AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

terça-feira, 14 de novembro de 2023

EDUCAÇÃO E AUTONOMIA

 O Expresso tem uma peça com o título, “Os ‘pais-helicóptero’ já chegaram à universidade” que tem levantado alguma discussão. Parece estar a verificar-se um aumento significativo da “intromissão” dos pais na vida escolar dos alunos universitários. Contactam professores e funcionários, questionam procedimentos, reclamam avaliações, etc. Algumas instituições de ensino superior já reagem a esta interferência excessiva definindo limitações.

Na peça, são expressas razões para este tipo de comportamento de muitas famílias acentuando a imaturidade ou falta de autonomia dos jovens que ingressam no ensino superior.

Na verdade, e muito antes da idade de entrada no superior, a questão da autonomia na educação e desenvolvimento de crianças e jovens é fundamental e muitas vezes aqui e em trabalho com pais a tenho abordado.

Talvez, carregando na tinta, se possa afirmar que se tem verificado uma trajectória em que crianças e jovens parecem adquirir cada vez mais conhecimentos, mas parecem menos independentes e autónomos.

De há muito e sempre que penso ou falo de educação me lembro de um texto de Almada Negreiros em que se afirma "... queria que me ajudassem, para eu não estar assim, para que fosse eu o dono de mim, para que os que me vissem dissessem: Que bem que aquele soube cuidar de si! ...". Este enunciado ilustra, do meu ponto de vista, a essência da educação, seja familiar ou escolar, em qualquer idade.

Sem acreditar na educação perfeita, nem na criança perfeita, acredito num princípio fundador da educação familiar e escolar, a promoção da autonomia e da auto-regulação desde bebé, sim desde bebé, até …  sempre.

De facto, o que se pretende num processo educativo será a construção de gente que sabe tomar conta de si própria da forma adequada à idade e à função que em cada momento se desempenha. Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", no fundo, a velha ideia de "ensinar a pescar, em vez de dar o peixe".

Parece-me fundamental que adoptemos comportamentos que favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens. No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de vida, com os valores culturais e sociais actuais, com as alterações das sociedades, questões de segurança, por exemplo, estamos a educar os nossos miúdos de uma forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua autonomia. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia. É neste contexto que devem ser colocadas, trabalhadas e decidas as dúvidas sobre o que criança, adolescente ou jovem pode ou não fazer só.

Por outro lado, crianças e jovens são permanentemente bombardeados com saberes e actividades que serão obviamente importantes para o seu desenvolvimento e para o seu futuro, mas, ao mesmo tempo, continuam “miúdos”, pouco autónomos, pouco envolvidos nas decisões que lhes dizem respeito cumprindo agendas que lhes não dão margem de decisão sobre o quê e o porquê do que fazemos ou não fazemos. Acabam por se tornar menos capazes de decidir sobre o que lhes diz respeito, dependem da "decisão” de quem está à sua volta, companheiros ou adultos.

O que se pretende num processo educativo será a construção de gente que sabe tomar conta de si própria da forma adequada à idade e à função que em cada momento se desempenha. Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", em casa, na rua ou na escola.

Um exemplo, para clarificar. Um adolescente não habituado a tomar decisões, a fazer escolhas, mais dificilmente dirá não a uma oferta de um qualquer produto ou um a convite de um colega para um comportamento menos desejável. É mais difícil dizer não do que dizer sim aos companheiros da mesma idade. Numa sala de aula é bem mais provável que um adolescente tenha um comportamento adequado porque "decida" que é assim que deve ser, do que por "medo" das consequências.

Só crianças, adolescentes e jovens autónomos, autodeterminados, informados e orientados sobre os riscos e as escolhas serão mais capazes de dizer não ao que se espera que digam não e escolher de forma ajustada o que fazer ou pensar em diferentes situações do seu quotidiano, na sala de aula, no bairro ou em casa. Este entendimento sublinha a importância de em todo processo de educação, logo de muito pequeno, em casa e na escola, se estimular a autonomia e auto-regulação dos miúdos. É que se eles não tomarem bem conta se si passaremos, pais e professores, boa parte do tempo a "tomar conta deles" e ... muitas vezes não conseguimos.

Creio que este entendimento está pouco presente em muito do que fazemos em matéria de educação familiar ou escolar e para todos os miúdos.

Todos beneficiariam, os mais novos e os adultos.

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