A imprensa de hoje divulga um estudo da Faculdade de
Psicologia e Educação da Universidade de Coimbra em colaboração com entidades
estrangeiras segundo o qual 8% por cento dos adolescentes portugueses que frequentam o 8.º e o 9 º ano apresentam sintomatologia depressiva e 19% estarão em risco de desenvolver a doença. O estudo contempla um programa de prevenção a promover em meio escolar, com a participação dos pais, que parece indiciar
bons resultados.
A saúde mental, designadamente, no que se refere a crianças
e adolescentes é, do meu ponto de vista uma área desvalorizada e um parente pobre das políticas de saúde pública. Acontece que os
dados disponíveis apontam para maior número de casos e de crianças mais novas
afectadas. Algumas notas, sublinhando a importância e oportunidade
desta questão.
Em Maio de 2014, o Expresso relatava que em 2013 se tinham
registado cerca de 20 000 novas consultas de pedopsiquiatria, mais 30% que em
2011. É um indicador preocupante e ainda mais preocupante pela inexistência de
resposta adequada e acessível para muitas crianças e adolescentes.
Recordo também que em 2014 foi noticiada a interrupção dos
apoios a crianças e adolescentes da região do Algarve pois o programa de que
beneficiavam, Grupos de Apoio à Saúde Mental Infantil, que já tinha merecido
prémios de boas práticas, foi suspenso em vez de ser generalizado. Esta
suspensão foi obviamente sentida com grande inquietação por famílias e
profissionais.
Em 2012 esteve em Portugal um especialista nesta área,
Peter Wilson, que, naturalmente, referia a necessidade de que nas escolas e na
comunidade próxima existam apoios aos professores, às famílias e às crianças
com dificuldades emocionais, a única forma, entende, apoiado na sua
experiência, de minimizar e ajudar neste tipo de problemas que, não sendo
acautelados, têm quase sempre efeitos devastadores em termos pessoais e
sociais. Segundo Peter Wilson, os estudos em Inglaterra sugerem a existência de
três crianças com problemas do foro emocional em cada sala de aula pelo que o
apoio é muito mais eficaz e económico prestado na escola ou na comunidade
próxima a alunos, famílias e professores. Este entendimento é partilhado,
creio, pela generalidade dos profissionais e famílias, também em Portugal e os
dados conhecidos apontam nesse sentido.
Suspender um programa de apoio a situações de doença mental
em crianças e adolescentes, reconhecidamente de qualidade, é algo de
inquietante mas, como se vê não é a única fonte de inquietação.
Há algum tempo a imprensa referia a inexistência de camas
nos serviços de pedopsiquiatria que possam acomodar adolescentes em
tratamento o que leva a que em muitas circunstâncias adolescentes sejam
internados em serviços de adultos o que na opinião dos especialistas pode ser
uma experiência "traumatizante" sendo, aliás, contrárias às boas
práticas de qualquer país civilizado em matéria de saúde mental. A propósito
recordo que de acordo com o relatório "Portugal Saúde Mental em
Números 2013", só 16,2% das pessoas com perturbações mentais ligeiras
e 33,8% das que sofrem de perturbações moderadas recebem tratamento em Portugal.
Está nos livros e nas experiências que em situação de crise
os mais vulneráveis, crianças e adolescentes, por exemplo, são,
justamente, os mais sofredores com as dificuldades. Acresce que, actualmente,
se verifica em muitos agregados familiares e em contextos escolares a
emergência de discursos que pressionam os mais novos no sentido de atingirem a
excelência nos resultados escolares ou em qualquer actividade “importante” pois
será, dizem, a “única” forma de atingir um patamar de sucesso futuro.
Como se sabe e a experiência mostra, muitas crianças e
adolescentes não suportam tranquilidade esta pressão o que se repercute no seu
bem-estar e na sua saúde mental. Para complicar um pouco mais, ainda se
verifica que algumas pessoas desvalorizam estes fenómenos, entendendo que é
preciso ser exigente e bem sucedido e não entendendo o sofrimento de algumas
crianças e jovens.
Por outro lado é também conhecida a enorme dificuldade que
muitas instituições que acolhem menores estão a passar dificultando a
resposta com a qualidade bem como a possibilidade de responder a novas
situações.
Os miúdos nas famílias, preferencialmente, ou nas
instituições, necessitam de um aconchego, um ninho, uma qualidade de vida que
os cuidadores, por diversas razões, não sabem, não querem, não podem ou não são
capazes de providenciar. Tal cenário implica riscos fortíssimos de compromisso
do seu futuro pelo que os apoios e resposta não podem, não devem, falhar.
Como o povo diz, é de pequenino que se torce o … destino.
Obrigada, caro Zé Morgado, pelo excelente texto. Gostei muito de ler. Muito pertinente este assunto da saúde mental, que é, como bem escreveu, desvalorizada. Penso que as consequências acabarão por vir ao de cima, aliás, tenho para mim que já estivemos bem mais longe que tal coisa aconteça.
ResponderEliminarJá estão aí, Maria Madeira.
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