No DN deparo com o seguinte
título “Alunos que estudaram com tablets tiveram sucesso escolar de quase 100%”. No desenvolvimento da notícia refere-se um trabalho com duas turmas de ensino
secundário de uma escola de Lisboa que participaram durante dois anos no projecto
Tablets no Ensino e na Aprendizagem, da Fundação Calouste Gulbenkian no fim do
qual 97,4% dos alunos “passaram de ano”.
Esta forma de olhar para as novas
tecnologias entendendo-as como uma poção mágica para a aprendizagem recorrendo a uma expressão de que gosto particularmente, “mete-me espécie”.
Os tablets, só por existirem e
estarem na sala de aula não promovem sucesso, é a forma como são utilizados por
professores e alunos que potencia a qualidade e os resultados desse trabalho.
Aliás, o mesmo se pode dizer de qualquer outro recurso ou actividade no âmbito
dos processos de aprendizagem. Não foi a presença dos tablets que promoveram o
sucesso, foi o trabalho desenvolvido socorrendo-se privilegiadamente de uma
ferramenta, os tablets.
Registando a satisfação com os
bons resultados de alunos e professores acho, no entanto, que devemos ter
alguma prudência e bom senso na forma como olhamos para esta questão.
Em primeiro lugar e como já
escrevi a actual onda de referências à “inovação”, “novas maneiras de ensinar”,
“projectos”, “mudança,
Ajustar algo na forma como se faz
adequando ao tempo em que se faz não é o mesmo que inovar, fazer qualquer coisa
de novo. Aliás e no que respeita às novas tecnologias em educação, já assim as
designamos há algumas décadas. Lembram-se do Projecto Minerva entre 1985 e
1994? Curioso.
Vejamos outros olhares.
Um trabalho realizado pelo Departamento
de Economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) divulgado em 2016
conclui que nas turmas em que os alunos não usam computadores nas salas de aula
os alunos obtêm melhores resultados do que em turmas em que podem usar as novas
tecnologias de forma aberta ou com alguma restrição.
Também no Volume V do Relatório
PISA 2012, era evidenciada uma relação entre o desempenho na resolução de
problemas e a presença do computador na sala de aula, sugerindo os dados que a
relação é negativa, ou seja, o uso do PC não faz aumentar a capacidade de
resolução de problemas.
Esta "constatação", do
meu ponto de vista e considerando o que o Relatório refere (pg. 73 e
seguintes), dever ser considerada com precaução pois não sabemos como é
"usado" o PC na sala de aula, ou seja, dizer que se usa é curto para
saber em que termos, em que actividades, com que intensidade, com que objectivos,
etc. Só com dados desta natureza seria possível estabelecer uma relação sólida
entre o uso do PC e das suas potencialidades na sala de aula e os resultados na
resolução de problemas.
Por outro lado, são inúmeros os
estudos que lhes apontam vantagens e a discussão continua em aberto.
Neste contexto e como já tenho
afirmado, considerando o que se sabe em matéria de desenvolvimento das crianças
e adolescentes, dos processos de ensino e aprendizagem e da sua complexa teia
de variáveis, das experiências e dos estudos neste universo, mesmo quando
parece contraditórios parece-me claro que:
1 – O contacto precoce com as
novas tecnologias é, por princípio, uma experiência positiva para os miúdos,
para todos os miúdos, se considerarmos o mundo em que vivemos e no qual eles se
estão a preparar para viver. Nós adultos estamos a pagar um preço elevado pela
iliteracia, os nossos miúdos não devem correr o risco da iliteracia
informática. Para muitos miúdos foi a única forma de acederem a estes
dispositivos, conheço várias situações
2 – O computador/tablet na sala
de aula é mais uma ferramenta, não é A ferramenta, não substitui a escrita
manual, não substitui a aprendizagem do cálculo, não substitui coisa nenhuma, é
“apenas” mais um meio, muito potente sem dúvida, ao dispor de alunos e
professores para ensinar e aprender e agilizar o acesso a informação.
3 - O que dá qualidade e eficácia
aos materiais e instrumentos que se utilizam na sala de aula não é a tanto a
sua natureza mas, sobretudo, a sua utilização, ou seja, incontornavelmente, o
TRABALHO DOS PROFESSORES é uma variável determinante. Posso ter um computador
para fazer todos os dias a mesma tarefa, da mesma maneira, sobre o mesmo tema,
etc. Rapidamente se atinge a desmotivação e ineficácia, é a utilização adequada
que potencia o efeito as capacidades dos materiais e dispositivos.
4 – Para além de garantir o
acesso dos miúdos aos materiais é fundamental disponibilizar a formação e apoio
ajustados aos professores sem os quais se compromete a qualidade do trabalho a
desenvolver bem como, evidentemente, assegurar as condições exigidas para que o
material possa ser rentabilizado.
5 – Finalmente, como em todo o
trabalho educativo, são essenciais os dispositivos de regulação e avaliação do
trabalho de alunos e professores.
Não há poções mágicas em educação
por mais desejável que fosse a sua existência.
Estive ligado ao projeto em apreço, uma vez que representei um dos parceiros mais ativos. Concordo com o que refere e dir-lhe-ia mais: os títulos das notícias sobre este assunto são enganadores (especialmente a capa do DN), porque não foi isso que foi comunicado pelos autores do estudo - os autores sublinharam a impossibilidade de generalizar os resultados e questionaram a própria correlação entre o uso do tablet e o alegado "sucesso educativo". Acresce que também ficou por dizer o que estava no tablet e as ferramentas a que estes alunos e professores tiveram acesso (posso dizer-lhe: foram predominantemente manuais em formato digital do Grupo Porto Editora e a plataforma mais usada foi a Escola Virtual). E é importante saber-se que existiu formação para professores e sensibilização para a restante comunidade. Em suma, como refere, os tablets, por si mesmos, não fazem coisa nenhuma pela educação ou pelo quer que seja. O seu valor depende do que fazemos com eles e, não menos importante, a que é que os tablets nos permitem aceder e usar.
ResponderEliminarOlá Rui, agradeço a informação e o comentário. O sentido do meu texto foi justamente valorizar o trabalho e opções didácticas e pedagógicas dos docentes e não alimentar o "pensamento mágico" relativamente às "novas tecnologias" que, aliás, já não são tão novas assim independentemente da vertiginosa e contínua subida das suas capacidades e performances.
ResponderEliminarBoa tarde, Fernando. Quanto à necessidade que por vezes existe de empolar a importância da tecnologia na educação, já estamos vacinados... Parabéns aos autores do projecto por referirem a existência de outras variáveis (provavelmente mais importantes).
ResponderEliminarFelicito-o pelo toque dado nesse ponto extraordinariamente sensível que é o lápis ou a caneta. Sabe que as ideias mais carregadas de imaginação só me saem pelo canal que as conduz da mente à ponta do lápis? Até parece que cada gesto da mão as desenha num casamento perfeito entre este e a mente.
As ideias não fluem do mesmo modo: através do lápis fluem e sorriem; com o teclado parece terem dificuldade e saltar das “pontas dos dedos” para as teclas.