AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

terça-feira, 22 de março de 2016

PODERÍAMOS VIVER SEM O "ESQUEMA" MAS ... NÃO ERA A MESMA COISA

O mais inquietante é que casos como o que hoje se divulga na Câmara de Oeiras já não nos conseguem surpreender. Estes comportamentos fazem parte do habitual funcionamento da nossa comunidade.
De facto, nos mais variados sectores o recurso à “borla”, ao “jeitinho”, ao “eh pá um gajo tem que se safar”, um “favorzinho”, uma “palavrinha” que facilita o negócio ou o procedimento, etc., etc., são uma constante.
É uma questão de escala.
Do BPN/SLN ao BPP e ao BES, dos gestores e do mau uso de dinheiros públicos, das PPPs ruinosas para os contribuintes e uma mina para o investimento privado, das negociatas e tráfico de influências e amiguismo, do enriquecimento sem justificação, do ex-Primeiro-ministro que não sabia que deveria fazer descontos para a Segurança Social e envolvido em manhosas tecnoformices com a ajuda de “Dr.” da “mula ruça”, do ex-Primeiro-ministro acusado de corrupção, do cartel presente em várias áreas, dos jobs for “the boys and girls” com o cartão certo, da falsa baixa médica, enfim, de tudo o que lamentavelmente conhecemos se conclui que é apenas umas questão de escala, entre os cêntimos e os milhões, muitos milhões.
Trata-se, pois, de um comportamento generalizado e com o qual, do meu ponto de vista, parecemos ter uma relação ambivalente, uma retórica de condenação, uma pontinha de inveja dos dividendos que se conseguem e a tentação quotidiana de receber ou providenciar uma "atençãozinha" ou pedir ou dar um jeito, sempre “desinteressadamente", é claro.
Por outro lado, também não acreditamos que exista verdadeira vontade política de combater algumas das dimensões mais pesadas, por assim dizer, deste universo. Veja-se, por exemplo, o que tem sido na Assembleia da República a narrativa no sentido de legislar sobre o enriquecimento ilícito.
A teia de interesses que ao longo de décadas se construiu envolvendo o poder político, a administração pública, central e autárquica, o poder económico, o poder cultural, a área da justiça e segurança, parte substantiva da comunicação social e muito do nosso funcionamento quotidiano, dificulta seriamente um combate eficaz e mudança cultural nesta matéria.
Este combate passará, naturalmente, por meios e legislação adequada, mas passa sobretudo pela formação cívica que promova uma outra cidadania.
Acontece que, também por aqui não vai ser fácil, a formação cívica desapareceu dos conteúdos curriculares obrigatórios. Já não precisamos, entenderam na 5 de Outubro, temos formação cívica que chegue.
Certamente que poderíamos viver sem o “esquema”, mas não era a mesma coisa.

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