Existem algumas matérias na
educação que por várias razões entram regularmente na agenda. Uma dessas
matérias é a questão dos "trabalhos de casa" e uma outra bem recente e ainda em
aberto tem a ver com “os exames”.
Por outro lado, talvez fruto do
clima de fortíssima crispação que nos últimos anos envolve a educação, os
debates e as ideias também tendem a ser crispados, com opiniões
definitivas e sem margem de entendimento. Um exemplo muito claro que me deixa
perplexo tem sido encontrar regularmente afirmações, mesmo na chamada imprensa de referência,
de que a “esquerda” é contra os exames e a “direita” é a favor dos exames. É
difícil abordar estas questões de forma mais disparatada. Eu, por exemplo, que
sempre achei indispensável a avaliação externa em todos os ciclos de ensino mas
dispensáveis os exames finais do 4º ano pertenço à “esquerda” ou à “direita”?
Serve esta introdução para
retomar a questão dos “trabalhos de casa” que são objecto de dossier aberto no
Público e que merece ser acompanhado.
Certamente virá a questão, contra
ou favor dos TPCs? Retomo notas antigas algumas de um trabalho também o Público
procurando reflectir sobre a questão sem qualquer visão fundamentalista.
Segundo a OCDE num trabalho "Does homework perpetuate inequities in
education?" produzido com base em dados recolhidos no âmbito do PISA nos
anos de 2003 e 2012 os alunos portugueses de 15 anos, dado de 2012, gastam em
média 4h semanais na realização de trabalhos de casa, menos uma hora que em
2003 e menos uma hora que a média dos 38 casos estudados pela OCDE.
Do meu ponto de vista, os dados
mais relevantes deste relatório remetem para o facto de que os alunos com
famílias de meios sociais e económicos mais favorecidos gastarem mais 2 horas
em trabalhos de casa que os seus colegas com famílias de estatuto mais baixo o
que, sublinha a OCDE, poderá alimentar a falta de equidade.
Neste contexto, parece-me
pertinente recordar que o nível de escolaridade dos pais, em Portugal em
particular da escolaridade da mãe conforme dados recentemente divulgados, é um
fortíssimo preditor do sucesso escolar dos filhos. Um recente trabalho da
responsabilidade conjunta da Fundação Francisco Manuel dos Santos e do CNE
mostrou que que nove em cada dez alunos com insucesso escolar são de famílias
pobres.
Estes dados sustentam o
entendimento de que os trabalhos de casa correm o sério risco de alimentar
desigualdade de oportunidades e obriga-nos a reflectir sobre a sua utilização.
Parece-me também importante o
facto de que no nosso sistema educativo os alunos do 1º, 2º e 3º ciclo podem
passar 8 ou 10 horas diárias na escola considerando o tempo lectivo, as
Actividades de Enriquecimento Curricular e a Componente de Apoio à família, (no
limite algumas crianças poderão estar 55 horas semanais na escola, uma
enormidade). Este tempo de permanência na escola é um dos mais longos dos
países da OCDE e vai também envolver os alunos até ao 9º por decisão do actual
ME. Acresce que em muitas circunstâncias, muitos alunos têm ainda Trabalhos
Para Casa que, nas mais das vezes, são a continuação ou a réplica de trabalhos
escolares, ou seja mais do mesmo.
Não tenho nenhuma posição
fundamentalista, insisto, mas creio que deve distinguir-se com clareza o
Trabalho Para Casa e o Trabalho Em Casa. O TPC é trabalho da escola feito em casa,
o trabalho em casa será o que as crianças podem fazer em casa que, não sendo
tarefas de natureza escolar, pode ser um bom contributo para as aprendizagens
dos miúdos. O que acontece mais frequentemente é termos Trabalhos Para Casa e
não Trabalho Em Casa.
Os TPCs clássicos têm ainda o
problema de colocar com frequência os pais em situações embaraçosas, querem
ajudar os filhos mas não possuem habilitações para tal.
A propósito, numa reunião de pais
em que participava e se discutia esta questão, dizia uma mãe, “o senhor, da
maneira que fala, se calhar é capaz de ajudar o seu filho, mas na minha casa,
chora a minha filha e choro eu, ela porque quer ajuda, eu porque não sou capaz
de lha dar.” Colocar os pais nesta posição parece-me inaceitável.
Torna-se, pois, necessário que
professores e escolas se entendam sobre esta matéria, diferenciando trabalho de
casa, igual ao da escola, de trabalho em casa, trabalho em que qualquer pai
pode, deve, envolver-se e é útil ao trabalho que se realiza na escola.
Tudo isto considerado. o recurso
ao TPC deveria avaliar se o aluno, cada aluno, tem capacidade e competência
para o realizar autonomamente, por exemplo, o treino de competências
adquiridas. Na verdade, porque milagre ou mistério, uma criança que tem
dificuldade em realizar os seus trabalhos na sala de aula, onde poderá ter
apoio de professores e colegas, será capaz de os realizar sozinha em casa? Naturalmente
tal só acontecerá com a ajuda dos pais ou, eventualmente, de
"explicadores" a que muitas famílias, sabemos quais, não conseguem
aceder.
No entanto, do meu ponto de
vista, sobretudo nas idades mais baixas, o bom trabalho na escola deveria
dispensar o TPC. É uma questão de saúde e qualidade de vida.
Parece ainda de sublinhar que os
estudos sugerem que "é sobretudo a qualidade das aulas, mais do que o
tempo global de aprendizagem que está associado ao sucesso na aprendizagem.
Aliás, no citado relatório da OCDE também se conclui que não há uma relação
significativa entre o número médio de horas gastas nos TPCs e os resultados
escolares.
Retomando a questão em aberto
pelo Público dos TPC nas férias da Páscoa algo que já afirmei também numa colaboração
com a imprensa, as férias devem ser isso mesmo, férias sem as mesmas rotinas e
os mesmos trabalhos do tempo escolar.
Actividades como leitura, por
exemplo, não é um TPC, um dever a cumprir, é algo que se deve incentivar. A leitura
é só um exemplo.
Andaríamos melhor se reflectíssemos sem preconceitos e juízos fechados sobre questões desta natureza.
É um crime o que se está a fazer às nossas crianças. Seria interessante que os professores que despejam TPC ao Kilo os tivessem que corrigir, um a um, aluno a aluno. Talvez assim mudassem de atitude.
ResponderEliminarHaja bom senso.
E que fazer Alexandre? Quer entre muitos pais, quer em muitas escolas o TPC faz parte da cultura.
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