Há já uns anos largos, meados de
90, a vida concedeu-me uma das várias bênçãos com que tem tido a generosidade
de me embalar, o conhecimento e o convívio com alguma proximidade e em várias
ocasiões com um dos enormes, o Mestre Malangatana. Dessa milagre que me
aconteceu já aqui tenho partilhado algumas histórias. Aqui fica mais uma.
O Mestre Malangatana tinha na
altura em fase de lançamento um Centro de múltiplas actividades a funcionar na
sua região natal, Matalana, a uns quilómetros de Maputo. Uma das iniciativas
que promoveu foi um programa de formação de professores a realizar no Centro
que se localizava numa zona bastante isolada. É neste programa que eu colaboro
durante duas semanas, abordando o funcionamento em sala de aula e a organização
dos processos de aprendizagem.
No primeiro dia o Velho
perguntou-me se preferia trabalhar na sala um, na dois ou na três. Olhei à volta
e estranhei, mas ainda não conhecia bem o Velho, ele referia-se a três
cajueiros que ali estavam e cuja sombra eu podia escolher para trabalhar. Por
estas e por outras fui percebendo que, falando como o Velho, cabeçalmente não
era fácil acompanhá-lo, tal como não era acompanhá-lo barrigalmente.
Foram duas semanas absolutamente
inesquecíveis e que me fizeram ser mais gente. Aqueles professores trabalhavam
em escolas, a maioria apenas com as paredes e tinham, vários deles, com grupos de
quarenta e cinquenta alunos.
Os alunos não tinham sempre lugar
para todos trabalharem sentados a uma mesa ou carteira. Iam trocando os lápis
para poderem escrever. Faziam quilómetros a pé para aceder à escola. Os livros eram
poucos e tinham que ser partilhados, utilizados, reutilizados e ...
reutilizados.
Tenho ideia que nenhum daqueles
professores faltou um dia ao curso para onde vários se deslocavam também a pé, fazendo
vários quilómetros. Perdão, lembro-me bem que uma professora me pediu imensa
desculpa por não poder vir à "aula" um sábado porque precisava de ir
vender carvão para custear a deslocação do filho no "chapa", o
autocarro, que o levava para Maputo onde estudava.
Ainda me comovo com o empenho e a
motivação com que aquela gente estava o dia inteiro durante duas semanas
sentada num banco de pau debaixo do cajueiro, acho que era o número um, a
trabalhar e a discutir animadamente o
trabalho que faziam, o trabalho que queriam fazer, o trabalho que podiam fazer
para ajudar a crescer as dezenas de miúdos que tinham todos os dias nas suas
salas de aula. E a mim que tive o privilégio de estar com eles.
Não percebo bem porque é que hoje
me lembrei daqueles professores que trabalhavam naquelas escolas.
Terá sido da austeridade e da
pobreza que ela carrega?
Conheço bem a história de Matalana, além de ter tido a sorte de ter por várias vezes o Mestre Malangatana a residir na casa do meu pai onde conviviamos diariamente. Obrigada Zé Morgado por te teres lembrado desta tua vivência e a teres partilhado no teu Blogue.Ana Paula Covas
ResponderEliminarNa verdade, ter conhecido e convivido com o Velho foi uma experiência de vida.
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