AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

UMAS REGUADAS SÓ FAZEM É BEM. SERÁ?


Depois de ouvir os pais, uma escola nos EUA decidiu introduzir o castigo físico como forma de disciplinar os alunos. O castigo é realizado com uma palmatória que, lê-se no DN citando as regras definidas, “não poderá ter mais de 60 centímetros de comprimento, 15 centímetros de largura e 19,05 milímetros de espessura. Além disso, o uso da palmatória tem o limite máximo de três palmadas. O estudante será levado para um escritório de porta fechada. O estudante vai colocar as mãos sobre os joelhos ou uma mobília e será atingido com a palmatória nas nádegas”.
Algumas notas retomando um texto que escrevi para a Visão.
Se bem estão recordados, no âmbito da polémica relativa ao programa “Supernanny” e sempre que na imprensa se refere comportamentos menos positivos de crianças ou adolescentes são inúmeros os comentários e discursos sobre a alegada falência das famílias na definição de regras e limites nos comportamentos de crianças e adolescentes. Muitos destes discursos e comentários têm sido acompanhados de referências ao facto de não se recorrer a umas “palmadas”, à “pedagogia do chinelo” ou outras variações no mesmo tom, com uns “tabefes” a coisa resolvia-se.
As alusões às dificuldades das famílias ou da escola na regulação dos comportamentos de crianças e adolescentes podem ser justificáveis  mas a ideia de lidar com estas dificuldades através do bater parece-me na verdade preocupante para além da sua potencial ineficácia. Ninguém pode garantir que foram ou que são as “tareias” que constroem pessoas de bem.
Aliás, gostava de recorrer a um trabalho desenvolvido pela Universidade de Pittsburgh nos EUA divulgado na Child Development em 2017 que acomodando diferentes variáveis seguiu 1482 alunos durante nove anos e evidenciou uma relação sólida entre o que foi considerado “parentalidade severa” (recorrer com regularidade ao gritar, bater ou outro tipo de comportamento coercivo, além de ameaças físicas e verbais como forma de punição) e baixo rendimento escolar e problemas de comportamento nas crianças envolvidas nesse “modelo” de educação familiar.
Considerando agora de forma mais particular o recurso regular ao “bater” como ferramenta educativa, importa sublinhar que desde 2007 o Código Penal Português estabelece no Artº 152 a proibição dos “castigos corporais” como também acontece em muitos outros países.
Sabemos e não esquecemos que os “castigos corporais” podem ir da mais ligeira palmada à mais pesada tareia e também sabemos que bater é um tipo de comportamento inscrito na prática de muitas famílias na sua relação educativa com os filhos.
Aliás, com base no peso cultural deste comportamento a França ainda não seguiu a recomendação do Conselho da Europa de proibir os castigos corporais a crianças. A então Secretária de Estado da Família do Governo Francês afirmou há algum tempo em entrevista à AFP e ao Le Monde que não pretendia proceder a alterações pois uma parte da população é favorável aos castigos corporais e não quer "dividir o país em dois campos: os que são pela palmada e os que são contra.”
A Senhora Secretária entendia ainda que "persiste uma tolerância baseada no costume, a do direito de correcção, que é aceite desde que seja ligeira e tenha um fim educativo"
Na verdade e como dizia, os castigos corporais ainda são uma "ferramenta" educativa em muitas famílias e, é conhecido, também em instituições que acolhem crianças sendo que mesmo que no âmbito da justiça a questão é complexa.
Recordo a título de exemplo que em 2014 o Tribunal da Relação do Porto absolveu pais que comprovadamente agrediram o filho de 11 anos com um cinto infligindo danos corporais de alguma gravidade. A razão de tal comportamento prendeu-se com resultados escolares e o facto de fumar. Cito do Público, “Os juízes desembargadores entenderam que embora sendo “o comportamento dos pais de censurar”, não pode ser considerada a “forma qualificada” no crime de ofensa à integridade física por não haver "aquele acrescido e especial juízo de reprovação, indispensável" para o considerar como tal. Assim, sendo apenas aceite a “forma simples” da agressão, o Ministério Público não poderia ter deduzido acusação, os pais foram absolvidos.”
A ver se nos entendemos, bater em crianças não é uma actividade educativa, o comportamento gera comportamento, aliás, também se sabe que crianças que foram batidas são frequentemente pais que batem.
A este propósito recordo que o Papa Francisco declarou numa intervenção pública em 2015 que entende que quando um pai bate num filho e não lhe bate na cara está a agir com dignidade, respeita a criança e educa-a. Confesso que sinto alguma dificuldade em compreender como um comportamento de violência dirigido a uma criança possa ser algo de digno.
No entanto e dito tudo isto, também entendo que comportamentos inadequados ou incompetentes não significam necessariamente que estejamos perante pessoas, pais, más ou incompetentes.
Todos nós, alguma vez, agimos de uma forma menos ajustada ou adequada com os nossos filhos e isso não nos transforma em pessoas más, significa que somos apenas pessoas, que somos imperfeitos, por assim dizer e para utilizar uma expressão actual.
No entanto, em contextos escolares importa considerar que os técnicos têm como mediador na relação com os comportamentos das crianças conhecimentos e balizas éticas e deontológicas que colocam a questão dos castigos físicos num outro plano.
Assim sendo, creio que devemos ser cautelosos, quer na defesa da "estalada educadora", quer na diabolização definitiva de pais que numa situação eventualmente esporádica e de tensão assumem um comportamento de que podem ser os primeiros a arrepender-se.
Esta nota, não branqueadora ou desculpabilizante de nada, pode não ser particularmente simpática mas estou cansado, tanto de discursos de legitimação do efeito "educativo" da violência dirigida a crianças, como de discursos demagógicos e, por vezes hipócritas, que clamam pelo "crucificação" cega de uma pessoa, o outro que bate, mas são produzidos por gente desatenta ou mesmo autora ou apoiante doutros comportamentos dirigidos a miúdos tão indignos quanto a "estalada" ainda que menos visíveis.
Finalizando, embora saiba que a legislação mesmo quando é imperativa é entendida como indicativa e, portanto, desrespeitada como temos tantos exemplos em várias matérias é bom não esquecer que estamos a falar de direitos, não de opiniões.

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