AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sexta-feira, 14 de junho de 2019

AS PROVAS DE AFERIÇÃO AFEREM?


Nos últimos dias encontrámos na imprensa dois textos de opinião centrados nas provas de aferição. No Observador, Alexandre Homem Cristo designou-as como “A pior decisão do Governo na Educação” numa terminologia que não estranho dada a linha editorial e no Público, Paulo Guinote escreveu sobre “A aferição inútil”.
Qualquer dos textos merece reflexão, aliás, colocam questões comuns e em linha como o que aqui tenho escrito sobre as provas de aferição desde que que foi conhecido o actual modelo. A reintrodução das provas de aferição, desenvolveu-se com vicissitudes dispensáveis e com um modelo e conteúdos que me levantaram e levantam alguma reserva embora considere genericamente que as provas de aferição são uma opção correcta, designadamente no 1º e 2º ciclo.
Não sou defensor de mudanças sucessivas, muitas vezes … só por mudar, sem avaliação que sustente a mudança e sem rumo que a oriente mas acho que vale a pena ir reflectindo nesta matéria a partir da experiência que já se acumulou. Neste sentido algumas notas.
A realização de exames finais, sobretudo nos anos iniciais da escolaridade, mais do que ser uma ferramenta de aprendizagem, que não o é, cumpre uma função imprescindível em qualquer sistema educativo, a avaliação externa.
Neste sentido, retirar os exames finais do 4º e do 6º ano, sendo uma medida que me parece adequada, sobretudo no 4º, obrigaria a criar dispositivos externos de regulação que nos dessem “retratos”  robustos e comparáveis dos trajectos escolares.
Seria esta a função da reintrodução das provas de aferição. Só que o modelo decidido não cumpre esta função, não parece, de facto, uma avaliação de aferição. Dado que ainda não foi alterada, a Lei de Bases do Sistema Educativo define que o ensino básico se organiza numa lógica de ciclo e não de disciplina como o secundário.
Assim, uma avaliação externa de aferição teria de ser realizada no ano final de cada ciclo e não nos anos intermédios, 2º, 5º e 8º ano, os alunos estão a meio do seu caminho de um ciclo.
A argumentação foi de que, realizadas nestes anos, a identificação de dificuldades e a devolução de resultados permitiriam a correcção de trajectórias futuras dos alunos. Certo, neste caso a avaliação não é de aferição mas de diagnóstico. No entanto, espera-se que diariamente nas salas de aula os professores realizem, mais formal ou mais informalmente, avaliações desta natureza, mais formativa, pois é a mais sólida ferramenta que possuem de regulação do trabalho dos alunos e do seu próprio trabalho.
Acresce que, como referem AHC e PG a rotação em cada ano das disciplinas envolvidas nas provas não permite estabelecer de forma sólida dados comparativos que permitam perceber eventuais ajustamentos na trajectória dos alunos.
A função de verdadeira aferição, regulação externa, com este modelo fica ainda mais comprometido se considerarmos que com a recente Portaria 181/2019 as escolas terão, do meu ponto de vista bem, a possibilidade de gestão autónoma (ainda que dependa de aprovação do ME claro, sabe-se lá o que poderiam fazer com a “autonomia”) de uma fatia do currículo superior aos 25% do projecto de flexibilização experimentado.
Neste quadro, parece-me, tal como sustentam AHC e PG, que dificilmente o actual modelo de provas de aferição cumprirá a sua imprescindível função de avaliação externa.
Como não quero acreditar que seja esse o objectivo julgo que com tempo, sem sobressaltos, com envolvimento de professores e escolas, com uma avaliação, também externa, deste modelo, deveríamos ir equacionando o seu ajustamento.

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