AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

segunda-feira, 7 de março de 2016

ENTRE O NADA E A MIGALHA ESCOLHO A MIGALHA

O presidente da CIP, António Saraiva, afirma em entrevista ao Diário Económico que “Mais vale ter trabalho precário que desemprego”.
Creio que a boa parte das pessoas, sobretudo as que melhor sabem ou sentem as dificuldades económicas e indignidade do desemprego tenderão a concordar com esta afirmação.
Acontece no entanto que como tem sido recorrentemente divulgado existe um conjunto de situações  no universo do trabalho e emprego que deve ser considerado e não pode ser mascarado.
É frequente, por exemplo, a utilização abusiva e escandalosa de estágios profissionais não remunerados, sobretudo de jovens qualificados, situação que permite aos empregadores aceder a mão-de-obra gratuita por alguns períodos de tempo, expediente que podendo ter impacto nas estatísticas não muda a vida das pessoas, antes pelo contrário, é um atentado à sua dignidade e direitos.
Por outro lado, a precariedade nas relações laborais quase duplicou na última década. Portugal é o segundo país da Europa, a seguir à Polónia, com maior nível de contratos a prazo. Por outro lado, as políticas de emprego em curso continuam a insistir na maior flexibilização das relações laborais o que apoia a afirmação de António Saraiva, evidentemente.
Neste cenário, os desequilíbrios fortíssimos entre oferta e procura em diferentes sectores, a natureza da legislação laboral favorável à precariedade e insensibilidade social e ética de quem decide ou emprega, promovem a proletarização do mercado de trabalho mesmo em áreas especializadas ou mesmo o recurso a uma forma de exploração selvagem com uma maquilhagem de "estágio" sem qualquer remuneração a não ser a esperança de vir a merecer um emprego pelo qual se luta abdicando até da dignidade.
Acontece ainda que alguns dos vencimentos que se conhecem, atingindo também camadas altamente qualificadas, não são um vencimento, são um subsídio de sobrevivência.
É justamente a luta pela sobrevivência que deixa muita gente, sobretudo jovens sem subsídio de desemprego e à entrada no mundo do trabalho, sem margem negocial, altamente fragilizadas e vulneráveis, que entre o nada e a migalha "escolhem” a "migalha", ou mesmo uma remota hipótese de um emprego no fim de período de um indigno trabalho gratuito. Como é evidente esta dramática situação vai de mansinho alargando e numa espécie de tsunami vai esmagando novos grupos sociais e famílias.
É um desastre. Grave e dramático é que as pessoas são "obrigadas" a aceitar. Os mercados sabem disso, as pessoas são activos descartáveis.

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