Nos últimos dias tem estado na agenda mais um episódio que, apesar de lamentavelmente já não estranharmos e talvez por isso, nos faz sentir algures entre a indiferença alimentada pela regularidade de situações desta natureza e uma raiva a crescer nos dentes alimentada pela indignação. A fuga de João Rendeiro estava escrita nas estrelas, talvez com menos despudor, mas este despudor é ele próprio mais um sinal.
Os indicadores produzidos regularmente
pelo Barómetro Global da Corrupção, da responsabilidade da Transparency
International, a rede global de Organizações Não-Governamentais que em Portugal
é representada pela Transparência e Integridade mostraram que Portugal
permanece sistematicamente numa posição pouco digna, antes pelo contrário, na tabela
do índice de percepção da corrupção tendo praticamente estagnado o que segundo
a Transparência e Integridade evidencia a inexistência de uma estratégia de
combate à corrupção e aos designados crimes de "colarinho branco".
Sabe-se ainda que numa parte
muito significativa dos casos conhecidos, registados e investigados não resulta condenação. São
também regulares as referências à falta de meios e recursos humanos no sistema
judicial, mas a coisa não se altera significativamente.
Lembro também que já em Fevereiro
de 2016 a Comissão Europeia afirmava num relatório que em Portugal “não existe
uma estratégia nacional de luta contra a corrupção em vigor”. Não sei se já
temos uma estratégia nacional de combate à corrupção, somos bons a definir estratégias nacionais e até admito que sim, mas os
resultados …
No entanto, sobretudo à entrada
de cada novo governo ou em períodos pré-eleitorais, está sempre presente nos
discursos partidários a retórica que sustenta o fingimento da luta contra a
corrupção e a promoção da transparência na vida política portuguesa e,
regularmente, emergem umas tímidas propostas que mascaram essa retórica, entram
na agenda, por vezes até se dá mais um "jeitinho" nas leis (nada de
substantivo) e rapidamente tudo se apaga até ao próximo fingimento.
Do meu ponto de vista, nenhum dos
partidos do chamado “arco do poder” ou que a ele pretendem aceder, está
verdadeiramente interessado na alteração da situação actual, o que, aliás, pode
ser comprovado pelas práticas desenvolvidas enquanto poder nos diversos
patamares. A questão, do meu ponto de vista, é mais grave. Os partidos, insisto
no plural, mais do que não querer mexer seriamente na questão da corrupção e do
seu financiamento, não podem e vejamos porque não podem.
Nas últimas décadas, temos vindo
a assistir à emergência de lideranças políticas que, salvo honrosas excepções,
são de uma mediocridade notável. Temos uma partidocracia instalada que
determina um jogo de influências e uma gestão cuidada dos aparelhos partidários
donde são, quase que exclusivamente, recrutados os dirigentes da enorme máquina
da administração pública e instituições e entidades sob tutela do estado. Esta
teia associa-se à intervenção privada sobretudo nos domínios, e são muitos, em
que existem interesses em ligação com o estado, a banca, as obras públicas ou
os grandes escritórios de advogados verdadeiramente os autores da legislação
que depois irão aplicar ou sobre a qual darão, venderão, pareceres criteriosos, são apenas
exemplos. Acresce o intenso tráfego de dirigentes entre entidades públicas e privadas sem qualquer sobressalto. Os últimos anos, meses, semanas, dias, foram particularmente
estimulantes nesta matéria.
A manutenção deste quadro, que
nenhum partido estará verdadeiramente interessado em alterar, exige um quadro
legislativo adequadamente preparado no parlamento e uma actividade reguladora e
fiscalizadora pouco eficaz ou, utilizando um eufemismo, “flexível”. Assim, a
sobrevivência dos partidos, tal como estão e da praxis que desenvolvem, exigem
a manutenção da situação existente pelo que, de facto, não podem alterar.
Quando muito e para nos convencer de que estão interessados, introduzem algumas
mudanças irrelevantes e acessórias sem, obviamente, mexer no essencial. Seria
um suicídio para muita da nossa classe política e para os milhares de amigos de
diferentes cores que se têm alimentado, e alimentam do sistema.
O combate à corrupção, parece, assim,
um problema complicado e fortemente dependente da inadiável criação de uma
pressão cívica que obrigue à mudança. De quem faz parte do problema, não
podemos esperar a solução.
E assim se cumpre a pantanosa
pátria nossa amada.
DAS GREVES MARIQUINHAS
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Peço desculpa pela invasão deste espaço para fazer publicidade às primeiras publicações do meu blogue. Faço-o por não ser em proveito próprio, mas em prol de toda a classe docente. Se me for permitido continuar a fazer esta divulgação, nesta fase de arranque, prometo não ser muito reincidente nestas incursões.