AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 3 de agosto de 2014

REFORMAS E REFORMADOS

"Vinte anos para gozar a vida de reformado"

No Público de hoje surge um trabalho que me toca de perto, a entrada na idade sénior, por assim dizer, da geração nascida entre 1945 e 1964 e os desafios que se colocam. Estou justamente a meio deste intervalo, nasci em 54.
No trabalho sublinha-se alguns aspectos importantes como o aumento de longevidade que já permitirá a esta geração um tempo mais significativo de vida após o termo da carreira profissional ou ainda as alterações culturais extraordinárias a que fomos assistindo de que de vez em quando, aliás, dou por aqui testemunho, designadamente, no que se refere à área que melhor conheço, a educação.
No entanto parece-me importante que também esta geração ao terminar a sua carreira profissional também enfrenta algo de novo, um corte muito pesado nos rendimentos que durante muitos anos deu como adquirido por via dos descontos realizados. Acrescem outras alterações como a permanência ou o retorno dos filhos a casa por falta de meios para vida autónoma e, consequentemente, um reagrupar de gerações sob o mesmo tecto que talvez não fosse antecipado.
Do meu ponto de vista merece especial interesse o abaixamento de rendimentos pelo impacto na qualidade de vida dos últimos anos desta geração, a minha.
Na verdade, a condição de reformado, a idade de passagem à reforma e os rendimentos dos reformados entraram na agenda por variadíssimas razões, desde a sustentabilidade dos sistemas de segurança social, à demagogia insensata e insensível do Primeiro-ministro sobre a relação entre descontos e reformas, a mais antiga e disparatada referência de Cavaco Silva ao seu insuficiente rendimento de reformado, que, aliás, o fez, tal como à Presidente da Assembleia da República, escandalosamente, preferir o rendimento das suas reformas ao miserável vencimento de Presidente.
Também no universo dos pensionistas e reformados, de forma coerente com o que é habitual entre nós, as assimetrias são gritantes.
Sabemos todos da existência de um reduzido número de pessoas com pensões ou reformas milionárias e de como algumas dessas figuras acumulam despudoradamente vencimentos e reformas ou pensões, mas a grande maioria das pessoas reformadas ou pensionistas está longe desses patamares de rendimento e condições de vida.
Há uns meses foi divulgado um relatório de uma agência europeia mostrando que os preguiçosos portugueses são os que mais trabalham depois dos 65 anos em toda a União Europeia. Tal situação decorre do desejo de se manterem activos, contrariando a tese da preguiça, mas, sobretudo, pela insuficiência da maioria das reformas, perda de rendimentos provocada pela política em curso, ou seja, continuam a lutar pela sobrevivência. Estava a escrever isto e a lembrar-me do Velho Zé Marrafa lá do Meu Alentejo que começou aos nove anos a guardar porcos, já está reformado, mas precisa de continuar na lida seis dias por semana e vai nos 73 anos.
Recordo que em 2009, com perto de 2 milhões de pensionistas, o valor médio das pensões era de 385 € e só Lisboa e Setúbal apresentavam valores médios acima do salário mínimo nacional, 450 €, em 2009. A assimetria era fortemente evidenciada pelo facto de a pensão média mais a baixa, a de Bragança, ser de 272 € e a mais alta, a de Lisboa, ser de 504 €. Só quatro concelhos, Lisboa, Setúbal, Porto e Aveiro apresentam valores médios das pensões acima do limiar de pobreza.
A situação actual ter-se-á obviamente agravado para muitos milhares de pessoas sendo que aqueles que não viram as pensões ou reformas alteradas as têm com valores baixíssimos e insuficientes para os retirar da situação de pobreza. Trata-se, ao que parece, do início da refundação do estado social.
Provavelmente apelando à responsabilidade social dos reformados, não tardará um apelo a um movimento de voluntariado no sentido de continuarem a trabalhar, mas com o actual salário substituído pela reforma, bem mais baixa, é claro.
As comunidades, de uma forma geral, não estão preparadas com equipamentos e respostas para seniores e os melhores são inacessíveis proliferando a oferta clandestina com situações degradantes que vão sendo conhecidas com regularidade. O equipamento social mais utilizado por muitos seniores é a sala de espera dos Centros de Saúde contexto em que também se consome grande parte dos seus rendimentos.
Lamentavelmente, boa parte dos velhos, sofreu para chegar a velho e sofre a velhice.
Não é um fim bonito para nenhuma narrativa.

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