A comunicação do Primeiro-ministro a propósito da
decisão do Tribunal Constitucional leva-me a retomar algumas notas.
A generalidade das pessoas assume com frequência
um discurso sobre as dificuldades ou insucessos que se pode designar por
"atribuição causal externa". Dito de outra maneira, quando alguma
coisa não está bem ou não corre bem, tal facto dever-se-á a algo exterior à
nossa acção ou responsabilidade. Falhamos por causa do tempo, da hora, do
vento, dos outros, do material, etc., etc., conforme as tarefas e as
circunstâncias. Como é evidente, este procedimento é bastante mais fácil do que
atribuir a nós próprios a causa da dificuldade ou do insucesso. Nós somos bons
e fazemos bem, se algo corre mal a culpa, a responsabilidade, deve estar
algures. Também se percebe que, ao contrário, é com a maior das facilidades que
atribuímos todos os sucessos e realizações às nossas competências e qualidades,
o insucesso é que é culpa dos outros ou de alguma coisa.
No mundo da política são particularmente
frequentes os exemplos deste funcionamento. Nas últimas semanas tivemos dois
exemplos muito nítidos.
O primeiro, já muito discutido, foi o da
entrevista do Eng. José Sócrates à RTP. Durante a maior parte do tempo o
discurso foi no sentido de identificar as razões, externas evidentemente, que
produziram dificuldades. Apenas se registou o reconhecimento de algo que não
deveria ter feito, aceitar formar um governo minoritário. Tudo o que de resto
aconteceu foi por responsabilidade de um conjunto de elementos, instituições ou
circunstâncias a que um colega político num processo da mesma natureza chamou
de "forças de bloqueio".
Um outro exemplo mais recente, é o violentíssimo
e politicamente perigoso discurso de Passos Coelho dirigido ao Tribunal
Constitucional. Em síntese, foi preparado um Orçamento Geral do Estado para
2013 que desde o início se percebeu que continha normas com o sério risco de
inconstitucionalidade. O Tribunal Constitucional veio, com uma demora
inaceitável, validar isso mesmo, existem normas que ferem a Constituição e, por
isso mesmo, o Orçamento deverá ser ajustado.
O Primeiro-ministro entende que a
responsabilidade das eventuais consequências é do TC. É sabido que também as
decisões do TC
se inscrevem no cenário político português mas pelo que se conhece do acórdão,
as decisões transcenderam a filiação partidária dos juízes. Temos assim que o
Governo elabora um diploma, por acaso o mais importante instrumento da política
governativa, o Orçamento Geral do Estado. A sua elaboração tem conteúdos
anticonstitucionais. A responsabilidade pelas consequências é do Tribunal, não
de quem as elaborou contra a Constituição. Notável.
Como já tenho escrito, a qualidade das lideranças
políticas também se afere pela capacidade de perceber e interpretar a
realidade, ajustando políticas, discursos e comportamentos às circunstâncias
históricas. Isto pressupõe a capacidade de mudança, de assumir da falibilidade,
da humildade do reconhecimento do erro, sendo que esta atitude não deve ser
confundida com fraqueza.
Ao contrário, a persistência no erro, a fuga para
a frente, o entendimento de que a realidade está enganada e a sua visão é a
certa, a persistência cega em políticas e em discursos fracassados, etc., são
atributos dos pequenos líderes, dos líderes sem dimensão e capacidade liderança
e de percepção dos problemas reais das pessoas, da maioria das pessoas.
É por isto, também, que o cenário político em
Portugal é tão preocupante.
Conheço bem a história de Matalana, além de ter tido a sorte de ter por várias vezes o Mestre Malangatana a residir na casa do meu pai onde conviviamos diariamente. Obrigada Zé Morgado por te teres lembrado desta tua vivência e a teres partilhado no teu Blogue. Ana Paula Covas
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