AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sexta-feira, 31 de maio de 2013

FAZER PELA VIDA

"Se não fizermos nós pela nossa vida, se não procurarmos encontrar dentro de nós próprios as condições para acrescentar uma perspectiva de solução efectiva e concreta dos nossos problemas, não é o contexto europeu que vai resolver os nossos problemas ", Passos Coelho em intervenção pública.
Mais de um milhão de desempregados, 42.5% de jovens que não têm emprego, perto de três milhões de portugueses em risco de pobreza acordam todos os dias com essa tarefa fundamental, "fazer pela vida".
Alguns, muitos, já desesperam para conseguir os serviços mínimos, mantê-la.
Por outro lado, alguns outros bem se serviram do contexto europeu para "fazer pela sua vida".
É a vida.

O FUTURO NÃO MORA AQUI

No Público divulga-se a realização de um estudo internacional com o objectivo de conhecer e caracterizar o fenómeno crescente da emigração, sobretudo entre os mais jovens. O estudo envolverá Portugal, Grécia, Espanha e Irlanda, países profundamenta atingidos pela crise económica, a passar  por severos programas políticos de auteridade e com níveis devastadores de desemprego.
Em Janeiro , o Secretário de Estado das Comunidades afirmava que nos últimos dois anos terão emigrado cerca de 200 000 portugueses, estimando que em 2013 os números sejam da mesma ordem de grandeza.
É também conhecido que, a par da Irlanda, somos o país de onde sai gente com maior qualificação o que exige ainda maior reflexão pelas consequências previsíveis.
Somos um país de emigrantes de há séculos pelo que este movimento de partida, só por si, não será de estranhar. No entanto, creio que é preocupante constatarmos que durante muitos anos a emigração se realizava na busca de melhores condições de vida, a agora a emigração realiza-se à procura da própria vida, muita gente, sobretudo jovens não tem condições de vida, tem nada e parte à procura, não de melhor, mas de qualquer coisa.
Este vazio que aqui se sente é angustiante, sobretudo para quem está começar, se sente qualificado e com o desejo de construção de um projecto de vida viável e bem sucedido.
Alguns inquéritos junto de estudantes universitários mostram como muitos, a maioria, admite emigrar em busca de melhores condições de realização pessoal e profissional apesar de muitos afirmarem que pretendem voltar.
Lembramo-nos ainda de intervenções de incentivo à emigração qualificada, posteriormente negadas e forma despudorada, por Passos Coelho e do Ex-Ministro Miguel Relvas dirigidas, por exemplo, a professores e jovens qualificados.
Parece-me relativamente claro que a questão central nesta matéria não é o movimento que desde há muito os portugueses realizam de procurar trabalho fora do país, trata-se também da construção de um projecto de vida auto-determinado. Sabemos, aliás, que é desejável em diferentes perspectivas, que estes fluxos se realizem.
O que me parece fortemente significativo é o que representa de descrença de tanta gente, de que seja possível desenvolver um projecto de vida viável e com potencial de realização pessoal e profissional no nosso país.
Nesto contexto, como tenho referido, as declarações dos responsáveis políticos assumem particular importância. Não podem assumir que a solução para os problemas das pessoas, por exemplo o desemprego, é abandonar o país, particularmente um país, Portugal, com sérias necessidades de mão-de-obra qualificada, um dos mais baixos níveis de qualificação da Europa e um dos grandes obstáculos ao nosso desenvolvimento, não pode acenar com a “sugestão” de emigração exactamente para a franja mais qualificada da nossa população. Trata-se uma visão absolutamente inaceitável.
Muita desta gente parte com amargura de uma terra, a sua, onde sentem que não cabem e o futuro … é um sonho impossível.

OS BRANDOS COSTUMES REVISTOS EM BAIXA

"Manifestantes insultam deputados e são retirados do plenário", na imprensa. "Soares alerta Cavaco para “perda de pacifismo” dos portugueses", na imprensa. Sucedem-se os episódios de hostilidade, insultos e vaias, dirigidos a membros do Governo e ao Presidente da República.
Na verdade, são já regulares e mais evidentes os sinais de descontentamento e sobretudo da desesperança que se traduzem em comportamentos de hostilidade.
Este sentimento emerge, naturalmente, das dificuldades progressivamente mais pesadas, e para muitos já insustentáveis, da dignidade ameaçada e, importa acentuar, das imprudentes, insensatas e inaceitáveis declarações e comportamentos de algumas lideranças.
A voz insuspeita do ainda Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, avisava há semanas, "o país aguenta tudo menos o  poder imprudente".
Se bem estarão recordados os mais atentos, há algum tempo, um especialista em saúde mental referia num trabalho divulgado na imprensa os riscos potenciais de alterações do comportamento que derivam do grave conjunto de dificuldades que muitos portugueses atravessam.
A instalação de uma clima de desconfiança face ao poder e ao futuro e a desesperança em mudanças significativas em tempo útil, em cima de situações como desemprego, por exemplo, podem provocar níveis de sofrimento que potenciem fenómenos reactivos de natureza agressiva mais extremados e dirigidos a terceiros, os identificados como responsáveis, caso dos ocupantes da cargos políticos de relevo, ou mesmo dirigidos contra si próprio através do suicídio, como também se tem verificado.
Dito de outra maneira, os comportamentos correm o risco de forma cada vez mais intensa conterem cargas emocionais que potenciam o seu descontrolo. Aliás, se bem atentarmos nos testemunhos recolhidos em manifestações ou protestos é bastante clara a carga emocional que envolve os comportamentos observados e que se traduzem em comportamentos extremados como verificamos na Grécia, em Espanha ou no extremo do recurso à tragédia das imolações ou do suicídio como forma de protesto.
Assim, um contexto de situações de desemprego, pobreza e exclusão percebido como resultantes de decisões políticas é fortemente perturbador das pessoas e ajuda a explicar o aumento significativo dos casos de perturbações depressivas ou da ansiedade ou de comportamentos de natureza mais agressiva.
Se a tudo isto ainda juntarmos sucessivas declarações, algumas inaceitáveis e insultuosas, de pessoas com funções públicas de relevo, está criado um caldo de cultura potencialmente explosivo e onde facilmente germinam os excessos.
É frequente a afirmação de que somos um povo de brandos costumes. A questão é que, como dizia Camões, todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. Um dia cansamo-nos de ser bons rapazes.

O FECHAMENTO

Fecham-se maternidades pois existem demasiadas salas de parto sem qualidade e há que ser bem acolhido quando se chega ao mundo.
Fecham-se escolas pois parece que temos alunos a menos, professores a mais e há que racionalizar uma vez que, como bem sabemos, tudo o que nos rodeia é racionalmente organizado.
Fecham-se os miúdos na “escola a tempo inteiro”,irão intoxicar-se até ficarem “agarrados”.
Fecham-se os adolescentes dentro de um ecrã pois assim não andam com “más companhias”.
Fecham-se cursos pois parecem não ter saídas profissionais e só se “deve estudar o que faz falta”.
Fecham-se empresas pois falta a produtividade e qualificação que, como se sabe, abundam nos explorados dos “mercados emergentes”.
Fecham-se urgências e serviços de saúde pois, se andarmos um bocadinho mais, ficaremos um bocadinho melhores.
Fecham-se aldeias pois há que promover desenvolvimento sustentado e com economia de custos.
Fecham-se triibunais em nome de uma justiça que de tão injusta envergonha.
Fecham-se os espaços habitacionais urbanos abertos pois os condomínios fechados promovem qualidade de vida.
Fecham-se as pequenas queijarias e outras actividades do mesmo tipo pois temos que proteger a saúde do consumidor e, por isso, só comemos uma comida que é tão boa que nem o bicho lhe pega, como dizemos no Alentejo.
Fecha-se o pequeno comércio pois o que nós precisamos é de comprar tudo no mesmo local e encostado ao carro, e não de ouvir “Bom dia, tá bom Sr. Zé e a família? Então o nosso Benfica lá ganhou!”
Fecham-se os Correios, a ligação física com o mundo e o Banco para gente velha e isolada.
Fecham-se os velhos nos lares pois sempre ficam ajuntadamente sós.
Fecham-se os olhos ao sofrimento dos outros. O outro ganhou uma estranha transparência, não o vemos e também… “já me chega a minha vida”.
Fecha-se a boca em vez de dizer pois… “adianta alguma coisa?
Fecha-se a cabeça ao pensamento pois “Deus por escárnio deu-me a inteligência” algo que só serve para nos incomodar.
Finalmente, alguém nos fecha numa memória. Esperamos.

PS - "O projecto Novos Povoadores, que anda há pelo menos seis anos a "vender" a possibilidade de uma vida calma em paisagens puras, limita-se hoje a apoiar quatro famílias em mudança" no Público. Poderia ser diferente?
 

VISÕES DOENTIAS

O Primeiro-ministro deu hoje mais um excelente exemplo de palavras que não podem ser ditas, aliás, na linha do que vários elementos deste Governo, incluindo ele próprio, têm proferido. Em declarações que apanhei num jornal televisivo, Passos Coelho falou da "visão doentia dos que acham que tudo está mal".
Na verdade, nem tudo está mal mas muito está mal, sobretudo na vida de milhões de portugueses. Por irónica coincidência, foram hoje conhecidos os dados do desemprego disponibilizados pelo EUROSTAT e que voltam a atingir valores dramáticos mantendo-se a expectativa de que continuem a subir.
O desemprego atingiu em Abril 17.8%, perto de um milhão de pessoas, valor que de acordo com os especialistas está abaixo do valor real. Destes desempregados, apenas 44% têm acesso ao subsídio de desemprego. O desemprego jovem atingiu uns devastadores 42.5%.
Todos os dias são relatadas situações e apelos de pessoas e de instituições de solidariedade face à multiplicação de casos de extrema carência, incluindo fome, e aos quais as instituições públicas e privadas têm progressiva dificuldade em responder.
Neste contexto, Passos Coelho vem designar como "visão doentia" os que entendem que isto "está mal".
Passos Coelho, como muitos políticos que sucumbem à vertigem do poder, acabam a confundir a realidade com a projecção dos seus desejos e a perder de vista o impacto do que decidem na vida das pessoas. Talvez tenhamos que reflectir sobre quem tem uma "visão doentia".

quinta-feira, 30 de maio de 2013

O BRINQUEDO PREFERIDO

De há uns tempos para cá apareceu uma moda naquela terra que “impede” as pessoas de falarem em brincar nas escolas da terra, é proibido brincar nas escolas.
A moda foi fabricada por uma gente ignorante de miúdos, obcecada com trabalho e produtividade, mesmo infantil, uns infelizes escravos convencidos de que são livres e que também querem escravizar os outros.
Mas ainda existem uns professores, muitos, naquela terra que não se deixam enganar, sabem ler os miúdos e percebem que eles aprendem porque também brincam e brincam porque também aprendem. Aliás, brincar e aprender são as coisas mais sérias que os miúdos fazem, sorte a deles, a de alguns, felizmente muitos.
Um dia, um desses professores lembrou-se, que sacrilégio, de dizer aos seus alunos para trazerem para a escola o seu brinquedo preferido. A Maria trouxe uma boneca. O João apareceu com a playstation nova. A Sara vinha vaidosa com umas bonecas que o pai tinha trazido do estrangeiro. A Irina trazia o Noddy. O Carlos vinha com uns olhos quase tão grandes como a bola de futebol que trazia debaixo do braço. O David, sempre pronto para as lutas, trazia uns bonecos lutadores de wrestling. A Joana não ligava a ninguém com o seu mp3 cheio das músicas de que gosta. Enfim, por um dia, toda gente veio para a escola com um brinquedo, o seu preferido.
O último a chegar foi o Manel.
Feliz e sorridente entrou na sala de aula com o avô pela mão.

AS OBRAS PÚBLICAS E OS DISCRETOS INTERESSES

Quem como eu tem vivido em Portugal nas últimas décadas, sabe com segurança que as grandes obras públicas realizadas ou idealizadas sempre tiveram, têm, por base muitos outros critérios que não o da racionalização dos custos ou justificação da necessidade.
A torneira aberta pela integração na União Europeia e um fluxo de dinheiro que parecia não ter fim permitiu alimentar realizações e sonhos que serviram interesses da mais variada natureza a começar pelos jogos políticos, os interesses dos grupos económicos amigos dos sucessivos governos, os narcisismos megalómanos de muitos dirigentes autárquicos, etc. É certo que de todo este desvario alguma herança ficou ao nível de infra-estruturas e equipamentos para as populações mas muito, mesmo muito, se desperdiçou em elefantes brancos e inutilidades cuja manutenção actual nos sai caríssima. Mesmos "sonhos" que nunca viram a luz do dia como o TGV ou o novo Aeroporto de Lisboa são excelentes exemplos daderiva incompetente e irresponsável na gestão dos interesses públicos. Duas obras que não aconteceram mas que já absorveram muitos milhões de euros sem que exista ou se preveja a identificação de alguma responsabilidade imputada a quem sucessivamente foi alimentando estes processos.
Serve esta introdução para me referir ao custo astronómico, bastante superior ao custo por km do TGV,  hoje divulgado previsto para a construção de um ramal ferroviário entre a Trafaria e o Pragal, que a proposta de passar o terminal de contentores de Lisboa para a margem sul, na Trafaria, torna necessário.
Sou suspeito, vivo na margem certa do Tejo, a sul, e não simpatizo de todo com a destruição da Trafaria e da zona envolvente de arriba para a construção do terminal de contentores e do ramal ferroviário para além de outros equipamentos ou vias.
A questão que me preocupa é que o que venha a ser decidido esteja bem para lá da análise racional dos custos, das necessidades e do impacto para ambiente e pessoas. Talvez seja de tentar perceber o que vai acontecer as terrenos libertados pelos contentores em Lisboa, quem ganha com as obras e com a deslocação para a Trafaria deste terminal.
As autarquias da margem sul, sobretudo a de Almada, já se manifestaram abertamente contra o projecto, seria de ouvir as populações através, por exemplo, de um referendo. Mas continua a faltar muita informação.
O custo previsto por quilómetro sendo importante é apenas um dado, nem sequer o mais importante.
Aguardemos por novos desenvolvimentos.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

OS PRIVILEGIADOS PROFESSORES E UMA HISTÓRIA IMPROVÁVEL

Com enorme regularidade ouvem-se ou lêem-se discursos anónimos ou assinados, por vezes por gente de quem se esperaria mais rigor, conhecimento e bom senso,  que diabolizam os professores, uns preguiçosos cuja vida é um descanso permanente e o usufruto de mordomias sem fim e, evidentemente, imerecidas.
É verdade que todos conhecemos, em todas as profissões, pessoas que não dignificam pela qualidade do seu desempenho a função que exercem mas, como se costuma dizer, há que não confundir a árvore com a floresta. Tal acontece também com os professores e envolve, já o tenho referido, discursos produzidos por quem representa os professores e diz falar em seu nome ou gente que com funções de relevo na gestão do sistema educativo. Alguns destes discursos e comportamentos também são um contributo para a tal diabolização ou desvalorização social da classe docente a que me referia acima e que têm consequências devastadoras.
Agora a história, curta e obviamente improvável.
No âmbito da lida profissional estava a analisar textos produzidos por alunos adolescentes, frequentadores de escolas públicas sobre a escola, sobre a escola, o seu trabalho e os professores.
Num dos textos, o da Ana, por assim dizer, encontrei escrito, "também acho que é muito difícil ser professor, com aviões de papel incendiados a voar na sala e a levar com o apagador como já vi na minha escola".
Creio que a Ana tem razão, é muito difícil ser professor, mas esta ... esta é uma história improvável.

QUEIXINHAS E CALÚNIAS

Devo confessar que estou admirado e preocupado. Ao que a imprensa refere, o Gabinete de Luta Anti-Fraude da União Europeia, após queixa da deputada Ana Gomes e considerando os indícios de fraude revelados na altura, final de 2012, pelo Público, desencadeou uma investigação às actividades e financiamento da empresa Tecnoforma e da organização não-governamental denominada Centro Português para a Cooperação, entidades que foram dirigidas por Passos Coelho.
Estou admirado pois nada do que conhecemos faz suspeitar de indícios de fraude que sustentem a investigação da UE às entidades citadas. Aliás, em Fevereiro deste ano, a imprensa noticiava que o DCIAP estaria a investigar corrupção, tráfico de influências, desvio de fundos e prevaricação no caso Tecnoforma. Como nada se soube entretanto e como a investigação e a justiça em Portugal se caracterizam pela rapidez, é de presumir que nada de ilícito se terá encontrado, obviamente.
Por outro lado, admira-me também a falta de solidariedade entre portugueses que leva a deputada Ana Gomes a fazer queixinhas ao Gabinete de Luta Anti-fraude, uma indelicadeza grosseira e falta de sentido de estado que só posso entender como decorrente da luta partidária que não deveria sobrepor-se aos interesses nacionais tão bem defendidos pela Tecnoforma e pelo Centro Português para a Cooperação que apenas estavam interessados em promover qualificação e cooperação, dois desígnios fundamentais de Portugal.
Vejamos, a Tecnoforma e prestou extraordinários serviços ao país na carente área da formação profissional tendo, por exemplo, numa decisão genial e demostradora de visão procurado proporcionar formação a centenas de funcionários municipais para funções em aeródromos que não existiam nem se previa que viessem a existir e se contou com a colaboração do Dr. Passos Coelho sublinha a sua capacidade de visão e e empreendedorismo que tão úteis agora nos têm sido.
O Dr. Passos Coelho também esteve envolvido na criação da citada ONG direccionada para a intervenção em projectos de cooperação em áreas em que operava, adivinhem, isso mesmo, a Tecnoforma. Neste projecto de generosidade e de cooperação desinteressada, Passos Coelho andou acompanhado de umas figuras, Ângelo Correia e Marques Mendes, por exemplo, que na altura das notícias afirmaram não estar bem recordados dessa ligação. Como diria um famoso artista político e CEO português, "há muita fraca memória".
Ao que parece e para além de umas mordomias a algumas pessoas, a Organização Não Governamental não singrou pelo que Passos Coelho, homem realista e com uma extraordinária capacidade de empreendedorismo e persistência, retomou a estrada que vinha a percorrer desde a JSD ao lado de ilustres "compagnons de route" como Miguel Relvas, também conhecido pelo “Dr.” integrar uma OG Organização Governamental em vez de uma discreta Organização Ñão Governamental. Entretanto e como é sabido o “Dr.” Relvas já abandonou a Organização Governamental e o Dr. Passos Coelho, disse o seu pai, estará “morto” por o poder fazer também.
Acho na verdade muito preocupante que agora por minudências de tricas partidárias duvidem da solidez e seriedade destes projectos.
Finalmente, preocupa-me que aproveitando a embalagem se desencadeie uma análise mais alargada à utilização em Portugal dos fundos da União Europeia durante décadas. Aí, implodimos de vez.

A INDIGNIDADE DA FOME

"Quase 40% dos participantes num inquérito da Federação dos Bancos Alimentares Contra a Fome confessaram ter passado um dia sem comer por falta de dinheiro e mais de metade disseram que o rendimento familiar “nunca é suficiente para viver”", no Público.
Este tipo de informação constitui um fortíssimo murro no estômago na maioria de nós e na consciência ética, se existisse, de gente como o Secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro Adjunto da Troika, o geniozinho Carlos Moedas que há dias afirmou que as pessoas “só acabam com os maus hábitos quando enfrentam choques”, para exemplificar o que está a ser feito na economia portuguesa.
Recordemos alguns indicadores do que está a ser feito em Portugal com resultados como o que a notícia traduz.
Dados do Eurostat confirmam aquilo que só os que entendem que a realidade é a projecção os seus desejos negam, os níveis insustentáveis de pobreza que afligem os portugueses, designadamente crianças e idosos. Segundo dados de 2011, Portugal apresenta um risco de pobreza e exclusão social nas crianças e nos idosos acima da média da UE. Mais precisamente, 28,6% das crianças portuguesas estavam em risco de pobreza e exclusão social face a 27% da UE e para os idosos, mais de 65 anos, os indicadores são 24,5% entre os portugueses e uma média de 20,5% na UE. A situação agravou-se como os dados conhecidos mostram.
Temos 17.7% de desemprego oficial, que se sabe ser superior em termos reais e que se estima continuar a crescer. Este cenário representa cerca de 1,8 milhões de portugueses sem emprego ou com função laboral a tempo inteiro com a terceira mais alta taxa de precariedade na Europa. No escalão mais jovem o desemprego está nos 42.1% e mais de metade dos desempregados, cerca de 560 000, são de longa duração e, portanto, sem expectativa realista de voltar a entrar no mercado de trabalho. Também apenas 44 % dos desempregados acedem a subsídio de desemprego.
Continua, pois, um devastador cenário do qual releva o aumento brutal de situações de pobreza, bem acima das estatísticas oficiais, o aumento fortíssimo do desemprego e do número de pessoas desempregadas sem subsídio de desemprego, o abaixamento dos apoios sociais, a pobreza a afectar crianças e idosos, sempre os grupos mais vulneráveis. Relembro o recentemente divulgado Relatório da Cáritas Europa que também referia o aumento da pobreza infantil em Portugal e a manutenção de simetrias gritantes na distribuição da riqueza.
Este é o resultado de uma persistência cega e surda no “custe o que custar", no cumprimento dos objectivos do negócio com a troika e dos objectivos de uma política "over troika", atingindo claramente o limite do suportável e afectando gravemente as condições de vida de milhões. Estamos a falar de pessoas, não de políticas, ou melhor estamos a falar do efeito das políticas na vida das pessoas. Talvez isto fosse de considerar em pleno período de avaliação com a presença dos administradores do país por cá, assim os feitores que nos governam assumissem um "basta" que tarda.
Contrariamente ao que nos querem fazer acreditar, como o geniozinho Moedas insiste, a maioria das famílias portuguesas não viviam ou vivem acima das suas possibilidades, mas cada vez mais famílias estão a viver abaixo das suas necessidades, com fome, pobres, sem apoio e em risco de exclusão. Os sucessivos Governos, desta e de outras terras, é que subscreveram políticas públicas que assentes em modelos económicos sem alma nem ética produziram o inferno em que vivemos, não foram as famílias, na sua maioria que o produziram. As famílias é que sofrem o choque de que fala este burocrata sem alma mas não foram elas que têm ou tiveram a maior responsabilidade pela situação criada.
Com este terramoto social e económico ainda insistem em que temos de empobrecer, sofrer um choque, expressão que indigna até à raiva. NÓS JÁ ESTAMOS POBRES, NÃO PODEMOS FICAR MAIS POBRES, entendam isto de uma vez por todas.
Nós não precisamos de empobrecer, falar de empobrecer é insulto e terrorismo social como já afirmei. Nós precisamos de combater a assimetria da distribuição da riqueza e produzir mais riqueza, precisamos de combater mordomias e desperdício de recursos e meios ineficientes e muitas vezes injustificados que alimentam clientelas e interesses outros. Nós precisamos de combater a teia de protecção legal e política aos interesses dos mercados e dos seus empregados, como o geniozinho Moedas, que conflituam com os interesses das pessoas. Nós não precisamos de empobrecer, nós já somos um dos países mais pobres e assimétricos da Europa com perto de um terço da sua população pobre ou em risco de pobreza, com miúdos a chegar às escolas com fome, com gente sem trabalho e sem apoio social.
O que precisamos é de coragem e visão sem subserviência ao ditado dos mercados e dos seus agentes para definir modelos económicos, sociais e políticos destinados a pessoas e não a mercados ou a grupos minoritários de interesses mesmo que mascarados em malditos planos de "ajustamento", de "resgate" ou ainda e de forma ofensiva de "ajuda".
Há discursos com os quais não podemos deixar de nos sentir ofendidos e indignados, chocados, por assim dizer.
O das pessoas com fome ofende-nos ela indignidade da situação, o do geniozinho Moedas pela despudorada e delinquente insensibilidade.

PREVISÕES

A imprensa de ontem fez eco significativo de umas previsões com origem em França que apontam no sentido de que o próximo Verão seja o mais frio dos últimos duzentos anos. Alguns especialistas olham com reserva estas previsões  na medida em que os modelos probabilísticos usados contêm níveis significativos de falibilidade.
A imprensa de hoje dedica também bastante espaço ao universo das previsões, noticiando que as previsões da OCDE contrariam as previsões do Governo e da Troika no que respeita à recessão e ao crescimento. Para 2013, a OCDE prevê uma recessão de 2.7% enquanto  Governo e Troika apontam para 2,3% e no crescimento para 2014 a OCDE indicia 0.2% face a 0.6% previstos pelo Governo e pela Troika.
Há umas semanas o I fez um trabalho muito interessante sobre o que designou por o "mundo delirante das previsões da troika" centrado, naturalmente na falha clamorosa de todas as previsões elaboradas pelos especializados e geniais técnicos que administram o país exemplificando com dados relativos ao défice, ao crescimento ou ao desemprego.
Sabemos da falibilidade da obra humana mas é demasiado grave que estes gurus acompanhados, pelos seus adjuntos internos, Passos Coelho, Vítor Gaspar e colaboradores definam um conjunto de políticas gravosas, promotoras de exclusão e pobreza assentes em falhas inaceitáveis dos seus modelos de análise e que de tal processo não se extraia uma conclusão óbvia, é necessário e urgente redefinir modelos e políticas mas na qual, como parece óbvio, os adjuntos internos da troika não estão minimamente interessados.
O resultado de tudo isto é uma persistência cega e surda e uma inabalável fé nos seus falíveis modelos, traduzidas no “custe o que custar", no cumprimento dos objectivos do negócio com a troika e mesmo na definição de objectivos de uma política "over troika", atingindo claramente o limite do suportável afectando gravemente as condições de vida de milhões. Estamos a falar de pessoas, não de políticas, ou melhor, estamos a falar do efeito das políticas na vida das pessoas.
Este "mundo delirante das previsões da troika", como lhe chama o I, seria um bom exemplo da conhecida metáfora do burro meteorologista, não fora a tragédia que causa na vida de milhões de pessoas.
No entanto e voltando às previsões da metereologia e apesar da falibilidade dos modelos, acho que desta vez elas estarão certos. A maioria de nós vai viver um Verão muito frio, com a esperança congelada e com um forte arrefecimento no ânimo e na confiança.

MAIS TRABALHO OU MELHOR TRABALHO?

Em consequência do aumento da carga horária semanal dos funcionários da administração pública para as 40 horas, o Governo propõe o alargamento de uma hora diária no atendimento público dos serviços da administração.
Esta medida, aparentemente simpática aos olhos de quem diaboliza os privilegiados funcionários públicos, alvos preferenciais do saque a que vamos assistindo, não terá, como reconhecem os especialistas, impacto significativo ao nível da produtividade e é pouco amigável na promoção de emprego ou, se preferirem, no combate ao desemprego.
Como tenho vindo a afirmar, apesar de não ser um especialista, apenas um cidadão que procura estar atento, creio que a abordagem da relação entre o tempo de trabalho, a competitividade a produtividade é contaminada por alguns equívocos.
É minha convicção de que o problema da produtividade é, fundamentalmente, uma questão de melhor trabalho e não de mais trabalho. Aliás, conhecem-se estudos nesse sentido e podemos reparar o que se passa noutros países com cargas de horário laboral semelhantes à nossa. Lembram-se certamente de há alguns meses, a propósito de umas afirmações da Senhora Merkel sobre os "preguiçosos" do sul da Europa, ter sido divulgado, creio que na imprensa o I referiu os dados, um relatório sobre a duração do trabalho na União Europeia verificando-se que, contrariamente a alguns entendimentos, a duração do trabalho em Portugal é a terceira mais elevada da Europa, repito, a terceira mais elevada da Europa, embora a competitividade e produtividade sejam das mais baixas.
Parece assim claro que a produtividade não decorre fundamentalmente do tempo de trabalho. Existem, tenho-o afirmado, factores menos considerados e que do meu ponto de vista desempenham um papel fundamental, a qualificação profissional, a organização do trabalho, a qualidade dos modelos de organização e funcionamento, no fundo, a qualidade das lideranças nos contextos profissionais. O nível de desperdício no esforço, nos meios e nos processos em alguns contextos laborais é extraordinariamente elevado. Na administração central, autárquica e no universo das empresas públicas, por diferentes ordens de razões, este tipo de situações é razoavelmente frequente, sendo que em algumas circunstâncias as lideranças estão entregues por razões de aparelhismo partidário e troca de favores e não por competência ou currículo oque, naturalmente se traduz na qualidade do desempenho na gestão.
Neste cenário, a decisão de aumentar o horário de trabalho não parece ser, só por si, a solução milagrosa de incremento da produtividade e de combate ao desemprego, antes pelo contrário.
Parece-me bem mais potente um esforço concertado e consistente de reorganização e estruturação de serviços e de modernização e formação de chefias, funcionários e procedimentos do que impor o recurso simplista e “fácil” ao aumento da carga horária.
Aumentar o horário de trabalho não parece a forma mais eficaz de combater as famosas "gorduras" do estado, antes pelo contrário, boa parte das políticas em curso promovem, isso sim, o emagrecimento dos cidadãos, ou, pelos menos, dos seus rendimentos.

terça-feira, 28 de maio de 2013

O PROGRAMA DE AJUSTAMENTO DO ENSINO SUPERIOR

Também o Ensino Superior, tal como o país, parece atravessar um Programa de ajustamento. Para além dos graves problemas de financiamento que têm motivado sucessivos alertas e preocupações públicas por parte de reitores e presidente de politécnicos, dos efeitos dos processos de avaliação em curso no âmbito a actividade da Agência para a Avaliação e Creditação do Ensino Superior, o MEC propõe agora quotas mínimas de alunos para que os cursos possam manter-se em funcionamento.
A proposta remetida ao Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e ao Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos define o mínimo de dez alunos inscritos no ano lectivo anterior para que os cursos se mantenham em funcionamento. Se tal não acontecer, esses cursos não poderão receber novos estudantes e serão encerrados. Esta determinação envolverá 171 cursos maioritariamente de Institutos Poliécnicos do interior do país.
Começa a fazer-se sentir, tarde do meu ponto de vista, a intenção de promover um imprescindível ajustamento numa rede de ensino superior clara e comprovadamente sobredimensionada como aqui tenho referido com regularidade.
Relembro uma afirmação do Professor António Nóvoa, reitor da U. de Lisboa, uma das vozes que mais tem referido a necessidade de racionalização da rede, "Portugal não deveria ter mais do que sete ou oito universidades públicas. E estou a ser benevolente" afirmou.
O ensino superior em Portugal é, como muitíssimas outras áreas, vítima de equívocos e de decisões políticas nem sempre claras. Uma das grandes dificuldades que enfrenta prende-se com a demissão durante muito tempo de uma função reguladora da tutela que, sem ferir a autonomia universitária, deveria minimizar o completo enviesamento da oferta, pública e privada, que se verifica, um país com a nossa dimensão são suporta tantos estabelecimentos de ensino superior, sobretudo, se atentarmos na qualidade. O MEC parece querer agora assumir esse papel regulador.
Durante demasiado tempo as regiões e autarquias reclamavam a instalação de estabelecimentos de ensino superior com a maior das ligeirezas. A pressão vinda da procura e a incapacidade de resposta do subsistema de ensino superior público associada à demissão da tutela da sua função reguladora, promoveu o crescimento exponencial do ensino superior com situações que, frequentemente, parecem incompreensíveis à luz de um mínimo de racionalidade e qualidade quer no sistema público, quer no sistema privado.
Nesta matéria, a qualidade e o redimensionamento da rede, espera-se também que o processo em curso de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior se revele um forte incentivo, seja eficaz, resista à inevitável pressão dos interesses em causa e desenvolvido de uma forma competente e clara e não apenas com critérios administrativos como o número de alunos.
Importa ainda não esquecer que existem cursos que apesar de alguma menor empregabilidade potencial se inscrevem em áreas científicas de que não podemos prescindir com o fundamento exclusivo das actuais características do mercado de emprego. Podemos dar como exemplo formações na área da filosofia ou nichos de investigação que são imprescindíveis num tecido universitário moderno. Será também importante que o processo permita desenvolver e incentive modelos de cooperação, universitário e politécnico, público e privado, que potencie sinergias, investimentos e massa crítica de que o processo de fusão entre a Clássica de Lisboa e a Técnica pode constituir um exemplo que se deseja bem sucedido.
O enviesamento da oferta de que acima falava, alimenta a formação em áreas menos necessárias, não promove a formação em áreas carenciadas e inflacciona as necessidades de financiamento. Tal facto, conjugado com o baixo nível de desenvolvimento do país e com uma opinião publicada pouco cuidadosa na informação, leva a que se tenha instalado o equívoco dos licenciados a mais e destinados ao desemprego, quando continuamos a ser um dos países da UE com menos licenciados, já o disse aqui muitas vezes.
Uma nota final para o impacto que o conjunto de enormes dificuldades que as famílias atravessam e os cortes no financiamento no ensino superior estão a ter no abandono de muitos estudantes do ensino superior.
Sendo certo que a rede deve ser racionalizada, importa que os estudantes lhe possam aceder. Trata-se do investimento no futuro.

A NOSTALGIA BOA E A NOSTALGIA MÁ

Um choque frontal com uma côdea de um belo pão do Meu Alentejo causou um estrago sério num dente que me levou para a sala de espera de uma clínica.
As salas de espera, por exemplo, em consultórios médicos, tal como os comentários nas páginas on-line dos jornais, são ambientes muito interessantes no sentido perceber o clima, os climas, em que vivemos.
A experiência de hoje é um excelente exemplo.
Um sujeito, aparentemente  homem da minha geração, casa dos cinquenta e muitos, foi elaborando sem descanso um discurso que ia ganhando algumas concordâncias expressas no abanar afirmativo de cabeça ou em alguns  "é verdade" por parte da audiência. A sua tese era de que quando vivíamos "numa  ditadura" havia coisas mal feitas e más, pois havia, mas agora, que vivemos "numa democracia" as coisas estão mesmo mal e muitas mesmo pior.
O seu continuado exercício de comparação entre a "ditadura" e a "democracia" ia sendo ilustrado com aspectos como, cito de memória alguns, o desemprego que na "ditadura" quase não havia e agora é o que se vê. Como não podia deixar de ser referiu também a insegurança e a gatunagem que anda por aí. Também citou os roubos nas pensões que agora estão a fazer e que no tempo da "ditadura" não se faziam.
Claro que no fundo e por detrás de tudo, os problema são por causa deles, dos graúdos, que se enchem sempre, estão sempre bem e que antigamente não era assim.
Julgo que não é difícil imaginar outras referências que podem ser incluídas num discurso de tipo.
Confesso que apesar de querer entender e contextualizar as apreciações do companheiro de espera, fiquei deveras inquieto.
Não acho estranho que os mais velhos, eu também o faço, recuperem memórias que tendem a sobrevalorizar face ao que actualmente se passa, consigo, com a vida, com os outros, com os sonhos, enfim com tudo o que enche a nossa narrativa, como agora se diz. Fazemos estas viagens nostálgicas e muitas vezes elas servem de abrigo para os efeitos da passagem dos anos ou mesmo para nos ajudar a liar com o que agora vivemos. É o que eu chamo a nostalgia boa, uma viagem tranquila ao passado com um regresso ao presente que não nos deixa ansiosos, inquietos, desesperados por aquilo que já não temos e já não voltaremos a ter, seja o que for, um corpo, um afecto, uma experiência, uma viagem, um trabalho, ... ou apenas uma lembrança difusa de algo que está arrumado e deixou uma memória boa.
O que me incomodou foi esta nostalgia má, esta nostalgia por tempos carregados por coisas diferentes mas também, sublinho também, de chumbo e que parecem ser encarados como tempos a que deveríamos voltar para ficarmos melhor.
Chamaram-me para ir tratar do dente acidentado mas levava também a cabeça a precisar de amanho, como se diz lá no meu Alentejo.

NA VERDADE

As coisas nem sempre são o que parecem ou o que gostávamos que fossem.
Na verdade, há pais que fazem mal aos filhos.
Na verdade, há filhos que fazem mal aos pais.
Na verdade, há professores que fazem mal aos alunos.
Na verdade, há alunos que fazem mal aos professores.
Na verdade, há velhos que fazem mal aos novos.
Na verdade, há novos que fazem mal aos velhos.
Na verdade, ...
Na verdade, há pessoas que fazem mal a pessoas.
Na verdade, ... o mundo é um lugar estranho e ... às vezes ... muito feio.

MIÚDOS QUE PASSAM MAL, NÃO APRENDEM

Segundo o Relatório "Food for Thought" da organização Save the Children, 25% das crianças do terão o seu desempenho escolar em risco devido à malnutrição com as óbvias e pesadas consequências em termos de qualificação e qualidade de vida de que a educação é uma ferramenta essencial.
A propósito das dificuldades que também muitas crianças portuguesas passam com graves situações de carências alimentares detectadas nas escolas, muitas vezes aqui tenho referido esta dramática situação.
Quando penso nestas matérias sempre me lembro da história que já contei várias vezes e que me aconteceu há uns anos em Inhambane, Moçambique, quando ao passar por uma escola para gaiatos pequenos o Velho Bata, um homem velho sem cursos nem estatuto que tomava conta de mim durante a estadia naquela terra, me dizer que se mandasse traria um camião de batata-doce para aquela escola. Perante a minha estranheza, explicou que aqueles miúdos teriam de comer até se rir, “só aprende quem se ri”, rematou o Velho Bata.
Pois é Velho, putos com fome não aprendem e vão continuar pobres.



ESTÁS REQUALIFICADO. Eras um empregado, passas a ser um desempregado

Quando eu era miúdo e como muitas vezes acontecia com connosco, se estávamos onde não devíamos logo algum adulto soltava um "ponham-se a mexer daqui" e nós ... púnhamo-nos a mexer dali, quase sempre a contragosto.
Mais recentemente e com a emergência da preocupação com os estilos de vida saudáveis, entrou no léxico uma outra referência à ideia de movimento, "pela sua saúde, mexa-se" e muita gente se mexe pela rua ou pelos ginásios à procura de melhor qualidade de vida.
Entretanto e nos últimos tempos surgiu a mais curiosa das utilizações da ideia de movimento, isto é, uma figura inventada pela administração pública que retoma o discurso dos adultos do meu tempo mas em vez de soltar um assertivo "ponham-se a mexer daqui", cria um sistema de mobilidade, uma figura curiosa para colocar os funcionários descartáveis em movimento, isto é, dali para fora.
De facto, o Governo entende que existem funcionários público a mais, algo que as comparações internacionais não suportam, uma vez que parece mais um problema de gestão e qualificação do que de excedentes, quer despedi-los, mas a lei, a Constituição, sempre a Constituição, atrapalham e então é criada uma estranha figura, o sistema de mobilidade, justamente para pôr os funcionários a "mexer dali".
No entanto, em termos de marketing e comunicação política,  a terminologia não é muito simpática e muda-se para sistema de mobilidade para sistema de requalificação, uma sala de espera passageira para onde se enviam os funcionários descartáveis a quem se dá uns trocos durante alguns meses e pronto, eles põem-se definitivamente a mexer.
Na verdade, a última designação parece a mais acertada, o novo sistema vai proceder à requalificação da pessoas, perdem a qualificação de empregados e ganham, uau! a qualificação de desempregados com a qual ficarão pobres mas felizes para sempre.
A isto chama-se, dizem, convergência de sistemas e procedimentos, ou seja, a pobreza quando nasce é para todos (quase), há que democratizar o acesso à condição de pobre.
Volto a recordar os adultos do meu tempo, era altura de pôr esta gente a mexer dali para fora. O problema é a gente que a seguir virá.

A BRUTAL AUSTERIDADE NOS NASCIMENTOS

Um estudo realizado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, vem evidenciar um dado já conhecido, as famílias portuguesas estão a adiar o nascimento do primeiro filho e também o adiamento do segundo ou mesmo a ausência de outros filhos por razões de natureza económica. Aliás, Portugal tem uma das mais altas taxas de filho único na Europa.
Nada de surpreendente, segundo dados da Comissão Europeia, em 2011 Portugal registou a quarta mais baixa taxa de fecundidade da União Europeia. Esta tendência que se acentua é mais uma preocupação emergente. A renovação de gerações exige 2,1 filhos por mulher sendo que desde 1982 que em Portugal não se atinge tal valor. Em 2011 tivemos 1,35 como índice sintético de fecundidade manifestamente insuficiente.
É ainda de registar que em 2010, um pouco mais de 10% dos nascimentos são crianças de mães estrangeiras, quando curiosamente temos discursos de governantes que nos aconselham, sobretudo aos mais novos, a emigrar e assim, lá longe, construir um projecto de vida. Os dados mais recentes sobre a emigração confirmam este fenómeno, a saída de muitos jovens.
Estes indicadores comprometem, obviamente, a renovação geracional, potenciando o envelhecimento populacional e o desequilíbrio demográfico que se tem acentuado fortemente a partir de 2003.
É ainda interessante sublinhar que trabalhos recentes evidenciam que as mulheres portuguesas são de entre as europeias as que mais valorizam a carreira profissional e a família. Também é sabido de outros estudos que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa, aliás, são também das que mais tempo trabalham em casa.
Como parece claro, este cenário, menos filhos quando se desejava fortemente compatibilizar maternidade e carreira, exige, já o tenho referido, a urgência do repensar das políticas de apoio à família. Os salários baixos ou o desemprego são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os projectos relativos a filhos. Por outro lado, Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é mais um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos.
Não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc.
Toda esta situação torna urgente a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida bem como combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas.
Só com uma abordagem global e multi-direccionada me parece possível promover a recuperação demográfica indispensável.

NOVAS DROGAS, NOVOS PROBLEMAS

Recordando Camões, o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades, umas mais simpáticas que outras, deve dizer-se.
Segundo o Relatório Europeu sobre Drogas de 2013, da responsabilidade do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência, em 2012 foram introduzidas no mercado 73 novas drogas, as detectadas, um mercado florescente de há uns anos para cá e sempre em crescendo no número de novas substâncias conhecidas.
Muitas destes novos produtos entram em circulação legal em diferentes países no mercado das smartshops que recentemente foi objecto de regulação bastante mais restritiva em Portugal, embora a venda destas chamadas "drogas legais", muitas agora ilegalizadas, deslize para o mercado clandestino.
Por outro lado, é ainda de salientar a tendência crescente, como o Relatório agora conhecido evidencia, da utilização da net e das redes sociais como suporte à venda de drogas. Nada de surpreendente, poderíamos mesmo dizer, sinais dos tempos. Se as redes sociais podem assumir papéis significativos em movimentos sociais e políticos, porque não no tráfico de droga, uma das mais lucrativas actividades dos nossos dias.
Este cenário, não só pelas suas consequências, mas pela “facilidade” de funcionamento e da dificuldade do combate, necessita de uma política séria de prevenção e tratamento para além do combate ao tráfico que possa, tanto quanto possível, contar com os recursos adequados, mesmo em cenários de contenção, como sublinha João Goulão, presidente do Observatório.
A questão preocupante e que tem sido motivo regular de alerta por parte de especialistas, é que os cortes e ajustamentos nos recursos humanos e materiais disponíveis correm o risco de criar sérios constrangimentos na prevenção, tratamento do consumo e do combate ao tráfico.
Como muitas vezes tenho escrito, existem áreas de problemas que afectam as comunidades em que os custos da intervenção são claramente sustentados pelas consequências da não intervenção, ou seja, não intervir ou intervir mal é sempre bastante mais caro que a intervenção correcta em tempo oportuno. A toxicodependência e o consumo do álcool são exemplos dessas áreas.
Quadros de dependência não tratados desenvolvem-se habitualmente, embora possam verificar-se excepções, numa espiral de consumo que exigem cada vez mais meios e promove mais dependência. Este trajecto potencia comportamentos de delinquência, alimenta o tráfico, reflecte-se nas estruturas familiares e de vizinhança, inibe desempenho profissional, promove exclusão e “guetização”. Este cenário implica por sua vez custos sociais altíssimos, persistentes e difíceis de contabilizar.
Costumo dizer em muitas ocasiões que se cuidar é caro, façam as contas aos resultados do descuidar.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

A REALIDADE E O PESADELO DE MR. KRUGMAN

Paul Krugman afirma no seu blogue do New York Times que Portugal vive um “pesadelo” económico-financeiro, algo que apenas meia dúzia de militantes da austeridade até à solução final não reconhece.
É verdade que Paul Krugman não vive por cá e por isso, provavelmente, não entende que a situação que vivemos não é, na verdade, um pesadelo de que se acorda assustado e angustiado mas que em seguida percebemos que tudo não passou … de um pesadelo. Não é assim.
O drama é que a situação para milhões de portugueses é a vivência diária de um pesadelo de que se não vislumbra o fim e, de vez em quando, acontece um sonho com um futuro melhor que aparentemente não passa disso mesmo ... um sonho.

A GENEROSIDADE DA EDP

Segundo dados do EUROSTAT, em Portugal registou-se a quarta maior subida na União Europeia nos preços da electricidade para uso doméstico entre a segunda metade de 2011 e e igual período de 2012. Os preços do gás também sofreram aumentos significativos e hoje a DECO regista a estranheza pela proximidade de preços praticados nas botijas, indiciando uma nunca comprovada, evidentemente, cartelização de preços.
Não sei qual o efeito pretendido com este tipo de notícias que se prestam a interpretações ambíguas, mas é evidente que os preços da electricidade para as nossas casas teria de sofrer um aumento significativo. Em Março foi divulgado que a EDP terminou 2012 com a insustentável situação de apresentar lucros de apenas 1012 milhões de euros, um abaixamento de 10% relativos aos lucros de 2011.
Considerando que o aumento verificado em Portugal foi de 9.7% ainda temos uma diferença de 0.3% relativamente à queda dos lucros. Mostra a generosidade da EDP  de outros operadores com o bem estar das famílias portuguesas ao promover aumentos que apenas se destinam a compensar, mal, o abaixamento dos seus lucros insignificantes e, por isso, preocupantes. Aliás, o Sr. Dr. Mexia, presidente executivo da EDP, afirma hoje que os preços da eletricidade em Portugal estão abaixo da média da União Europeia contrariando a informação do EUROSTAT. Justifica defendendo que é mais barata do que na média na UE se não se tiver “em consideração os impostos” argumento interessante do ponto de vista das famílias que como é sabido pagam a electricidade antes de impostos.
Por outro lado, é também importante não esquecer que os interesses dos nossos amigos chineses, que tanto nos ajudam comprando as nossas empresas, têm de ser acautelados, sempre fomos um povo, o melhor do mundo, que acolheu bem as pessoas de fora e os seus interesses.
É verdade que existem milhões de portugueses a passar por enormes e devastadores problemas, muita gente a entrar em incumprimento ou com dificuldades extremas para assegurar o cumprimento de pagamento das facturas de bens essenciais como electricidade, gás e água, mas trata-se, evidentemente, de gente que vivia acima das suas possibilidades e que agora vive, manifestamente, abaixo das suas necessidades. É assim a vida, como diz o geniozinho Moedas só depois de um choque é que percebemos as coisas.
Mais uma razão para agradecermos aos operadores da electricidade  e do gás a generosidade  
solidária de proceder apenas a um ligeiro aumento dos preços, o quarto maior da UE, que lhes permite manter as suas imprescindíveis margens de lucro.
Um grande bem-haja para a EDP e restantes operadores.

CRIANÇAS E JOVENS EM RISCO, FUTURO EM RISCO

É hoje conhecido o Relatório de 2012 da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e jovens em Risco. Em síntese, aumenta o número de casos reportados relativamente a 2011, aumentam os casos de exposição dos menores a comportamentos como violência doméstica, aumenta significativamente, 65%, o número de casos de comportamentos de risco das próprias crianças e jovens como indisciplina, bullying ou consumos. Este dado poderá estar associado à mudança do escalão etário com mais casos reportados, que deixou de ser o que envolve crianças mais novas e é agora o intervalo entre os 15 e os 21.
Recordo que há poucos dias o Instituto de Apoio à Criança alertava para o aumento de situações de utilização de crianças para mendicidade e também para o aumento da exploração sexual através da prostituição que, asseguram os técnicos, já se verifica na chamada prostituição de rua. Estes indicadores não podem deixar de se associar às devastadoras dificuldades que muitas famílias atravessam e de que os grupos mais vulneráveis, os mais novos e os mais velhos, são as principais vítimas.
De há muito e a propósito de várias questões, que afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “supremo interesse da criança", não existe o que me parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens de que temos exemplos com regularidade. Poderíamos citar a insuficiência e falta de formação de juízes que se verifica nos tribunais de Família com enorme morosidade na resolução de situações de regulação para além de surgirem com alguma regularidade decisões incompreensíveis em casos de regulação do poder parental ou o silêncio face a situações conhecidas, etc.
Por outro lado, as condições de funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz estão longe de ser as mais eficazes e operam em circunstâncias difíceis. Na sua grande maioria as Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram.
Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ainda acontece que depois de alguns episódios mais graves se oiça uma expressão que me deixa particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas referenciados ou sinalizados.
Por isso, sendo importante registar uma aparente menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será fundamental que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas.

domingo, 26 de maio de 2013

A HISTÓRIA DO ZÉ MAU

Há já muito tempo que não me lembrava dele, do Zé Mau. O Zé Mau foi meu companheiro de escola na primária, sou do tempo da primária. Isto era antes de inventarem o 1º ciclo.
O Zé Mau embora fosse da nossa idade parecia ter uns anos a mais, era mais alto e um bocado para o “cheio”. O Zé Mau não tinha assim muito jeito para a escola, a professora estava sempre a dizer-lhe que ele não queria saber da escola e que era burro. Isto era antes de inventarem a desmotivação e as dificuldades de aprendizagem misturadas com as dificuldades de ensinagem.
Mas o Zé Mau tinha jeito para a luta, qualquer coisa que o incomodasse mais seriamente o Zé Mau espigava e, sem grande dificuldade, ia para a "porrada". Passava o tempo na rua. Claro que alguns de nós tínhamos medo do Zé Mau, outros tínhamos inveja e até gostávamos do Zé Mau. Isto era antes de inventarem o bullying.
O pessoal, como eu, que andava mais na rua, gostava de sentir o Zé Mau por perto, sobretudo, quando íamos jogar à bola umas ruas mais para baixo com os putos dessa zona. A coisa raramente acabava de forma pacífica e era então que o Zé Mau dava um jeitão. Isto era antes de inventarem as AECs e os ATLs e todas as outras gaiolas onde se fecham os miúdos.
Logo a seguir à primária o Zé Mau já não nos acompanhou, ficou chumbado. Isto era antes de inventarem a retenção.
Andou mais dois ou três anos na escola e para ele chegou. Isto er antes de inventarem o “dropout”.
De vez em quando, raramente, cruzava-me com ele, o que já não acontecia faz um tempo longo. Entre uma “imperial” e as memórias, sabia da sua vida de biscates e encrencas. Isto era antes de inventarem as redes sociais.
Um dia destes, um companheiro desses tempos, mandou-me uma mensagem, “Sabes que morreu o Zé Mau? Estava preso e suicidou-se”. Isto era antes de inventarem os processos de reabilitação e de reintegração.
Ele era assim, o Zé Mau, não era tipo para estar preso, nunca se deixou agarrar. Ainda bem que já não vou jogar à bola com os putos das ruas de baixo, o Zé Mau não vai estar para nos defender.
Isto tudo era antes de ser como é.

OS DESABRIGADOS DO MUNDO

De acordo com a Vereadora do Desenvolvimento Social da Câmara de Lisboa, Helena Roseta,  a população sem abrigo em Lisboa "está a aumentar", estimando-a em 2.000 pessoas.
"Está a verificar-se um aumento significativo da população sem abrigo, por razões de desorganização das suas vidas. Não tem só a ver com habitação, mas também por desemprego, problemas familiares, adições, tudo misturado. Cada vez mais, mesmo por penúria económica, incapacidade de pagar, e algumas pessoas fazem parte de uma pobreza envergonhada", disse Helena Roseta sugerindo algumas propostas de intervenção, designadamente a criação de uma estrutura de acolhimento que designa por "hotel social". No ano passado a população sem abrigo rondaria as 700 a 800 pessoas.
Esta situação é conhecida. Em Março, a Directora da Acção Social da Misericórdia de Lisboa afirmava que o perfil das pessoas sem abrigo em Lisboa se tem vindo a alterar envolvendo pessoas mais jovens e sem problemas de saúde mental ou toxicodependência, surgindo com progressiva frequência casais ou famílias. Devido à reserva dos próprios e à instabilidade da sua luta pela sobrevivência e que é difícil ter uma estimativa realista do número de pessoas nesta situação.  Aliás, essa dificuldade já se tinha feito sentir com a realização dos Censos de 2011 cujo apuramento, peca, de acordo com as instituições, por defeito.
Esta gente que vai caindo na rua não teve tempo de se entusiasmar com a expectativa do regresso aos mercados e mostra de forma muito evidente as suas características de resistência e os limites, o melhor povo do mundo é assim, dando suporte ao modelo de Fernando Ulrich e tornando-se alguns dos mais bem preparados cidadãos para os tempos que atravessamos, vivem do nada.
Na verdade, não têm nada, aguentam tudo e só são notícia quando chegam as vagas de frio ou quando aparecem gratos e contentes naqueles jantares oferecidos no Natal que sempre compõem indecorosos espectáculos mediáticos.
Continuam os tempos de chumbo, os tempos da indignidade.
Por outro lado e voltando à dificuldade em contabilizar o universo dos sem abrigo, apesar da tentativa de rigor e empenhamento dos procedimentos, essa dificuldade decorre de várias razões como há algum tempo escrevi.
São muitos, os sem abrigo num porto que os acolha, uma casa, um espaço a que possam dar vida e que lhes apoie a vida, uma família.
São muitos, os sem abrigo, mesmo em famílias e em instituições.
São muitos, os sem abrigo no afecto, nos afectos, sem um coração que os abrigue.
São muitos, os sem abrigo em mundos que não são seus. São muitos, os sem abrigo em culturas que não entendem.
São muitos, os sem abrigo num corpo que seja aconchego para o seu corpo.
São muitos, os sem abrigo em valores que predominam mas não reconhecem.
São muitos, os sem abrigo em vidas que lhes não pertencem mas carregam. São muitos, os sem abrigo no aceder e no gostar das coisas de que a vida também se tece.
Muitos destes sem abrigo vivem à nossa beira, sem abrigo, não contabilizados, nem contabilizáveis.

PROFESSORES PRODUTIVOS MAIS BEM PAGOS

Em entrevista ao Público, o Professor Erik Hanushek, economista da educação retoma a tese que já em 2011 apresentou em Lisboa, a defesa a qualidade do trabalho do professor como chave o sucesso da educação. Na sua perspectiva, o professor de qualidade, que Hanushek expressa dificuldade em definir objectivamente, não só é capaz de contrariar as desigualdades sociais dos alunos, como gerir eficazmente turmas grandes embora a investigação sugira que o efectivo de turma seja uma importante variável contributiva para sucesso educativo.  
Hanushek defende também que os professores deveriam ser avaliados, responsabilizados e pagos diferenciadamente em função dos resultados dos seus alunos e minimiza o impacto dos factores culturais quando se analisam, por exemplo, os efectivos de turma em alguns países, o eterno exemplo dos países asiáticos, que obtêm bons resultados genéricos.
Como é evidente, melhores professores, obtêm melhores resultados na generalidade das circunstâncias mas é necessário outro tipo de olhar. Nesse sentido, algumas breves notas.
Hanushek, economista, da educação, centra a sua análise em resultados e, do meu ponto de vista, desvaloriza ou esquece, dados de natureza processual ou contextual de que as mais recentes investigações em qualidade na educação sublinham a importância.
A título de exemplo e centrando-nos numa realidade que todos conhecemos, a portuguesa, é evidente que um professor de qualidade ou eficiente, seja lá isso o que for, lidará mais tranquila e eficazmente com uma turma de 28 alunos ou mais numa escola que sirva uma população qualificada do ponto de vista escolar, uma das varáveis mais associada ao desempenho dos alunos, do que uma turma com igual número mas constituída por alunos oriundos de famílias com menos qualificação académica, em contextos sociais desfavorecidos, com problemas sociais graves, realidade que, aliás, se espelha nos resultados escolares das escolas que servem de base aos rankings. Eu sei que mesmo em contextos menos favoráveis os bons professores conseguem que os seus alunos obtenham melhores resultados do que os "maus" professores, mas é evidente que devem ser obrigatoriamente consideradas variáveis culturais e de contexto na discussão sobre o efectivo de turma, a definição do critério resultados dos alunos como base da avaliação dos professores ou da definição do seu salário. Quase que seria dispensável referir a diferença entre trabalhar com trinta alunos num estabelecimento privado de acesso condicionado ou o mesmo número de alunos num mega agrupamento de uma escola pública em que um professor lida com várias turmas, centenas de alunos e se desloca entre escolas para trabalhar. Hanushek esquece ou desconhece, que a educação é mais do que economia, os estudos de "input-output" são curtos, importa considerar variáveis de processo e de contexto.
Um outro dado interessante de discutir quando consideramos os resultados escolares dos alunos como base para a avaliação e salário dos professores, será o trabalho educativo com crianças ou jovens com necessidades especiais. Nessa perspectiva, teríamos mais um bom motivo para os retirar das escolas, comprometem o rendimento dos professores pois os seus resultados escolares podem ressentir-se dos seus problemas, a mesma razão porque algumas alunos com falta de rendimento académico são "convidados" a sair de alguns estabelecimentos para não comprometer a sua imagem e ranking. Outra realidade que Hanushek esquece ou desconhece.
Finalmente, sublinho um ponto essencial em que concordo em absoluto com Hanushek, o professor é o factor chave do sucesso na educação. Por esta razão me refiro frequentemente à forma preocupante como a classe docente é tratada pelo MEC através de várias das dimensões da PEC - Política Educativa em Curso, por alguns "opinion makers" e também pelos próprios discursos de alguns dos seus "representantes", que me parece ser um péssimo contributo para a qualidade na educação.
Uma última nota. Hanushek vem participar na conferência “Educação, Ciência, Competitividade”, organizada pelo MEC a que, lamentavelmente, por compromissos inadiáveis não posso assistir. A sua intervenção terá como tema “Políticas Educativas para a Qualidade e para o Crescimento Económico”. Antecipo que a sua intervenção virá legitimar, intencionalmente ou não, alguns dos aspectos da PEC, por exemplo, o aumento do número de alunos por turma.
Não é grave, é a política, estúpido.

sábado, 25 de maio de 2013

EM CONTRAMÃO

Na imprensa de hoje encontram-se referências a três importantes e significativas manifestações de desacordo com as políticas do Governo, a greve anunciada pelas estruturas representativas dos professores com a menos habitual participação conjunta da FNE e da Fenprof, a posição de um conjunto de figuras relevantes de diferentes quadrantes políticos contra a política seguida relativamente ao Porto e a manifestação a realizar hoje em Lisboa contra as opções políticas em curso.
No meio de tantos apelos a consensos, alguns impossíveis, que nas mais das vezes mão passam de retórica política parece existir, de facto um consenso em construção, as consequências negativas do rumo político que tem vindo a ser seguido, recessão, desemprego, pobreza e cortes nas dimensões sociais do estado, designadamente, na educação, segurança social e saúde.
As medidas anunciadas, bem como as políticas em desenvolvimento, vão conseguindo fazer o pleno na sua contestação, ou seja, representantes de estruturas empresariais e dos empregadores, representantes dos trabalhadores, representantes de grupos como reformados e pensionistas, entre outros manifestam forte crítica às políticas defendidas e operadas nos últimos tempos e que se anunciam para os próximos anos, ainda que com algum provável alívio em 2015 pois as eleições assim obrigam.
Mesmo entre os partidos que suportam o governo são inúmeras as vozes que criticam fortemente o caminho seguido.
A todos os discursos o Governo responde com uma fé inabalável nos modelos determinados pela Troika e que aceita sem um sobressalto de recusa ou negociação, os alunos "bonzinhos" são assim aplicados, acríticos e resignados.
Esta atitude que transforma a vida de milhões de portugueses num inferno, sempre me lembra a história que se conta no meu Alentejo do sujeito que indo, sem dar por isso, em contramão na auto-estrada, ouve avisar pela rádio que se encontra um automobilista a circular em contramão naquela via. O nosso amigo condutor ouviu e interrogou-se “Só um em contramão? Porra, aqui vão todos!”.
Não, Senhor Primeiro-ministro, o Governo é que segue em contramão.

CRIANÇAS DESAPARECIDAS

Umas notas minhas no Público sobre a perturbadora situação de crianças desaparecidas ainda que algumas estejam à vista.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

POLÍTICA? NÃO ME METO NISSO

Segundo um inquérito realizado pela Comissão Europeia destinado a jovens e inquirindo-os se considerariam a hipótese de se candidatar num processo de eleição política em qualquer momento da sua vida, 52% dos inquiridos afirmou, “de certeza que não” e 26% refere, "provavelmente não". 
No âmbito da UE a percentagem dos que afirmam seguramente não querer envolver-se na actividade política sobe para 79%. Quanto ao comportamento de eleitor, 48% afirmou ter votado pelo menos uma vez nos últimos 3 anos o que significa um abaixamento relativo a dados anteriores.
Este trabalho recordou-me uma outra peça de há algum tempo que abordava a possibilidade do voto aos 16 anos, aspecto que não parece estar na agenda em Portugal. Retomo algumas notas neste universo, o envolvimento dos jovens na vida política mais activa.
Uma nota inicial para reflectir na razão ou razões pelas quais as pessoas aos 16 anos, em Portugal,  tendo a possibilidade legal de casar, trabalhar ou serem responsabilizados criminalmente não podem ceder ao voto.
Alguns afirmam boa parte destes adolescentes não terão maturidade para o uso "responsável" do voto. Provavelmente, algumas das pessoas que entendem que as pessoas com 16 anos não têm maturidade, ficarão indiferentes ao espectáculo indecorosos de "manipulação" e "compra" dos votos a que assistimos em todos as campanhas eleitorais, que envolvem desde as ofertas, os passeios, as promessas que não se vão cumprir, até às recompensas com lugares aos mais empenhados e melhor colocados nos aparelhos. Parece-me fraco o argumento se considerarmos, como já referi, que socialmente e pessoalmente as pessoas com 16 anos são capazes e como tal consideradas pela comunidade e pela lei, relembro casar e trabalhar, por exemplo.
O voto sem restrições a partir dos 16 anos apenas  se verifica na Áustria, registando-se menor abstenção que no escalão 18-20 anos, o que sugere o interesse dos mais jovens pela participação cívica.
Do meu ponto de vista esta é a questão central, a participação cívica  que os dados hoje conhecidos da Comissão Europeia também reflectem. O modelo e cultura política instalados há décadas na nossa comunidade, a partidocracia, fomentam, explicita ou implicitamente, o afastamento de grande parte dos cidadãos da participação cívica activa pois, basicamente, ela corre por dentro ou sob tutela dos aparelhos partidários. Aliás os níveis crescentes e muito altos da abstenção em sucessivas eleições espelham isso mesmo.
Tal cenário alimenta um significativo e comprovado desinteresse dos jovens, mas não só, pela coisa pública e pelo envolvimento activo. A participação dos jovens na coisa política tem sido conformada, quase que exclusivamente, às juventudes partidárias, que servem, com excessiva frequência de trampolim para os lugares políticos, Passos Coelho e António José Seguro, são dois actuais e excelentes exemplos desta carreira. Curiosamente há poucos dias o Dr. Fernando Negrão, fiura de relvo no PSD defendia que os adolescentes do 3º ciclo "não deveriam ter contacto com a Constituição". Elucidativo. Deve, no entanto, registar-se que nos últimos tempos parece estar a emergir alguma motivação para a acção cívica mas fora da tutela partidária.
Por outro lado, esse desinteresse pela participação cívica, alinhada nos aparelhos, alia-se a um outro entendimento de consequências extremamente importantes, a falta de esperança e confiança em que as coisas possam tornar-se diferentes, ou seja, isto não muda, não adianta.
Neste cenário, parece-me, por um lado, que o voto aos 16 anos seria sustentável pelas características e competências das pessoas nesta idade e por aquilo de que já são responsáveis e autónomos. Por outro lado, talvez o alargamento do voto possa ser um contributo para o rejuvenescimento e melhoria da saúde da nossa democracia minimizando as consequências da captura pela partidocracia da participação cívica dos cidadãos.
Gente mais nova, pode trazer comportamentos e ideias mais novas.

AS PALAVRAS QUE OFENDEM

Vai por aí um enorme alarido com a entrevista de Miguel Sousa Tavares ao Jornal de Negócios na qual entendeu por bem apelidar o Presidente da República de "palhaço". O Presidente, obviamente, não gostou, sentiu uma "ofensa de honra", queixou-se à PGR que abriu um inquérito a MST. Entretanto o ofensor veio retratar-se do excesso e aguarda-se o desenvolvimento do processo.
Devo confessar que não aprecio particularmente o discurso de MST, com excessiva frequência, fala do que não sabe da forma que não deve, típico daquilo a que chamo a arrogância da ignorância.
É neste quadro que integro a terminologia usada, o "palhaço", ou seja, a arrogante forma de se referir ao que entende da forma que entende assumindo um estatuto de inimputável pois tudo lhe é permitido dada a sua grandeza. Na verdade, nem tudo lhe pode ser permitido e talvez ainda consiga aprender, eu acredito que é possível aprender, embora seja particularmente difícil quando se acha que se sabe tudo.
Por outro lado, acho muito curioso o alarido pois, apesar de nada branquearem, as "ofensas" são extraordinariamente frequentes na nossa vida política e não só.
Com demasiada regularidade são usados termos no âmbito da saúde mental, esquizofrenia ou autismo, por exemplo, para adjectivar comportamentos e discursos na vida política quando tal uso é uma enorme ofensa ao sofrimento das pessoas e das famílias que lidam com quadros clínicos desta natureza.
Parece-me uma enorme ofensa à honra e dignidade afirmar que temos de empobrecer quando um terço dos portugueses vive no limiar de pobreza.
Parece-me uma enorme ofensa as despudoradas mordomias e salários que alguns arautos dos sacrificios e da austeridade usufruem.
Parece-me uma enorme ofensa, afirmar que o desemprego é uma janela de oportunidade num país com um milhão de desempregados, mais de metade sem subsídio e com 42.1% dos jovens sem trabalho.
Muitos velhos que conheço e que têm pensões e reformas miseráveis sentiram-se ofendidos quando o Presidente da Republica afirmou que os milhares de de euros de reforma de que disporá não lhe chegarão para as despesas pessoais.
Enfim, o que mais existem são exemplos de como as palavras que por aí se soltam podem ofender.
A referência ao "palhaço" produzida por MST mais não fez do que justificar a mais comum das referências comuns, as sucessivas "palhaçadas" a que vamos assistindo e diariamente identificamos. E como se sabe, nas palhaçadas, existem palhaços e sempre, como em tudo na vida, os palhaços ricos e os palhaços pobres.
Siga, pois, o circo. Na falta do pão.

O MUNDO DOS PALPITÓLOGOS

Por uma vez estou de acordo com José Manuel Fernandes que na sua coluna de opinião no Público aborda a presença cansativa e insuportável de uma enorme nuvem de políticos comentadores na comunicação social em Portugal.
Esta reflexão pode associar-se a um trabalho há semanas desenvolvido também no Público sobre que foi intitulado "O império dos comentadores onde quem manda são os políticos" centrado na actividade de comentador na comunicação social, sobretudo na televisiva, a que muita gente com passado, presente e futuro no mundo da política se dedica. Retomo algumas notas que na altura aqui deixei.
Na verdade, nos últimos anos, a comunicação social, nos seus diferentes suportes, tem sido invadida por uma onda de palpitólogos, opinadores "tudólogos", isto é, opinam sobre tudo e mais alguma coisa. Muitos destes palpitólogos possuem um passado longo em funções políticas e assumem tranquilamente uma visão muito clara sobre tudo o que deve ser feito e como deve ser feito, mas que quando tiveram responsabilidades não realizaram, ou seja, “sei muito bem o que deveria ser feito, mas quando fui ministro esqueci-me” o que, obviamente, não se estranha em muitos destes palpitólogos.
Acontece ainda que boa parte deste pessoal assume este papel de palpitólogo ao serviço das omnipresentes agendas partidárias ou pessoais, o que não sendo grave, deveria ser claro. Daqui decorre que muitos não têm qualquer coisa de relevante a dizer para além do óbvio e da cartilha pessoal, quase sempre disse, também, partidária. Esta actividade tem ainda a vantagem de constituir uma fonte de rendimento significativa com custo de produção praticamente zero, nem estudar precisam, basta opinar.
Em Portugal, confunde-se de forma frequente comentar em espaço público com dizer “umas coisas” sobre um qualquer assunto que esteja na agenda. Comentar em espaço público e acrescentar massa crítica à análise da realidade, não porque detenham a verdade ou o saber, mas porque acrescentam qualidade à reflexão ou informação, pressupõe conhecimento e estudo que muitos dos palpitólogos não têm sobre muitos dos assuntos de que falam, refugiando-se em exercícios de futurologia, em retóricas sem substância ou em discursos de manipulação e demagogia.
De forma despudorada emitem com ar sério opiniões travestidas de análise e que entendem como saber, tudo isto servido muitas vezes por um enorme umbiguismo.
Estranhamente, boa parte da comunicação social, num enjeitar das responsabilidades que lhe cabem, não prescinde desta fauna e disputam a sua presença, pagando bom preço, numa tentativa de vender o melhor produto possível que nas mais das vezes é contrafeito, é de plástico, independentemente do que as audiências possam dizer.
Que cansaço.
Isto é, naturalmente, um desabafo do palpitólogo que habita este espaço.

MAS AS CRIANÇAS SENHORES, PORQUE LHES DAIS TANTAS DORES, TANTA AUSTERIDADE

O Instituto de Apoio à Criança alerta para o aumento de situações de utilização de crianças para mendicidade e também para o aumento da exploração sexual através da prostituição que, asseguram os técnicos, já se verifica na chamada prostituição de rua. Estes indicadores não podem deixar de se associar às devastadoras dificuldades que muitas famílias atravessam e de que os grupos mais vulneráveis, os mais novos e os mais velhos, são as principais vítimas.
Recordo que segundo a UNICEF em relatório que mede o bem-estar das crianças nos países ricos, mais de 25% das crianças portuguesas vivem em privação material. Portugal ocupa o 23º lugar entre 26 países "ricos" considerados, estando à frente da Lituânia, Hungria e Roménia. A UNICEF sublinha que estes dados foram produzidos com indicadores de 2010 antes, portanto, do impacto mais significativo das políticas de austeridade.
Dramaticamente não nos surpreende.
Um Relatório da Cáritas Europa divulgado em Fevereiro alertava para os sérias consequências que para as populações mais novas estão a verificar-se com políticas de austeridade cegas e sem consideração pelas pessoas que alguns países, designadamente, Portugal, Grécia, Irlanda e Espanha, estão a sofrer.
O número de crianças próximas da linha da pobreza tem vindo a aumentar e envolve já cerca de um terço da população naqueles países.
O Relatório da Caritas assenta nos dados da Comissão Europeia entendendo como critérios de risco se as crianças vivem em famílias com menos de 60% do rendimento médio ou cujos pais têm pouco trabalho ou nenhum emprego ou ainda se não têm satisfeitas as necessidades básicas como alimentos ricos em proteínas, vestuário e aquecimento.
Assim, em Portugal, 28,6% das crianças estavam em situação de risco de pobreza ou de exclusão em 2011. Não estão ainda disponíveis dados de 2012.
Neste contexto e considerando as dificuldades genéricas das famílias massacradas por situações de desemprego e abaixamento dos rendimentos, via cortes ou ausência de apoios sociais não é difícil imaginar o enorme risco de recurso às crianças e adolescentes, mas também dos adultos, para situações de mendicidade e prostituição.
Apesar deste cenário, temos pela frente a insistência insensível num caminho de cortes nas áreas sociais e da educação, no corte insensato e insustentável no rendimento das famílias produzindo diariamente novos pobres que já nem envergonhados se conseguem sentir, tamanha é a desesperança que faz aparecer de mão estendida na escola, nas instituições ou nas ruas. Aqui, por vezes, com o corpo à venda.
Face a este drama dizem-nos não haver alternativa. É mentira porque existem alternativas e é crime porque se condena miúdos a passar a carências graves.
As dificuldades das famílias e o que dessas dificuldades penaliza e ameaça os mais pequenos, é demasiado importante para que não insistamos nestas questões. Todos os estudos e indicadores identificam os mais novos como o grupo mais vulnerável ao risco de pobreza que, aliás, tem vindo a aumentar.
As dificuldades que afectam directamente a população mais nova são algo de assustador. Esta realidade não pode deixar de colocar um fortíssimo risco no que respeita ao desenvolvimento e sucesso educativo destes miúdos e adolescentes e portanto, à construção de projectos de vida bem sucedidos. Como é óbvio, em situações limite como a carência alimentar, exploração sexual, mendicidade, insucesso educativo, estaremos certamente em presença de outras dimensões de vulnerabilidade que concorrerão para futuros preocupantes.
É por questões desta natureza que a contenção das despesas do estado, imprescindível, como sabemos, deveria ser feita com critérios de natureza sectorial e não de uma forma cega e apressada, custe o que custar, naturalmente mais fácil mas que, entre outras consequências, poderá empurrar milhares de crianças para situações de fragilidade e risco com implicações muito sérias.