AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

terça-feira, 30 de novembro de 2021

NÃO PERCEBO

 Considerando o quadro pandémico que vivemos, o ME decidiu prolongar a interrupção lectiva do Natal mantendo os alunos em casa nos primeiros dias de Janeiro, com algumas excepções que podem aceder à escola. A medida parece merecer acolhimento genérico nas comunidades educativas ainda que a alteração do calendário escolar mereça algumas reservas.

Para além disso o ME, segundo leio no DN, decidiu que as escolas não deveriam desenvolver nesse período actividades no âmbito do chamado ensino a distância, na peça é referida “proibição”.

Apesar de tanto tempo neste universo da educação ainda me consigo surpreender, umas vezes positivamente e fico satisfeito, outras vezes negativamente e fico perplexo.

Porquê impedir as escolas de mobilizar os recursos que têm para manter os alunos ligados mesmo que não seja para cumprir a normal actividade curricular?

Sim, sabemos que ainda existem escolas com recursos digitais por actualizar, mas a responsabilidade é de quem não conseguiu cumprir o que tinha sido anunciado, o ME.

Sim, também sabemos que a experiência passada acentuou desigualdades em muitas situações, mas não é possível acreditar que uma semana com algum tipo de actividade aprofundasse desigualdades.

A escola não “resolve” desigualdades, a escola é uma, importante sublinhe-se, das diferentes ferramentas que as comunidades utilizam para combater a desigualdade e a exclusão, mas não a resolve. O que combate mais eficazmente a desigualdade e a exclusão são políticas públicas adequadas cujo desenho e alocação de recursos de diferente natureza não compete à escola, mas às diferentes tutelas sectoriais.

Por outro lado, existe a questão da autonomia das escolas, algo que está sempre na retórica dos discursos do ME, mas que, como agora se verifica, ainda está por cumprir. Qual a razão que impede as escolas de no exercício da sua autonomia, com os seus meios, humanos e digitais manterem alguma ligação com os alunos durante a semana que não terão aulas. Estão de férias? Não entendo?

Acresce ainda que, apesar de manutenção de alguns apoios as crianças em casa, se levantam novos problemas às famílias e aos próprios alunos, de novo em casa num tempo que seria de escola. Algumas actividades com orientação e apoio das escolas realizado a distância seriam negativas?

Também me parece de considerar que, tal como se verificou nos confinamentos, as escolas conhecem os seus alunos e podem, como vai acontecer, manter algum apoio presencial a grupos de alunos por diferentes razões.

Definitivamente, há aqui qualquer coisa que me escapa.

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

AGRESSÃO A UMA PROFESSORA. ENÉSIMA "SITUAÇÃO PONTUAL"

 Com alguma frequência, demasiada frequência, aqui escrevo sobre ou a propósito de situações de violência dirigida a professores e realizada por alunos ou encarregados de educação (serão mesmo de educação?!). Agora numa escola secundária do Porto registou-se mais uma agressão de um aluno a uma professora.

Andam negros os tempos para os professores. Sempre que escrevo sobre esta questão, agressões e insultos a professores, e dadas as circunstâncias faço-o com regularidade, é sempre com preocupação e mal-estar, mas creio que é preciso insistir.

As notícias sobre agressões a professores, cometidas por alunos ou encarregados de educação, continuam com demasiada frequência embora nem todos os episódios sejam divulgados. Aliás, são conhecidos casos de direcções que desincentivam as queixas dado o “incómodo” e “publicidade negativa” para a escola que trará a divulgação.

Os testemunhos de professores vitimizados são perturbadores e exigem atenção e intervenção.

Cada um dos recorrentes episódios é, obviamente, um caso de polícia, mas não pode ser “apenas” mais um caso de polícia e julgo que, mais do que ser notícia, importaria reflectir nos caminhos que seguimos.

Esta matéria, embora seja objecto de rápidos discursos de natureza populista e securitária, parece-me complexa e de análise pouco compatível com um espaço desta natureza. Apenas umas notas repescadas.

Começo por uma breve reflexão em torno de três eixos: a imagem social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.

Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de gente dentro do universo da educação que tem, evidentemente, responsabilidades acrescidas e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes ou com agendas implícitas, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para alterações significativas da percepção social de autoridade dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, sobretudo, alunos e pais. Os últimos tempos têm sido, aliás, elucidativos. Quando o ME refere a existência de “casos pontuais” colabora na desvalorização destes episódios, um já seria grave. Tarda, do meu ponto de vista, uma topada de posição e o alinhamento de uma estratégia de forma robusta por parte do Ministro ou de quem por ele possa intervir.

Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais.

No entanto, importa registar que a classe docente é dos grupos profissionais em que os portugueses mais confiam o que me parece relevante.

Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os professores, entre outras profissões, polícias ou profissionais de saúde, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere, só por si, “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de desrespeito ou de agressão. O mesmo se passa, como referi, com outras profissões em que também, por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais da área da saúde, médicos e enfermeiros.

Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.

Considerando este quadro, creio que, independente de dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo, quer na actuação em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da função docente tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como prioridade na agenda política.

Definitivamente, a valorização social e profissional dos professores, em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade sendo esta valorização uma das dimensões identificadas nos sistemas educativos mais bem considerados.

É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de avaliação ou julgamento, e a punição e responsabilização sérias dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.


domingo, 28 de novembro de 2021

A HISTÓRIA DA CLAQUE

 Era uma vez um miúdo chamado Pequeno. Tinha uns 13 anos e era, por assim dizer, um miúdo com medos, com muitos medos. Não gostava de mostrar os seus medos, nunca gostamos de o fazer. O Pequeno sentia-se muitas vezes mais pequeno que os outros, para mascarar o medo gostava de passar por maior. Nessas alturas, quem não o conhecia pensava que ele já não era o Pequeno. Mas quase sempre o Pequeno tinha um ar assustado, mesmo quando fingia não ter medos e tinha muitas vezes pesadelos onde lhe apareciam os medos.

O Pequeno tinha uma paixão, o seu clube de futebol, era adepto do Clube Grande. Tinha tudo o que os adeptos têm e que revela como gostam do clube. O Pequeno ia muitas vezes ao futebol com o pai e o irmão ver o Clube Grande. Mas o que ele queria mesmo era um dia ir ver o jogo lá no meio da claque. O problema é que o Pequeno tinha algum medo.

Um dia, encheu-se de coragem e pediu ao pai se em vez de o levar para o pé dele, se podia comprar um bilhete para o sítio da claque. Depois de muitos avisos o pai acedeu. No jogo seguinte, o Pequeno pegou em todo o equipamento que tinha que achava que se devia levar para a claque e, a medo, misturou-se com aquele pessoal.

Ao princípio estava, claro, com algum medo, mas quando começou o jogo e a claque ferveu, o Pequeno sentiu-se grande, de verdade. Gritava como ninguém, cantava de tal maneira que achava que a sua voz e os seus incentivos ao clube se ouviam no estádio inteiro. No meio da claque não se sentia um Pequeno.

Naquela noite, pela primeira vez em muito tempo, os medos não lhe apareceram em pesadelos. Sonhou que era o chefe da claque do Clube Grande e que toda a gente da claque o seguia.

 

PS – Tal como o Pequeno e desde pequeno tenho uma enorme paixão pelo futebol. O episódio de ontem no Jamor não podia ter acontecido, é uma obscenidade de que, certamente e mais uma vez, ninguém será responsável. Não matem o futebol.

sábado, 27 de novembro de 2021

ESTÁ FRIO

 Depois da habitual ida à vila, o caderno de encargos para hoje era limpar e traçar a lenha resultante da limpeza das oliveiras equipado de catana e motosserra. Está um dia de muito frio e com uma ventaneira que aumenta a sensação de frio pelo que é uma tarefa adequada, aquece e não é pouco. O Mestre Zé Marrafa andava de posse das favas que se querem semeadas nesta altura e, se houvesse tempo, começava a semear os alhos que também já querem ir para a terra.

Passou por mim e, como sempre, surgiram umas lérias.

Assim não tem frio Sr. Zé. Nem agora, nem depois com tanta lenha que aí vai. É mau um homem ter frio. Passei muito frio quando era gaiato”. Disse o Mestre Zé.

Eu sei, ele já me tem contado o que era guardar porcos aos nove anos e o que se passava no Inverno. Hoje é um homem que só se sente bem no tempo quente e sempre se mete comigo quando me queixo do calor áspero do Alentejo. Bom mesmo para o Mestre Zé é o Verão que nunca lhe parece demasiado quente e trabalhar ao Sol da tarde em Julho ou Agosto … “não tem dúvida” diz ele.

Esta conversa, o frio que alguns miúdos passam, recorda-me, já aqui o escrevi, da narrativa de Juan José Millás em "O Mundo" quando enuncia, “Quem teve frio em pequeno, terá frio para o resto da vida, porque o frio da infância nunca desaparece”.

Na verdade, no Inverno ou até no Verão existem muitos miúdos que passam frio, às vezes muito frio, e nem sempre conseguimos dar por isso. Acontece até que alguns deles sentem frio em ambientes muito aquecidos ou mesmo no Verão, como disse. Não se trata do frio que vem de fora, daquele de que falam os alertas coloridos que nos fazem no inverno, que seria “fácil” minimizar se assim se quisesse. É, antes, o frio que está à beira, um bloco de gelo disfarçado de família, de escola ou de instituição de acolhimento, é o frio que vem de dentro e deixa a alma congelada. Do frio que vem de fora, apesar de incomodar, acho que, quase sempre, nos conseguimos proteger e proteger os miúdos, mas dos frios que estão à beira e dos que vêm de dentro nem sempre o conseguimos fazer porque também nem sempre os entendemos e estamos atentos ao frio que tolhe muitas crianças e adolescentes.

Apesar de sentir confiança na resiliência dos miúdos, expressa em muitíssimas situações de gente que sofreu e resistiu a experiências dramáticas, uns mais que outros naturalmente, parece-me fundamental que estejamos atentos aos frios da infância.

Muitas vezes, como diz Millás, quem teve frio em pequeno terá mesmo frio no resto da vida.

Quando olhamos para muitos adultos à nossa volta pode reconhecer-se o frio que terão passado na infância.

E são assim os dias do Alentejo. Bom, vamos voltar à lida, daqui a pouco é de noite.

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

JÁ POSSO SAIR À NOITE?

 Nas minhas regulares conversas com pais e encarregados de educação, seja qual for o pretexto do encontro, surgem inevitavelmente o que, brincando, chamo de perguntas proibidas. Quase sempre depois de uma pequena introdução começam assim “A partir de que idade o meu filho(a) pode …?”. Como calculam o final da questão tem múltiplas variações, “pode brincar na rua”, “pode sair à noite”, “pode ir sozinho(a) para a escola?”, “pode ficar só em casa?”, etc.

Vem esta introdução a propósito de uma peça no JN, que me despertou a atenção, “Oh não, os meus filhos já querem sair à noite” ou, dito de outa forma, qual a “idade certa para os filhos receberem a chave de casa”.

Já tenho colaborado em trabalhos na imprensa sobre estas questões e, na verdade, não entendo que existam respostas definitivas para questões desta natureza, sendo certo que a segurança e bem-estar de adolescentes e jovens devem ser uma prioridade absoluta. Daí referir-me a “perguntas proibidas”, os pais solicitam uma orientação precisa e que lhes transmita segurança o que se torna, evidentemente, impossível. Não é de todo uma questão de idade, como muitas vezes digo, há gente da minha idade que não deveria sair à noite

Nestas matérias e do meu ponto de vista, a questão central é a autonomia de crianças, adolescentes e jovens e a forma como a promovemos ... ou não.

De há muito e sempre que penso ou falo de educação me lembro de um texto de Almada Negreiros em que se afirma "... queria que me ajudassem, para eu não estar assim, para que fosse eu o dono de mim, para que os que me vissem dissessem: Que bem que aquele soube cuidar de si! ...". Este enunciado ilustra, do meu ponto de vista, a essência da educação, seja familiar ou escolar, em qualquer idade.

De facto, o que se pretende num processo educativo será a construção de gente que sabe tomar conta de si própria da forma adequada à idade e à função que em cada momento se desempenha. Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", no fundo, a velha ideia de "ensinar a pescar, em vez de dar o peixe".

Parece-me fundamental que adoptemos comportamentos que favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens. No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de vida, com os valores culturais e sociais actuais, com as alterações das sociedades, questões de segurança, por exemplo, estamos a educar os nossos miúdos de uma forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua autonomia. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia. É neste contexto que devem ser colocadas, trabalhadas e decidas as dúvidas sobre o que criança, adolescente ou jovem pode ou não fazer só.

Por outro lado, os miúdos são permanentemente bombardeados com saberes e actividades que serão obviamente importantes para o seu desenvolvimento e para o seu futuro, mas, ao mesmo tempo, são miúdos, pouco autónomos, pouco envolvidos nas decisões que lhes dizem respeito cumprindo agendas que lhes não dão margem de decisão sobre o quê e o porquê do que fazemos ou não fazemos. Acabam por se tornar menos capazes de decidir sobre o que lhes diz respeito, dependem da "decisão de quem está à sua volta, companheiros ou adultos.

Um exemplo, para clarificar. Um adolescente não habituado a tomar decisões, a fazer escolhas, mais dificilmente dirá não a uma oferta de um qualquer produto ou um a convite de um colega para um comportamento menos desejável. É mais difícil dizer não do que dizer sim aos companheiros da mesma idade. Numa sala de aula é bem mais provável que um adolescente tenha um comportamento adequado porque "decida" que é assim que deve ser, do que por "medo" das consequências.

Só crianças, adolescentes e jovens autónomos, autodeterminados, informados e orientados sobre os riscos e as escolhas serão mais capazes de dizer não ao que se espera que digam não e escolher de forma ajustada o que fazer ou pensar em diferentes situações do seu quotidiano, na sala de aula, no bairro ou em casa. Este entendimento sublinha a importância de em todo processo de educação, logo de muito pequeno, em casa e na escola, se estimular a autonomia dos miúdos. É que se eles não tomarem bem conta se si passaremos, pais e professores, boa parte do tempo a "tomar conta deles" e ... muitas vezes não conseguimos.

Creio que este entendimento está pouco presente em muito do que fazemos em matéria de educação familiar ou escolar e para todos os miúdos.

Todos beneficiariam, os mais novos e os adultos.

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

O CHUMBO ESCOLAR, DE NOVO

 Não é nada de novo, mas é preciso insistir. De acordo com dados relativos a 19/20 agora divulgados pela Direcção Geral de Estatísticas da Educação a retenção dos alunos não tem impacto significativo no seu sucesso.

Considerando o desempenho dos alunos que entraram em 2017/2018 nos cursos científico-humanísticos e no ensino profissional, verifica-se que a idade de entrada no secundário está associada ao trajecto futuro. Nos cursos científico-humanísticos, 75% dos alunos que ingressaram com 15 anos ou menos (trajectos sem retenções) concluíram o secundário no prazo esperado, três anos. Dos que entraram com 16 anos (uma retenção), apenas 44% concluíram em três anos e dos que entraram com 18 ou mais apenas 20% concluíram sendo que destes 38% desistiram de estudar.

No ensino profissional o quadro é semelhante. Dos alunos que entraram nos cursos com 15 anos ou menos, 80% concluíram em três anos, com 16 anos concluíram 66% e com 18anos ou mais concluíram 37%.

Como tantas vezes aqui tenho escrito e bordado em contextos profissionais, a questão da retenção dos alunos, o chumbo, está permanentemente em discussão e sujeita a uma imensidade de opiniões, visões e equívocos, quase sempre esquecendo a evidência conhecida.

Em 2018 o CNE divulgou o Relatório “Estado da Educação, 2017” com indicadores analisados em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos no âmbito do Projecto aQeduto incluindo numa vertente económica. Em termos económicos e recorrendo aos estudos já desenvolvidos o impacto económico da retenção era estimado em cerca de 6000€ por aluno em cada ano.

Adaptando o modelo desenvolvido pela Education Endowment Foundation, o Projecto aQeduto identificou o grau de eficácia e custo económico de um elenco de medidas de combate ao insucesso. Das medidas analisadas, a retenção tem o custo mais elevado e a eficiência é negativa, promove um atraso de 4 meses. Ensinar a estudar é a medida mais económica, 87€, e mais eficiente, promove um ganho de 8 meses de aprendizagem. 

Estes dados são importantes, mas a sua substância não é nova.

Recordo que no Relatório “Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed” divulgado pela OCDE em 2017 se evidencia que o “chumbo”, a retenção, é para os alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam … mas não melhoram.

De facto, definitivamente, não adianta discutir se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram.

Confesso sempre alguma surpresa e dificuldade em compreender quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam sem saber". A leitura das caixas de comentários às notícias sobre estas questões é elucidativa.

Nesta conformidade e do meu ponto de vista, a questão central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou o número de exames, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.

Este discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste. Pelo contrário, “facilitismo” é acreditar que a retenção resolve o problema do insucesso. Por outro lado, a eventual “passagem sem saber” apenas adia o insucesso que fica mais difícil de porque acumula dificuldades.

É essencial promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que inibe o objectivo da mobilidade social. A associação entre o insucesso e a pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus. Em Portugal os bons alunos são os que mais trabalham em casa, TPC e explicações, dado a que, evidentemente, não é alheio ao nível de escolaridade dos pais e ao estatuto económico. É necessário também diversificar percursos de formação com diferentes modelos curriculares e carga lectiva finalizando sempre com algum tipo formação profissional. Esta diferenciação não deve acontecer em idades precoces criando percursos irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a escola" e "preguiçosos".

A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.

É o que tarda em acontecer de forma consistente em Portugal.

terça-feira, 23 de novembro de 2021

DA SÉRIE, SIM, ELES SÃO CAPAZES

 No Público encontra-se um trabalho centrado na história de vida de cidadãos surdos que contruíram um trajecto de realização pessoal, profissional e familiar que, como sempre deveria acontecer, alimenta a realização pessoal. A afirmação de uma das pessoas, "Os surdos podem fazer tudo o que os ouvintes fazem”, que, aliás, é o título da peça, é elucidativa.

Algumas notas repescadas.

A verdade, mais uma vez e sempre, é que sem ser por magia ou mistério quando acreditamos que as pessoas, mais novas ou mais velhas, com algum tipo de necessidade especial, são capazes, não se "normalizam" evidentemente, seja lá isso o que for, mas são, na verdade, mais capazes, vão mais longe do que admitimos ou esperamos, tão longe como qualquer pessoa. Não esqueço a gravidade de algumas situações mas, ainda assim, do meu ponto de vista, o princípio é o mesmo, se acreditarmos que eles progridem, que eles são capazes de ... , o que fazemos, o que todos podemos fazer, provoca progresso, o progresso possível e níveis de realização significativos.

E isto envolve professores do ensino regular, de educação especial, técnicos, pais, lideranças políticas, empregadores e toda a restante comunidade.

No entanto, em algumas circunstâncias o trabalho desenvolvido com e por estes alunos é ele próprio um factor de debilização, ou seja, alimenta a sua incapacidade, numa reformulação do princípio de Shirky.

Tal facto, não decorre da incompetência genérica dos técnicos, julgo que na sua maioria serão empenhados e competentes, mas da sua (nossa) própria representação sobre este grupo de pessoas, isto é, não acreditam(os) que eles realizem ou aprendam. Desta representação resultam situações e contextos de aprendizagem e formação, tarefas e materiais de aprendizagem, expectativas baixas traduzidas na definição de objectivos pouco relevantes, que, obviamente, não conseguem potenciar mudanças significativas o que acaba por fechar o círculo, eles não são, de facto, capazes. É um fenómeno de há muito estudado.

Mais uma vez. A inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade) e Aprender (como qualquer pessoa para potenciar as suas capacidades adquirindo competências, qualificações e saberes). Estas dimensões devem ser operacionalizadas assentes em modelos de diferenciação justamente para que acomodem e respondam à diversidade das pessoas e promovam autonomia e autodeterminação.

É neste sentido que devem ser canalizados os esforços e os recursos que deverão, obrigatoriamente, existir. Não, não é nenhuma utopia. Muitas experiências noutras paragens, mas também por cá, mostram que não é utopia.

O primeiro passo é o mais difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e entender que é assim que deve ser.

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

A LER, "UMA MÁQUINA DE MATAR PROFESSORES"

 Merece leitura e reflexão o testemunho de Ruy Ventura “Uma máquina de matar professores”. Trata-se uma peça sofrida e de uma leitura sobre o ser professor agora e sobre o que aqui nos trouxe, numa dimensão crítica das políticas de educação dos últimos anos. Num outro registo, mas também a ler é o texto de Marco Bento, “Quem quer ser professor? Eu não quero! Eu não quero!”.

Não me lembro de nos últimos anos a classe docente estar tão presente na agenda. Os seus problemas e as consequências a curto e médio prazo são agora mais conhecidos e reconhecidos, sendo recorrentes a referência à preocupante falta de professores, o envelhecimento da classe, os níveis de cansaço e de exaustão emocional, a menor atracção dos mais jovens pela profissão associada modelos de carreira e valorização pouco motivadores. Também é de registar que de uma forma geral continuam a merecer a confiança das comunidades.

Este quadro de um mal-estar reconhecido, não pode deixar de ter impacto, Como muitas vezes afirmo, crianças, enquanto grupo social, e professores, enquanto grupo profissional, constituem dois grupos nucleares nas sociedades contemporâneas. Os mais novos porque são o futuro e os professores porque, naturalmente, o preparam, tudo (quase) passa pela escola e pela educação. Hoje em dia e em Portugal, este entendimento ainda me parece mais justificado porque, devido a ajustamentos na organização social e familiar e, é minha convicção, devido a políticas públicas sociais e educativas inadequadas, os miúdos passam tempo excessivo na escola, alterando a dinâmica educativa familiar o que sobrevaloriza o papel da escola através dos professores.

Insisto no que muitas vezes aqui tenho escrito, a valorização social e profissional dos professores, a valorização das pessoas que são professores, das suas competências e das suas carreiras, são ferramentas imprescindíveis a um sistema educativo com mais qualidade. A valorização e reconhecimento passa também pela necessidade de modelos de avaliação justos e transparentes que sustentem, reconheçam e promovam competência e empenho.

domingo, 21 de novembro de 2021

OS DIREITOS DA CRIANÇA, UMA AGENDA POR CUMPRIR

 O calendário das consciências determina que no dia 20 de Novembro se assinale o Dia Internacional dos Direitos da Criança assente numa dupla comemoração, a proclamação da Declaração dos Direitos da Criança (1959) e adopção da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

É verdade que nestes 62 anos, pensando sobretudo na realidade portuguesa, muito evoluímos também no que respeita ao universo dos mais novos. No entanto, os Direitos da Criança continuam uma agenda por cumprir em múltiplas dimensões e por muitas e diferentes razões.

Os ventos malinos que sopram e o enorme conjunto de dificuldades que atravessamos apesar de algumas melhorias, ancorados num quadro de valores que tende a proteger mercados e interesses outros que conflituam com os interesses e bem-estar da maioria das pessoas vão criando exclusão, pobreza e negação de direitos. Aliás, é frequente o entendimento de que os direitos devem ser entendidos como sendo de geometria variável, ou seja, dependem da conjuntura económica pelo que os que menos têm também terão os seus direitos diminuídos.

Neste cenário, conforme os estudos e a experiência mostram, os mais novos constituem um grupo especialmente vulnerável. Aliás, recordo uma expressão de Laborinho Lúcio considerando que entre nós e em muitas circunstâncias, os direitos dos menores também parecem direitos menores.

Nesta vulnerabilidade existem três áreas em que me parece que os direitos estão particularmente ameaçados, as crianças e adolescentes em risco de maus tratos, abusos e negligência, a pobreza infantil e o direito à equidade nas oportunidades de acesso à educação de qualidade para todas as crianças, sublinho, todas as crianças.

De uma forma geral, os discursos e a retórica política sempre acentuam a importância destas matérias, mas é preciso ir um pouco mais longe. Por exemplo, dotar as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens dos meios suficientes e qualificados para a detecção e acompanhamento eficaz dos casos de risco, ou caminhar no sentido de diminuir o número de crianças institucionalizadas e sem projecto de vida.

No que respeita ao risco de pobreza, as crianças são sempre o elo mais fraco de uma sociedade com um fosso demasiado grande entre os mais ricos e os mais pobres. As políticas sociais não podem deixar de entender como prioritário, sobretudo nos tempos que atravessamos, os apoios sérios e fiscalizados aos problemas das famílias que envolvem, necessariamente, os mais novos. É o seu futuro que está em causa.

No que respeita à educação, a equidade e o objectivo de que todos atinjam o patamar possível de sucesso educativo e qualificação é o grande desafio. Os discursos políticos nunca esquecem o grande desígnio da educação ou a paixão pela educação. Os preâmbulos dos normativos são excelentes peças de retórica sobre direitos e qualidade.

No entanto, precisamos mesmo de caminhar de forma séria e não tentados pela sedução do sucesso estatístico, para a qualidade dos processos educativos que se traduz nos níveis de qualificação das pessoas (não da simples certificação), na diminuição das taxas de abandono e insucesso, enfim, na construção de projectos de vida viáveis e bem-sucedidos. Muitas crianças e adolescentes com necessidades especiais vêem atropelados os seus direitos a dimensões básicas da qualidade de vida, a educação, por exemplo.

A escassez de recurso de diferente natureza que permitam apoios suficientes, competentes e em tempo útil são constrangimentos grandes que ameaçam os direitos de crianças e adolescentes.

Torna-se imperativo promover a participação e fazer ouvir, escutando, a voz dos mais novos.

Continuamos com uma agenda por cumprir no que respeita ao seu bem-estar.

sábado, 20 de novembro de 2021

A GENEROSIDADE DAS OLIVEIRAS

 Está terminada a apanha da azeitona. Num ano de grande produção acabámos por ter alguns sobressaltos com a entrega no lagar que tem tido dificuldade em processar a azeitona que chega. Assim, alguma acabou por ficar nas árvores ou cair pois secou antes de a conseguirmos colher. De qualquer forma ficámos em cima das três toneladas o que foi excelente. Vamos ver a quantidade azeite que teremos.

Foi duro, mas com a grande ajuda do Mestre Zé e do Valter a coisa fez-se. Está ainda por tratar da lenha resultante da limpeza das oliveiras pois nas que têm mais azeitona procedemos ao corte dos ramos mais altos para depois bater a azeitona já no chão havendo depois que limpar e traçar a lenha resultante. Outras serão limpas lá mais para a frente. O trabalho nunca acaba e varejar, apesar da leveza das varas de carbono, e trabalhar com as motosserras durante horas é áspero.

Estava a comentar a dureza da tarefa com o Mestre Zé e como ele a aguenta apesar dos oitenta anos. Disse-me a rir que estava a fazer o que sempre fez. Perante a minha estranheza, esclareceu, sempre fiz o que podia, noutro tempo podia era mais. É verdade, o Mestre Zé é um sábio, em qualquer altura da nossa estrada só fazemos o que podemos.

As oliveiras são as árvores mais generosas que conheço e também das mais bonitas. Começam por dar as azeitonas que se comem em três variantes, pisadas, retalhadas e de conserva, qual delas a mais saborosa. Este ano, as retalhadas, que já estamos a consumir porque se  preparam mais cedo ficaram que nem vos conto. Toda a gente tem uma arte de as temperar e, claro, nós também já temos os segredos, aprendemos com o Mestre Zé.

As azeitonas vão para o lagar e virá o azeite, a alma do comer bom, e como tem alma o azeite do Meu Alentejo.

Para além da azeitona e do azeite, a oliveira ainda é a mais calorosa das árvores, sempre a aquecer-nos. Aquece-nos quando maldosamente lhe batemos, varejamos, para nos dar a azeitona, aquece-nos quando a limpamos de pés de burro e cortamos os ramos e troncos para assegurar a sua renovação, aquece-nos quando rachamos e arrumamos a lenha que nos deu e, finalmente, ainda nos aquece quando nas noites longas e frias do Inverno arde no lume de chão ou na salamandra.

Como bondade final, esta generosa capacidade de dar vive numa escala incomensurável para nós, dura séculos como algumas das que estão cá no monte.

Resta agora aguardar até lá para Janeiro para passar no lagar e trazer o azeite. Entretanto e como aqui se diz, estou de posse da lenha da limpeza, esgalhar os ramos e traçar a mais grossa para a lareira e para a salamandra que nas noites frias nos fazem companhia.

E são assim os dias do Alentejo.



sexta-feira, 19 de novembro de 2021

"DESPROFISSIONALIZAÇÃO" DOCENTE. SERÁ?

 Ao que parece entrámos num novo capítulo da crónica de uma falta anunciada, a falta de professores em múltiplas áreas. Não fomos surpreendidos, há anos que se antecipava este problema com os efeitos sérios que já se registam.

A negligência incompetente com que a questão do número de professores necessários ao sistema tem sido tratada contribui para a situação criada. Os dados demográficos, a composição dos grupos disciplinares e as necessidades das escolas constituem informação conhecida de há muito sem que se tenham desencadeado medidas com alguma eficiência e em tempo oportuno.

Parece ainda claro que a narrativa dos professores a mais, globalmente, não passava disso mesmo, uma narrativa, tal como a sobrevalorizada ideia de que o rácio professor/alunos no nosso sistema público de ensino era um “luxo”.

Acresce que o modelo de carreira, a desvalorização da profissão docente entre outras variáveis serão contributivas para aqui termos chegado e também se associa a uma menor capacidade de captação de novos professores, para além da alimentação da precariedade que vai contribuindo para que muitos professores vão tendo um conhecimento alargado do país.

O ME parece dar agora conta de que tem mesmo um problema, faltam professores e faltarão por mais algum tempo de acordo com o estudo apresentado.

Seguindo o protocolo em vigor, cria-se uma “força de tarefa”, perdão, uma “task force”. Enquanto aguardamos as próximas iniciativas o ME anuncia a intenção de promover o recrutamento de pessoas com formação científica, mas sem formação para o ensino, um caminho já seguido através da contratação pelas escolas ao abrigo de “necessidades temporárias. Agora ganha estatuto de política educativa.

Os “professores” assim contratados “aprenderão” a ser professores através de um processo de “profissionalização em serviço”, um estágio que no quadro actual será de um ano e terão formação teórica a distância assegurada por uma instituição de ensino superior. E pronto, são professores. Serão?

Ainda não há muito tempo e também a propósito da falta de professores que se tem arrastado neste início de lectivo com muitos alunos ainda sem aulas em algumas disciplinas ou cargas horárias reduzidas, a velha história da manta, abordei o que agora parece perspectivar-se como medida estrutural, a entrada de profissionais sem formação, desculpem, sem capacitação de base direccionada para o ensino.

Na altura expressei alguma inquietação que agora retomo.

Esta opção, ainda que de uma forma “mitigada” tá tinha sido promovida em 2020 quando se estabeleceu a possibilidade de que professores de Inglês, Francês, Alemão ou Espanhol possam dar aulas de Português no 3.º ciclo e secundário desde que tenham feito um “estágio pedagógico” nesta área. Também a disciplina de Inglês poderá ser assegurada por professores de Português, Francês, Alemão e Espanhol e a de Geografia por professores de História. Finalmente, a disciplina de TIC pode ser leccionada por qualquer docente que tenha frequentado uma acção de formação nesta área.

O que agora se anuncia parece-me conter um enorme risco de “desprofissionalização” dos docentes. Esta “desprofissionalização” pode ir acontecendo através de medidas desta natureza, mas também através da timidez na promoção da autonomia das escolas associada aos efeitos da "municipalização” em curso ou projectos de intervenção nas escolas realizados em “outsourcing”.

Como também já tenho referido este movimento não é de agora e não começou por cá. Tem vindo a fazer o seu caminho em diferentes sistemas emergiu na década de 80 sob a designação de “deskilling” promovendo concepção “empobrecida”, diria “embaratecida”do professor e da sua função. Nesta visão, os docentes cumprem ordens e programas, não têm que fazer grandes escolhas, possuir conhecimento aprofundado, solidez nas metodologias, valores éticos e morais, etc. Seria suficiente uns burocratas, agora mais burocratas digitais a papaguear, fabricar, aulas para grupos de alunos "normalizados".

Os professores serão basicamente “entregadores de conteúdos”, (content delivers na formulação original), burocratiza-se ainda mais a “medição de saberes” apoiados em fórmulas de gestão em modelo “digito-burocrata construídas num qualquer serviço centralizado ou com um modelo que apesar de “descentralizado” não atribui, de facto, autonomia robusta às escolas cujo modelo de governação é parte desta equação.

Definitivamente, este não pode ser o caminho. Não podemos correr um risco de “desprofissionalização” que pode tornar os professores mais “baratos”, mas o nosso futuro será mais caro por pior qualidade, um professor de … é muito mais que um técnico de …

Todas as necessárias mudanças na educação só podem ocorrer e ser bem-sucedidas com o envolvimento e valorização dos professores, das suas competências e das suas carreiras, mas também, naturalmente, com a sua avaliação justa, transparente e competente.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

DA CAPACITAÇÃO

 É interessante notar a frequência com que recorremos à mudança de terminologia como instrumento de mudança acreditando que esta ocorre apenas porque a designação se altera.

É também verdade que um novo termo é divulgado para ser, só por si, uma inovação e não existe área que em não se afirme a narrativa da inovação. É também verdade que os conhecedores de estratégias de comunicação, também conhecidas por marketing, sabem que alterando a designação de um “produto” pode impulsionar-se uma nova “vida” para esse produto.

Vem esta introdução a propósito da onda de “capacitação” que nos está a atingir, o mantra passou a ser capacitar. Há que capacitar tudo o que mexe, pois, aparentemente, mexe mal.

Vai daí, e só para me situar no universo que melhor conheço, a educação, desatamos a capacitar em todas as direcções.

Há algum tempo promovia-se formação de professores, uma das áreas em me tenho movido, mas, certamente devido aos maus caminhos seguidos, mea culpa, agora promove-se capacitação de professores em áreas sem fim e todas certamente da maior necessidade e pertinência.

Estávamos habituados a dar aulas, a ensinar, a leccionar, mas agora capacitamos os alunos, ah, e já agora também é preciso capacitar os pais.

Também é importante capacitar as lideranças das escolas e todos os técnicos que nelas trabalham e, evidentemente, tal como os professores, promover essa capacitação em múltiplas áreas.

É preciso também não esquecer, obviamente a capacitação para a transição digital.

Temos certamente mais exemplos que me fazem acreditar que, assim, se está a capacitar efectivamente o sistema educativo.

Só falta mesmo, acho eu, a capacitação na promoção de diferentes dimensões das políticas públicas de educação.

Bom, agora vou voltar para um trabalho de auto-capacitação que estava a realizar, ler uns artigos sobre trabalhos recentes na minha área.

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

DO ENSINO PROFISSIONAL

 No Público encontrei um texto de Maria Paula Branco, “É preciso acabar com os preconceitos em relação ao ensino profissional”, que merece leitura e reflexão. Algumas notas a este propósito com as desculpas devidas pela extensão.

É imprescindível que ao sair do sistema educativo os jovens ao sair do sistema se encontrem equipados com qualificação profissional, quer ao nível do ensino secundário, quer ao nível do ensino superior que com o trabalho no âmbito do ensino politécnico tem condições para processos de qualificação mais curtos e mais diversificados. Assim, tenho registado os avanços realizados na diversificação da ofertam formativa verificada nos últimos anos apesar de alguns equívocos que geraram a percepção de uma formação de “segunda” dirigida aos “maus” alunos, matéria abordada na peça. Estes equívocos decorreram também dos discursos e procedimentos adoptados em muitas escolas e envolveram alunos e famílias.

No universo da educação em Portugal, depois de Abril de 74, instalou-se uma das mais generosas e ingénuas ideias que o tempo das utopias gerou, todos os indivíduos deveriam ter formação universitária. Esta ideia, de consequências devastadoras, quis combater a marca de classe presente nas escolhas entre liceu e escolas industriais e comerciais e, sobretudo, o baixo número de alunos que continuavam a estudar. O resultado foi criar um percurso que todos deveriam seguir e que só terminaria no fim do ensino superior universitário.

Com o aumento da escolaridade obrigatória e o aumento exponencial do número de alunos começou a perceber-se o erro trágico de um só percurso, muitos alunos chumbavam e abandonavam o sistema sem qualquer tipo de qualificação. Aliás, mesmo completando o ensino secundário, o 12º ano, as competências profissionais eram nulas, isto é, o 12º apenas ensinava, e mal, a continuar a estudar, coisa que, entretanto, era dificultada com a figura (lembram-se?) do "numerus clausus".

A partir de certa altura, timidamente, começaram a surgir ofertas de vias profissionais que, por má explicação política, foram sobretudo entendidas como uma estrada por onde segue quem não tem "jeito" ou competência para estudar. Neste contexto, famílias e alunos sentiram dificuldade em aderir a algo percebido como sendo de segunda. Entretanto, o nível inaceitável de chumbos e abandono no secundário continuava a envergonhar-nos.

Nos últimos anos, temos finalmente assistido a uma significativa diferenciação da oferta educativa, sobretudo depois do 9º ano, e essa oferta começa agora a perceber-se como uma alternativa à continuação de estudos mais prolongada, o ensino superior politécnico ou universitário. A oferta actual é bastante mais extensa o que tem contribuído para a descida muito significativa do abandono escolar. Por outro lado, o crescimento exponencial da oferta tem vindo a levantar sérias reservas face à natureza da oferta formativa e à qualidade da formação providenciada e ainda não se conseguiu alterar significativamente a perspectiva desvalorizada de muitos professores, alunos e famílias.

Como muitas vezes tenho afirmado é fundamental diversificar a oferta formativa, ou seja, promover a diferenciação de percursos. Só por esta via me parece possível atingir um objectivo absolutamente central e imprescindível, todos os alunos devem aceder a alguma forma de qualificação, única forma de combater a exclusão e responder mais eficazmente à principal característica de qualquer sala de aula actual, a heterogeneidade dos alunos. O desenvolvimento deste trajecto precisa de ir contrariando a ideia de que não se destina preferencialmente aos "que não servem" para a escola.

Uma referência ainda ao modelo posto em campo pela equipa do ME liderada por Nuno Crato, o ensino vocacional, que considerei na altura fortemente discutível, até num plano ético, que procedeu à introdução desta diferenciação tão cedo, aos 13 anos, e “obrigatória” para os que chumbam. Por outro lado, aos 13 anos, apesar de se remeter a “decisão” para um processo de orientação vocacional que a insuficiência gritante de recursos não permite assegurar, que alunos decidem? Alguém vai decidir por eles.

Poucos sistemas educativos assumem este entendimento e o facto de o ensino alemão, a inspiração de Nuno Crato, colaboradores e admiradores, o admitir não é uma certificação da correcção do modelo como atestaram as apreciações internacionais.

Na verdade, Relatórios da OCDE e da UNESCO têm sustentado que a colocação dos alunos com piores resultados escolares em ensino de carácter técnico e vocacional muito cedo em vez da aposta nas aquisições escolares fundamentais aumenta a dificuldade na mobilidade social.

Neste patamar etário, mais do que de ensino vocacional os alunos precisam de apoios que lhes permitam, bem como aos seus professores, minimizar dificuldades e risco de insucesso.

Precisamos, pois, de responder às causas deste enorme problema, mas não podemos mascarar as estatísticas empurrando os “maus” para percursos que “recebem” um rótulo de “segunda” pois são percebidos por parte da comunidade como destinados aos menos dotados, “preguiçosos” ou com problemas vários.

Por outro lado, esta oferta deve ser adequada às comunidades educativas e dotada dos recursos e meios necessários bem como de maior e efectiva autonomia das escolas. Como tem sido referido em diferentes avaliações e pelas direcções escolares esta situação está longe de acontecer.

A diferenciação dos percursos é necessária e imprescindível, incluindo, obviamente, o ensino profissional tendo como potenciais destinatários  todos os alunos como se verifica na maioria dos sistemas educativos que se preocupam com os alunos, com todos os alunos e como sublinha Maria Paula Branco.

O que deve estar disponível desde sempre são dispositivos de apoio suficientes, competentes e oportunos a alunos e professores e formas de diferenciação que melhor permitam acomodar melhor a diversidade dos alunos.

Finalmente, como também se sublinha no texto e é fundamental para todo o sistema educativo, importa que existam dispositivos de regulação que sustentem e promovam a qualidade da desta indispensável oferta educativa dado o seu papel na construção de projectos de vida bem-sucedidos.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

UMA CERTA NOSTALGIA, AS TURMAS DE ANTIGAMENTE

 Para não variar dei por mim a pensar na escola, nos miúdos, nas turmas e, coisa de velhos, comecei a andar para trás no tempo e a recordar as turmas que conheci.

Até praticamente até ao fim do secundário frequentei escolas em que era habitual organizar turmas com os alunos de menor rendimento escolar e com alguns problemas no comportamento.

Apesar de ir passando de ano cumprindo os agora conhecidos serviços mínimos, o meu comportamento era, por assim dizer, menos bom, o que me levou a integrar quase sempre turmas de repetentes e indisciplinados. Devo dizer que achava que eram as melhores turmas da escola embora, vá lá saber-se porquê, os professores não tivessem a mesma opinião, sobretudo os que com elas tinham que trabalhar, os mais novos e inexperientes, como também era habitual.

Nós, que tínhamos tal privilégio, ficávamos contentes. Quem é que poderia gostar de estar num grupo de colegas que passavam o tempo a estudar, a maior parte não sabia dar um pontapé numa bola, nunca alinhavam em faltas nem em partidas nenhumas? Ninguém. Nas minhas turmas estava sempre o pessoal mais porreiro, gostávamos das mesmas coisas, gozávamos na escola e assim.

Havia um problema com os meus pais. Como todos os pais, os de ontem e os de hoje, eles também achavam que eu era bom (quase sempre), o problema era as companhias e por isso queriam que eu me afastasse dos meus colegas de turma que eram más companhias. Ora isto era impossível, primeiro porque eu achava que eram boas companhias e, segundo, porque a escola cumprindo os nossos desejos nos juntava o que nós agradecíamos.

Como dizem os velhos, hoje em dia já não se fazem turmas como antigamente, as más companhias todas juntas. Tudo se perde.

domingo, 14 de novembro de 2021

DOS "PROFESSORES A MAIS" À FALTA DE PROFESSORES

 

No Expresso encontra-se um conjunto de trabalhos sobre o universo dos professores que, recorrendo a uma expressão recorrente, é motivo para estabelecer um alerta vermelho no mundo da educação.

Nesta altura continuam a faltar professores em mais de mil turmas e as dificuldades de recrutamento são crescentes mesmo recorrendo, em algumas situações, à contratação de pessoas sem formação para a docência.

Acentua-se o envelhecimento da classe docente sendo que em 2021 se aposentarão mais de 2000 professores e em 2023 estima-se que serão mais de 3000.

Acrescem os efeitos da mobilidade por doença e ainda uma menor capacidade de atracção pela carreira nos jovens que chegam ao ensino superior nos anos mais recentes. Por outro lado, existem múltiplos aspectos relativos à carreira e à sua valorização como se verifica pela notícia do Público referindo que Bruxelas desencadeou um procedimento de infracção contra Portugal por incumprimento da legislação da UE relativo à não discriminação na contratação a termo de professores nas escolas públicas. Estas questões têm implicações devastadoras nos projectos de vida muitos professores quando uma carreira valorizada deveria constituir um projecto de realização.

Lamentavelmente não é nada de novo, há anos que sucessivos relatórios nacionais e internacionais têm alertado para gravidade do envelhecimento da classe docente, dos efeitos associados, e da certeza da falta de docentes a curto prazo como já está a acontecer. Algumas notas.

O envelhecimento da classe docente não é um problema exclusivo do nosso sistema, mas é particularmente grave sendo que alguns países também afectados têm iniciativas já em desenvolvimento no sentido de o minimizar o que não parece acontecer entre nós.

Ao perfil dos docentes em termos de idade acresce que, como é reconhecido em qualquer país, a profissão docente é altamente permeável a situações de burnout, estado de esgotamento físico e mental provocado pela vida profissional, frequentemente associado a níveis pouco positivos de satisfação profissional.

Na verdade, este cenário só pode surpreender quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam na comunicação social perorando sobre educação e sobre os professores.

Também se sabe que as oscilações da demografia discente não explicam a saída de milhares de professores do sistema, novos e velhos, como também não explicam a insuficiente renovação, contratação de docentes novos. Sem estranheza, no universo do ensino privado é bastante superior a presença de docentes mais jovens.

Não esqueçamos ainda a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm desenvolvido políticas que contribuem para a desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais. Este cenário revela uma das dimensões mais frágeis das políticas públicas de educação nos últimos anos em que sempre se insistia na narrativa dos professores a mais com resultados que estão à vista.

Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação por diferentes razões incluindo emocionais, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.

Parece clara a necessidade urgente de definir uma resposta oportuna e consistente a este trajecto. Pode passar por um programa de acesso voluntário a reformas antecipadas, mas obrigatoriamente terá de considerar a valorização da função docente.

Sabemos que os sistemas educativos com melhor desempenho são também os sistemas em que os professores são mais valorizados, reconhecidos e apoiados.

Não parece difícil perceber porquê.

sábado, 13 de novembro de 2021

ABANDONO ESCOLAR PRECOCE DIMINUI

 O ME divulgou ontem que de acordo com dados do INE a taxa de abandono escolar precoce verificada no 3º trimestre de 2021 é de 5,2%. Esta taxa é um indicador relativo à percentagem de jovens com mais de 18 anos que chega ao mercado de trabalho sem completar o ensino secundário e não está a cumprir um programa de formação.

Os dados conhecidos devem ser registados como uma boa notícia. Em 2020 a taxa foi de 8,9% o que permitiu cumprir a meta comprometida com a UE, 10% em 2020.

Uma primeira nota para realçar o trabalho de alunos, professores, escolas e famílias.

O ME tem vindo associar esta evolução ao sucesso de programas como as escolas TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), ao Programa de Promoção do Sucesso Escolar, ao Apoio Tutorial Específico, à aposta no Ensino Profissional, e Autonomia e Flexibilidade Curricular e, obviamente, à revolução na educação inclusiva.

A segunda nota para relembrar o caderno de encargos que ainda continuamos a ter pela frente, pois sendo importante que os alunos não abandonem ainda precisamos de assegurar que a sua continuidade tem sucesso. Os dados conhecidos de escolas e agrupamentos para construção dos rankings evidencia isso mesmo.

Temos indicadores que mostram que muitos alunos, estando “ligados” à máquina educativa, ainda lutam, por razões diversas, por uma trajectória bem-sucedida e importa que cumprir a escolaridade signifique mesmo carreiras escolares promotoras de competências e capacidades.

Só assim se promove a construção de projectos de vida viáveis, que proporcionem realização pessoal e base do desenvolvimento das comunidades.

Neste caminho é fundamental que a qualidade dos processos educativos e que a existência de dispositivos de apoio competentes e suficientes às dificuldades de alunos e professores na generalidade das comunidades educativas seja uma opção clara pois é uma ferramenta imprescindível à minimização do insucesso.

Por outro lado, importa não perder de vista a população que abandona e que está em alto risco de que tal aconteça. Neste sentido é fundamental que a oferta de trajectos diferenciados de formação e qualificação ou iniciativas em desenvolvimento como o programa Qualifica, sucessor do Novas Oportunidades, ou os anunciados no âmbito do ensino superior tenha os meios necessários e se resista à tentação do trabalho para a “estatística”, confundindo certificar com qualificar.

Apesar dos indicadores de progresso é necessário insistir, merecemos e precisamos de mais e melhor sucesso e qualificação e menos abandono e exclusão.

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

A PALMADA EDUCATIVA. OUTRA VEZ

 No DN encontrei um texto de opinião de Elisabete Ferreira “Da palmada educativa à criminalização dos castigos corporais” em que a autora reflecte sobre o enquadramento jurídico dos “castigos corporais” no Código Penal Português que desde 2007 estabelece no Artº 152 a proibição dos “castigos corporais”.

A autora embora, expressando reservas evidentes face aos castigos corporais escreve: “hesitamos quanto ao enquadramento jurídico a dar à aplicação de uma singular palmada educativa. Ou, pelo menos, duvidamos da razoabilidade da prossecução de um processo penal contra este progenitor e da eficácia de uma eventual condenação em pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, como modo de prevenir a reincidência.”

Não tenho competência nem é o meu objectivo discutir a questão jurídica embora tenha apreciado a inclusão do artº52 no Código Penal, mas sim esta velha ideia da palmada educativa. Algumas notas.

Deixem-me recordar que em 2015 o Conselho da Europa pressionava o Governo Francês para adoptar legislação que expressamente proibisse bater nas crianças. A então Secretária de Estado da Família não pretendia alterar a lei pois uma parte da população seria favorável aos castigos corporais e não queria "dividir o país em dois campos: os que são pela palmada e os que são contra.”

A mesma responsável afirmava ainda que "persiste uma tolerância baseada no costume, a do direito de correcção, que é aceite desde que seja ligeira e tenha um fim educativo". Ao que na altura li ninguém interrogou a Secretária de Estado sobre como avaliar a intensidade da palmada para que não passe de ligeira.

Já muitas vezes aqui tenho afirmado, a questão do recurso aos castigos físicos ou às agressões verbais e humilhação como forma de educar é recorrente e está sempre presente na agenda de qualquer encontro ou conversa entre e com pais sendo, aliás, frequentes os discursos de legitimação destas “estratégias educativas”.

Se estivermos atentos reparamos que quando na imprensa generalista se abordam questões relativas a comportamentos menos positivos de crianças ou adolescentes são inúmeros os comentários e discursos sobre a alegada falência das famílias na definição de regras e limites nos comportamentos de crianças e adolescentes. Muitos destes discursos e comentários são normalmente acompanhados de referências ao facto de não se recorrer a umas “palmadas”, à “pedagogia do chinelo”, “uma boa palmada dada a horas” ou outras variações no mesmo tom, com uns “tabefes” a coisa resolvia-se.

As alusões às dificuldades das famílias ou da escola na regulação dos comportamentos de crianças e adolescentes podem ser justificáveis, mas a ideia de lidar com estas dificuldades através do bater e dos castigos severos continua a ser preocupante quando, também são conhecidos muitos trabalhos que sublinha a ineficácia deste tipo de abordagens. Ninguém pode garantir que foram ou que são as “tareias” que constroem pessoas de bem.

É de recordar que em 2018 a Academia Americana de Pediatria produziu novas orientações sobre a parentalidade afirmando veementemente que bater nas crianças, insultá-las, humilhá-las ou envergonhá-las são comportamentos a banir. Os efeitos positivos são nulos e os negativos estão bem demonstrados. Esta posição é, aliás, recuperada na peça do Público

Uma outra referência  a um trabalho desenvolvido pela Universidade de Pittsburgh nos EUA divulgado na Child Development em 2017 que considerando diferentes variáveis seguiu 1482 alunos durante nove anos e evidenciou uma relação sólida entre o que foi considerado “parentalidade severa” (recorrer com regularidade ao gritar, bater ou outro tipo de comportamento coercivo, além de ameaças físicas e verbais como forma de punição) e baixo rendimento escolar e problemas de comportamento nas crianças envolvidas nesse “modelo” de educação familiar.

Dados divulgados em 2019 relativos ao Projecto Geração XXI, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, que acompanha desde o nascimento um número muito significativo de crianças na área metropolitana do Porto.

Cerca de 75% das crianças com 7 anos serão vítimas de agressão psicológica ou castigos corporais em contexto de educação familiar. Cerca de 10% sofreram agressões graves (como bater com cinto ou objecto contundente ou queimar) com frequência.

As avaliações mostram que que impacto na saúde é significativo, 58% apresentam valores de inflamação elevados, quase o dobro das que não são vítimas de maus-tratos.

Sugerem ainda que mães com história de violência doméstica desenvolvem mais comportamentos de agressão aos filhos do que as mães que não reportam um passado de maus tratos. Considerando a variável escolarização e nível económico, sem surpresa, níveis mais elevados parecem mais associados a agressão psicológica e castigos corporais e níveis menos qualificados associados a formas de violência mais graves,

Um trabalho mais recente de Liz Gershoff divulgado em 2021 é também elucidativo sobre a mesma questão.

Sabemos e não esquecemos que os “castigos corporais” podem ir da mais ligeira palmada à mais pesada tareia e também sabemos que bater é um tipo de comportamento inscrito na prática de muitas famílias na sua relação educativa com os filhos.

Na verdade, os castigos corporais ainda são uma "ferramenta" educativa em muitas famílias e, é conhecido, também em instituições que acolhem crianças sendo que mesmo que no âmbito da justiça a questão é complexa como algumas decisões judiciais ilustram.

A ver se nos entendemos, bater ou castigar severamente as crianças não é uma actividade educativa, gritar ou agredir verbalmente de forma regular não é uma actividade educativa. O comportamento gera comportamento e adultos que não se auto-regulam dificilmente ajudam crianças a ser auto-reguladas. Aliás, também se sabe que crianças que foram batidas tornam-se frequentemente pais que batem.

No entanto e dito tudo isto, também entendo que pontuais comportamentos inadequados ou incompetentes não significam necessariamente que estejamos perante pessoas, pais, más ou incompetentes.

Todos nós, alguma vez, agimos de uma forma menos ajustada ou adequada com os nossos filhos e isso não nos transforma em pessoas más, significa que somos apenas pessoas, que não somos perfeitos como perfeitos não são os nossos filhos e que nada destes matérias é feito seguindo escrupulosamente um qualquer "manual de instruções" dos muitos que agora aparecem.

Assim sendo, creio que devemos ser cautelosos, quer na defesa da "estalada educadora" ou “palmada educativa”, quer na diabolização definitiva de pais que numa situação eventualmente esporádica e de tensão assumem um comportamento de que podem ser os primeiros a arrepender-se.

Esta nota, não branqueadora ou desculpabilizante de nada, pode não ser particularmente simpática, mas estou cansado, tanto de discursos de legitimação do efeito "educativo" da violência física ou verbal dirigida a crianças, como de discursos demagógicos e, por vezes hipócritas, que clamam pelo "crucificação" cega de uma pessoa, o outro que bate, mas são produzidos por gente desatenta ou mesmo autora ou apoiante doutros comportamentos dirigidos a miúdos tão indignos quanto a "estalada" ainda que menos visíveis.

Finalizando, embora saiba que a legislação mesmo quando é imperativa é entendida como indicativa e, portanto, desrespeitada como temos tantos exemplos em várias matérias, é bom não esquecer que estamos a falar de direitos, não de opiniões.

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

UM DIA PERFEITO

 Estranhamente, porque não era hábito, levantou-se com a melhor das disposições para enfrentar mais um dia.

A mulher, já a pé a despachar os filhos para a escola, sorriu para ele. Estranhou, não era hábito. A torrada não queimou, como era hábito, e saiu de casa estranhamente bem-disposto, mas com a vaga sensação de que se tinha esquecido de algo.

O Luís, o do café, para sua surpresa, não gozou com o seu Benfica enquanto tomava a bica, como era hábito. Mantinha a sensação de que se tinha esquecido de alguma coisa.

A manhã de trabalho no banco foi perfeita, só clientes simpáticos e com problemas simples. Estranhou, não era hábito, a si sempre lhe tocavam os chatos que só percebem o que se lhes explica à décima vez. Continuou com a sensação de que se tinha esquecido de algo.

O almoço foi excelente no sítio do costume. Até, contra o que era hábito, o seu prato preferido ainda não tinha esgotado. Ainda deu para dar uma volta no centro comercial e cruzar-se com duas mulheres, lindíssimas, que lhe retribuíram o sorriso. Mas a sensação de que se tinha esquecido de algo continuava.

O resto do dia de trabalho correu lindamente. O Chefe, o Dr. Lopes, em vez de o chatear ao fim do dia com algum processo para despachar com urgência, como era hábito, teve quase uma hora de conversa sobre banalidades e namoradas.

Quando voltou para casa, sempre com a sensação de que se tinha esquecido de alguma coisa, os miúdos estavam entretidos a brincar, quietinhos, sem a algazarra do costume e sem o obrigarem a deitar-se no chão para os levar às cavalitas, como era hábito. A mulher, que o recebeu com um beijo daqueles de que já não se lembrava, tinha preparado um petisco de se lhe tirar o chapéu, não era hábito. A sensação de que se tinha esquecido de algo continuava.

Já tarde, contra o que era hábito, recordou com a mulher as primeiras noites de paixão. Quando, depois do dia perfeito e longo, se preparava para dormir, lembrou-se, finalmente, do que se tinha esquecido logo de manhã.

Tinha-se esquecido de acordar. Não era hábito.

PS - Estava a precisar de um dia perfeito, nem que fosse emprestado e sonhado.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

DAS AEC

 O Público faz referência a um documento de trabalho produzido pela OCDE, “More Time at School” no âmbito de uma reflexão sobre o tempo passado na escola sendo objecto de análise o tempo para além da carga curricular estabelecida, em Portugal, o programa Escola a Tempo Inteiro.

Num dos primeiros textos que escrevi no blogue, Fevereio de 2007, considerei esta iniciativa assente num equívoco, confundir escola a tempo inteiro com educação a tempo inteiro.

Como o trabalho em análise reconhece, este programa foi estruturado privilegiando o acomodar as dificuldades das famílias na guarda das crianças no tempo laboral e menos numa perspectiva de promover desenvolvimento e aprendizagens.

Como desde sempre tenho defendido e reconhecendo que muitas famílias lidam com sérias dificuldades na gestão dos seus tempos, também entendo que estas dificuldades não podem, não devem, ser resolvidas prolongando até ao “infinito” a estadia dos alunos na escola, com base no equívoco de confundir “Escola a Tempo Inteiro” com “Educação a Tempo Inteiro” e/ou sem uma reflexão muito séria sobre o que deverá ser esse "tempo inteiro" da escola. A “overdose” contém sempre algum risco.

Creio que nem toda a gente tem consciência de que, de acordo com a lei e considerando as necessidades das famílias, uma criança, por exemplo do 1º ciclo, pode chegar a 50 horas por semana na escola, considerando horário curricular, AEC, ATL e Componente de Apoio à Família. Aliás, no que respeita aos tempos escolares já sabíamos, como referi acima, que os alunos portugueses, sobretudo no início da escolaridade, têm umas das mais elevadas cargas horárias conforme relatórios da Rede Eurydice ou da OCDE.

Esta overdose de estadia institucional na escola, com o tempo muitas vezes preenchido com actividades de duvidosa qualidade apesar de também existirem muito boas práticas, não pode deixar de ter algum impacto na relação que os miúdos estabelecem com a escola e com as actividades da escola.

Deixem-me recordar que num debate em que participei realizado no Alentejo em 2007 sobre o, na altura, recém-criado Escola a Tempo Inteiro, uma professora contou que na sua escola tinha sido arranjado um espaço para as crianças jogarem futebol a propósito do qual um aluno fez a seguinte observação após o início das AEC, “Quando eu tinha tempo para brincar não tinha um campo. Agora tenho um campo e não tenho tempo para jogar”. Elucidativo.

Como já disse, são conhecidas boas experiências neste universo e devem ser sublinhadas e divulgadas, mas também todos conhecemos situações em que existe a dificuldade óbvia e esperada de encontrar recursos humanos com experiência e formação em trabalho não curricular. Acresce que boa parte das escolas, como é natural, têm os seus espaços estruturados sobretudo para salas de aula. Espaços para prática de actividades desportivas ou de ar livre, expressivas, biblioteca, auditórios, etc., etc., a existirem dificilmente poderão ser suficientes para uma ocupação da população escolar alternativa à sala de aula.

Este obstáculo acaba por resultar na réplica de actividades de natureza escolar com baixo ou nulo benefício e um risco a prazo de desmotivação, no mínimo.

Por outro lado, tanto quanto o tempo excessivo de estadia na escola, merece reflexão o risco e as implicações da natureza “disciplinarizada” desse trabalho, ou seja, organizado por tempos e áreas, de acordo com os modelos de organização curricular.

A enorme latitude de práticas que se encontram actualmente, desde o muito bom ao muito mau, sustentam a inquietação a que acresce o modelo a definir para estruturar estas respostas, ou seja, sendo possível no quadro actual, que entidades externas as desenvolvam como assegurar o envolvimento e responsabilidade da escola e a sua autonomia?

Na verdade, embora compreendendo a necessidade da resposta seria desejável que, tanto quanto possível se minimizasse o risco de em vez de tentarmos estruturar um espaço que seja educativo a tempo inteiro com qualidade, preenchido na escola ou em espaços e equipamentos da comunidade, assistirmos à definição de uma pesada agenda de actividades que motiva situações de relação turbulenta e reactiva com a escola.

Sendo optimista vamos esperar que tudo corra bem e que as boas práticas e experiências prevaleçam.

Nota final. Não referi, mas não esqueço a necessidade de reflectir sobre o modelo de organização das AEC, designadamente o "outsourcing" com situações de pagamento de "salários" indignos a gente qualificada, e a gestão por vezes pouco transparente de recursos humanos ao serviço de pequenos poderes.

Vamos ter que repensar os trabalhos dos miúdos, de muitos miúdos. O consumo excessivo, mesmo de actividades fantásticas ou de actividades escolares, tem riscos.

terça-feira, 9 de novembro de 2021

DAÍ ESTE MEU CANSAÇO

 Li no DN que no Encontro das Escolas Ubuntu, com a presença da liderança do ME e a participação do Presidente da República em mensagem vídeo ficámos a saber que o projecto baseado na filosofia Ubuntu será alargado a todas as escolas que se mostrem interessadas no âmbito do Plano 21|23 Escola+.

Assim, através da “Academia de Líderes Ubuntu", a filosofia Ubuntu entrará nas escolas e os amanhãs cantarão, recupera-se o bem-estar dos alunos, as suas capacidades de aprendizagem e as aprendizagens que se comprometeram com a pandemia (um parêntesis para relembrar que antes da pandemia as dificuldades já existiam).

Definitivamente, deve ser da idade, as intervenções dos responsáveis do ME e do Presidente da República pareceram-me mais um exercício de pensamento mágico. Não estranho, mas já cansa.

Como é evidente, registo todas as iniciativas que possam contribuir para minimizar ou erradicar problemas, mas já me falta convicção no impacto do modelo mais habitualmente seguido. E acontece mais uma vez, para cada constrangimento ou dificuldade percebida nas e pelas escolas e com regularidade, aparece vindo de fora ou gerido de fora, um Plano, um Projecto, um Programa, uma Iniciativa, as combinações são múltiplas, destinado a essa problemática.

Durante as últimas décadas, perco a conta a planos, projectos, programas, experiências inovadoras que chegaram às escolas para combater o insucesso ou, pela positiva, promover o sucesso, promover a leitura e escrita, promover a matemática, promover a educação científica, promover a educação inclusiva, erradicar ou minimizar o bullying, a relação entre escola e pais e encarregados de educação, promover a expressão artística e a criatividade, promover comportamentos saudáveis e actividades desportivas, literacia financeira, promover a inovação e as novas tecnologias, para não falar de iniciativas mais "alternativas", por assim dizer, e que têm poderes mágicos, parece. A lista enunciada é apenas exemplificativa.

Com demasiada frequência muitos destes projectos vêm de fora das escolas, as origens são variadas, não chegam a envolver a gente das escolas, esmagada pelo trabalho, burocracia e outros constrangimentos como, por exemplo, assegurar da melhor forma possível o dia-a-dia do trabalho educativo que tem de ser realizado.

Também com demasiada frequência muitos destes projectos morrem de “morta matada” ou de “morte morrida”, não são avaliados de forma robusta e dão umas fotografias ou vídeos que compõem o portfólio dos organizadores e proporcionam uma experiência que se deseja positiva aos intervenientes no tempo que durou, mas sem mais impacto.

Todavia, preciso de afirmar que muitos destes Planos, Projectos, Inovações, etc. dão origem a trabalhos notáveis que, também com frequência, não têm a divulgação e reconhecimento que todos os envolvidos mereceriam.

Também demasiadas vezes estas iniciativas consomem recursos com baixo retorno e ao serviço de múltiplas agendas.

Ponto.

Tenho para mim, que não podendo a escola responder a todas as questões que afectam quem nelas passa o dia poderia, ainda assim, fazer mais se os investimentos feitos no mundo à volta da escola e que lhe vem bater à porta com propostas fossem canalizados para as escolas.

Com real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados as escolas poderiam fazer certamente mais e melhor que quem vem de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.

Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes domínios.

Directores de turma com mais tempo para os alunos e professores com menos alunos poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.

Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.

Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno.

São apenas alguns exemplos de respostas com resultados potenciais com um custo que talvez não seja superior aos custos de tantos Projectos, Planos, Programas ou Iniciativas Inovadoras destinadas a múltiplas matérias e com custos associados de “produção” que já me têm embaraçado, mas a verdade é que as agendas e o marketing têm custos. Por outro lado, também acontece que todo este movimento acaba por mascarar a inadequação ou ausência em matéria de políticas públicas.

Daí este meu cansaço.

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

A HISTÓRIA DE O TAL

 Era uma vez um rapaz, tinha 11 anos e chamava-se O Tal. Era o aluno de quem mais se falava na escola, por toda a gente. Cada professor achava que O Tal não aprendia o suficiente na sua disciplina, não tinha o comportamento adequado, não tinha motivação para aprender, não estudava, não gostava de escrever, não gostava de ler, não se interessava pela generalidade dos assuntos abordados nas aulas, não sabia participar numa conversa, não completava uma actividade, não era organizado, não gostava de ser contrariado, não cumpria a generalidade das tarefas, etc.

Um dia, um dos professores que tinha O Tal, falou nele ao Professor Velho, o que estava na biblioteca e falava com os livros. O Professor Velho, depois de ouvir afirmou que não conhecia O Tal. A resposta surpreendeu o professor. “Como não conheces O Tal? É o aluno mais conhecido da escola!”.

Disse o Velho naquele jeito baixinho, “Sim, eu sei quem é O Tal, mas acho que O Tal é o aluno mais desconhecido da escola. Repara, só conhecem o que ele não sabe, o que ele não faz, o que não gosta, o que ele não é. Não saberão, portanto, o que ele é, o que ele será capaz de fazer, o que ele saberá, de que gostará. Olha que a gente só aprende a partir do que sabe e só cresce a partir do que já é. Era melhor conhecer O Tal”.

domingo, 7 de novembro de 2021

DESCAMINHO

 Nos últimos dias e a propósito do sórdido episódio que envolve João Rendeiro e do desaparecimento de obras de arte que estavam à guarda da mulher do fugitivo, surgiu a referência ao “descaminho”. Maria de Jesus Rendeiro estará a ser acusada do crime de “descaminho”.

Confesso que não conhecia o crime de descaminho, mas lembro-me de quando era pequeno ser muitas vezes avisado para não dar descaminho às coisas, às ferramentas do meu pai ou às coisas que me davam, por exemplo. Há muito tempo que não ouvia o termo.

No entanto, a verdade é que vivemos num tempo com muitos descaminhos.

Ainda vivemos um tempo de pandemia que deu descaminho a muitas das nossas rotinas e provocou danos pesados e muitos sem retorno, muitas vidas em descaminho.

Atravessamos tempos políticos que mais parecem mostrar descaminhos que construir caminhos.

Muitos jovens à procura de caminhos para o futuro e tropeçam em descaminhos.

Entre os mais novos existem demasiadas situações em que por descaminho das famílias lhes falta um céu protector que ilumine caminhos.

São múltiplos os descaminhos que em muitos sectores das políticas públicas se encontram e que criam outros descaminhos em direitos básicos de cidadania.

São preocupantes os descaminhos associados a pobreza e exclusão. São muitas as crianças que nascem e crescem num descaminho relativamente ao futuro.

Não queria que estas notas fossem percebidas como uma visão pessimista, trata-se uma inquietação, entre os muitos caminhos existem muitos descaminhos.

sábado, 6 de novembro de 2021

INTERESSANTE, "A ESCOLA NÃO APRENDEU COM A PANDEMIA"

 

O texto de Paulo Prudêncio no Público, “A escola não aprendeu com a pandemia”, levanta algumas questões que merecem reflexão ainda que, em bom rigor e na minha opinião, entenda que, independentemente dos contextos em que nos movemos, todos “aprendemos” algo com as experiências mais pesadas que vivemos.

Entre os vários aspectos ou dimensões consideradas por Paulo Prudêncio como de ajustamento necessário sublinho a questão do peso da burocracia na vida das escolas e professores.

Quando falo nestas questões, sempre recordo João dos Santos, a quem tarda uma homenagem com significado nacional, dizia, cito de memória pelo privilégio de ainda o ter conhecido e ouvido, que em educação o difícil é trabalhar de forma simples, é mais fácil complicar, mas, obviamente, menos eficaz, menos produtivo e muito mais desgastante e dos grandes alimentadores do “complicómetro” é justamente a burocracia pesadíssima no quotidiano da vida das escolas e dos professores

Nesta perspectiva e aproveitando o programa Simplex talvez fosse de caminhar numa maior simplificação e desburocratização dos processos em educação, sejam os de natureza mais administrativa e funcional, sejam mesmo os de natureza mais pedagógica.

que exigem horas sem fim com resultados que muito provavelmente não justificam o “custo” da sua produção. Com é evidente, este custo poderia ser mais bem potenciado com processos mais simplificados.

O quotidiano das escolas e dos professores está “ensopado” em burocracia com o preenchimento de inúmeros documentos, registos, acesso a plataformas, que não parecem em muitas situações fazer parte das soluções, mas sim dos problemas.

No caso mais particular dos alunos com necessidades especiais a gestão dos seus processos educativos é também altamente burocratizada com uma proliferação de processos, classificações, planos variados, que geram ruído e equívocos decorrentes, entre outras razões, do próprio enquadramento legislativo que também ele carece de um Simplex e actualização que tarda.

Seria uma boa altura para recuperar a ideia “simples” de João dos Santos e desligar o “complicómetro” e lembrar que apesar de por vezes parecerem mais difíceis de conseguir, as coisas simples são as mais eficazes.