AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quinta-feira, 15 de março de 2018

QUERIDA FAMÍLIA, AMIGOS E PROTECTORES


As participações de sobre situações de crianças em risco à Linha SOS-Criança do Instituto de Apoio à Criança diminuíram 10% em 2017. No entanto, aumentaram as participações relativas a abusos sexuais.
Sendo de registar a diminuição global de participação, um sinal de uma comunidade mais atenta e protectora, é preciso insistir e manter toda a capacidade de atenção e prevenção. Com alguma regularidade vão sendo conhecidas situações de abusos sexuais sobre crianças e adolescentes, a maioria em situações envolvendo familiares, amigos ou conhecidos da crianças ou famílias e também instituições que lidam com as menores.
Esta circunstância decorre de um aspecto que me parece fundamental não esquecer nunca e que os dados agora divulgados também sustentam. A maioria dos abusos sexuais sobre crianças ocorre nos contextos familiares e envolve família e amigos, não em instituições que, provavelmente na sequência do caso Casa Pia, até se terão tornado mais atentas e eficazes na prevenção de abusos, embora continuem, evidentemente, a acontecer como tem sido divulgado. Os indicadores sugerem que entre 70 a 80% das situações de abuso a responsabilidade é de alguém que a criança conhece e em quem confia. Como diz Manuel Coutinho do IAC, "A família deve ser o local mais seguro que a criança tem e por vezes é lá que corre os maiores perigos".
Apesar das mudanças verificadas em termos legais e processuais, a fragilidade ainda verificada na criação de uma verdadeira cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam expostos a sistemas de valores familiares que toleram e mascaram abusos com base num sentimento de posse e usufruto quase medieval.
Muitas crianças em situação de abuso no universo familiar ou por pessoas conhecidas ainda sentem a culpa da denúncia das pessoas da família ou amigos, a dificuldade em gerir o facto de que pessoas que cuidam delas lhes façam mal e a falta de credibilidade eventual das suas queixas bem como das consequências para si próprias, uma vez que se sentem quase sempre abandonadas e sem interlocutores em que possam confiar ou ainda o medo das consequências da denúncia.
A este cenário acrescem os riscos que as novas tecnologias vieram introduzir, sendo conhecidos cada vez mais casos em que a internet é a ferramenta utilizada para construir o crime.
Neste quadro, para além da eficiência do sistema de justiça, continua a ser absolutamente necessário que as pessoas que lidam com crianças, designadamente na área da saúde e da educação, sejam capazes de “ler” os miúdos e os sinais que emitem de que algo de menos positivo se passa com eles.
Esta atitude de permanente, informada e intencional atenção aos comportamentos e discursos dos miúdos é, do meu ponto de vista, uma peça chave para minimizar a tragédia dos abusos sobre as crianças e o enorme sofrimento provocado.

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