AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

FAMÍLIA PRECISA-SE. URGENTE!

 

O JN apresenta uma peça que merece atenção. Há dez anos que existe na lei a figura do apadrinhamento civil com o objectivo de proporcionar uma ambiente familiar a crianças institucionalizadas e que não têm projectos de adopção.

Temos ainda mais de 7 000 menores institucionalizados e ao longo destes dez anos o número de apadrinhamentos tem sido baixíssimo. Em 2019 as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens propuseram seis crianças para apadrinhamento estando quatro casos já homologados em tribunal. Este número é o mais baixo dos últimos três anos.

O mentor da lei, Guilherme de Oliveira afirma "Há dez anos, não havia quem tivesse dúvidas sobre a pertinência do apadrinhamento civil" no entanto a situação é bem diferente da esperada.

A situação não surpreende e alguns especialistas explicam a pouca adesão a este modelo pela falta de informação sobre o mesmo, incluindo profissionais que desempenham funções nesta área. Existem várias dezenas de crianças que estão institucionalizadas e que reúnem condições para o apadrinhamento civil.

Por outro lado importa considerar também como obstáculo a inexistência de incentivos às famílias que apadrinhassem crianças.

De facto, desde o início se levantou a dúvida de que o facto da lei não prever incentivos às famílias que apadrinhassem crianças institucionalizadas poderia suscitar fraca adesão. Prevaleceu o entendimento de que não seria desejável "pagar" algo que, entende-se, será da natureza dos afectos e dos valores.

Na verdade a questão é complexa. É certo que já existem famílias de acolhimento que recebem temporariamente crianças durante processos de "reabilitação" das famílias biológicas, verificando-se situações em que o acolhimento dura até ao limite legal, 21 anos. Estas famílias recebem um montante pecuniário pelo "serviço" prestado às crianças.

Embora entenda as posições que recusam incentivos pecuniários às famílias, penso que seria de considerar a sua existência sendo que os "padrinhos" poderiam prescindir desses incentivos. Também é de considerar que o peso das instituições é significativo e tal como noutras áreas apoia-se menos individualmente cidadãos e famílias e canalizam-se recursos paras as instituições, por vezes, muitas vezes com aumento de custos.

A questão é que temos de insistir na desinstitucionalização das crianças por múltiplas e bem diversificadas razões. Como exemplo, um estudo realizado pela Universidade do Minho sugere que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.

A conclusão não questiona, evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos.

Apesar de alguma evolução, ainda temos um elevado número de crianças institucionalizadas, muitas das quais sem projectos de vida viáveis pese o empenho dos técnicos. Neste universo, acresce a dificuldade enorme de algumas crianças em ser adoptadas devido a situações como doença, deficiência, existência de irmãos ou uma idade já elevada. Assim, muitas crianças estarão mesmo condenadas a não ter uma família.

Neste cenário, são altamente desejáveis diferentes modalidades que permitam que crianças, sem possibilidade de vivência nas suas famílias biológicas e sem condições de adopção, cresçam em contextos de natureza familiar mesmo que para tal se fosse necessário considerar a existência de incentivos de natureza económica pois, como há algum tempo referia uma técnica do Centro de Direito da Família e do Observatório Permanente da Adopção, "Se uma criança for desinstitucionalizada à custa do apadrinhamento civil já terá valido a pena".

Como ouvi a Laborinho Lúcio "só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”. Na verdade, muitas crianças não chegam a ser adoptadas pelos seus pais, crescem sós e abandonadas e outras nem oportunidade têm de ser adoptadas e terem pais, ou padrinhos, à sua beira.

Por outro lado, em muitas circunstâncias, citando Betelheim, "L'amour ne suffit pas".

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