O Tribunal do Trabalho de Coimbra emitiu uma
sentença considerando "que o facto de uma funcionária da Associação
Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental de Coimbra (APPACDM),
ter desferido uma palmada no rabo de um rapaz de 14 anos e de ter apertado o
nariz a outro para o forçar a comer um iogurte não constituem motivos válidos
para o seu despedimento". No acórdão, segundo o Público, a juíza considera
que a palmada no rabo “não foi totalmente gratuita, desproporcionada ou
excessiva” e que a força física “utilizada por alguém que, de alguma forma, até
por ser mais velho, disciplina e orienta em termos educacionais um adolescente
"que se está a portar mal”, configura uma medida de cariz correctivo e
educativo.
Devo confessar que não me surpreende este
episódio. Lamentavelmente, são demasiado frequentes as decisões judiciais que
atentam contra o "superior interesse da criança", princípio fundador
e estruturante do edifício legal em matéria de direitos dos menores.
É verdade que a questão da administração de
castigos é sempre algo em aberto, designadamente em contexto institucional, no
qual se espera que os técnicos, justamente porque são técnicos, intervenham de
forma mais racional, informada e menos reactiva emocional que os pais que em algumas
circunstâncias também recorrem a comportamentos deste tipo.
Neste contexto, a administração dos chamados
castigos é sempre algo em aberto e em que com muita dificuldade se obtêm
posições fechadas e indiscutíveis. Assim sendo, mais do discutir a utilização,
ou não, de alguma forma de castigo, fará sentido alguma reflexão sobre a
natureza e limites do que poderá ser um castigo.
Do meu ponto de vista e por princípio, privar ou
dificultar o acesso a necessidades básicas ou ferir direitos como o uso
institucional da violência física não parecem o caminho mais ajustado. Parece-me
também que o recurso que alguns adultos fazem de castigos que envolvem uma
forte dimensão emocional, sobretudo em miúdos pequenos, deve ser evitado pelas
implicações eventuais na segurança e confiança dos miúdos em si e nos adultos.
Estou à espera de que muitos comentários surjam a
apoiar a decisão do Tribunal ao entender que a palmada dada por um técnico configura
uma "medida correctiva", também não estranho embora não aceite.
A este propósito, os castigos e o bater, lembro-me quando era miúdo, também me tocou,
mais do que a dor física da reguada, me sentir tremendamente humilhado por
estender a mão a alguém, um adulto e professor, que friamente me batia tantas
vezes quantos os erros no ditado ou em consequência de ter falado com meu
colega quando era suposto estar calado. Lembro-me ainda do especial requinte de
um professor que em vez de ser ele a bater, encarregava um de nós de o fazer
levando do professor se batesse devagar no colega.
É verdade que muitas pessoas assustadas com as
grandes dificuldades que sentimos com os comportamentos das crianças
sentir-se-ão tentadas por estas abordagens mas talvez seja de recordar que o
comportamento gera comportamento, ou seja, a violência gera e alimenta a
violência.
Finalmente, antecipando alguns comentários,
sublinhar que este entendimento não tem nada a ver com laxismo ou com a
ausência de regras, limites e punições, são fundamentais e imprescindíveis na
formação dos miúdos Tem exclusivamente a ver com a natureza dos processos
utilizados e a sua eficácia e com o respeito pelos direitos dos miúdos.
Muito bom. Passou na Sic Notícias um documentário sobre a lei sueca "anti-spanking" Se puder não perca.
ResponderEliminarMuito interessante as diferentes dificuldades das famílias e espantosa a participação da professora no final.
Obrigado pela dica
ResponderEliminarcomentei em casa, comentei no trabalho, comentei no público e agora aqui.
ResponderEliminara ideia que a palmada é quase inocente e sem efeitos deita por terra os argumentos que se encontram na base do seu uso.
as fronteiras são difíceis, sim, mas nem por isso deveremos abandonar o pensamento e acção em torno que uma questão centralíssima, pois parte dela, ou a ela se chega, a partir do que consideramos ser a infância, as instituições escolares e outras para a infância, as responsabilidades e obrigações dos adultos todos, e dos pais e técnicos mais particularmente.
um sinal do ponto crítico em que nos encontramos... fico quase tão assustada como os miúdos quando se vêem confrontados com tais atitudes.