No Público de há alguns dias, encontra-se uma entrevista com Rosário Farmhouse que termina o seu mandato como presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens. Na entrevista indicou o conflito parental bem como a violência doméstica as situações mais ameaçadoras para o bem-estar das crianças. É também interessante e inquietante a informação contida no Relatório de Actividades da Comissão relativo a 2023 e que já aqui comentei.
A questão dos conflitos parentais
surge também com contexto de conflitos entre os pais em processos de separação
e considerando a regulação parental. Em 2021 chegaram aos tribunais de família
e menores 31 181 processos cíveis relativos das responsabilidades parentais,
sendo que 11 356 (36,4%) foram por incumprimento. Foram registados 12 790 (41%)
pedidos de regulação.
Trata-se de uma situação
potencialmente causadora de enorme sofrimento em todos os envolvidos
independentemente das responsabilidades que cada um dos elementos possa ter em
todo o processo.
É uma situação também muito
complexa no que respeita à intervenção e regulação. Recordo que em 2017 o
Instituto de Segurança Social lançou em 2017 dois manuais, “Manual da Audição
da Criança” e o “Manual de Audição Técnica Especializada”, uma ferramenta de
apoio aos técnicos envolvidos em processos conflituosos de separação parental
em que estão crianças e não raras vezes em processo de sofrimento
significativo, tal como, aliás, os adultos.
É verdade, felizmente, que
existem múltiplos casos de reconstrução bem-sucedida de famílias após situações
de divórcio em que adultos e crianças encontraram forma de viverem situações de
bem-estar depois de quebrar relações anteriores. Seria esta a situação
desejável em caso de separação.
No entanto, existem muitas
circunstâncias em que os processos de separação são de grande tensão e conflito
nos quais crianças e adultos entram em processos de sofrimento muito elevados
como a peça ilustra de forma inquietante.
Os riscos que a separação dos
pais pode implicar para os filhos são alvo de recorrentes abordagens na
imprensa e no âmbito da minha experiência são também objecto de frequentes
pedidos de ajuda, orientação ou apenas inquietação.
Na maioria das situações as
coisas correm bem e é sempre preferível uma boa separação a uma má família, mas
existem separações familiares extremamente conflituosas desencadeando níveis
elevados de sofrimento e o arrastar dos processos de regulação parental com
custos emocionais muito elevados, designadamente para as crianças, mas também para os adultos.
Neste quadro, podem emergir nos
adultos, ou num deles, situações de sofrimento, dor e/ou raiva, que “exigem”
reparação e ajuda. Muitos pais lidam sós com estes sentimentos pelo que os
filhos surgem frequentemente como “tudo o que ficou” e o que “não posso e tenho
medo de também perder”. Poderemos assistir então a comportamentos de
diabolização da figura do outro progenitor, manipulação das crianças tentando
comprá-las (o seu afecto), ou, mais pesado, a utilização dos filhos como forma
de agredir o outro.
Nestes cenários mais graves podem
emergir quadros do designado Síndrome de Alienação Parental que, apesar de
alguma prudência requerida na sua análise, nem a utilização como conceito
parece consensual em termos clínicos e jurídicos, são susceptíveis de causar
graves transtornos nas crianças, daí, naturalmente, a necessidade de suporte e
ajuda.
É obviamente imprescindível
proteger o bem-estar das crianças em situações de separação, mas não devemos
esquecer que, em muitos casos, existem também adultos em enorme sofrimento e
que a sua eventual condenação, sem mais, não será seguramente a melhor forma de
os ajudar. Ajudando-os, os miúdos serão ajudados.
Assim sendo, importa estar atento
e a experiência diz-me serem frequentes as situações de separação em que os
adultos sentem insegurança e ansiedade e até exprimem a necessidade de ajuda.
Acresce que as questões relativas à família, às novas famílias, são ainda
objecto de discursos muito contaminados pelos sistemas de valores éticos,
morais, religiosos e culturais.
O volume de opiniões sobre estas
situações é extenso, oscilando entre considerações de natureza moral e/ou ética
e um entendimento mais científico sobre a forma como as famílias e sobretudo as
crianças e jovens lidam ou devem lidar com as circunstâncias. Por mim, creio
“apenas” que o(s) ambiente(s) familiar(es) deve ser suficientemente saudável
para que a criança se organize também saudavelmente e faça o seu caminho sem
uma excessiva preocupação geradora de ansiedade e insegurança em todos os
envolvidos, miúdos e crescidos.
No entanto, como sempre afirmo, há que estar atento e perceber os sinais que sobretudo as crianças mostram e, na verdade, com alguma frequência, os pais estão tão centrados no seu próprio processo que podem negligenciar não intencionalmente a atenção aos miúdos e à forma como estes vivem a situação. Pode ser necessário alguma forma de apoio externo, mas sempre encarado de uma forma que se deseja serena e não culpabilizante.
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