A presidente da Associação Nacional dos
Professores de Matemática expressa a maior perplexidade e preocupação, chama-lhe
"vergonha" e um "retrocesso de 40 anos no ensino", com a
decisão do MEC de suspender os Programas de Matemática em vigor no 1º ciclo
anunciando a entrada em discussão pública em breve de um novo programa a
utilizar já no próximo ano lectivo e de acordo com as inenarráveis metas
curriculares. O MEC sustenta a bondade das metas curriculares e dos bons
resultados obtidos que, no entanto, não reconhecidos pela especialista da ANPM. No caso do
Português, alguns trabalhos desenvolvidos, cito o da Professora Dulce Gonçalves
da Universidade de Lisboa, evidenciam a desadequação e os problemas criados
pelas metas curriculares.
Este alerta não é novo. Há uns meses a ANPM já
tinha alertado para que as metas curriculares não só “contrariam
substancialmente o programa de Matemática do ensino básico”, em vigor desde 2007
e que só agora tinha terminado a sua generalização até ao 9º ano, como implicam
“desvalorização de capacidades de exigência cognitiva mais elevada, como a
compreensão e a aplicação de conhecimentos e a resolução de problemas”,
privilegiando “a memorização dos factos e procedimentos”. Afirmou ainda que
representam um retrocesso no ensino comprometendo os resultados positivos que
os últimos dados dos estudos comparativos internacionais demonstraram.
Ainda sobre este tema, relembro que também os
autores do Programa de Matemática expressaram a sua posição crítica, assim como
a Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática referiu a
desactualização das metas curriculares estabelecidas e criticou o facto de se terem substituído as metas de aprendizagem em fase de experimentação sem o óbvio
processo de avaliação.
Não tem problema, o MEC muda os programas.
Como já referi, não tenho conhecimentos para
analisar a bondade de argumentação sobre os conteúdos das metas, mas, como já
fiz, retomo algumas notas de natureza mais genérica.
As metas curriculares podem funcionar como uma
ferramenta orientadora e muito útil para o trabalho de alunos e professores mas
para que isso aconteça deverão ser de simples utilização e operacionalização.
Vejamos o exemplo do 1º ciclo no caso da
Matemática.
São definidos 3 domínios que se desdobram como
segue. No 1º ano, em 8 sub-domínios, 13 objectivos e 62 descritores, no 2º ano
em 11 sub-domínios, 22 objectivos e 82 descritores, no 3º ano em 11
sub-domínios, 22 objectivos e 98 descritores e no 4º ano em 6 sub-domínios, 15
objectivos e 81 descritores o que em síntese corresponde a 72 objectivos e 323
descritores para Matemática do 1º ciclo.
Se juntássemos Português teríamos um total de 177
objectivos e 703 descritores. Por anos, temos: no 1º ano 33 objectivos e 143
descritores; no 2º, 47 objectivos e 168 descritores; no 3º, 51 objectivos e 202
descritores e no 4º, 46 objectivos e 190 descritores. É obra, uff.
Por outro lado, como também já escrevi, a lógica
de elaboração das metas curriculares remete para uma lógica de ano de
escolaridade e não de ciclo como prevê a Lei de Bases, ou seja os objectivos
são definidos para o ciclo e não para o ano, aliás, os exames, tão caros ao
MEC, acontecem exactamente no final de ciclo. A definição exaustiva de metas
curriculares por ano de escolaridade faz emergir o risco de uma leitura
fechada, relembro que serão obrigatórias a partir de 2013/2014.
Este entendimento pode levar a que o ensino se
transforme na gestão de uma espécie de "check list" das metas
estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias,
entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem o que culminará, antecipa-se,
com a realização de exames todos os anos. Aliás, neste contexto é preocupante a
afirmação dos autores das metas curriculares, de que estas estabelecem o que os
alunos deverão imprescindivelmente revelar, “exigindo da parte do professor o
ensino formal de cada um dos desempenhos referidos nos descritores”.
Este cenário, aplicado a turmas do 1º ciclo, com
26 alunos (os agrupamentos e mega-agrupamentos assim o determinarão em muitos
casos), algumas com alunos de diferentes anos de escolaridade, com ritmos e
assimetrias nos seus percursos e competências, deixa-me uma imensidade de
dúvidas sobre a aplicação das metas curriculares, tal como estão definidas, não
esquecendo que ainda faltam as respeitantes às outras áreas do currículo.
Se por acaso algum ou alguns professores do
1ºciclo lerem estas notas, gostava de saber a sua apreciação.
Apesar do MEC acenar com a referência aos modelos
anglo-saxónicos como selo de qualidade, o que está longe de acontecer, devo
confessar que estou apreensivo tal como os autores do Programa de Matemática que
estava em vigor, a Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática
e a Associação Nacional dos Professores de Matemática.
A Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM), afirma que só se justificaria a revogação do programa de Matemática se "nesta altura, se tiver sido detectada alguma impossibilidade legal de aplicar as metas curriculares no próximo ano lectivo”, o que não parece verificar-se produzindo-se uma desnecessária turbulência.
A Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM), afirma que só se justificaria a revogação do programa de Matemática se "nesta altura, se tiver sido detectada alguma impossibilidade legal de aplicar as metas curriculares no próximo ano lectivo”, o que não parece verificar-se produzindo-se uma desnecessária turbulência.
Não sou Professor, mas sou pai de uma criança de 6 anos, e de facto após ler o que escreveu fico ainda mais preocupado com o futuro do meu filho.
ResponderEliminarEu quero acreditar que este ainda pode ser um país a levar a sério e com futuro, quero mesmo. Mas, infelizmente, as pessoas que tomam decisões neste país demonstram todos os dias a sua enorme incompetência.
Parabéns pelo seu artigo.
Vamos ser optimistas, pelo seu filho, pelo meu neto e por todos os miúdos que batem diariamente à porta das escolas, eles precisam do nosso optimismo mas também, é verdade, da competência de quem gere os destinos da comunidade.
ResponderEliminarPosso dizer uma coisa:
ResponderEliminarQue o programa que seguiram os actuais miúdos de 18, 19 anos não estava bem, não estava. Quanto ao outro, o de 2007, ainda não tive ocasião de apreciar os efeitos a posteriori
Muito mais importante do que qualquer remodelação de programas ou formação de professores, é o apoio familiar que é determinante na formação de qualquer aluno, neste particular em Matemática. Se o seu filho de 6 anos tem, neste momento, um computador e/ou televisão e/ou consola de jogos no quarto ou sala de estudo, garanto-lhe, com mais de 90% de garantia que dificilmente terá bom sucesso escolar...
ResponderEliminarO atual programa de Matemática só no final deste ano letivo termina a sua generalização a todo o País. Sem ser avaliado foi substituído por outro que se reduz a meras Metas Curriculares. Os algoritmos e as tabuadas sempre estiveram nos programas. O uso cauteloso da calculadora sempre foi recomendado. Mas agora apareceu muito mais. Leiam o programa e tentem imaginar o que é aprender logo no primeiro ano de escolaridade:
ResponderEliminar"Verificar que dois conjuntos têm o mesmo número de elementos ou determinar qual dos dois é mais numeroso utilizando correspondências um a um."
"Associar pela contagem diferentes conjuntos ao mesmo número natural, o conjunto vazio ao número zero e reconhecer que um conjunto tem menor número de elementos que outro se o resultado da contagem do primeiro for anterior, na ordem natural, ao resultado da contagem do segundo."
"Utilizar o termo «ponto» para identificar a posição de um objeto de dimensões desprezáveis e efetuar e reconhecer representações de pontos alinhados e não alinhados"
"Identificar figuras geométricas como «geometricamente iguais», ou simplesmente «iguais», quando podem ser levadas a ocupar a mesma região do espaço por deslocamentos rígidos"
"Saber que duas figuras equidecomponíveis têm a mesma área e designá-las por figuras «equivalentes»."
"Utilizar corretamente os termos «conjunto», «elemento» e as expressões «pertence ao conjunto», «não pertence ao conjunto» e «cardinal do conjunto»."