotinas.

Tal como nos miúdos, as rotinas cumprem funções fundamentais na nossa organização e funcionamento. A sua existência organiza-nos e, curiosamente, até acontece com frequência que é sua existência que nos permite “libertar” disponibilidade para outras direcções. Como é óbvio, nada desta conversa contraria a importância que na nossa vida tem o lado do imprevisto, da mudança, da criatividade ou da quebra das rotinas. Também não tem a ver com a defesa de um funcionamento obsessivamente estruturado, que corre o sério risco de se desorganizar quando algum pormenor de rotina se altera.

Mas é preciso insistir, as crianças precisam de ter o seu dia a dia com rotinas estabilizadas e reguladoras como, sono, refeições, banho, comunicação/relação com os pais, tarefas, etc.

São um bem de primeira necessidade.