AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 7 de janeiro de 2024

DELINQUÊNCIA, JOVENS E EDUCAÇÃO (DE NOVO)

 No Público encontra-se uma peça que merece atenção. Dados da Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais revelam que no final de 2023 se encontravam detidos 56 jovens entre os 16 e os 18 anos, o número mais elevado desde 2013 sendo ainda relevante o aumento do número de raparigas detidas.

Sendo preocupante não é surpreendente. Como tive oportunidade de aqui referir, em Novembro passado foi divulgado o segundo relatório intercalar da Comissão de Análise Integrada da Delinquência Juvenil e da Criminalidade Violenta (CAIDJCV), coordenada por Isabel Oneto e integra elementos de diferentes ministérios.

Para além do aumento de situações é particularmente preocupante a severidade dos comportamentos, o abaixamento da idade dos intervenientes, a sensação de impunidade percebida, o nível de ocorrências de criminalidade grupal entre jovens entre outras dimensões.

É também relevante a valorização da resposta dada pelos centros educativos em comparação com a colocação dos jovens em casas de acolhimento

Tenho abordado com regularidade esta questão, delinquência e violência juvenil, e recupero mais alguns dados.

Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna de 2021 verificou-se um aumento de 7,3% do número de ocorrências e no RASI de 2022 de 50,6%. Estes números dizem respeito a factos qualificados como crimes, mas cometidos por jovens entre os 12 e os 16 anos, idade a partir da qual se pode ser responsabilizado por um ilícito criminal. Também a criminalidade grupal cresceu em 2022 (18%) relativamente ao ano anterior, contabilizando 5895 ocorrências, ou seja, mais 11,5% do que as registadas em 2019.

A criminalidade grupal tem gerado uma preocupação crescente pois tem vindo a aumentar, a envolver adolescentes cada vez mais novos e mais raparigas. De acordo com dados da PSP estes grupos são distintos dos gangues, são constituídos por três a trinta elementos, não têm organização estruturada e muitos dos seus elementos têm “insucesso escolar, famílias fragilizadas, percursos desviantes” e as vítimas são também predominantemente jovens.

Mais alguns dados relativos a 2019 considerando a violência nas relações de namoro. Um trabalho de 2020 da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) que envolveu 4598 jovens, do 7.º ao 12.º com idade média de 15 anos, mostrou que para 67% é normal algum tipo de violência e 58% já terá sofrido pelo menos um comportamento de agressão.

Relativamente ao bullying, os estudos em Portugal sugerem uma prevalência entre 10 e 25% e a OMS indica que 1 em cada 3 crianças ou adolescentes será vítima de bullying. No caso mais particular do bullying homofóbico, um trabalho da Associação ILGA Portugal (2018) envolvendo 700 jovens dos 14 e aos 20 anos, refere que 73,6% já sentiu alguma forma de exclusão intencional por parte dos colegas.

Consumo de drogas, dados de 2019. Entre os 13 e os 18 anos aumentou o consumo de drogas não canábis e no grupo de 18 anos aumentou o consumo de canábis. O número de overdoses aumenta há três anos. O consumo de álcool por jovens está a aumentar desde 2017.

Não é, pois, de estranhar o aumento de jovens entre os 16 e os 18 anos a cumprir penas de prisão.

Deixem-me insistir em duas ou três notas que retomo de reflexões anteriores.

Os estilos de vida, as exigências de qualificação têm tornado gradualmente a escola mais presente e durante mais tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com reflexos na educação em contexto familiar.

Creio que já dificilmente se entende que a “família educa e a escola instrói”.

Creio que já dificilmente se entende que a escola forma “técnicos” e não cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas. Aliás, se bem repararem falamos de sistemas de educação e não de sistemas de ensino e ainda bem que assim é.

Creio que já dificilmente se entende que o conhecimento é asséptico. O conhecimento, a sua produção e a sua divulgação, tem, deve ter, sempre um enquadramento ético e não é imune a valores.

Creio que os tempos mais recentes são elucidativos de como a abordagem de matérias como Direitos Humanos; Igualdade de Género; Interculturalidade; Desenvolvimento Sustentável; Educação Ambiental; Saúde; Sexualidade; Media; Instituições e Participação Democrática; Literacia Financeira e Educação para o Consumo; Segurança Rodoviária; Risco, Empreendedorismo; Mundo do Trabalho, Segurança defesa e paz, Bem-estar animal e Voluntariado são fundamentais ao longo do processo de formação de crianças, jovens e adultos.

Nas sociedades contemporâneas um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Considerando todo este universo parece-me claro que as matérias integradas na "Educação para a Cidadania" devem obrigatoriamente fazer parte do trabalho desenvolvido na educação em contexto escolar. Sei que, no actual contexto de problemas que a escola atravessa, é particularmente difícil responder com recursos adequados a todas as solicitações, mas é justamente por isso as políticas públicas estão obrigadas mobilizar meios e definir prioridades.

Com o mesmo objectivo será importante o desenvolvimento de programas de natureza comunitária envolvendo diferentes áreas das referidas políticas públicas.

Precisamos e devemos discutir como fazer sempre, com que recursos e objectivos, promover a autonomia das escolas, também nestas questões. Por outro lado, não acredito na “disciplinarização” destas matérias, julgo mais interessantes iniciativas integradas, simplificadas e desburocratizadas em matéria de organização e operacionalização.

Sabemos que a prevenção e programas de natureza comunitária, socioeducativa, têm custos, mas importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da pobreza, exclusão, delinquência continuada e insegurança.

2 comentários:

  1. É à escola que devemos exigir ações (lecionar matérias) contra a delinquência juvenil? Não se tem feito outra coisa. Resultados práticos disso? Nem uma palavra sobre a incompetência parental? Nem uma palavra sobre as políticas que tendem a aumentar a pobreza?
    Bom Ano!

    ResponderEliminar
  2. Olá Rui, não falo em "lecionar matérias contra a delinquência", falo numa perspectiva de escola que está definida e envolve conteúdos, não necessariamente disciplinas", relativas à cidadania e formação global. Também refiro "prevenção e programas de natureza comunitária, socioeducativa" que estão para além da escola. Bom Ano

    ResponderEliminar