AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

CONVERSAS INACABADAS

 É inevitável, os dias iniciais de Dezembro são sempre envolvidos nas memórias do meu Pai, um Homem bom. Hoje chegaria aos cem anos, uma idade bonita. Partiu também nos primeiros dias Dezembro, em 1975. Parecem muitos anos, mas não foi há muito tempo, a unidade de medida do afecto e da saudade não tem um padrão, é a de cada um.

Partiu demasiado cedo, mas não partiu sem me mostrar o que nunca viu, sem me ajudar a chegar aonde nunca foi.

Tanto que ficou por dizer e por viver.

Partiu numa altura em que acreditávamos que, finalmente, tudo seria melhor, tudo seria possível, e tudo seria melhor e possível para todos. Nos tempos de adolescência e juventude, quando nos sentíamos donos do mundo ou quando sabia que me envolvia em algo que naqueles tempos negros poderia ter algum risco, sempre me dizia, “Pensa por ti”. Não sei se pensei sempre bem, certamente não, mas acho que tenho pensado sempre por mim.

Teria gostado de nos ver a fazer pela vida, eu e o meu irmão. Havia de ter gostado de conhecer os netos e os bisnetos que certamente também gostariam de o ter conhecido e ouvido as histórias que ele nos contava, sempre inventadas. Ainda recupero essas histórias e os seus personagens, como o “Arranja Moinhos”, uma espécie de MacGyver antes do tempo, e é sempre um tempo divertido para o Tomás e para o Simão.

Era um homem tranquilo, nunca o ouvi gritar e nunca me bateu, não era habitual na época. Trazia livros da biblioteca do Arsenal do Alfeite onde era serralheiro e o jornal “A Bola” já lido pelos colegas. Ainda me lembro de assistir bem pequeno a peças de teatro no Clube Recreativo que ajudou a fundar e em que o meu pai também representava. Uma vez por ano, quase sempre no final do campeonato, íamos ao antigo Estádio da Luz, ver o nosso Benfica. Só não partilhava com ele a enorme paixão que tinha pela caça.

Continuaria a ser porto de abrigo dos sobressaltos que também fazem parte da vida da gente.

É verdade, tanto que ficou por dizer e viver.

Mas um dia destes, ainda vamos conversar todas as conversas que não iniciámos e todas as conversas que não acabámos.

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