AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quarta-feira, 8 de julho de 2020

DA RETENÇÃO ESCOLAR


A Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência divulgou os dados relativos ao desempenho escolar de 2018/2019. Os níveis de retenção continuam a baixar face a anos anteriores em todos os ciclos e anos de escolaridade. No entanto, alguns anos ainda apresentam taxas de retenção elevadas. O 12.º ano é ainda o ano com mais alta taxa de reprovação, 22.6% (cerca de 15 000 alunos) ainda assim bem longe de 52.5% de 2001.
Para além do 12.º, o 2.º e o 7.º continuam a ter as taxas de reprovação mais altas. De registar que no 2.º ano a retenção atinge ainda 4.9%.
Apesar de estar a enfatizar o copo meio cheio importa ainda sublinhar que a tradição se mantém, a forte associação entre os resultados escolares e o estatuto socioeconómico dos alunos. A taxa de conclusão do secundário em três anos nos alunos sem apoios da Acção Social Escolar é 60% em 2017/2018 face a 45% nos alunos integrados no escalão A (o mais vulnerável) da Acção social escolar.
Existem também alguns dados relativos ao ensino secundário no que respeita aos cursos profissionais que merecem reflexão noutras notas.
Para além das habituais afirmações de paternidade relativamente à responsabilidade pela melhoria a única ilação possível é que o trabalho de alunos e professores foi melhor sucedido. Também é de aguardar os eventuais efeitos da forma como decorreu este ano lectivo nos resultados finais dos alunos.
É ainda de realçar que apesar de ter melhorado, o 2.º ano ainda apresenta uma taxa elevada. 4.9%, estamos a falar do “lançamento falhado” de trajectos escolares bem-sucedidos para cerca de 5 000 crianças.
Esta situação merece reflexão e intervenção mais particulares.
Os dados mostram, pois, que o caminho está a ser feito, mas que muito ainda está por fazer. Assim, as políticas educativas caminhem no sentido desejado, apoios atempados e competentes a dificuldades de alunos e docentes, recursos adequados, diferenciação de práticas e formas de organização e funcionamento sustentadas na autonomia de escolas e dos professores, desburocratização, etc.
A questão da retenção escolar e dos seus eventuais efeitos desencadeia sempre alguma disparidade nas análises e discursos que com frequência contêm alguns equívocos. Retomo algumas notas já aqui referidas.
No Relatório “Estado da Educação, 2017” do CNE constavam estes dados analisados em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos no âmbito do Projecto aQeduto incluindo a dimensão económica na questão da retenção escolar cujo impacto era estimado em cerca de 6000 € por aluno em cada ano.
Adaptando o modelo desenvolvido pela Education Endowment Foundation, o Projecto aQeduto identificou o grau de eficácia e custo económico de um elenco de medidas de combate ao insucesso. Das medidas analisadas, a retenção tem o custo mais elevado e a eficiência é negativa, promove um atraso de 4 meses. Ensinar a estudar é a medida mais económica, 87€, e mais eficiente, promove um ganho de 8 meses de aprendizagem.


Estes dados são importantes, mas a sua substância não é nova.
Recordo que no Relatório “Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed” divulgado pela OCDE também em 2017 se evidencia que o “chumbo”, a retenção, é para os alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam …, mas não melhoram. 
De facto, definitivamente, não adianta discutir se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás, gera mais insucesso conforme de há muito os trabalhos sobre o insucesso escolar mostram.
Confesso sempre alguma surpresa e dificuldade em compreender quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam sem saber". A leitura das caixas de comentários às notícias sobre estas questões é elucidativa.
Nesta conformidade e do meu ponto de vista, a questão central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou o número de exames, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.
Este discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste. Pelo contrário, “facilitismo” é acreditar que a retenção, só por si, promove o sucesso escolar.
É essencial promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que inibe o objectivo da mobilidade social. A associação entre o insucesso e a pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus. Em Portugal os bons alunos são os que mais trabalham em casa, TPC e explicações, dado a que, evidentemente, não é alheio ao nível de escolaridade dos pais e ao estatuto económico. É necessário também diversificar percursos de formação com diferentes modelos curriculares e carga lectiva finalizando sempre com algum tipo formação profissional. Esta diferenciação não deve acontecer em idades precoces criando percursos irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a escola" e "preguiçosos".
A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a estruturação oportuna e competente de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.
É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.
Como nota final a ideia de que é também neste quadro que entendo dever ser considerado o Plano de não Retenção no Ensino Básico anunciado pelo ME, liberto do tsunami de inovações que, por vezes, de novo têm nada, liberto do mantra da flexibilidade que nem sempre chega à sala de aula, liberto dos riscos de uma "municipalização" que fragiliza a autonomia de escolas e agrupamentos, liberto da burocracia platafórmica ou grelhadora que produz desânimo e ineficiência.

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