Vivemos tempos sombrios em que imperam os traficantes e tudo se trafica, ética, valores, história, culturas, ideias e também pessoas, grandes e pequenas que deixam de o ser.
Numa peça do JN, responsável pela
Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF) da PSP afirma que em
Portugal estão a ser identificados mais casos de tráfico de seres humanos em
Portugal para exploração laboral e sexual e "importação" de crianças
para adopção.
Em Julho, o Grupo de
Especialistas sobre a Acção contra o Tráfico de Seres Humanos (GRETA) esteve em
Portugal para avaliar a implementação da Convenção do Conselho da Europa
relativa à luta contra o tráfico de seres humanos identificou 2211 vítimas nos
últimos seis anos.
Dados preliminares
disponibilizados ao Grupo de Trabalho pelo Observatório do Tráfico de Seres
Humanos reconhece-se que, nos últimos 20 anos, entre 2004 e 2024, apenas 25
vítimas reclamaram uma indemnização, maioritariamente por via das associações
que as apoiam no terreno sendo que apenas 11 conseguiram a satisfação do
pedido.
Há algum tempo referi aqui o
Relatório Anual de Segurança Interna relativo a 2023 no qual se referia que a
criminalidade associada à imigração ilegal e tráfico de pessoas foi a que mais
cresceu em 2023, mais 68% e 29%, respectivamente.
Na verdade, têm sido recorrentes
as referências a situações inaceitáveis de exploração e maus-tratos envolvendo
muito frequentemente cidadãos estrangeiros.
É conhecida e muitas vezes
objecto de intervenção e notícia a situação que se verifica no Alentejo, mas
não só, e que tem vindo, por várias razões, a aumentar, de exploração brutal,
condições de habitação degradantes, vitimização por redes organizadas de
“tráfico” de mão-de-obra em que se encontram milhares de cidadãos estrangeiros.
Nas primeiras levas surgiram muitos cidadãos oriundos de países de leste e
africanos e mais recentemente de países asiáticos.
A escandalosa e irresponsável
política (?!) em matéria de agricultura e ambiente estarão gradualmente a
transformar o Alentejo, o Algarve também, num deserto, mas que neste momento
alimenta quilómetros e quilómetros de culturas intensivas e depredadoras que
para já exigem mão-de-obra não existente no país e a prazo condenarão os
alentejanos a viver no deserto. Os responsáveis assobiam para o lado e, por
vezes, parecem virgens ofendidas face a algo que toda gente conhecia.
Este cenário, o tráfico de
pessoas e a exploração quase escravizante, tal como a fome, é das matérias que
maior embaraço pode causar em sociedades actuais e deveria ser algo de
improvável no séc. XXI em sociedades desenvolvidas. Parece algo “fora do tempo”
e de impossível existência nos nossos países, estamos a falar da Europa. Mas
existe e é sério o problema que, como não podia deixar de ser, atinge os mais
vulneráveis.
Este negócio, o tráfico e
exploração de pessoas de todas as idades, um dos mais florescentes e rentáveis
em termos mundiais, alimenta-se da vulnerabilidade social, da pobreza e da
exclusão o que, como sempre, recoloca a imperiosa necessidade de repensar modelos
de desenvolvimento económico que promovam, de facto, o combate à pobreza e,
caso evidente em Portugal, às enormes assimetrias na distribuição da riqueza.
Também por isso, são recorrentes as notícias de portugueses usados como
escravos em explorações agrícolas espanholas ou redes de contratação de
trabalhadores da construção civil para países do primeiro mundo europeu.
Estes tempos são marcados por
competição, diminuição de direitos e apoios sociais, pressão sobre a
produtividade. Tudo isto é submetido a um deus mercado que não tem alma, não
tem ética, é amoral e pode alimentar, sem particulares sobressaltos, algumas formas
de escravatura mais "leves" ou, sobretudo em casos de particular
fragilidade dos envolvidos, bastante pesadas.
As pessoas, muitas pessoas,
apenas possuem como bem a sua própria pessoa e os mercados aproveitam tudo. Por
isso, se compra e vende as pessoas dando-lhe a utilidade que as circunstâncias,
a idade, e as necessidades de "consumo" ou "produção"
exigirem. O que parece ainda mais inquietante é o manto de silêncio e
negligência, quando não cumplicidade, que frequentemente cai sobre este drama
tornando transparentes as situações de exploração ou escravatura, não se vêem,
não se querem ver.
Neste universo não conseguimos
ouvir o coro dos escravos, não têm voz.
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