AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sexta-feira, 27 de maio de 2022

SEMENTES DO MAL

 Vão negros os tempos.

Desta vez o choque e o horror aconteceram em Uvalde, Texas, Estados Unidos. Um jovem de 18 anos assassinou pel0 menos 19 crianças de uma escola primária, uma professora, tendo ele próprio sido abatido pela polícia. Provavelmente, os números serão mais elevados e os efeitos gerados nas famílias e na comunidade são devastadores.

Acrescenta-se mais um marco trágico num caminho que já vai longo, demasiado longo. Recorde-se alguns dos mais brutais, Santa Fé, Texas e Parkland, (2018), Columbine (1999), Virgina Tech (2007), ou Sandy Hook (2012) .

Em cada momento desta trágica natureza invade-nos um sentimento de perplexidade. Porquê?

No que diz respeito aos Estados Unidos a insanidade do quadro legal de acesso às armas é por demais evidente e constitui uma variável crítica que, no entanto, não explica tudo.

Acontecem com regularidade episódios desta natureza ainda que alguns com menor gravidade. Para além dos episódios que referi nos Estados Unidos também a Noruega, França ou Finlândia assistiram a grandes tragédias.

Em alguns casos, lembro-me, por exemplo, dos distúrbios de há uns anos em Inglaterra em que os comportamentos observados assemelhavam-se grotescamente a um videojogo violento com personagens reais.

Também em Portugal se têm verificado alguns casos de violência extrema envolvendo jovens, apesar de terem, felizmente, efeitos menos trágicos, levando-nos a questionar os nossos valores, modelos educativos, códigos e leis pela perplexidade que nos causam.

Esta perplexidade exige a necessidade de tentarmos perceber um processo que designo como "incubação do mal" que se instala nas pessoas, muitas vezes logo na infância e adolescência, a partir de situações de mal-estar que podem passar relativamente despercebidas, mas que insidiosamente começam a ganhar um peso interior insuportável cuja descarga apenas precisa de um gatilho, de uma oportunidade. O que se vai conhecendo do jovem envolvido nesta mais recente tragédia é por demais expressivo.

A fase seguinte pode passar por duas vias, uma mais optimista em que alguma actividade, socialmente positiva, possa drenar esse mal-estar, nessa altura já desregulação de valores, ódio e agressividade. Uma outra via em que aumenta exponencialmente o risco de um pico que pode ser um tiroteio numa escola ou noutro espaço público, a bomba meticulosamente e obsessivamente preparada ou uma investida contra alguém arriscando a entrada numa espiral de violência cheia de "adrenalina", em nome de coisa nenhuma a não ser de um "mal-estar" que destrói valores e gente. O jovem envolvido neste episódio parece corresponder ao padrão de quem “incubava o mal”, foi vitimizado e vivia entregue ao seu isolamento e mal-estar.

É evidente que a punição e a detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade perigosamente presente na nossa comunidade, mas é minha forte convicção de que só punir e prender não basta assim, como apenas a mudança do quadro legal de acesso a armas não faria, só por si, com que não acontecessem episódios desta dimensão trágica.

Sabendo que prevenção e programas comunitários e de integração têm custos, importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da violência, da delinquência continuada e da insegurança.

Importa ainda estratégias mais proactivas e eficientes de minimizar, a exclusão, o abandono e insucesso educativos, o “mal-estar” psicológico, a guetização e "quase total" e, muitas vezes, a desocupação de quem não estuda, nem trabalha. Para esta gente, o futuro passa por onde, por quem e porquê?

Finalmente, a importância de uma precoce e permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar, tanto quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho que se percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.

Nos Estados Unidos, na Noruega, na França, na Alemanha, no Brasil ... ou em Portugal.

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