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sexta-feira, 28 de junho de 2019

A SAÚDE MENTAL, PARENTE POBRE DAS POLÍTICAS DE SAÚDE


Num trabalho do Conselho para os Direitos Humanos da ONU que merece atenção são divulgadas um conjunto de recomendações dirigidas à intervenção em saúde mental.
Neste relatório é enfatizada a necessidade de uma fortíssima e urgente alteração no modelo de resposta. Deve recorrer-se menos à institucionalização e à medicação e mais a uma abordagem de natureza social com particular atenção a fenómenos como pobreza desigualdade e exclusão que alimentam discriminação
Estas perspectivas não são novas mas carecem de operacionalização, o consumo de psicofármacos é elevadíssimo e a institucionalização não é a resposta adequada para boa parte dos casos.
No que a nós respeita, segundo o Relatório do programa da União Europeia "Joint Action on Mental Health and Well-being" divulgado em 2015, Portugal estava muito longe do desejável no que respeita à prestação de cuidados no domicílio e serviços na comunidade a pessoas com doença mental. Estima-se que menos de 20% dos doentes tenha acesso a este tipo de cuidados.
A ausência de respostas adequadas leva a um recurso excessivo à prescrição de psicofármacos mesmo em situações não justificadas como tem sido recorrentemente demonstrado.
Também de 2015, o estudo Trajectórias pelos Cuidados de Saúde Mental em Portugal, promovido pela Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental defendia que o encerramento, positivo entenda-se, dos hospitais psiquiátricos não foi acompanhado da criação de serviços na comunidade pelo que a desinstitucionalização falhou e “agravou os problemas de muitos doentes”. Afirmava-se no Relatório que a Rede de Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental não se concretizou e escasseiam os recursos.
Parece claramente mais ajustada a aposta em equipas comunitárias e apenas um número reduzido de camas para situações mais críticas de adultos ou crianças para as quais faltam de facto, camas levando ao seu inaceitável internamento em serviços para adultos.
Na verdade e como se sublinha Relatório, as orientações actuais e matéria de saúde mental, quer do ponto de vista científico, quer do ponto de vista dos custos, determinam que a qualidade e eficácia deste tipo de apoios, deve, tanto quanto possível, assentar em estratégias de proximidade, aproximando, assim, o serviço clínico da comunidade e da vida quotidiana das pessoas.
Os modelos defendidos pela comunidade científica actual, a defesa dos direitos humanos e da qualidade de vida, tornaram insustentável a manutenção das grandes instituições psiquiátricas que encerravam muitas câmaras de horrores e casos de isolamento e privação. Ainda me lembro do incómodo causado por visitas realizadas no início da minha formação ao Hospital Júlio de Matos. Este universo é bem retratado no mítico “Jaime” de António Reis e Margarida Cordeiro.
No entanto, este movimento de retirada das pessoas com doença mental das grandes instituições não está a ser devidamente suportado pela criação de unidades locais que providenciem apoio terapêutico, social e funcional tão perto quanto possível das comunidades de pertença dos doentes e com o mínimo recurso ao internamento.
Tal opção, parece claro, cria sérios obstáculos aos processos de reabilitação e inserção comunitária acentuando ou mantendo os fenómenos de guetização das pessoas com doença mental e respectivas famílias.
Não estranho, os doentes mentais são os mais desprotegidos dos doentes, pior, só os doentes mentais idosos. Os custos familiares e sociais da guetização são enormes e as consequências são também um indicador de desenvolvimento das comunidades.

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