AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

segunda-feira, 1 de maio de 2023

O 1º DE MAIO E ESCOLA A TEMPO INTEIRO

 O título pode parecer estranho, mas vou tentar clarificar. O feriado de hoje, 1 de Maio, Dia do Trabalhador, foi estabelecido para homenagear os trabalhadores de Chicago, nos Estados Unidos, que em 1886 começaram uma greve para reivindicar o dia de trabalho com oito horas, semana de trabalho de 40 h, constituída como regra em muitos países. Sabemos ainda que parece desenhar-se uma perspectiva de encurtamento.

No entanto, entre nós, para os alunos mais novos e de acordo com o que está definido legalmente, considerando o horário curricular, as Actividades de Enriquecimento Curricular e a Componente de Apoio à Família, a estadia dos alunos na escola pode atingir bem mais de 40 horas semanais se os pais necessitarem. Muitos alunos estão mesmo nas escolas 50h ou mais por semana.

Esta situação acontece âmbito de uma inciativa, a “Escola a Tempo Inteiro”.  

Sabemos como os estilos de vida actuais colocam graves dificuldades às famílias para assegurarem a guarda das crianças em horários não escolares. A resposta tem sido prolongar a estadia dos miúdos nas instituições escolares alimentando o que considero um dos vários equívocos no universo da educação, a afirmação de uma visão de “Escola a Tempo Inteiro” em vez de “Educação a Tempo Inteiro”. O modelo é bem recebido por muitos pais e tolerado por muitos outros por falta de alternativas. No entanto e tal como o faço desde 2006, algumas notas a pensar, sobretudo, nos miúdos e nas respostas.

Para além da reflexão sobre o que acontece nesse tempo de permanência na escola e tal como se verifica noutros países, seria imperioso que se alterassem aspectos como a organização do trabalho, verificada em muitos países, que minimizassem as reais dificuldades das famílias recorrendo, por exemplo e quando possível, a teletrabalho ou à diferenciação nos horários de trabalho que em alguns sectores e profissões é possível.

É preciso um esforço enorme, equipamentos e recursos humanos suficientes e qualificados para que não se corra o risco de transformar a escola numa “overdose” pouco amigável para muitos miúdos. As dúvidas relativamente a esta questão são muitas.

É verdade que existem boas práticas neste universo, mas também todos conhecemos situações em que existe a dificuldade óbvia e esperada de encontrar recursos humanos com experiência e formação em trabalho não curricular. Acresce que boa parte das escolas, como é natural, têm os seus espaços estruturados (e por vezes saturados) sobretudo para salas de aula. Espaços para prática de actividades desportivas ou de ar livre, expressivas, biblioteca, auditórios, etc., etc., a existirem, dificilmente poderão ser suficientes para uma ocupação da população escolar alternativa à sala de aula.

Esta questão é também relevante no que respeita à qualidade e adequação da resposta a alunos com necessidades especiais.

Este obstáculo acaba por resultar com demasiada frequência na réplica de actividades de natureza escolar com baixo ou nulo benefício e um risco a prazo de desmotivação, no mínimo.

Por outro lado, tanto quanto o tempo excessivo de estadia na escola merece reflexão o risco e as implicações da natureza muitas vezes “disciplinarizada” desse trabalho, ou seja, organizado por tempos, de forma rígida próxima do currículo escolar.

A enorme latitude de práticas que se encontra actualmente, desde o muito bom ao muito mau, sustenta que também neste aspecto os dispositivos de regulação devam ser robustos e eficientes. Recordo que em muitas circunstâncias as AEC são desenvolvidas por entidades externas à escola pelo que importa assegurar a competência e responsabilidade da escola bem como a sua autonomia.

Na verdade, embora compreendendo a necessidade da resposta seria desejável que, tanto quanto possível se minimizasse o risco de em vez de tentarmos estruturar um espaço que seja educativo a tempo inteiro com qualidade, preenchido na escola ou em espaços e equipamentos da comunidade, e aqui sim, importante o envolvimento das autarquias, assistirmos à definição de uma pesada agenda de actividades que pode motivar situações de relação turbulenta e reactiva com a escola.

Ao escrever estas notas lembrei-me que em 2007 participei num debate sobre as AEC na Vidigueira em que uma professora presente referiu um episódio elucidativo. Nesse ano e na sua escola tinha sido preparado um espaço para as crianças jogarem futebol. Um dos seus alunos fez a seguinte observação. “Quando eu tinha tempo para brincar não tinha um campo. Agora tenho um campo e não tenho tempo para jogar”.

Os miúdos andavam mal-habituados é o que é. Então a escola é sítio para jogar à bola mesmo havendo campo? Não, a escola é para trabalhar.

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