AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quarta-feira, 19 de março de 2014

O INFERNO NA ESCOLA. O direito ao optimismo

Algumas notas a propósito do lançamento dos livros de Maria Filomena Mónica sobre "o inferno" das salas de aula. Apesar de me parecer interessante e imprescindível a reflexão, não simpatizo com a visão catastrofista sobre a escola pública que temos, na qual cabem os "retratos" apresentados por Filomena Mónica mas, é preciso afirmar, também cabem trajectos bem sucedidos de professores e alunos. O trabalho realizado por Filomena Mónica não permite caracterizar a escola pública correndo riscos sérios de alimentar equívocos aparecendo mascarado de ciência.
O universo da educação tem vindo durante décadas a funcionar como uma espécie de caos organizado. O organizador deste "caos" é a deriva política em que os caminhos da educação se transformaram. Na verdade, a educação tem sido um terreno privilegiado do funcionamento da partidocracia ao sabor de agendas que, frequentemente, não coincidem com o bem estar comum e operadas por equipas que, nas mais das vezes, produzem catadupas de legislação e mudança sem coerência ou competência, a que os fortíssimos interesses corporativos presentes no universo da educação reagem positiva ou negativamente conforme os seus interesses são, ou não, contemplados.
A actual equipa, chefiada por Nuno Crato que entrou em funções usufruindo de um estado de graça conseguido com bastante habilidade no trabalho de opinador e com a promessa de "implodir" o Ministério, parece bem mais no caminho de fazer implodir a educação e o ensino público através do desinvestimento e de um caminho de privatização cada vez mais claro.
A um discurso mascarado com as mágicas palavras de rigor, exigência e qualidade que seduzia enquanto opinador bem acolhido por um sistema e uma opinião pública e publicada a viverem o período delirante de Maria Lourdes Rodrigues e Isabel Alçada, tem-se seguido a definição de uma política educativa que, em aspectos essenciais, se afigura uma ameaça ao direito constitucional de uma educação de qualidade para TODOS os indivíduos em idade escolar com consequências devastadoras no clima e funcionamento das escolas.
Sabemos e compreendemos a necessidade de combater o desperdício e conter gastos. Não compreendo nem aceito que medidas como os mega-agrupamentos, o aumento de alunos por turma, as mudanças curriculares que parecem, acho que são, desenhadas para poupar horas docentes, a unidade de gestão do ensino, contribuam para a qualidade do sistema que o Ministro Crato vê certificada por exames, exames, exames e mais exames que se constituem como um crivo que irá expelindo todos os miúdos que nele caiam e que acabarão num qualquer campo de "trabalhos manuais".
Por outro lado, boa parte dos discursos produzidos pelos representantes dos professores ou dos funcionários, são quase que exclusivamente centrados numa visão corporativa de questões profissionais, o que não se estranha, naturalmente, é a sua vocação. No entanto, esses discursos surgem, excessivas vezes, capturados pelos interesses das agendas dos interesses da partidocracia subjacente, ficando pouco clara a preocupação com a qualidade dos processos educativos.
Num país em que a literacia e a maturidade cívica que sustentam a solidez e a força de posições de crítica e exigência são deficitárias, a maioria dos pais está demitida do envolvimento nos movimentos representativos dos pais pelo que as minorias mais activas assumiram essa posição que sendo legítima não é eficaz e representativa obedecendo, por vezes nitidamente, a agendas outras. Os outros pais, a maioria e, sobretudo, os mais preocupados com os seus miúdos relacionam-se com a escola em função, obviamente, das particularidades individuais dos seus educandos.
Finalmente e no que respeita aos alunos, parece-me importante sublinhar que o quadro que descrevi anteriormente, as consequências dos modelos de desenvolvimento que têm sido seguidos, os sistemas de valores que temos vindo a definir, não podem deixar de se reflectir na relação que estabelecem com a escola, ou, melhor dizendo com parte da vida da escola.
É por esta ordem de razões que, a não alterarmos modelos e valores de participação cívica, discursos e práticas políticas, mais centradas no bem comum e menos centradas nos interesses da luta pelo poder, dificilmente imagino que tenhamos, mesmo, um Ministério da Educação centrado no que é essencial, orientação e regulação, com um aparelho leve e eficaz, e o trabalho educativo centrado em escolas autónomas, responsáveis e responsabilizadas perante as comunidades locais.
No entanto, não posso deixar de registar uma palavra de optimismo. Apesar deste "caos organizado", professores e alunos têm conseguido produzir um trabalho notável de recuperação de resultados e competências que os estudos internacionais sublinham.
O meu filho fez toda a formação escolar, do pré-escolar ao superior, no sistema público, com os sobressaltos próprios destes processos mas também com o sucesso que o trabalho dele e dos professores mereceu.
Quero confiar que o meu neto, agora a começar a ser gente, possa seguir o mesmo caminho, frequentar uma escola pública em que confiamos e acreditamos que o leve ao futuro.

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