AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

terça-feira, 9 de abril de 2013

UMA HISTÓRIA DE ESCOLAS E DE PROFESSORES LÁ DE LONGE

Há já uns anos largos, meados de 90, a vida concedeu-me uma das várias bênçãos com que tem tido a generosidade de me embalar, o conhecimento e o convívio com alguma proximidade e em várias ocasiões com um dos enormes, o Mestre Malangatana. Dessa milagre que me aconteceu já aqui tenho partilhado algumas histórias. Aqui fica mais uma.
O Mestre Malangatana tinha na altura em fase de lançamento um Centro de múltiplas actividades a funcionar na sua região natal, Matalana, a uns quilómetros de Maputo. Uma das iniciativas que promoveu foi um programa de formação de professores a realizar no Centro que se localizava numa zona bastante isolada. É neste programa que eu colaboro durante duas semanas, abordando o funcionamento em sala de aula e a organização dos processos de aprendizagem.
No primeiro dia o Velho perguntou-me se preferia trabalhar na sala um, na dois ou na três. Olhei à volta e estranhei, mas ainda não conhecia bem o Velho, ele referia-se a três cajueiros que ali estavam e cuja sombra eu podia escolher para trabalhar. Por estas e por outras fui percebendo que, falando como o Velho, cabeçalmente não era fácil acompanhá-lo, tal como não era acompanhá-lo barrigalmente.
Foram duas semanas absolutamente inesquecíveis e que me fizeram ser mais gente. Aqueles professores trabalhavam em escolas, a maioria apenas com as paredes e tinham, vários deles, com grupos de quarenta e cinquenta alunos.
Os alunos não tinham sempre lugar para todos trabalharem sentados a uma mesa ou carteira. Iam trocando os lápis para poderem escrever. Faziam quilómetros a pé para aceder à escola. Os livros eram poucos e tinham que ser partilhados, utilizados, reutilizados e ... reutilizados.
Tenho ideia que nenhum daqueles professores faltou um dia ao curso para onde vários se deslocavam também a pé, fazendo vários quilómetros. Perdão, lembro-me bem que uma professora me pediu imensa desculpa por não poder vir à "aula" um sábado porque precisava de ir vender carvão para custear a deslocação do filho no "chapa", o autocarro, que o levava para Maputo onde estudava.
Ainda me comovo com o empenho e a motivação com que aquela gente estava o dia inteiro durante duas semanas sentada num banco de pau debaixo do cajueiro, acho que era o número um, a trabalhar e a discutir  animadamente o trabalho que faziam, o trabalho que queriam fazer, o trabalho que podiam fazer para ajudar a crescer as dezenas de miúdos que tinham todos os dias nas suas salas de aula. E a mim que tive o privilégio de estar com eles.
Não percebo bem porque é que hoje me lembrei daqueles professores que trabalhavam naquelas escolas.
Terá sido da austeridade e da pobreza que ela carrega?

2 comentários:

  1. Conheço bem a história de Matalana, além de ter tido a sorte de ter por várias vezes o Mestre Malangatana a residir na casa do meu pai onde conviviamos diariamente. Obrigada Zé Morgado por te teres lembrado desta tua vivência e a teres partilhado no teu Blogue.Ana Paula Covas

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  2. Na verdade, ter conhecido e convivido com o Velho foi uma experiência de vida.

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