AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sábado, 31 de janeiro de 2009

UM PAÍS A SÉRIO

Agora sim, temos um país a sério. Passámos séculos a entendermo-nos como um país de brandos costumes. Éramos, agora, finalmente um país só com costumes, maus costumes, brandos nem vê-los. Notem.
Um caso, Freeport, de alegada corrupção à séria, como ministros e tudo, nada daquelas coisas mixurucas com autarcas. E só para que vejam, é internacional, que a gente quando faz é em grande, mete ingleses, é logo outra coisa.
Temos uma Universidade, era Independente, que é encerrada compulsivamente e temos 23 acusados de ilícitos económico-financeiros. Numa Universidade, não é uma “piquena e média empresa”, isto é que é nível.
Temos processos em que as pessoas cometeram crimes, reconhecidos, que se livram de serem acusados por questões de natureza processual e administrativa. Isto é que é justiça a sério.
O Presidente da República vem a público afirmar que a lei do divórcio, recentemente aprovada, está a provocar pobreza. Esqueceu-se dos milhares de situações em que leis não cumpridas, insuficientemente protectoras de direitos laborais ou habilidosamente utilizadas, permitem despedimentos, trabalho precário e inseguro.
No ano passado, as falências e insolvências aumentaram 67%. Isto é que é um mercado a funcionar, a sério.
Tenho que começar a pensar em emigrar. O problema é para onde, é tudo países a sério.

DESESPERANÇA

Aqui no meu Alentejo desde o meio da tarde que se pôs um dia mesmo cabaneiro e a noite assim continua, com frio, vento e chuva forte. Este Janeiro parece um Janeiro dos antigos, até o mestre Zé Marrafa diz que tem sido escapatório, o que, no seu vocabulário, quer dizer que tem chovido bem. Agora, vale o lume de chão bem vivo e a voz do velho Johnny Cash no mítico At San Quentin para aquecer este inverno.
No entanto, parece-me, creio que nos parece a todos, ou quase, que este tempo vai muito frio e bravo, não tanto pelo clima, mas mais por uma desesperança que não nos deixa acreditar que a primavera chegue no próximo Março.
Esta desesperança que nos não dá paz é, para além da dramática pobreza que afecta e afectará muita gente, o maior efeito deste tempo conturbado e invernoso.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

NADA NOS AFASTA DO FUTEBOL

Estou cansado do caso Freeport. Vou ficar a aguardar desenvolvimentos, como se costuma dizer. Enquanto não chegam, mais uma nota sobre a nossa cultura.
Numa pequenina referência, o Público faz saber que, segundo um estudo da Lusa, os termos mais presentes em 2008 nas notícias da imprensa, jornais generalistas, de economia e desportivos, foram “futebol”, Sport Lisboa e Benfica” e “Futebol Clube do Porto”. Fantástico. É de sublinhar que 2008 foi o ano da chegada da crise e isto mostra a resiliência dos portugueses. Nem a crise nos consegue impedir de considerar o futebol o tema mais atractivo em termos noticiosos. Não havia o eterno Madail de querer o Mundial de 2018 realizado em Portugal e Espanha? Vai Buscar o Scolari, a Senhora do Caravaggio, as bandeirinhas e o Murtosa e a crise já era. Acha ele.
Veremos se agora em 2009, o ano 1 d.c. (Depois da Crise), se mantém o assunto futebol no topo do ranking das matérias noticiadas.

TOURADAS, CLARO

Reportando-se a dados de 2007, 1 a.c. (Antes da Crise), o INE revelou que em matéria de consumo cultural, os espectáculos taurinos, a festa brava, ou seja, a tourada, rendeu mais que os espectáculos de ópera e música erudita juntos. No Público estes números são sublinhados com alguma surpresa, o que eu estranho.
De há muito tempo a esta parte que o nosso ambiente social, económico e político é marcado pela tourada. De tal maneira isto assim é, que algumas das expressões mais utilizadas pelo povo para analisar o quotidiano são do tipo, “mais uma tourada”, “ganda tourada”, “isto vai dar tourada”, “é sempre a mesma tourada”, etc. Nesta conformidade, só podia mesmo acontecer que os portugueses fossem fortes consumidores, activos ou passivos, de touradas.
Quando se conhecerem os números de 2009, 1 d.c. (Depois da Crise), e a olhar para o que aí vai, estou convencido de que ainda vai aumentar a assistência a espectáculos taurinos, festa brava, ou seja, touradas. É que está a acontecer cada uma. Espero a todo o momento a intervenção das Associações Protectoras do Cidadão, para que se tente pôr fim a tais eventos, causadores de sofrimento e embaraço a qualquer cidadão bem formado.

HISTÓRIA DO PERDIDO

Era uma vez um miúdo, ninguém parecia saber ao certo o seu nome, ou se sabiam não o utilizavam. Toda a gente lhe chamava o Perdido. Tinha por aí uns treze anos. Em casa, com a família tinha uma relação que não era, os pais achavam, muito positiva. Nem sempre respondia ao que lhe perguntavam, quando o fazia, na maior parte das vezes, respondia qualquer coisa como, “não sei”, “não me importo” ou “não me interessa”. Não revelava especiais interesses e, sempre que possível, o Perdido fechava-se no seu canto. Na escola, as coisas não corriam muito bem, notas baixas, desinteressado nas aulas, pouco envolvimento nas actividades que lhe pediam, pouco participativo, sempre escudado com “não sei”, “esqueci-me” “não serve para nada”, etc. Apesar de tudo, o Perdido tinha alguns amigos, uns assim parecidos com ele, um deles até bastante seu amigo, chamava-se Sem Rumo.
Um dia, o Perdido estava num canto do recreio da escola com o ar de sempre quando passou o Professor Velho, aquele que está na biblioteca e fala com os livros. O Perdido simpatizava com o Professor Velho, se calhar porque não lhe dava aulas e sabia histórias. Ficaram um bocado à conversa e acabaram por combinar uma coisa assim um bocado esquisita. Todos os dias o Perdido ia falar uns minutos com o Professor Velho e conversavam sobre uma coisa boa e uma coisa má escolhidas pelo Perdido. Durante as conversas o Professor Velho ia tomando umas notas. Assim se passou algum tempo, o Perdido tinha-se entusiasmado e não faltava uma vez. Certo dia, o Professor Velho, no fim de mais uma conversa sobre uma coisa boa e uma coisa má, puxou assim de uma espécie de caderno que parecia um livro pequeno e ofereceu-o ao Perdido, “com as nossas conversas fiz este livreco para te lembrares”.
Quando o Perdido olhou para o livro, viu escrito na capa, “Há sempre uma maneira de achar um Perdido”.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

E OS TIPOS NÃO VIVEM CÁ

A Comissão Europeia decidiu instaurar processos a Portugal, entre outros países, por causa da qualidade do ar, cujos indicadores violam normas de 2005. Não estranho esta decisão e os tipos da Comissão, certamente, não vivem cá, pois se vivessem ainda estavam mais preocupados com o ar.
Da imprensa de hoje retira-se, por exemplo, o Primeiro-ministro português sob suspeita dos … ingleses, a GNR investiga e faz uma rusga à procura de droga junto … dos Guardas Prisionais do Estabelecimento Prisional da Carregueira, um individuo matou … o pai porque este batia na … mãe, o Governo pede a uns tipos que façam um relatório simpático em nome da … OCDE, o Reitor da Universidade de Coimbra diz que o ensino superior está a ser estrangulado … pelo governo. Um professor, bem colocado no PS, com dedicação exclusiva a uma Universidade Pública faz um contrato de milhares de euros com … a administração pública, o ME.
Trata-se apenas de algumas referências que ilustram a falta de qualidade do ar e o nível de poluição que se respira por cá. Oxalá os tipos da Comissão Europeia viessem para cá viver uns tempos.

ALTERNATIVAS

Hoje decidi que não vou falar do caso Freeport e das trapalhadas que o envolvem.
Hoje decidi que não vou falar dos negócios da banca que, a cada dia que passa, se percebe que muita a gente andou a governar-se, e bem, com o dinheiro do pessoal.
Hoje decidi não falar da saloiice manhosa de um Governo que encomenda estudos para manipular informação.
Hoje decidi não falar da assustadora vaga de despedimentos que está a abater-se sobre as nossas famílias.
Hoje não vou falar da falta de seriedade dos debates políticos.
De que hei-de eu falar hoje?

E que tal uma história feliz?

“Era uma vez um Homem, casado com uma Mulher e que tinha quatro Filhos. Vivia com algumas dificuldades porque o emprego que o Homem e a Mulher tinham na mesma fábrica era mal pago e queriam que os filhos tivessem tudo o que gostavam e que estudassem para ser pessoas qualificadas na vida. Um dia aconteceu uma desgraça, a fábrica fechou e o Homem e a Mulher ficaram desempregados. A vida ficou ainda mais difícil.
Alguns dias depois, o Homem, que tinha com todo o sacrifício continuado a jogar no Euromilhões com a aposta mínima, foi bafejado com um prémio de alguns milhões.
A família toda, o Homem, a Mulher e os Filhos ficaram muito contentes e nunca mais passaram dificuldades”.


Não é assim grande coisa, mas conta a intenção.

NÃO HÁ CRISE QUE NÃO DÊ EM FARTURA

É verdade, nem sempre o povo tem razão. Hoje reconheço-lha. A esmagadora maioria das notícias tem alguma relação com a Crise. Até o futebol parece que, para além da habitual crise de transparência, está com uma crise específica da arbitragem, dizem. No entanto, em tempos de crise, é verdade que também sinto uma grande, grande fartura.
Estou farto de gente que me insulta a inteligência com a manipulação grosseira de informação, factos e dados.
Estou farto de gente com o olhar enviezado que descreve a realidade como a imagina ou gostava que ela fosse.
Estou farto de gente sem seriedade ética que se serve de tudo como arma de caça ao meu voto.
Estou farto de gente manhosa que só fala do que lhe convém, quando lhe convém, onde lhe convém.
Estou farto de gente que se afunda numa perigosa promiscuidade entre interesses políticos e interesses económicos.
Estou farto de gente sem pudor nem memória que muda de princípios e de ideias ao sabor da conjuntura política.
Estou farto de gente que fala abusivamente em nome de valores que manifestamente desconhece.
Finalmente, estou farto de gente, que sendo, na sua maioria, parte do problema, arrogantemente se assume como parte da solução.
Hoje, sinto-me mesmo farto.

ELE NÃO VAI SABER NUNCA

O miúdo Cristiano Ronaldo, aquele que é o melhor do mundo, sendo bom com os pés e mauzinho com a cabeça e que é apontado, frequentemente, como modelo e referência, afirmou hoje ao Daily Mirror que jogadores como ele próprio e Káká valem 100 milhões de euros. Justifica-se tal valor porque “o que é especial é caro”, “é como os carros”, disse. De facto, o miúdo é uma referência. Ele não sabe, provavelmente não vai saber nunca, que há coisas que o pudor e a inteligência devem inibir-nos de afirmar. Ele não sabe, provavelmente não vai saber nunca, que o mundo está cheio de gente especial a quem ninguém vai pagar 100 milhões de euros.
Não adianta a desculpa da juventude e do deslumbramento de quem experimentou algumas dificuldades, o problema é mesmo valores e esses, no miúdo Ronaldo, vendem-se barato. E quanto à apologia do modelo e da referência, continuamos a falar de valores. Baixinhos.
Finalmente, sem ressentimentos, o miúdo é mesmo bom de bola.

É POR ESTAS E POR OUTRAS

É por estas e por outras que eu gosto de ouvir o Sr. Bastonário dos Advogados, com o seu ar guerrilheiro, muito aborrecido com as investigações em escritórios de advogados com mandato em branco permitindo aos investigadores recolher os elementos que julguem necessários. No BPP quando chegaram os investigadores as pastas já estavam vazias, nem uma facturazinha, mesmo que falsa, de uma offshore. É uma pena, em vez de colaborarem só complicam. Como é que os responsáveis do BPP souberam que iriam ser visitados pelos inspectores da PJ e da CMVM, CVM na versão Berardo? Na volta, adivinharam.
É por estas e por outras que gosto de ouvir o Procurador-geral da República a dizer, sem se rir, que a justiça trata todos da mesma maneira, sem olhar a posição ou recursos. Isto a propósito da referência do Portugal Diário de que o Município de Felgueiras já gastou qualquer coisa como 260 000 euros na defesa da sua prestigiada e prestigiante presidente, Dra. Fátima Felgueiras, e um total de 530 000 no chamado processo do “saco azul”. Esta pequena bagatela sai, obviamente, dos bolsos do contribuinte, dos nossos.
E assim se cumpre Portugal.

EU TAMBÉM

O Dr. Dias Loureiro nas declarações à Comissão de Inquérito da Assembleia da República voltou a assumir o discurso de menino de coro que já tinha experimentado na entrevista à RTP sobre o seu envolvimento na Sociedade Lusa de Negócios de que foi administrador executivo, sublinhe-se administrador executivo. Pois o Sr. Dr. nunca tinha ouvido falar do Banco Insular, estranhava o modelo de gestão do BPN, até foi manifestar as suas reservas ao Banco de Portugal, o que é negado pelo seu interlocutor, não estava a habituado a administrar assim, percebia pouco daquilo, o Dr. Oliveira Costa não lhe ligava, etc. Deve pois depreender-se, que um homem que se considera um gestor bem sucedido, competente e experiente era menos que um simples estagiário na SLN e no BPN.
Eu não conhecia, como a generalidade das pessoas, creio, os meandros deste cenário. Mas eram públicas as desconfianças e reservas sobre a vida do grupo que aliás já tinham motivado um processo ao jornalista Nicolau Santos por exactamente ter revelado, creio que na Visão, algumas das estranhezas da situação. Só mesmo o Dr. Dias Loureiro, administrador executivo, é que não sabia.

NO PARQUE

(Foto de José Ferreira)

Aos poucos, devagarinho, a rua deixou de ser o nosso parque infantil. É bonito ver que há quem ainda goste de brincar na rua.
Aliás, é bonito ver que há quem goste de brincar.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

É UM CRENTE

O Senhor Procurador-geral da República no discurso de abertura do ano judicial veio afirmar, não é a primeira vez, que todos são iguais perante a lei e que a investigação criminal não olha a quem investiga mas aos factos em investigação. Referiu ainda que, no seu entendimento, sucessivas mudanças legislativas, bem como falta de meios, recursos e de articulação, não têm beneficiado a celeridade da justiça algo que todos sabemos e sentimos. É sempre importante a reafirmação por parte do Procurador-geral do princípio da igualdade perante a justiça e a sua forte e repetida convicção de que assim se passa. A experiência do cidadão e o que tem acontecido a muitíssimas investigações, sem crimes provados e sem condenações por corrupção envolvendo figuras de maior peso social e económico, também não sugerem que se acredite.
Só que o Dr. Pinto Monteiro acredita e também acredita que o Pai Natal castiga os maus e dá prendas aos meninos que se portam bem. E também acredita que os anjos são umas figurinhas com asas que velam pelo seu sono. E também está convencido que D. Sebastião há-de voltar numa manhã de nevoeiro para reformar a justiça em Portugal.O Sr. Procurador-geral é um crente.

A RESPOSTA DOS ESPANHÓIS A FERREIRA LEITE

O El País publicou um trabalho dedicado ao Dr. Jardim, o Alberto João. Trata-se de uma peça bastante interessante que pode ser lida em:
http://www.elpais.com/articulo/reportajes/Presidente/eterno/elpepusocdmg/20090125elpdmgrep_6/Tes
É sobretudo interessante pelo enorme conjunto de calúnias que lança sobre a cândida e angélica figura de Alberto João. Considera, por exemplo, que ele deprecia, insulta e incomoda os seus adversários. Descreve como, com os fundos de origem nacional e da União Europeia à sua disposição, o Dr. Alberto João executa o seu princípio político “com milhões faço inaugurações, com inaugurações ganho eleições”. Fala das suas reconhecidas qualidades de democrata, de como o controlo apertado da comunicação social estrutura uma máquina de propaganda e asfixia a liberdade de opinião. O trabalho do El País insinua também, caluniosamente é claro, que a administração regional é uma estrutura pesada sob apertada supervisão do governo regional. Ao jornalista mereceu também destaque a existência de um regime de incompatibilidades único e que permite aos membros do governo regional a realização de negócios com toda a tranquilidade.
Quando li a peça na sua totalidade fiquei chocadíssimo. Como é possível alguém, que se diz jornalista e pertencente a um importante jornal, inventar tamanha monstruosidade sobre a figura respeita e respeitadora do Dr. Alberto João. Oxalá ele não se fique e proteste veementemente ou, até mesmo, que invada Madrid e lhes dê duas palmadas. No entanto, na minha opinião, trata-se de uma resposta dos espanhóis à extraordinária intervenção de Ferreira Leite, gritando num comício que o PSD não tem medo dos espanhóis.

INVESTIGUE-SE COM AVISO PRÉVIO E HORA MARCADA

O Sr. Bastonário dos advogados ataca de novo. Atira-se contra os mandatos de busca em branco e fala até, no seu estilo sniper, em terrorismo de estado. Pois o Sr. Bastonário tem razão. As pessoas sob investigação deveriam ser avisadas com, pelo menos, uma semana de antecedência sobre a “visita” das autoridades judiciais. Idealmente combinar-se-ia a hora mais conveniente para não incomodar a vida de cada um, as pessoas deveriam ser informadas com toda a clareza sobre os elementos que iriam ser procurados e seria solicitada a sua maior colaboração nas diligências. É assim que deveria ser. O Povo vai pensar que, se assim fosse, as pessoas ou instituições sob investigação teriam tempo suficiente para eliminar elementos eventualmente comprometedores, protegendo-se eficazmente da investigação. Mas não, pelo contrário, poderiam era ir adiantando os elementos, organizando-os em dossiers temáticos, com guias de leitura de modo a que a árdua tarefa de investigação ficasse mais facilitada porque, como toda a gente sabe, não há ninguém, sobretudo se tiver culpas no cartório, que não adore ser sujeito a uma investigaçãozinha de vez em quando.
O Sr. Bastonário, que por hábito atira a tudo que mexe, deveria pensar na velha ideia de “quem muito fala pouco acerta”. É com intervenções deste tipo que se alimenta a ideia de que a justiça protege os fortes, mesmo que o Sr. Bastonário queira aparecer com defensor dos mais fracos. Trata-se da retórica dos direitos individuais. Como se a sua salvaguarda fosse com equidade.

HISTÓRIA DO CAUTELEIRO

Era uma vez um homem a quem toda a gente chamava o Cauteleiro. Era muito popular naquela terra. Logo que aparecia, lá vem o Cauteleiro, muita gente o rodeava e tentava chegar àquilo que era a razão de vida do Cauteleiro. As pessoas gostavam dele, sentiam-se bem quando recorriam ao Cauteleiro. Era uma pessoa muito atenta, gostava de conversar e tentava arranjar sempre um tempo que chegasse para poder falar com todas as pessoas, muitas, que queriam falar com ele. Como já era velho e sabia muitas histórias, que misturava nas conversas, os miúdos adoravam o Cauteleiro e este, também, tal como fazia com os netos, era capaz de ficar horas a falar com os miúdos. Mesmo algumas das pessoas mais importantes lá da terra, de vez em quando, procuravam o Cauteleiro e, também elas, gostavam dele.
Um dia, o Cauteleiro, de tão velho, partiu. Toda a gente, os miúdos, os mais crescidos, enfim, todos os que tinham conhecido e gostado do Cauteleiro se sentiram perdidos. Quem lhes falaria agora das cautelas com a vida? Quem, senão o Cauteleiro, iria ajudar as pessoas a pensar nas cautelas? E sempre com uma história bonita a ilustrar as cautelas que dava às pessoas.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A INTOXICAÇÃO ESCOLAR E A INTOXICAÇÃO POLÍTICA

Foi hoje apresentado com a presença do Primeiro-ministro o Relatório da OCDE sobre as mudanças no 1º ciclo no período 2005-2008. O Relatório realça três pontos fundamentais, melhoria nas instalações escolares, o enriquecimento dos conteúdos curriculares e, alerta para o efeito negativo das actividades de extensão curricular terem tornado o dia dos alunos excessivamente longo.
É inquestionável a necessidade de reordenamento da rede e da melhoria de instalações, o que foi feito, não sendo perfeito, nunca é, foi importante. É também importante a modernização e reorganização dos conteúdos curriculares e aqui começa o problema. Este esforço não pode ser à custa da sua extensão, deve assentar na sua reorganização. O ME lidou com esta questão, conjugada com o enorme problema social das famílias com a guarda dos miúdos no tempo escolar aumentando de forma inaceitável o tempo de permanência dos miúdos em actividades na escola, aspecto que o Relatório realça negativamente. No entanto, este trabalho não aprecia, ainda não há tempo nem intenção, o impacto altamente negativo desta overdose proporcionada aos miúdos, no 5º ano pode chegar às 55 horas semanais de permanência na escola. O Primeiro-ministro, com a habitual habilidade política sublinha o relatório para a defesa da excelência do trabalho realizado, esquecendo o “pequeno” pormenor do lado menos positivo. Não faltará muito tempo para se perceberem os efeitos negativos da intoxicação, que em muitos casos, se está a causar nos miúdos.
Para ilustrar esta situação, que aqui tenho referido muitas vezes, volto à carta que o meu amigo Manel, na altura com seis anos, me pediu para escrever. Escrita há cerca de dois, permanece estranhamente actual.

Olá, sou o Manel, tenho seis anos e ando no 1º ano numa escola nova. Não sei ainda escrever muito bem e pedi ajuda para dizer isto. Quando andava no Jardim-de-infância que se chamava O Paraíso da Criança, a educadora Rita e a outra ai… a Joana diziam que esta escola ia ser boa e ia aprender muita coisa, até a ler e a fazer contas e problemas. Também disseram que podia brincar à mesma mas eu não acreditei porque o meu pai disse que umas pessoas que escrevem no jornal dizem que não se pode brincar na escola. Tem que se trabalhar a sério e se calhar ainda mais que os grandes porque os jornais também dizem que eles, os grandes, não têm ai…isso, produtividade. Mas vim para a escola e até estava animado. Havia uns meninos e umas meninas que eu já conhecia. Outras não, mas são fixes. A professora Maria também é fixe. Às vezes zanga-se e grita. É melhor porque a gente assim a ouve. Umas vezes fala com as outras professoras e ficam zangadas com uma senhora que se chama Ministra. Dizem que essa senhora é que devia estar a ensinar a gente. Não sei bem porquê mas eu não quero outra professora. Gosto da minha. Ela também gosta de mim. Ela disse-me e eu acredito. O que eu não gosto muito é da escola ser tão comprida. Muito comprida. Só para saberem vou dizer como é a segunda-feira.
Levanto-me às sete e meia e a minha mãe primeiro larga o meu irmão no Jardim-de-infância e depois deixa-me na escola quase às nove. O meu amigo João já está à minha espera porque ele chega às 8 aos Tempos Livres e o dia da gente é assim:
Das 9 às 9 e 45 temos Matemática. Fazemos umas fichas do livro e a professora explica coisas. Às vezes não percebo e ela diz que já vem mas os outros também não percebem e temos que esperar. Não se pode falar mas a gente fala e é quando a professora grita.
Das 9 e 45 às 10 e 30 é a mesma coisa mas com mais barulho.
Das 10 e 30 às 11 temos um intervalo para brincarmos à bola e às lutas como aquela da televisão.
Das 11 às 12 temos Língua Portuguesa. É o que eu gosto mais e já quase sei ler mas também temos barulho. Eu não me importo com isso porque quero aprender a escrever histórias e a ler livros. O meu avô não sabe ler e fica triste quando diz que não sabe. E ele fica contente quando leio coisas que já sei. Eu também fico.
Depois de almoçar no refeitório da escola com os alunos todos e com mais barulho ainda, vamos ter Estudo do Meio das 13 e 15 às 14. A Professora disse que a gente ia estudar o que estava à nossa volta mas ainda não saímos da escola. Se calhar temos que estudar primeiro para depois ir ao Meio.
Das 14 às 15 e 15 temos Expressões. Também é giro. O que eu gosto mais é de pintar mas a Professora diz que eu nunca escolho bem as cores e os desenhos ficam feios. Mas eu gosto deles e a Rita que é minha amiga, também.
Às 15 e 30 e até às 16 e 15 temos Educação Física. Também gosto mas fico muito cansado de correr e jogar e fico transpirado.
Às 16 e 30 vamos para Inglês. A professora está sempre aborrecida, diz que não percebe miúdos pequenos. Diz que não estamos calados e quietos a fazer as fichas como uns alunos que ela tem noutra escola e que já andam no 12º ano. O inglês é giro mas só aprendi os números e as cores. Não sei falar inglês e ainda fico mais cansado.
Das 17 e 15 às 18 temos Música. O professor é engraçado bué, tem um piercing e o cabelo atado. Toca um violino e anda numa escola chamada Conservatório e só estuda música. Ele gosta. Mas acho que não gosta muito de estar com a gente. Diz que precisa de ganhar dinheiro e que lhe pagam pouco e que a gente não tem jeito para a música. Eu gostava de experimentar o violino mas a gente cá na escola só tem pífaros.
O meu pai vem buscar-me às 18 e 30 e vou para casa e quando não tenho trabalhos de casa aproveito para brincar um bocadinho com o meu irmão, antes de tomar banho e jantar. Às vezes digo que estou cansado mas a minha mãe diz que é para eu aprender como é a vida dos grandes. Eu acho que eles têm uma vida grande porque são grandes e eu… EU SOU PEQUENO. AINDA NÃO PERCEBERAM?

OS TRABALHOS DE CASA, OUTRA VEZ

Hoje, um miúdo conhecido pediu-me uma ajuda para a realização de um trabalho de casa. O miúdo anda no 8º ano e o tema do trabalho era a evolução do conhecimento sobre o átomo. Tarefa “simples” pensei para comigo, pouco conhecedor de tais áreas. Tentei perceber se havia alguns materiais fornecidos para consulta ou sugestões práticas e acessíveis de informação. Tanto quanto percebi apenas havia uma sugestão de nomes de cientistas que deveriam integrar o trabalho. Provavelmente por ser ignorante nestas matérias, devo confessar que não me foi nada fácil a ajuda ao miúdo, um aluno médio. Muitas voltas na net, alguma procura pelas prateleiras das estantes e lá fomos encontrando alguma informação que permitiu concluir o trabalho.
Ficou-me a eterna dúvida. E a situação das crianças que vivem em contextos onde a acessibilidade a estes recursos é baixa ou nula? E as crianças cujos pais não têm o percurso escolar que lhes permita a ajuda a trabalhos que, claramente, estão para lá do que deve ser pedido como trabalho de casa? Quando será que se entende que trabalho em casa não é o mesmo que trabalho de casa, ou seja, o da escola feito em casa? E que quando for mesmo necessário fazer trabalho escolar em casa, deve assegurar-se que é um trabalho que a criança pode realizar sem ajuda. Os pais podem e devem fazer com os miúdos trabalho em casa, mas não trabalho de casa.

domingo, 25 de janeiro de 2009

AI QUE A BARRACA ESTÁ A ABANAR

Estou a assistir ao Telejornal da RTP1 enquanto ponho o correio em ordem. Às tantas inicia-se uma peça sobre a participação do Primeiro-ministro num evento na Margem Sul sobre o lançamento de obras públicas, estradas, claro. Ao que parece durante a função o vento do deserto e alguma estranha chuva, rara no deserto, fazia abanar a tenda onde decorria. A segurança do Primeiro-ministro temeu e procurou, naturalmente solução. O vento, tal como a crise, não obedece aos desejos de quem zela pelo bem-estar do Engenheiro, pelo que a solução encontrada, e mostrada na peça televisiva, foi umas pessoas deitadas no chão, encostadas à tenda do lado de fora para fazer peso e, assim, impedir que a comitiva corresse o risco de descobrir a terceira travessia do Tejo, wind surf com barraca.
Fiquei impressionado com a entrega e empenho daquelas pessoas deitadas em cima dos bordos da barraca, para que, lá dentro, a apresentação fosse firme. Mas que a cena a pareceu um bocado patética, pareceu.

UM ANO DEPOIS?!

Estando o conflito entre professores e ME sem fim à vista, (aqui para nós, creio que a avaliação já “foi”, a força manda mais que ter razão), sobretudo nas discussões agora abertas sobre o Estatuto e cada vez mais politizadas e com repercussões na vida das escolas, parece necessário o recurso a outras abordagens, neste caso, a jurídica. Assim, entra em acção Garcia Pereira, distinto jurista, discípulo do Grande Educador e, portanto, atento e conhecedor das matérias do direito e da educação. Para começar, já detectou normas inconstitucionais. Não sendo propriamente uma surpresa na prática política deste Governo, veja-se o caso recente do Código do Trabalho, pode vir a acontecer que se comprove que, para além da insustentável divisão entre titulares e outros, da incompetente confusão entre avaliação de desempenho e progressão na carreira, entre outros aspectos, existam normas de facto inconstitucionais, obrigando por essa via à revisão do (mau) Estatuto. O ME, como fez com a avaliação, estamos em ano de eleições, tentará “simplificar”, mexendo no acessório e mantendo o essencial. Continuo ainda hoje a estranhar a relativa “passividade” com que este Estatuto entrou em vigor o que torna, creio, mais difícil a sua revisão posterior. Pode ser que voz de Garcia Pereira ajude.

EXAME AOS PROFESSORES, EXAME AOS POLÍTICOS

O Secretário de Estado da Educação, Jorge Pedreira, veio a público defender a realização do exame de entrada para a carreira docente com o argumento de que existem Escolas de Ensino Superior sem qualidade e facilitistas, sempre o facilitismo, que não dão garantias de qualidade na formação dos seus alunos, citando em declarações à Lusa, os casos do Instituto Piaget e do Instituto Superior de Ciências Educativas. A falta de regulação da qualidade do ensino superior, público e privado, é algo que toda a gente minimamente conhecedora do meio tem como adquirido. É, no entanto, necessário um “pequenino” esclarecimento, a falta de regulação da qualidade de formação inicial, neste caso dos professores, é da exclusiva responsabilidade do Estado através do quadro legal que definiu e da demissão com que encarou a proliferação de cursos públicos e privados que contribuindo, caso dos privados, para que milhares de jovens acedessem a formação de nível superior que as instituições públicas não tinham condições de providenciar, nasceram e cresceram sem qualquer controlo sério de qualidade. Do caos instalado emergem, naturalmente, boas e más instituições. Regule-se pois a sua qualidade, independentemente da questão do exame para entrar na carreira docente.
Ainda assim, já que pode ser sustentável a exigência de um exame para aferir do grau de preparação para o desempenho de funções, também os políticos deveriam passar por esse crivo. Sabe-se muito bem que as principais escolas de formação dos políticos, as juventudes partidárias, são de qualidade duvidosa, formando políticos novos já velhos, vejam-se os múltiplos exemplos em todos os partidos. Assim, defendo a institucionalização de um exame de entrada para a carreira política com base nos seguintes moldes:
. Exame escrito de Língua Portuguesa avaliando o “domínio escrito da L.P. tanto do ponto de vista da morfologia e da sintaxe, como da clareza da exposição” e organização de ideias, além da “capacidade de raciocínio lógico”, (cito antiga proposta do ME, para os professores)
. Exame escrito de competências técnicas e científicas envolvendo entre outros conteúdos: capacidade elaboração de promessas a partir de um tema, capacidade de comentar demagogicamente um texto, elaborar cinco opiniões diferentes a partir de um facto, citar, de forma organizada, dois nomes reconhecidos nas áreas económica, cultural e política, etc.
. Exame oral em que se avalia o domínio de uma língua estrangeira para além do “portunhol”, a capacidade de elaboração de uma apresentação em “powerpoint” em três versões sobre o mesmo tema e, finalmente, a competência para defender uma ideia e o seu contrário no tempo limite de cinco minutos.

EU SÓ QUERO O QUE ME É DEVIDO ...

Era inevitável. A vida das pessoas com progressivo e exigente envolvimento profissional, bem como opções individuais tem vindo a implicar a presença por tempo cada vez mais prolongado das crianças em instituições. O Expresso de hoje aborda esta questão referindo-se a instituições, creches, por exemplo, com horários de funcionamento até à meia-noite e, até, assegurando serviços de baby sitting durante as 24 horas. Lê-se e ficamos perplexos. Como é evidente, já referi em cima, existem casos de actividade profissional que, conjugados com a ausência de apoio por parte de familiares ou amigos, obrigarão a que alguns pais fiquem colocados em situações particularmente complicadas. No entanto, na peça também se referiam situações em que era vida social, de que os pais não prescindiam, a determinar a “estadia” das crianças até muito tarde, madrugada já, na creche.
Sendo certo que os problemas dos pais são importantes, é, por outro lado, fundamental perceber que efeitos para as crianças estas situações poderão trazer. Costumo dizer que cada criança que nasce estabelece um contrato ético com a comunidade em que esta fica obrigada a providenciar cuidados e educação de qualidade. No fundo como diz o cancioneiro, eu só quero o que me é devido, por me trazerem aqui, eu nem sequer fui ouvido, no acto de que nasci.

sábado, 24 de janeiro de 2009

O NATAL CHEGOU TARDE MAS VEIO

A oposição recebeu agora, com algum atraso, a sua melhor prenda de Natal. Depois de umas prendas com uma qualidade duvidosa, a liderança de Manuela Ferreira Leite no PSD por exemplo, este processo agora caído na agenda da comunicação social, do licenciamento do Freeport, é uma dádiva natalícia serôdia, cuja importância ainda nem sequer é possível avaliar. Como é evidente e tanto quanto se sabe, não está provado qualquer procedimento ilegal por parte do Primeiro-ministro. Também é evidente que um qualquer indivíduo não pode ser responsabilizado por acções de familiares seus, mesmo quando, parece ser o caso, evocam a sua condição de familiares para obterem algum dividendo.
Duas questões em aberto, sobre as quais tenho alguma curiosidade. Em primeiro lugar, qual o resultado das investigações em curso e as consequências políticas de eventuais envolvimentos em procedimentos menos lícitos sobretudo quando se aproxima um triplo período eleitoral. A segunda questão remete para forma como as oposições gerirão este caso, ou seja, não estando provado, ou enquanto não estiver provado, qualquer comportamento ilícito por parte do Primeiro-ministro, veremos se as oposições conseguem resistir à tentação de aproveitarem com habilidades e insinuações de duvidosa qualidade ética toda a situação. Em Portugal temos pouquíssimos exemplos de dignidade ética em processos políticos e em todos os partidos. Vamos a ver.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

AINDA OS "INTERESSES PARTIDÁRIOS DE OCASIÃO"

O Primeiro-ministro não gostou que deputados do PS votassem favoravelmente uma proposta do CDS-PP, são contra alianças com o CDS-PP e agora votam em aliança com este partido. Aconteceu que o PS, é governo, foi o único partido a rejeitar a proposta em discussão. Mas também aconteceu que o PCP, não só votou ao lado dos Verdes, como votou ao lado do PSD, do Bloco e do CDS-PP contra o PS. Também deve dizer-se que o PSD e o CDS que não alimentam coligações entre si, se aliaram na votação e também votaram com o PCP, o Bloco e os Verdes contra o PS. Deve também registar-se que os Verdes, não só votaram com o PCP, como também votaram ao lado do CDS-PP, do PSD e do Bloco contra o PS. Finalmente, a voz das esquerdas novas, o Bloco, votou aliado ao CDS-PP, ao PSD, ao PCP e aos Verdes contra o PS. Confuso? Não, política à portuguesa, ou numa fórmula recentemente criada, a prevalência dos “interesses partidários de ocasião”.
Nesta matéria, estou mesmo em crer que os únicos que pensaram no conteúdo do que estavam a votar, foram mesmo os deputados que, embora desagradassem ao querido líder, votaram na proposta sobre a questão da avaliação.
A propósito, o modelo, ou o que resta dele, é mesmo mau, não serve uma avaliação competente e necessária, e em vez de ser uma ferramenta imprescindível para promover qualidade na educação, transformou-se numa, mais uma, arma política, numa guerra cujos efeitos colaterais atingirão, adivinhem, os putos.

A DÚVIDA QUE EU NÃO QUERIA TER

A história do licenciamento para a construção do Freeport de Alcochete é uma daquelas histórias mal contadas desde o início, em 2004. A celeridade estranhíssima da aprovação dos estudos de impacto ambiental e os meandros do processo de decisão levantaram dúvidas que nunca, até aqui, foram esclarecidas. Não é estranho em Portugal, lamentavelmente.
Agora, passados cinco anos do começo de investigações, subitamente, desencadeiam-se uma série de iniciativas das autoridades judiciais que deixam perceber a gravidade do processo e o pessoal envolvido, o que aliás, também não é propriamente uma surpresa.
No meio disto tudo, e do que falta saber, há uma dúvida que eu não queria ter. Será que estes recentes desenvolvimentos das investigações acontecem em consequência do trabalho das autoridades inglesas? Iria o processo parar ao limbo das prescrições e do esquecimento se não estivessem os ingleses também a investigar os factos. Será que Freeport poderá significar qualquer coisa como “em Portugal a corrupção é free”?

HISTÓRIA DO ILUMINADO

Era uma vez um homem, ninguém sabia o seu verdadeiro nome, chamavam-lhe o Iluminado. Em todas as circunstâncias, fosse qual fosse o assunto em discussão, tinha a presunção de que a sua opinião era A opinião, o seu saber, era o Saber, a sua forma de entender a vida era a única e a mais correcta forma de a entender. As pessoas tinham uma relação ambígua com o Iluminado. Muitas, como sempre existem, achavam-no um génio, tão sabedor, tão conhecedor, tão capaz de pensar sobre tudo e mais alguma coisa e tão assertivo na maneira como defendia os seus pontos de vista. Por outro lado, algumas pessoas achavam-no insuportavelmente convencido, arrogante e sobre muitas coisas ignorante embora procurasse que o seu discurso parecesse sempre informado. Como o primeiro grupo era bastante mais numeroso, o Iluminado foi-se tornando progressivamente mais conhecido até que muita gente fazia questão de o ouvir sobre qualquer assunto. Falava em todas televisões, escrevia em todos os jornais e muitas vezes, as pessoas já defendiam ideias apenas com o argumento, “foi o Iluminado que disse”. A sua presença começou a ser tão constante e tão intensa que, a pouco e pouco, todos se convenceram que o Iluminado era imprescindível para se pensar sobre a vida.
Apenas um grupo não ligava nem um bocadinho ao Iluminado, os miúdos. Eles sabem que ninguém sabe tudo e ainda não acreditam em Iluminados.

CRISE E EMPREENDEDORISMO

Quando as circunstâncias de vida, em diferentes dimensões se tornam mais difíceis, aparecem com alguma frequência discursos com afirmações do tipo, “as dificuldades podem ser uma janela de oportunidade”, no caso actual, janelas com vista para a crise. É também frequente apelar à inovação, ao empreendedorismo e à capacidade de risco como estratégias contributivas para que as dificuldades sejam ultrapassadas.
Um exemplo curioso de empreendedorismo no combate à crise é referido hoje no DN. Na zona de Alcobaça, Leiria e Marinha Grande alguém conseguiu roubar fios em cobre retirando-os dos postes de transporte de energia eléctrica e fazendo-o numa extensão de mais de um quilómetro.
Esta acção empreendedora causou um prejuízo estimado em 25 000 €, deixou dez mil pessoas e dezenas de empresas sem luz e com danos nos equipamentos.
De facto, o combate à crise vai exigir muito da nossa capacidade de inovação, ainda estou a tentar perceber como é que alguém, um empreendedor, se lembra de desactivar a passagem de energia e levar quase um quilómetro e meio de fio triplo de cobre, tirado dos postes.

UM DEPUTADO A SÉRIO E UM MINISTRO A BRINCAR

Considerando que tantas vezes me tenho referido à escandalosa manipulação das consciências dos deputados, à luz da chamada disciplina de voto, e à inteira subserviência do grupo parlamentar do PS à política governativa, quero saudar a atitude do deputado Ventura Leite do PS que, enquanto autor do Relatório parlamentar de acompanhamento das contrapartidas, acusa o Ministro Mário Lino de “manifesta negligência” na utilização das contrapartidas resultantes da aquisição dos Airbus pela TAP, situação comprovada por diversas empresas envolvidas, o que desmente afirmações do Ministro.
O mais grave nisto, é que, como sempre, a incompetência do ministro, desperdiçando milhões numa época em que os cêntimos contam, vai passar tranquilamente impune e sem a devida responsabilização. O deputado Ventura Leite, eleito por Setúbal, capital do deserto inventado por Mário Lino, corre o sério risco de, as eleições estão aí, não integrar as próximas listas para o Parlamento. Era bom que estivesse enganado. Tentarei não me esquecer de verificar.

UM HOMEM CHAMADO NINGUÉM

Era uma vez um homem chamado Ninguém, como o nome era assim um bocado estranho, começaram a chamar-lhe Zé, o Zé Ninguém. Era um rapaz muito discreto, metido consigo, quase não se dava por ele. A escola, foi um sacrifício que não cumpriu totalmente, saiu cedo destinado a qualquer coisa que a vida lhe colocasse à frente e que lhe permitisse viver como o Zé Ninguém imaginara, como pouco mais que nada.
Como há destinos que se cumprem, o Zé Ninguém conseguiu ir vivendo com pouco mais do que nada. Bom, tinha uma família, mas a família do Zé Ninguém também passou a ser Ninguém, e todos passaram a ter pouco mais que nada.
Os filhos, tentando contrariar o destino que o pai cumpriu, procuravam fazer qualquer coisa para deixar de ser Ninguém, mas sempre aparecia alguma coisa ou um Alguém que lhes lembravam que eram Ninguém. E Ninguém continuaram.
Era uma vez um homem chamado Ninguém, como o nome era assim um bocado estranho, começaram a chamar-lhe Zé, o Zé Ninguém. Era um rapaz muito discreto, metido consigo, quase não se dava por ele. A escola foi um sacrifício que não cumpriu totalmente, saiu cedo destinado a …
Não vale pena continuar. A história de um Zé Ninguém é sempre igual à história de outro Zé Ninguém.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

CRIANÇAS SEM APOIO EDUCATIVO, NÃO SÃO UMA PREOCUPAÇÃO

Este texto que coloquei no dia 21 aponta para outro excelente exemplo das avaliações independentes ao sistema que estão a servir para, supostamente, legitimar o que tem sido a PEC - Política Educativa em Curso

Continua a prática e o discurso delinquente em termos éticos do Dr. Lemos. Depois do ruído causado pela reforma da chamada educação especial, designadamente com a introdução da ideia de elegibilidade das crianças para apoio educativo com base na Classificação Internacional de Funcionalidade reduzindo dramaticamente os apoios disponibilizados a crianças com necessidades educativas especiais, que em qualquer agrupamento de escolas pode ser comprovado, vem agora anunciar a avaliação do sistema. Na apresentação de hoje, ainda consegue afirmar, estou a citar o site Educare.pt, que não o “preocupa” o facto da CIF ter deixado muitas crianças sem apoio. Sabemos disso, crianças sem apoio não é coisa que o preocupe, e por isso, a delinquência das decisões. Mas também interessante é organização da avaliação anunciada. O dispositivo de avaliação da utilização da CIF é da responsabilidade do Professor Rune Simeonsson, o autor da … adivinharam, da CIF. Que avaliação resultará? Um doce a quem acertar. A coordenação da avaliação é da responsabilidade da Professora Manuela Sanches Ferreira que num Congresso Internacional sobre Funcionalidade Humana realizado em Lisboa, em Novembro de 2008, apresentou uma comunicação intitulada “A CIF como novo paradigma de intervenção e avaliação” integrada num painel sobre a temática educação. Adivinhem qual será o resultado da “avaliação” da utilização da CIF em educação? Mais um doce a quem acertar (vou esgotar os doces). Não quero duvidar da integridade ética e científica das pessoas em causa, mas dos critérios de escolha do ME, esses sim, de duvidosa integridade.
Decididamente, esta equipa do ME não acerta em matéria de avaliação.

OBRIGADO DR. ANTÓNIO BORGES

O vice-presidente do PSD, o reputadíssimo economista António Borges, putativo candidato a uma pasta ministerial num governo PSD, vem afirmar numa aprofundada análise á situação do país que a “recessão técnica não é uma surpresa” e recomenda “a maior das prudências e a maior das cautelas”. Notável, eu, que não sou um especialista, e qualquer outro cidadão minimamente atento ficámos absolutamente perplexos com a recessão, olhávamos para o lado víamos toda a gente tão bem, os outros países tão bem, nem imaginávamos que poderia haver uma recessão. Ainda bem que o Dr. Borges nos esclarece que não devemos achar surpreendente tal situação. Depois, eu, como a esmagadora maioria das pessoas e dos responsáveis institucionais, ao vermos que a coisa não anda nada bem, estávamos a pensar agir como se nada de menos bom estivesse a acontecer e vivêssemos num paraíso económico. Mas não, nas sábias e avisadas palavras do Dr. Borges, temos, todos, que ter cautelas, muitas e prudência, a maior.
Obrigado Dr. Borges. É bom ter assim pessoas, conhecedoras e profundas, que nos querem governar e ajudar. O povo agradece.

OS DESEJOS DO MADAIL E OS PRESERVATIVOS

Duas notas a propósito da imprensa de hoje. Num rasgo de lucidez, o ministro Teixeira dos Santos afirmou que a organização conjunta de Portugal e Espanha do Mundial de Futebol de 2018 não é uma prioridade. Boa notícia, que logo mereceu os comentários negativos do Sr. Madail. Depois da irresponsabilidade delinquente deste senhor, que se prepara para continuar eternamente à frente desse paraíso que é o futebol português, com a conivência do Secretário de estado Laurentino Dias e do ministro Silva Pereira terem defendido tal hipótese argumentando que a organização do Mundial seria uma forma de rentabilizar os estádios que criminosamente foram construídos para o Euro 2004, cenário absolutamente obsceno e insultuoso nos tempos que correm, é importante que alguém tenha algum juízo e ponha ordem naquelas cabeças. Mas atenção, o Madail não desiste, os seus desejos são imensos.
Uma notícia que me suscitou curiosidade sobre as suas razões vem no DN e diz-nos que, segundo dados da Coordenação de Luta contra a SIDA, em 2008 se venderam nas farmácias menos 10% de preservativos. Como interpretar os dados? Verifica-se uma baixa na utilização do dispositivo, ou uma baixa na função? Estaremos, devido à crise, a poupar nos preservativos que são caros e mais caros nas farmácias, ou estamos a dar ouvidos às vozes que apelam à castidade e abstinência? Pode ainda colocar-se uma terceira hipótese, será o clima de mal-estar tão depressivo que possa inibir o desejo?
De qualquer forma, esta é uma excelente razão, mais uma, para esperar ansiosamente pela retoma.

HISTÓRIA DO PERGUNTADOR

Era uma vez um homem chamado Perguntador. Desde muito cedo revelou uma estranha forma de falar. Na maioria das vezes, apenas fazia perguntas, raramente afirmava, e a qualquer resposta continuava a perguntar. As pessoas admiravam-se e ficavam embaraçadas com tal estilo. Algumas, mais generosas, achavam que o Perguntador era um chato curioso, outras que tinha uma espécie de tique no discurso, quase só recorria a perguntas, outras ainda, professores, por exemplo, achavam que o Perguntador os queria desafiar e não reagiam muito bem. Claro que como o comportamento gera comportamento, quanto mais as pessoas reagiam, mais perguntas o Perguntador colocava, o que ainda mais exasperava as pessoas.
Quando mais crescido, contrariando a ideia de que a idade nos muda, o Perguntador mais perguntava. As suas dúvidas, inquietações, curiosidade, vontade de entender as pessoas e a vida, levavam-no a colocar cada vez mais perguntas. Curiosamente, não mudando o Perguntador, mudaram as pessoas, calavam-se, não prestavam atenção e, por fim, ignoravam completamente o Perguntador. Como sabem, as pessoas não gostam lá muito de perguntas.
Nem assim o Perguntador mudou. Começou a fazer perguntas para dentro, tornou-se escritor de poemas. Continua sem respostas. Mas não desistiu de perguntar, o Perguntador.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

DE QUE ESTÃO À ESPERA?

O prolongamento, sem fim à vista, desta situação na educação começa a assumir contornos que não podem deixar de ter influência no andamento do ano lectivo, portanto, no processo de ensino e aprendizagem, ou seja, sobrará para cima dos alunos. É certo que o Dr. Lemos dirá que o processo de avaliação corre normalmente mas o ano escolar não, por culpa dessa malandragem, os professores.
O ME ao promover sucessivas simplificações no seu Modelo Perfeito, acabou a defender algo que não é coisa nenhuma, muito menos o seu Modelo Perfeito.
Os professores que começaram por reagir ao Modelo Perfeito do ME, acabaram, finalmente por se centrar na questão essencial, o Estatuto e o modelo de carreira.
O clima que se está a instalar, agora com a ajuda prestimosa do eterno Albino Almeida a ameaçar com os tribunais e com uns delirantes serviços mínimos dos professores (quantos meninos por escola representarão o serviço mínimo), exige que o sentido de responsabilidade torne possível, primeiro recentrar a discussão no essencial, o Estatuto e, segundo, discutir a partir daí um novo dispositivo de avaliação. Esquecer esta espécie de Modelo, será uma prova de inteligência por parte do ME, não uma derrota, ainda que a luta político-partidária queira retirar dividendos dessa eventual decisão, é a política que temos, não vamos estranhar. Creio que o cidadão atento entenderá e aprovará essa atitude do ME. Os discursos demagógicos sobre avaliação dos professores, nas mais das vezes, não passam disso mesmo, demagogia e ignorância, instalada com a ajuda de alguns discursos de dirigentes sindicais e de alguns professores.
Não se esqueçam dos putos.

ANJO DA GUARDA

(Foto de Carlos Sá)

Isso miúdo, segue essa estrada, a tua estrada. Não precisas de olhar para trás, eu estou aqui. Vou estar sempre.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

A TRANSIGÊNCIA DO SR. DR. LEMOS

O Sr. Dr. Lemos vem lamentar a intransigência da Plataforma Sindical e afirma o desejo, mascarado de afirmação, de que a greve seja menos significativa que a anterior. O Dr. Lemos, manifestamente, tem dificuldades de entendimento político. Certamente terá realizado a sua formação em política educativa num daqueles programas do Novas Oportunidades que certificam mas não qualificam e o resultado tem estado à vista. Apareceu um modelo de avaliação de professores que não era coisa nenhuma e em coisa nenhuma se transformou. O ruído e a confusão em muitíssimas escolas é enorme, e o Dr. Lemos diz que o processo está a correr normalmente, lembro-me dos passageiros do Titanic que dançavam com o barco a afundar-se. Os professores, não estou a falar dos sindicatos não são intransigentes, parecem firmes nas suas convicções, o que não acontece com o ME que, desde cedo, sempre que fala de avaliação, mexe em qualquer coisa na ilusão de remediar o que não tem remédio. E, pateticamente, agarra-se a um resíduo inerte do que foi o Modelo. Um modelo de consistência política o Sr. Dr. Lemos.

CHEGA DE PREVISÕES, QUE SE DISCUTAM AS SOLUÇÕES

E continua. Sempre que alguma instituição se refere à crise que nos afecta, em particular no que se refere a Portugal, lá vem a previsão de que o ano será pior do que a previsão anterior antecipou, seja de quem for a autoria. É claro que as mais optimistas, quase sempre as do governo, são as mais penalizadas. Mas, insisto, sempre que o quadro parece pior, a consequência não sobra para os autores das previsões, sobra para nós.
Por isso, falo por mim, começo a estar um bocado farto da novela das previsões. Queria, gostava, precisava, dava-me jeito, era interessante, era útil, escolham a terminologia que vos agradar mas, ajudem-nos a lidar com a crise, com orientações precisas, com o anúncio claro, sem marketing político excessivo que mascara o conteúdo, de medidas objectivas, justificadas com a clareza possível para que todos, cidadãos comuns sem formação em economia e finanças mas com um orçamento familiar para gerir, possamos entender o sentido, o alcance dos problemas e das medidas, ou seja, a melhor forma de enfrentar estes tempos. Creio que, mais do que nunca, se pede aos actores políticos responsabilidade e seriedade ética no tratamento destas questões, do lado do governo e do lado das oposições.

O ESSENCIAL E O ACESSÓRIO

Independentemente da habitual guerra de números, parece fora de questão que a greve mobilizará um número muito significativo de docentes e de escolas.
A grande questão é, como sair desta situação que não aproveita a ninguém, sobretudo, pelo potencial impacto no bom andamento do ano lectivo.
Compreende-se a irredutibilidade do ME, não quer/pode “perder a face”. Esforço inglório, porque aquilo que em matéria de avaliação está, neste momento em cima da mesa, não é, de todo, o modelo inicial. Basta considerar que um modelo de avaliação de professores pode não avaliar a essência da acção docente, as aulas, o que é no mínimo delirante e, também, a ausência de efeitos da avaliação, o que a torna, basicamente, inútil. Os sindicatos não podem/querem perder a face para não deixar sem controlo político o sentir dos milhares de professores que questionam, agora sim, mais o estatuto e o modelo de carreira que, propriamente, a avaliação.
Do meu ponto de vista, andar-se-á bem ao assumir-se discutir o que verdadeiramente está em causa, o estatuto e o modelo de carreira, e, posteriormente, a questão da avaliação. Desde o início que afirmo a minha perplexidade pela forma relativamente tranquila com que o novo estatuto docente foi aceite, quando o seu conteúdo determinava o que está a acontecer em matéria de avaliação. Quanto à avaliação, coloquem-na em “banho-maria”, rediscutam sim o estatuto. Tenho a convicção de que, então, o desenho da avaliação será um processo bem mais fácil e tranquilo.

FILHOS FELIZES, PAIS FELIZES, SERÁ?

Os passarinhos
tão engraçados,
fazem os ninhos
com mil cuidados.

São pr’ós filhinhos
que estão pr’a ter,
que os passarinhos
os vão fazer.

Este excerto do conhecido poema de Afonso Lopes Vieira, um dos nomes da Renascença Portuguesa, ajuda a compreender os dados de um estudo que envolveu os países da Europa a 27, realizado no âmbito do Pacto Europeu para a Saúde e Bem-estar, uma base de entendimento para a promoção da Saúde Mental e Bem-estar de crianças e adolescentes. Dizem os indicadores, que os pais portugueses são dos que mais acreditam que os seus filhos, dos 6 aos 17 anos, estão felizes. Em cinco indicadores, apenas no que respeita aos resultados escolares, os pais portugueses, embora acreditem que os seus filhos estão bem, expressam uma confiança abaixo da média dos outros países.
Com todos os indicadores de confiança a bater no fundo, com a esperança em baixo, temos, surpreendentemente, creio, os pais a achar que os filhos estão felizes. Será que queremos desesperadamente acreditar que os nossos filhos estão bem para, dessa forma, nos sentirmos melhores? Fizemos os ninhos com mil cuidados e por isso os nossos filhinhos estão felizes e protegidos?
E se lhes perguntássemos?

OS DO CALDAS, DAS CALDAS A LISBOA

Este fim-de-semana o Dr. Paulo Portas juntou a sua rapaziada, foi até às Caldas, boa escolha, e realizou o 23º Congresso do CDS-PP. Está certo, serve para pouca coisa mas faz parte da liturgia político-partidária, tal como os habituais posteriores comentários, registando, como se espera, que foi um congresso participado, correu muito bem, prova a dinâmica do partido, aberto ao diálogo, reforçou a unidade, blá, blá, blá. A propósito do evento, duas notas. Em primeiro lugar, ouvi com algum espanto que o Dr. Portas concorre a Primeiro-ministro e disse mais, o CDS-PP não serve de muleta ou bengala a nenhum partido, quer dizer, PS ou PSD. Tudo bem, o Dr. Portas quer ser Primeiro-ministro, na minha terra costuma dizer-se, “ai de mim se não for eu”, defende que não deve haver uma maioria de um só partido, o que quer dizer que pretende ser governo com, não pode deixar de ser, o apoio do PSD ou do PS. Estive atento mas não ouvi, ainda, os comentários de Manuela Ferreira Leite ou de José Sócrates sobre a hipótese de serem número dois de um governo chefiado por Paulo Portas. Não fora a elegância contida de qualquer deles e, certamente, homenageariam, uma grande figura das Caldas, Bordallo Pinheiro, através de umas das suas mais conhecidas produções.
A segunda nota remete para o facto de Paulo Portas, no congresso, negar acordos ou coligações para as legislativas, mas permanecer em aberto um cenário de coligações para as autárquicas. Alguma imprensa de ontem falava de um eventual entendimento do CDS-PP com Santana Lopes, avançando com o nome de Teresa Caeiro, como vice do menino guerreiro para Lisboa. Na câmara de Lisboa, Santana Lopes e Teresa Caeiro juntos, é cenário inimaginável. Eu não voto em Lisboa, mas desde sempre trabalho em Lisboa, conheço imensa gente de Lisboa, gosto de Lisboa, acho-a bonita mas maltratada por sucessivas lideranças, por favor, tenham tino. Nem toda a gente pode, como o Pacheco Pereira, ir votar a Santarém.

sábado, 17 de janeiro de 2009

UM GPS NOVO

Na altura, não foi do conhecimento público, mas vários núcleos locais do PS, em representação das chamadas bases, pelo Natal, ofereceram ao Primeiro-ministro e Secretário-geral um GPS. Parece ser entendimento das bases que o partido tem perdido o rumo. O mesmo entendimento parece ter um grupo de importantes militantes encabeçados pelo incontornável Manuel Alegre, o dono da consciência de esquerda do PS. O GPS que foi oferecido tem até a particularidade de, em vez daquela habitual e irritante voz mecânica a providenciar instruções, apenas emite duas orientações, ambas com a voz grave e inconfundível de Manuel Alegre, “mantenha-se à esquerda” e “na próxima decisão vire à esquerda”.
O resultado do GPS parece começar a resultar. A moção de estratégia global a apresentar ao Congresso do PS pelo Secretário-geral parece contrariar, sobretudo no que respeita a políticas económicas, os modelos mais liberais que o partido tem subscrito nos últimos tempos. Pressão da crise ou opção séria em matéria de ideias e valores?
A questão é que esta opção implicaria a redefinição de políticas, em alguns aspectos, bem diferentes das que têm sido seguidas, designadamente, privilegiando as pessoas. Será que, em caso de vitória eleitoral, as orientações do GPS serão respeitadas?

O SEMÁFORO

Uma vez, um amigo meu, já velho e também amigo de uns copos e de outras andanças, que, como diz Torga, a carne é fraca, dizia-me com um ar entre a esperança e a resignação de quem não resiste muito às tentações, “as pessoas deviam nascer com um semáforo na cabeça, quando pensassem em dizer ou fazer certas coisas, se o semáforo ficasse verde, podiam dizer ou fazer à vontade, se ficasse amarelo teriam que ter cuidado com o que diziam e faziam, com o vermelho, era melhor ficar calado e quieto”.
A ingenuidade do meu velho amigo não lhe permitia perceber que os semáforos, às vezes, só atrapalham, por isso, inventaram as rotundas. Também não percebia que, embora pareça fácil, uma pessoa conduzir-se é uma tarefa difícil, sobretudo com o trânsito cada vez mais complicado que temos. Não percebia que, às vezes, por falta de energia ou picos de energia a mais, os semáforos deixam de funcionar. Não percebia que, alguns de nós, em diferentes circunstâncias, ganhamos uma espécie de daltonismo selectivo, só vemos as cores que nos interessam.
E não percebia, finalmente, que se tivéssemos um semáforo na cabeça, muita gente quereria ocupar a sala de controlo do sistema.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O REALISMO E A ILUSÃO

Como já tenho referido, estranho a quase euforia com que são reconhecidas falhas do governo na previsão de indicadores, sobretudo quando estes ficam mais negativos do que o previsto. A tentação do eventual dividendo político é maior do que a necessidade de reconhecer que a falha quer dizer que o país, os portugueses, estão pior e que a quase euforia deveria transformar-se num aumento da preocupação e em discursos dirigidos para a busca de soluções.
Por outro lado, também é reconhecido como legítimo, esperar que lideranças eficazes sejam capazes de transmitir confiança e esperança. Assim, não é de estranhar que as lideranças políticas, todas elas, lembrem-se da teoria do oásis, não resistam à criação de amanhãs que cantam e de presentes cor-de-rosa, ainda que um pouco desmaiados.
A grande questão é o equilíbrio entre um discurso realista que crie esperança e optimismo e um discurso assente em realidade virtual, presente ou futura que venda ilusões.
Tenho para mim que, quanto mais realista for o retrato da realidade, melhor preparados estaremos para lidar com ela e, portanto, produzir análises, discursos e acções em que as pessoas possam ter confiança e esperança. A classe política torna-se mais credível e os cidadãos menos desconfiados. Mas, não sei porquê, muitos políticos acham que a seriedade não dá votos. Estão enganados.

PROGNÓSTICOS, SÓ NO FIM DO JOGO

O Dr. Jardim diz que já pode dormir descansado, a Dra. Manuela Ferreira Leite garantiu-lhe que ia derrotar o Eng. Sócrates. O homem, habituado de há muito a ver decididos os resultados eleitorais antes das eleições, acreditou. O Dr. Jardim é um crente e a Dra. Ferreira Leite também, mas milagres em política são raros. É certo que os tempos difíceis correm a favor do PSD, mas o PSD corre contra si próprio, dificilmente é percebido como uma alternativa credível de governo, com a permanente efervescência interna e com episódios como os das candidaturas autárquicas de Santana Lopes depois da guerra com Ferreira Leite, ou o eventual recurso a Gonçalo Amaral, ex-inspector, actual arguido em processo judicial.
De modo que, se me é permitido um conselho, prognósticos, só mesmo no fim do jogo. Aliás, com a actividade do Action Man Menezes, até pode acontecer que, quando se conhecer a constituição das equipas que disputarão o jogo eleitoral, a Dra. Ferreira Leite não seja convocada por já não ser capitã de equipa do PSD. O homem de Gaia está-lhe com um pó, que nem o Pacheco Pereira lhe vale.

ESTOU A AVISAR-VOS, A SÉRIO, VÁ LÁ, NÃO SE RIAM

Há uns meses atrás, quando o barril do crude andava em cima dos 140 dólares, com o preço dos combustíveis para o consumidor a disparar, qualquer pequena oscilação em baixa do preço do barril era motivo para o cidadão reclamar que também caísse o preço que pagava na bomba. O Presidente da Galp, Ferreira de Oliveira, veio então explicar que, para espanto de toda a gente, “a relação entre o preço do petróleo e o preço dos combustíveis, não é directa nem óbvia”, citação que na altura aqui comentei.
Actualmente, com o preço do barril em queda há algum tempo e depois de um abaixamento significativo no preço que pagamos, eis que, surpreendentemente, foram introduzidos aumentos que o próprio presidente da Associação Nacional dos Revendedores de Combustíveis (Anarec) considerou "absolutamente ridículos" e “escandalosos”. O senhor Ministro Manuel Pinho, instado a comentar tal situação, no mínimo estranha, pediu duas listas telefónicas para se colocar em cima e ficar mais alto, pigarreou para tornar a voz mais grossa, compôs um ar que aprendeu do chefe, o de animal feroz, e avisou as petrolíferas para terem cuidado e que a concorrência tem que funcionar, como aliás comprovou a Autoridade da Concorrência que, num trabalho que convenceu toda a gente, concluiu pela não cartelização dos preços.
A administração da Galp, Repsol, Cepsa e BP estão a tremer de medo com o aviso do ministro Pinho. Fontes bem informadas garantem que ouviram a um dos presidentes das petrolíferas qualquer coisa como, “vai mas é para o All Gharve nadar com o Phelps”.

FUI VISITAR O POVO

Devo dizer que sou um privilegiado. Nas deslocações diárias para Lisboa utilizo quase que exclusivamente a mota. Tal possibilidade, para um suburbano da margem sul é uma vantagem extraordinária, poupa quilómetros de fila e toneladas de impaciência. Por outro lado, tem a desvantagem de nos transformar aos olhos de algumas pessoas, já me aconteceu ser assim abordado, em jovens inconscientes e potencialmente delinquentes e ser objecto de um pouco cristão olhar de inveja de automobilistas engarrafados e de engaiolados olhares de ocupantes de autocarros.
No entanto, hoje, assustado com a carga de água que desabava quando me preparava para sair, pensei para comigo, aqui está uma boa ocasião para ir visitar o povo, isto é, decidi usar os transportes públicos. E fui.
Primeiro o comboio e depois o metro. Achei ambas as experiências muito interessantes. Numa altura em que tanto se fala de frieza social e na falta de calor humano, apesar do aquecimento global, fiquei agradavelmente surpreendido com o aconchego encontrado. Muita gente, muito juntinha, aquecimento ligado, um ambiente de estufa. Estranhamente as flores que viajavam tinham um ar um bocado murcho.
Quem acha que, como latinos, somos um povo alegre, nunca nos viu dentro dos transportes públicos ao início da manhã. Até gente bonita fica quase feia. Provavelmente, tanta quentura e aconchego derretem a boa disposição.
Parece-me também muito curiosa e algo inesperada a quantidade de gente que ia debaixo de uns fones, sobretudo porque muitas pessoas não eram jovens, habitualmente mais ligados a esta prática. Não consegui perceber se os fones eram um sinal do tipo, “Do not disturb” que se colocam nas portas dos quartos de hotel, ou, mais prosaicamente, a afirmação de que as pessoas não dispensam companhia musical.
Outro aspecto interessante, a quantidade de gente que via a utilizar o telemóvel, na maioria dos casos, sem ser para realizar chamadas, escreviam mensagens, acho eu, freneticamente. Tal comportamento destinar-se-á, creio, a compensar o facto de que, entre os fones, o ar sorumbático e fechado e ninguém falar com ninguém, restará procurar interlocutores fora dali, os destinatários das mensagens.
Algumas pessoas, poucas, liam livros ou jornais, os gratuitos sobretudo. Num banco à minha frente, no metro, uma senhora, pertencente, como agora se diz, a uma minoria étnica, de corta-unhas em punho, procedia a um cuidadoso e empenhado aparar das ditas. Finda a tarefa, sacode-se, retira da mala um frasco com cujo conteúdo esfrega as mãos e adormece rapidamente. Por efeito de contágio ou pela quentura de tanto aconchego, acho que também passei pelas brasas.
Dei comigo a sonhar que estava na minha mota, num dia lindo, a atravessar a ponte sem trânsito.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

ENTRE O ACTION MAN E O CALIMERO

Esta mistura entre o Action Man na agitação e o Calimero no discurso já não dá para ouvir. Se o homem, Luís Filipe Menezes, tem no bolso, as assinaturas suficientes para convocar um Congresso do PSD, que o faça, porra. Mande abaixo a Dra. Ferreira Leite, mais o Pacheco Pereira, mais o António Borges, mais quem ele achar por bem, mas pare de fazer esta lamentável figura.
Este rapaz, mais o menino guerreiro, o Santana Lopes, juntos e ao vivo a cantar o conhecido Fado da Incubadora ainda poderiam animar alguns saraus musicais. Agora este estilo de, cada dia que passa, lá vai mais um tiro na direcção do Partido, após um voto de silêncio que o homem, manifestamente, não sabe o que é, já não há saco.
Entretanto o Eng. Sócrates agradece.

PATACA A MIM, PATACA A TI

Anda bem o Tribunal de Contas ao pretender continuar a controlar obras públicas mesmo no regime de ajuste directo que o Governo fará aprovar como medida excepcional para custos inferiores a cinco milhões de euros. O Primeiro-ministro bem assegura que o ajuste directo se aplicará apenas em obras a realizar em escolas ou em projectos de eficiência energética. E então? É a natureza da obra que garante transparência na utilização de dinheiros públicos? Ainda ontem foi noticiado um bom exemplo da questão do ajuste directo com o contrato estabelecido entre o ME e o Dr. João Pedroso, um rapaz bem relacionado e muito trabalhador nas suas áreas de especialidade, como a utilização do cartão partidário.
Com a cultura que lamentavelmente se instalou de há muito no país, aceitar a inexistência de controlo é correr o enorme risco de, como se diz na minha terra, “entregar o ouro ao bandido”. Já imagino alguns prestadores de serviços/obras a concertarem as suas ofertas na antiga fórmula, pataca a mim, pataca a ti. Um pequeno pormenor final, trata-se do nosso dinheiro.

JAMAIS

O Eng. Mário Lino solicitou às empresas com tutela do seu Ministério informação precisa sobre as respectivas agendas de eventos públicos. Os críticos do costume logo vêm a terreiro insinuar que se trata de aproveitar a época da caça ao voto que se avizinha, para o Ministro se colar e aparecer, designadamente, quando se tratar de inaugurações e apresentação de projectos.
Instado a comentar o Sr. Ministro clama Jamais! “Há eleições? Pois há! Eu não posso é ter uma coisa para inaugurar e fingir que não tenho! Tenho de saber com alguma antecedência para organizar a minha agenda”.
Se é assim está explicado, e eu acredito. É que pensava que estava em presença do estilo jardinista, de inauguração em inauguração até ao voto final. Não, trata-se só de dar um exemplo de organização e eficácia da máquina do governo. É bonito.

O MEU FAÍSCA NOS STATES

Não fosse o meu Faísca ter a provecta idade de 15 anos, o afecto que a família tem por ele e as suas dificuldades com o inglês, recomendava-o como primeiro-cão para os States. Parece que os Obama andam à procura de um e estão inclinados para um cão de água português. A acontecer é uma boa escolha, mas, podem acreditar, o meu Faísca faria uma excelente comissão de serviço na White House, no papel de primeiro-cão.
É um rafeiro puro, por isso, saudável. Não tem, longe disso, grande apetência, pela água, mas George Bush também parece que não e esteve por lá num papel bem mais importante. O Faísca é um cão nada conflituoso, gosta de toda a gente, o que lhe confere um enorme potencial diplomático, lambidela daqui, abanar de rabo dali e toda a gente se entendia. É de uma paciência sem fim, senta-se perto de nós e assiste a intermináveis conversas sobre qualquer assunto sem um lamento, não sei se por estar completamente surdo, mas é uma excelente companhia, sempre presente. É pequeno, nada esquisito com a alimentação, até um bocado lateiro, e adora viajar. De vez em quando, exaspera-se com debates políticos mas isso só acontece quando eu, sem querer, passo pelo Canal Parlamento. Acho que é de ver os deputados de braço no ar. É brincalhão, bem-disposto e adora crianças. Faz-nos sentir pessoas importantes pelo contentamento que demonstra sempre que alguém da família entra em casa.
Mas não, agora que estou a falar dele, vejo como ele é imprescindível cá em casa. Desculpa lá Faísca, mas ainda não é desta que vais aos States, que vá para lá um primo teu, o cão de água, ou aquele cão inventado, o labradoodle, ou lá o que é.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A TRADIÇÃO AINDA É O QUE ERA

Dados publicados pelo Observatório dos Trajectos dos Estudantes do Ensino Secundário do ME mostram que, em termos globais, dois terços da população do 10º ano ou equivalente está a ultrapassar o nível de formação escolar dos seus pais. Considerando o baixo nível de qualificação que nos caracteriza é um bom indicador.
No entanto, a tradição ainda é o que era, isto é, 66% dos alunos com alto rendimento escolar são oriundos de famílias altamente qualificadas, enquanto a maioria dos alunos dos cursos profissionalizantes provêm de famílias com mais baixos níveis de escolaridade.
Estes dados mostram como continua longe de se cumprirem patamares significativos de mobilidade social que a formação escolar deveria permitir e promover.
Acentua ainda que, como sempre tenho defendido, a defesa intransigente da qualidade da escola pública é o melhor garante de princípios de equidade e capazes de minimizar o impacto da origem sociocultural. Se assim não for, os mais favorecidos procurarão no subsistema privado a qualidade que não encontram no ensino público e que só eles podem pagar. A demagogia da liberdade de escolha apenas mascara o desinvestimento na qualidade do ensino público.

AJUSTE DIRECTO? HAJA DECORO

O caso do contrato estabelecido por ajuste directo entre o ME e o reputadíssimo especialista em Direito da Educação, João Pedroso, agora rescindido por incumprimento e com a obrigação de devolução de parte, só parte, da verba já paga, mostra duas coisas.
Em primeiro lugar que o tráfico de influências e o desavergonhado compadrio político ainda se constituem como excelentes ferramentas no mercado de trabalho. O Dr. João Pedroso com um certamente vastíssimo, mas desconhecido, currículo na área, provavelmente por coincidência, é membro do Conselho de Jurisdição do PS e, outra coincidência, é irmão do Dr. Paulo Pedroso, também do PS e oriundo da instituição, o ISCTE, a que está ligada boa parte da actual elite do ME, incluindo o Secretário-Geral, o responsável (!) pela contratação do Dr. Pedroso, o João.
Em segundo lugar, mostra com toda a clareza os riscos da proposta do governo de permitir o ajuste directo por parte dos serviços e organismos da administração de obras, bens ou serviços até 5 milhões de euros.
Haja decoro.

A IGREJA E A CONDIÇÃO FEMININA

O Cardeal Patriarca de Lisboa avisa, cuidado com os muçulmanos, as meninas europeias correm o sério risco de arranjar um monte de sarilhos ao casarem-se com a gente de Alá. Apesar de defensor do diálogo inter-religioso D. José Policarpo, alerta para as especificidades religiosas e para as suas implicações, por exemplo, ao nível da condição feminina. É importante este aviso e esta preocupação.
Estranho, no entanto, posições da igreja desfavoráveis ao divórcio quando, manifestamente, a família não funciona e estranho o entendimento de que as pessoas divorciadas percam “direitos” de natureza religiosa. Estranho o imobilismo face à discriminação do acesso das mulheres ao sacerdócio. Estranho o silêncio sobre maus-tratos e violência doméstica dirigidas a mulheres, á luz do princípio de que “há que proteger a família”. Estranho as posições da igreja face à interrupção voluntária da gravidez e da contracepção, que, frequentemente, estão na base de situações de grande sofrimento para as mulheres e, eventualmente, para muitas crianças.
É velha a presunção de superioridade religiosa, apenas se actualizam os discursos.

PISAR O RISCO

Quando era pequeno, uma das expressões que mais ouvia ao meu pai era “pisar o risco”. Empregava-a com frequência, em diferentes circunstâncias e dirigida, quer a mim quer em apreciações a comportamentos ou atitudes de outras pessoas. Percebi com o tempo que era uma expressão vulgar, não exclusiva do meu pai.
Com a fórmula do “pisar o risco” procurava, sobretudo comigo, que percebesse a necessidade do “risco”, hoje é mais comum chamar regras, e como, sabendo qual era o risco, perceber se deveria, ou não, ser pisado, e as consequências que eventualmente adviriam de “pisar o risco”.
Neste contexto, cresci como todos, quase, da minha geração, a tentar evitar “pisar alguns riscos”, umas vezes com sucesso outras nem por isso, e a decidir, com toda a intenção, que havia riscos que era preciso pisar.
Hoje, sem parecer demasiado pessimista, quando olho à volta, fico com a sensação que a gente pisa, mas já não tem muita noção de qual é o risco e onde está. Atropelamo-nos diariamente nas relações sociais e profissionais e na vida em comunidade, assistimos a comportamentos completamente despudorados de gente que não deveria “pisar o risco” pelo peso social que tem. Os putos, muitos, andam perdidos sem a noção de que pisam o risco, ou pisam o risco com intenção mas agarrados à ideia de que a vida está no “pisar o risco”. Os direitos das pessoas, risco que nunca poderia ser pisado, são esquecidos com frequência, etc.
No entanto, como sempre, há riscos que continuam a precisar de ser pisados. Mudam de forma, mas não mudam de conteúdo.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

AI QUE MEDO DA COMISSÃO DE INQUÉRITO

O Dr. Oliveira e Costa encontra-se em previsão preventiva depois de uma rocambolesca “perseguição” e após a “difícil” localização do seu paradeiro. A trapalhada do BPN e da SLN parece ser um imbróglio de que se conhecem apenas algumas pontas, duvidando, aliás, que alguma vez se conheçam as pontas todas. É bom não esquecer que há gente como o Dr. Dias Loureiro e outras reconhecidas figuras envolvidas nesta edificante história. Estavam então os senhores deputados ingenuamente convencidos de que o Dr. Oliveira e Costa chegava ao Parlamento, e em sede de Comissão de Inquérito esclareceria tudo, tim-tim por tim-tim como diz o povo, correndo o sério risco de se entalar e entalar os amigos. Não, o Dr. Oliveira e Costa, conhece bem o funcionamento da justiça em Portugal. Deixa-a seguir o seu curso com toda a tranquilidade, um dia destes está em casa a gozar a reforma que entretanto preparou desveladamente e o caso se aquietará com a poeira do tempo.
A situação tem, no entanto, a vantagem de, mais uma vez, se perceber a importância e o impacto das Comissões de Inquérito da Assembleia da República, nenhuma e nenhum.

DEUS TE OIÇA

Foi o primeiro pensamento que ocorreu na laica, creio, cabeça do Eng. Sócrates ao saber das optimistas previsões do Presidente do BCE, o Sr. Trichet. É verdade, just in time. As eleições estão aí não tarda e, com o aval do BCE, poder fazer o discurso optimista da retoma dá um enorme jeito. É claro que também é bom para os cidadãos. A oposição sofrerá do sindroma do Martim Moniz, ou seja, ficará entalada. Por um lado, não pode deixar de expressar a satisfação com a melhoria da situação económica, por outro lado, essa melhoria favorecerá o governo. Vão ser tempos difíceis também para a oposição.
O Dr. Canas nas horas ímpares e o Dr. Santos Silva nas horas pares, vão aparecer na imprensa a sublinhar como a acção do governo foi capaz de suster a crise e promover a retoma no que fomos acompanhado pelos nossos parceiros europeus. O Primeiro-ministro fará dois ou três discursos sobre o tema, que, posteriormente, serão de estudo obrigatório em todos concursos dos quadros de pessoal na Administração Pública.
É certo que existem algumas figuras, como Krugman, o actual Nobel de Economia, que não subscrevem discursos tão optimistas, mas esses, como sabem, fazem parte do grupo dos resignados, dos imobilistas, dos que sempre dizem que não se pode fazer nada, isto é, são sempre do contra, só para arreliar.

HISTÓRIA UM BOCADINHO ESTÚPIDA

Era uma vez uma Menina. Nasceu numa família muito pobrezinha mas muito honrada e trabalhadora e era a mais velha de cinco irmãos, de quem gostava muito e ajudava no que podia. Andou na escola só o suficiente para fazer a escolaridade obrigatória e aos 16 anos, sem mesmo querer ir para o Programa Novas Oportunidades nem receber um computador, arranjou um emprego numa loja de um Centro Comercial para, com o pouco que ganhava, ajudar os pais a criar os irmãos que graças à sua ajuda foram estudando porque, além de estudantes aplicados, eram muito espertinhos. O Pai da Menina adoeceu e ficou tanto tempo numa lista de espera que acabou por deixar de trabalhar sem ter conseguido a operação, embora ainda tenha escrito ao Sr. Goucha da TVI para ver se tinha alguma ajuda para ir a Cuba.
A Menina, agora já quase mulher e muito bonita, ficou ainda mais sobrecarregada para ajudar a Mãe a dar uma boa educação aos seus irmãozinhos. Chegou a estar tão desesperada que pensou em vender o seu corpo, o que de mais precioso tinha, e só a ideia consumiu-lhe noites e noites de lágrimas no pequeno divã em que já mal cabia, sempre em silêncio para não perturbar os irmãos.
Um dia, entrou na loja onde a Menina, agora jovem mulher e mais bonita, trabalhava da abertura ao encerramento, um Rapaz, também ele muito bonito. O Rapaz, foi tiro e queda, ao olhar para a Menina pensou, é Ela. O Rapaz era oriundo de uma família muito rica, apaixonou-se na hora. A Menina, primeiro timidamente, depois mais à vontade e no fim docemente, viu naquele Rapaz o príncipe encantado que aguardava. O Rapaz começou a levar a Menina, os irmãos e a Mãe a sua casa, a sua família ficou cativada com a doçura e simplicidade da menina e da família e aceitaram o casamento.
Foram todos viver para um condomínio fechado, o Rapaz e a Menina tiveram três filhos e foram felizes para sempre.

PS – A HISTÓRIA É ASSIM UM BOCADINHO ESTÚPIDA, MAS É SÓ PARA NÃO FALAR DO CRISTIANO RONALDO.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

CARTA DA MASSA DE AR POLAR AOS PORTUGUESES

Portugueses,
Eu, abaixo assinada Massa de Ar Polar, venho por este meio assumir a responsabilidade pela onde de frio que vos tem apoquentado. Não era de todo minha intenção levar-vos tanta friagem. Tinha até combinado com O Sr. Eng. Sócrates que passaria mais pelos lados da Madeira para congelar o Dr. Jardim. O problema é que, sem querer, vi-me empurrada por aquele maluco instável que é o Anti-ciclone dos Açores que, para se vingar das dúvidas do Prof. Cavaco quis trazer frio para Belém.
Como é costume entre vós, portugueses, logo toda a gente desata a culpar toda a gente. Poupem-se, a culpa foi exclusivamente minha. Achei por bem vir até aqui mais ao sul e esqueci-me que, que para vós, frio é nevar na Serra da Estrela e depois sim, adoram engarrafá-la para ver a neve e escorregar em sacos de plástico que depois ficam muito coloridamente a enfeitar a paisagem. Alguns de vocês até vão fora de portas à procura do frio e da neve, como o Dr. Portas, que trocadilho engraçado, que se desloca a Aspen que, claro, não tem nada a ver com a Serra da Estrela e a sua pindérica pista de esqui.
Termino, reafirmando a minha total responsabilidade pelos inconvenientes do frio e de algumas horas passadas na estrada, mas também sei que vocês adoram passear de carro. Por favor, não culpem as estruturas de protecção civil que, coitados, fazem o que podem e, como sabem, podem pouco, pois se aparece muita chuva é um problema, se aparece muito calor é outro problema e nem sabem para onde se virar. Não culpem também o Governo que se tem esforçado tanto para vos dar um clima temperado, mas como diz o ditado “o tempo não está na nossa mão”.
Prometo que não vos volto a visitar este ano e aceitem as minhas calorosas (sem ironia) saudações,
A Massa de Ar Polar

PROTECÇÃO À REFORMA

Mais um bom exemplo do ímpeto reformista. O Sr. Vara sai da CGD para a vice-presidência do BCP e um mês depois da sua saída a Administração da Caixa promove o Sr. Vara ao topo do vencimento o que acautela melhor a sua reforma. Cá está o exemplo de como se deve reformar.
Incomoda-me pensar que quem toma decisões deste tipo não pense no despudor da decisão e no efeito que em termos éticos tem na sociedade. Estamos em tempos muito difíceis, ainda há pouco dias foi divulgado que 2 milhões de pensionistas e reformados por invalidez, cerca de 75% do total, (sobre)vivem com pensões de valor abaixo do salário mínimo nacional (a valores de 2008, 426€). Como se interpreta o comportamento da Administração da Caixa e o facto do Sr. Vara aceitar a benesse da promoção pós-saída?
Não, não é demagogia, é a responsabilidade social e o sentido ético que se exige a quem lidera.

OS RETRATOS DO REGUILA

Era uma vez um miúdo chamado Reguila, tinha uns onze anos. Na escola, nunca fazia nada sem primeiro pedir que lhe explicassem porquê. Nas aulas, quando os professores explicavam matéria que não conhecia, interrogava-os sobre para que servia o que estava a aprender. Gostava de falar, nem sempre respeitava a sua vez ou o silêncio, quando pedido. Também discutia as regras de funcionamento e nem sempre era fácil convencê-lo de algumas. Quando convencido, apesar de alguns lapsos, cumpri-as. Na escola muitos professores falavam do Reguila. Vejamos algumas opiniões.
Um professor chamado Romântico dizia, “É um miúdo tão engraçado e ingénuo. Tem uma vontade muito firme e não abdica dela, é muito autónomo”.
Um professor chamado Conservador dizia, “É um indisciplinado, tem uma família terrível que não lhe ensina nada e ele não se interessa por nada. Só espero que saia da escola, só cá deve andar quem se interessa e se porta bem”.
Um professor chamado Interessado dizia, “É diferente, como todos os outros, às vezes faz-me perder um bocado a paciência, mas, normalmente dou-lhe a volta e entendemo-nos”.
Um professor chamado Indiferente dizia, “Ele que faça o que quer, desde que não me perturbe a aula. A vida é dele, nem todos podem ir longe”.
Um professor chamado Inexperiente dizia, “Nunca vi um miúdo como o Reguila, sempre a falar e com as ideias dele, tão teimoso”.
Um professor chamado Velho dizia, “É um miúdo que ainda anda à procura de si e vai esbarrando nos outros, é preciso ajudá-lo a encontrar-se”.
Estavam todos a falar do mesmo miúdo, o Reguila.

domingo, 11 de janeiro de 2009

A INFORMAÇÃO QUE NOS INTERESSA

Primeiro, um registo de interesses, gosto, e muito, de futebol. Ao assistir ao Telejornal da RTP1, no chamado horário nobre, como no mundo em geral e Portugal em particular hoje pouca coisa de interessante ou importante aconteceu, aparece uma notícia sobre a realização, amanhã, da escolha do Jogador de Futebol do Ano por parte da FIFA e para a qual, para bem da nossa auto-estima, o incontornável Cristiano Ronaldo está bem posicionado. A acompanhar a notícia uma peça sobre os feitos do miúdo que, sendo bom de pés, é só isso. Até aqui nada de especial. Mas veio então uma peça “exclusiva” do enviado especial a Zurique sobre os bastidores do evento. A peça, indigente em termos discursivos, de uma saloiice enorme parecia um insulto à inteligência e à “informação” pertinente. Ficámos a saber onde se sentam as pessoas que assistem, entre elas o Dr. Madail, é claro, onde se sentam os jogadores, por onde entram, onde deixam os sobretudos os VIP e os não VIP pois, pelos vistos, não se podem misturar sobretudos e que … zap, mudei de canal.
Apanhei ainda de raspão com a crise, a onda de frio, a guerra em Gaza, a questão das datas para as eleições, enfim, lixo informativo ao pé do lugar para os sobretudos.

REFORMAR, MAS DEVAGAR

Dos 25 Serviços de Urgência Básica que fazem parte da rede de urgência, para além das urgências hospitalares, previstos para estar em funcionamento em 2008 apenas nove estão a funcionar, pouco mais de um terço. A situação não se torna muito evidente porque a Ministra Ana Jorge travou o encerramento do atendimento nocturno nos SAP.
Ao ímpeto reformista de Correia de Campos, o incompreendido, sucedeu a brandura de Ana Jorge e devagar, devagarinho lá se vai andando.
A nossa sorte é que, exceptuando o sazonal e rápido surto de gripe, os portugueses são um povo resistente, o que se tem aguentado aumenta a eficácia dos nossos sistemas de defesa. Quando, apesar disso, lá vem alguma coisa, primeiro tenta-se a auto-medicação, há sempre qualquer coisa que alguém tem que faz muito bem a isso, seja lá o que for. Se não resultar, passar umas horas nas urgências hospitalares também é uma hipótese com a vantagem da partilha e do convívio.
Assim, a reforma andou mais devagar em 2008. No entanto, acredito que em 2009 o ímpeto reformista do governo possa dar um bom empurrão aos Serviços de Urgência Básica. É que vamos ter eleições que, é básico, dão urgência a serviços novos.

NEVOU NO MEU ALENTEJO

A noite que passou caiu neve no meu Alentejo. Foi durante a noite, não dei por isso. A neve, como sabem, bate leve, levemente e só vi de manhã. O meu Alentejo estava bonito. Na terra vestida com verde notava-se menos, mas a terra despida ainda estava tapada com a neve. Tinha fabricado um bocado de terra com o tractor na sexta-feira à tarde e a terra ficou nua.
Ainda bem que se cobriu com a neve, está frio.

EXISTE POLÍTICA PARA ALÉM DOS PARTIDOS

Duas notícias aparentemente sem ligação suscitam, creio, alguma reflexão. A primeira remete para a reunião de Presidentes de Conselhos Executivos que hoje se realizou em Santarém para discutir a actual situação nas escolas. Esta reunião, independentemente dos seus conteúdos e decisões, parece-me de particular importância. Sobretudo a partir da manifestação de 8 de Março, ficou claro, afirmei-o aqui na altura, que a expressão do sentir dos professores tinha ficado fora do controlo do movimento sindical e, naturalmente, assustou o ME. Em consequência, foi assinado o memorando de entendimento. Só que os professores rapidamente se demarcaram do memorando, obrigaram o movimento sindical a reconsiderar e a manifestação de 8 de Novembro e a greve de 3 de Dezembro mostraram como os professores parecem emancipar-se da tutela sindical. Para além disso, durante os últimos meses, surgiram vários movimentos de professores fora da lógica de representação sindical a envolverem-se nas questões em agenda. A reunião de hoje dos Presidentes de CE é mais um passo neste caminho interessante de participação cívica e política fora da tutela partidária ou sindical, embora neste caso dos professores, dentro de um contexto profissional restrito, ainda que de significativa importância social.
A outra notícia, de âmbito mais alargado mas na mesma linha, prende-se com o aparecimento de um movimento cívico disposto a militar pela abstenção. A Plataforma Abstencionista, assim se chama o movimento, parece contestar os fundamentos da partidocracia instalada e propõe-se fazer da abstenção um voto de protesto contra este cenário. Segundo um dos promotores citado pelo Público, o movimento aparece ligado “a individualidades e grupos oriundos da esquerda libertária” e procurará alargar a sua base de apoio através de um conjunto de iniciativas centradas na defesa da abstenção.
As duas iniciativas parecem-me ligadas pela emergência de posições activas e organizadas fora da actividade partidária ou de instituições com tutela partidária e são indiciadoras, por um lado, de que talvez esteja a iniciar-se alguma forma de rejuvenescimento da vida cívica e, por outro lado, um aviso e uma forma de pressão para que os próprios partidos participem na mudança, se ainda forem a tempo.

sábado, 10 de janeiro de 2009

O EVANGELHO SEGUNDO S. SÓCRATES

Duas discretas notas sobre o estado da nossa democracia. A primeira, retirada do DN, refere-se a um concurso para Técnico Administrativo Principal do Instituto de Emprego e Formação Profissional. Do processo de selecção consta uma prova escrita de conhecimentos para cuja preparação é recomendado aos candidatos que, entre outros materiais, estudem um texto do Querido Líder, mais conhecido por Eng. Sócrates, sobre o Programa Novas Oportunidades. O Presidente do Instituto ouvido sobre a questão, afirma “não posso aceitar que se pense que é evangelização política” e que, “também não é um crime de lesa-pátria”. Pois não, nem sequer é crime, trata-se apenas de falta de cultura em matéria de ética política e de uma saloia atitude de subserviência e culto de personalidade.
A segunda nota, no Público, remete para uma queixa da Associação de Transportadores de Terras, Inertes Madeiras e Afins, sobre a forma como os seus associados têm sido objecto de actuação fiscalizadora por agentes sem a adequada formação. Em consequência desta acção têm sido passadas centenas de contra-ordenações alegadamente injustificadas, designadamente por deficiente leitura dos tacógrafos e utilização de balanças não devidamente aferidas. A Associação afirma poder provar estas situações incluindo testemunhos de que os agentes reconhecem falta de formação. Aqui talvez se justificasse uma iniciativa de formação no âmbito do Programa Novas Oportunidades. A confirmar-se a situação, ela exemplifica uma certa cultura de perseguição ao cidadão que se instalou na máquina fiscalizadora do estado. O princípio orientador é “Ide e multai”.

O ESPECTÁCULO DOS SEM-ABRIGO

A não ser num exercício romântico em torno da ideia do clochard francês que escolhe a rua como acto de resistência e projecto de vida, o sem-abrigo é, por natureza e condição, isso mesmo, um sem-abrigo. Numa sociedade que procura e promove os níveis de bem-estar que já atingimos e que nunca nos satisfazem, a falta de um abrigo, é, creio, a mais despojada das condições. Um abrigo, uma casa, grande ou pequena, constitui uma espécie de céu protector para cada um de nós. É também verdade, que não basta o abrigo para ser protector, nas mais das vezes, para além da falta de abrigo existe um mais sério problema de abandono e solidão.
De vez em quando, por diferentes razões, agora, uma onda de frio, há pouco tempo o Natal, descobre-se a existência de sem-abrigo nas nossas cidades, Então, durante algum tempo, aparecem ad nauseam notícias e peças televisivas, muitas vezes de um nível intrusivo absolutamente terrorista, (creio que foi ontem, durante uma peça num noticiário de rádio, ouviu-se uma voz a dizer qualquer coisa como “olhe que eu sou boa pessoa, mas se vira essa câmara para mim parto isso tudo”). Não questiono a genuína intenção das pessoas e instituições que se disponibilizam para minimizar dificuldades, muitas delas durante todo o ano, embora o problema não seja o cobertor, é o abrigo e a solidão. A minha questão é o lado voyeurista e quase predatório com que boa parte da comunicação social televisiva trata pessoas a que raramente dedica atenção. As perguntas e reportagens, sem decoro nem respeito, que esforçados e incompetentes “profissionais” realizam são quase insultuosas e atentatórias dos direitos das pessoas.
As pessoas sem-abrigo, só não têm abrigo, não são adereços fornecidos por uma qualquer produção para montar espectáculos televisivos.