AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

terça-feira, 10 de junho de 2014

MEU CARO PORTUGAL

Meu caro Portugal,

Neste 10 de Junho, dia em que te comemoras, aqui estou a escrever-te, de novo. Se bem te recordas a carta que te enviei o ano passado não era particularmente optimista. Tinha razão, lamentavelmente. O ano foi complicado para muita gente, para demasiada gente.
Como sabes, conhecemo-nos há umas décadas. Quando te conheci eras um tipo tristonho, cinzento, com a tua gente calada e com medo de quem em ti mandava. A partir de certa altura, entraste em guerra e a nossa relação complicou-se, assim como a situação de toda a gente. Nesses tempos, o resto do mundo vivia longe e todos nós, que te habitávamos, nos sentíamos distantes de tudo e tudo era difícil de conseguir.
Um dia, tu mudaste. De repente, ficaste a cores, o longe ficou perto, a tristeza ficou alegre, o impossível parecia possível. Foram os tempos da brasa, dizíamos. Tudo era depressa, tudo era ontem, até a guerra. Foi um tempo para descobrir, transgredir, aprender e progredir. Para a democracia, finalmente. Lembras-te? Fizemos as pazes.
Meu caro Portugal, a poeira entretanto começou a assentar e entrámos na chamada normalidade democrática, campanhas, eleições, mudanças de governo, desenvolvimento, etc. Apesar de alguns solavancos fomos mantendo uma relação tranquila. Então, juntaste-te a outros mais desenvolvidos, a União Europeia, e perdeste um bocado a voz que gostávamos de ouvir, por nós. Para um tipo pequeno como tu, pode ter sido boa ideia, embora, é preciso dizê-lo, a entrada na "CEE" também tenha estado associada a uma devastadora e irresponsável destruição nas áreas das pescas, agricultura e indústria de que ninguém assume a responsabilidade.
E aqui estamos meu caro, mais velhos, sabes que entretanto passei à condição mágica de avô, e com uma relação como a que os velhos amigos têm. Zangamo-nos, fazemos as pazes, zangamo-nos de novo e, de novo nos entendemos. Quando me afasto de ti sinto saudades, quando estou contigo aborreces-me e vamos andando nisto.
Ultimamente, tenho-te sentido diferente. Pareces-me mais desalentado, triste e com muita desesperança nos rostos. É certo que a situação à tua volta também não ajuda e contigo as coisas não vão bem, mas é importante que te sintas com futuro. Isso para nós é fundamental, para nos sentirmos bem contigo. Embora nos digam para partir, é contigo que gostamos de estar.
Se bem te lembras na carta que te enviei o ano passado já te dizia que não te sentia bem, achava-te em baixo, como diz o teu povo, hoje, acho mesmo que não estás nada bem. Nestes últimos anos continuou instalada por todo o mundo uma complicada situação a que tu também não tens conseguido fugir e que piorou. Muita gente sem trabalho, vamos envelhecendo sem esperança em dias melhores. Os tempos vão crispados, feios, marcados pela indignidade da pobreza.
As lideranças que acolhes também não têm sido capazes de promover a esperança, parecem mais parte do problema que parte da solução. Entretêm-se nos jogos da política pequenina, provavelmente por falta de competência para a política grande. Como se não bastasse a crise instalada ainda foi aparecendo uma rapaziada, todos bons amigos, a gerir estruturas e empresas públicas que acumulam tantos prejuízos como essa rapaziada acumula prémios que, em decisões difíceis de entender, terão de ser pagos com o dinheiro e sacrifícios do cidadão, prejuízos e prémios. Os casos de corrupção e manhosices dos pequenos e grandes poderes não têm fim e ninguém parece substantivamente empenhado em contribuir para que terminem.
Ao que dizem, para colocarem as tuas contas em ordem, colocaram a nossa vida em desordem, têm-lhe chamado austeridade e tem que ser assim, custe o que custar, dizem. Dizem que vivíamos acima das nossas possibilidades mas agora, muitos de nós vivem abaixo das necessidades.
Pois é meu caro e velho Portugal, estás a atravessar um período nada fácil. Alguns com responsabilidade mas sem visão sugerem que talvez fosse melhor ir embora de ti. Na verdade, é o que está acontecer a muita gente nova, procurar a sorte noutras paragens, noutras aragens, como cantava o Manuel Freire. O futuro aqui parece inacessível mas, como já te disse, é aqui que gostamos de ser gente.
Que está a acontecer meu velho? Os adultos de “baixa” ou desempregados como nunca tivemos, os jovens perdidos, sem projecto de vida e ao que dizem “à rasca” e os velhos a lutar pela sobrevivência. Não pode ser, temos que dar a volta a isto. Apesar de pequeno tens que protestar, não podemos ser apenas uma feitoria de quem não considera as pessoas mas os mercados. Não podemos aceitar não ter futuro meu caro, temos que nos organizar para um projecto de futuro.
Espero que para o próximo ano te possa encontrar em melhor estado. Até lá recebe um abraço de confiança. 


10 de Junho de 2014

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