No CM encontra-se uma entrevista com Pedro Caldeira da Silva, pedopsiquiatra, chefe de equipa da Unidade da Primeira
Infância do Hospital D. Estefânia e subcomissário da Saúde para o Sistema
Nacional de Intervenção Precoce da Infância da Administração Regional de Saúde
de Lisboa e Vale do Tejo, que merece reflexão. A questão abordada é o tempo
excessivo que muitas crianças passam em creche ou jardim-de-infância e os
riscos que aí podem advir.
Não considerando o actual período
de férias, as circunstâncias excepcionais que vivemos levaram, primeiro ao
encerramento das instituições e quando reabriram a uma frequência baixa. Não sabendo
ainda como será exactamente o próximo ano a questão permanece.
O entrevistado, para além da sua
experiência diária socorre-se de dados recentes que também tive oportunidade de
aqui abordar e que retomo.
Segundo o estudo do CNE, “Estado
da Educação 2018”, divulgado no final de 2019, em Portugal verifica-se um
horário de permanência de crianças dos 0 aos 3 anos e dos 3 aos 6 em
jardim-de-infância cerca de 10h mais elevado que a média europeia.
As crianças até aos 3 estão, em
média, 39,1 horas por semana, cerca de oito horas por dia, com amas ou em
creches. As com três ou mais anos estão 38,5 horas semanais em instituição. No
entanto, existem muitas crianças com tempo de permanência em cima das 12 horas
diárias.
A média europeia é de 27,4 horas
para os 0-3 e 29,5 horas para os 3-6 anos mais velhos.
Um outro dado relevante é que a
oferta de creche de em Portugal, 36.7%, é ligeiramente superior à média quer da
OCDE, 36.3%, quer da EU, 35.6%.
Este cenário parece-me traduzir
uma das consequências da inconsistência das políticas de família, ou seja,
baixo tempo de licenças parentais a colocar pressão nas famílias e na
existência de respostas e estilos de vida e modelos de organização do trabalho
que levam à permanência por tempo excessivo das crianças mais pequenas em
instituição ou, caso dos 0 aos 3, também em amas.
Esta situação a que acresce a
dificuldade em encontrar respostas e os custos elevados do acesso aos
equipamentos, boa parte privada ou da rede social, dos mais altos no contexto
europeu, veja-se o relatório "Starting Strong 2017", divulgado pela
OCDE que já aqui citei, é reconhecidamente um dos factores associados à baixa
natalidade e que, aliás, o relatório sublinha.
É recorrente a divulgação de
informação referindo a existência de muitas crianças nas listas de espera de
creches e jardins-de-infância no chamado sector social em que as mensalidades
são indexadas aos rendimentos familiares. Esta situação afecta sobretudo zonas
mais urbanas e a alternativa da resposta privada é inacessível para muitas
famílias. Contribuindo para uma oferta clandestina bem conhecida mas não
regulada.
Como tenho afirmado, não tenho
certezas sobre a obrigatoriedade da frequência mas tenho a maior convicção no
sentido de que garantir a universalidade do acesso à educação pré-escolar aos
três anos e criar respostas de qualidade, acessíveis, logística e
economicamente, às famílias para as crianças dos zero aos três anos é
imprescindível e urgente. Acentuo também a ideia de que este período, até aos
três anos, deveria também estar sob tutela do Ministério da Educação e não da
Segurança Social pois o acolhimento das crianças deve estar abrangido por um
forte princípio de intencionalidade educativa.
Sabemos como o desenvolvimento e
crescimento equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela
qualidade das experiências educativas nos primeiros anos de vida, quer
familiares, quer institucionais, de pequenino é que ...
No entanto e como o Relatório do
CNE mostra, começa a ser necessário repensar os tempos da escola, que caminha
mesmo para "escola a tempo inteiro" com uma overdose que não é
saudável para ninguém, mas uma consequência das dificuldades de concertação
entre vida familiar e vida profissional de muitas famílias. Sobra para as
crianças e este entendimento não tem qualquer juízo de culpabilização para a
maioria das famílias que, evidentemente, não têm alternativa.
A situação que temos vindo a
atravessar poderia ser uma oportunidade para reflectir sobre estes ”tempos” e o
seu preenchimento, promovendo, por exemplo, um aumento significativo
actividades ao ar livre que, obviamente, têm múltiplos benefícios.
Assim, existem áreas na vida das
pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não
existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação de qualidade
para os mais novos, quer familiar, quer institucional insisto, é uma delas.
No entanto e mais uma vez, a
educação pré-escolar é bastante mais que a “preparação” para a escola e não
deve ser entendida como uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na
escola embora se saiba do impacto positivo que assume no seu trajecto escolar.
E ainda menos deve ser experienciada em situações de risco como alerta Pedro
Caldeira da Silva.
Na verdade, as crianças estão a
preparar-se para entrar na vida, para crescer, para ser. A educação pré-escolar
num tempo em que as crianças estão menos tempo com as famílias tem um papel
fundamental no seu desenvolvimento global, em todas as áreas do seu
funcionamento e na aquisição de competências e promoção de capacidades que têm um
valor por si só e não entendidos como uma etapa preparatória para uma parte da
vida futura dos miúdos, a vida escola.
Este período, a educação
pré-escolar, educação de infância numa formulação mais alargada, cumprido com
qualidade e acessível a todas as crianças, será, de facto, um excelente começo
da formação institucional das pessoas, dos cidadãos. Esta formação é global e
essencial para tudo o que virão a ser, a saber e a fazer no resto da sua vida.
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