AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 28 de dezembro de 2014

A PARKER DE INHAMBANE

A leitura tardia de um texto no Público sobre as canetas que os políticos usam e em particular a referência à ligação de Paulo Portas às Parker e a referência de Ramalho Eanes também a três Parker herdadas do pai, em particular da Parker 61que tinha usado para dar posse ao I Governo Constitucional, em Julho de 76 e da qual acabou por “perder” o rasto, lembrei-me de uma história passada longe, muito longe daqui e que envolve uma Parker.
Já por várias vezes lhes falei das minhas deambulações pela terra da Boa Gente, Inhambane, em Moçambique, pois a história passou-se por lá.
Nas três semanas que lá passei, estive alojado numa casa ao cuidado de um anjo da guarda, o Sr. Bata, que zelava pelo meu bem-estar, aliás, a minha primeira dificuldade foi convencê-lo que conseguia ir trabalhar sem “matabichar” um bife com batatas fritas, salada e ovo às seis e trinta da manhã. Consegui, não sem alguma luta que o “mata-bicho” se transformasse em fruta e chá, embora ele não se mostrasse muito convencido de que aquilo era alimento suficiente para um XXL.
Mas a história de hoje remete para o hábito fantástico que o Sr. Bata tinha de encontrar expressões surpreendentes para demonstrar uma apreciação superlativa sobre qualquer coisa, por exemplo a sua velhice traduzia-se nas rugas bem vincadas que, dizia, significavam sabedoria, sendo que cada ruga era mais ou menos o saber de uma bíblia, dizia, com um sorriso de orelha a orelha.
Uma vez, logo no princípio da estadia, perguntei-lhe se sabia ler, respondeu, quase ofendido, que o fazia muito bem sendo mesmo capaz de fazer “até à última letra”.
Na mesma linha, perguntei-lhe se sabia escrever e a resposta foi ainda mais curiosa. O Sr. Bata com um enorme sorriso de orgulho disse-me, “escrevo tão bem como se fosse com uma Parker”. Fiquei surpreso e, por coincidência, tinha uma esferográfica Parker que fazia companhia a uma de tinta permanente, o meu utensílio de escrita habitual, pelo que lhe dei a esferográfica, para, finalmente, o Sr. Bata escrever com uma Parker e até à última letra.
Ainda me lembro dos olhos dele, parecia que olhava para algo de sagrado e, para meu espanto, levantou-se, estávamos de conversa na rua à noite, foi para a sala e pendurou a Parker num prego onde estava um “quadro” que tirou.
Enquanto lá estive e durante a correspondência que mantive com ele até o tempo o levar para um destino que não conheço, sempre me foi dizendo que a Parker lá continuava pendurada na parede para poder olhar para ela.

Despeço-me como ele sempre se despedia antes da deita, “tenham uma noite açucarada”.

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