AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sábado, 2 de março de 2013

SERÁ INDIGNAÇÃO E PROTESTO QUE CHEGUE?

Num contexto global, mais abrangente por transcenderem os aparelhos partidários, não muito habitual entre nós, realizam-se hoje em dezenas de cidades manifestações sob a bandeira da indignação e do protesto dirigida ao atropelo à dignidade de muita gente em que se tornaram as políticas de austeridade cega e insensível impostas pela troika e ampliadas pelos diligentes feitores do protectorado em que nos transformámos. Afirma-se entre muitas outras ideias, “Que se lixe a troika. Queremos as nossas vidas”, justamente pela desesperança com que olhamos para ela, a nossa vida.
À hora a que escrevo estas notas não tenho informação sobre o nível de participação, ainda que as primeiras informações sugiram uma presença significativa, designadamente em Lisboa e Porto.
As graves circunstâncias sociais e económicas de hoje terão, seguramente, um efeito potenciador do sentimento de indignação e protesto que derivará de múltiplas razões.
No entanto e do meu ponto de vista, parece-me interessante perceber a dimensão deste protesto que emerge fora da tutela da partidocracia instalada que capturou de forma quase exclusiva o envolvimento cívico das pessoas, promovendo um nível de afastamento dos cidadãos muitíssimo significativo.
As progressivas taxas de abstenção nos últimos actos eleitorais são um bom exemplo desse afastamento e, importa salientar, não são algo que envolva exclusivamente o eleitorado mais jovem. É minha convicção que algumas das mais importantes causas deste afastamento entre os cidadãos e a vida cívica, remetem para a degradação da sua qualidade. Com excessiva regularidade temos exemplos arrasadores da saúde ética da vida cívica.
No actual quadro de organização e cultura política e administrativa, é muito difícil a intervenção cívica fora da tutela dos aparelhos partidários. Verifica-se também que a capacidade de mobilização dos partidos se dirige a uma minoria de pessoas que se movimenta e sobe nos respectivos aparelhos, podendo, assim, aceder a alguma forma de poder e a uma maioria que enche autocarros, recebe uns brindes e tem um almocinho de borla. A partidocracia não atrai porque os partidos se tornam donos da consciência política das pessoas, veja-se o espectáculo deprimente da Assembleia da República, vota-se o que o partido manda, independentemente da consciência.
Reconhece-se hoje que as camadas mais novas, mas não só, atravessam uma complexa situação envolvendo os valores, a confiança nos projectos de vida, os estilos de vida, etc. Neste quadro, a adesão à intervenção política, tal como se verifica genericamente em Portugal, parece mais uma parte do problema, é velha a partidocracia para responder a problemas novos, que um caminho para a solução.
De tudo isto resulta, como muitas vezes refiro, o afastamento das pessoas pelo que a construção de outras formas de participação cívica parece ser a única forma possível de reformar o quadro político que temos, ou seja, os partidos ou definham ou mudam, pela pressão do exterior.
Um outro aspecto que me parece importante, embora alguns discursos o desvalorizem, é de uma dimensão menos tangível, diria psicossociológica e que se prende com a recuperação e utilização da canção Grândola nas acções de protesto. A canção de José Afonso tem uma carga simbólica fortíssima associada a um momento de ruptura e profunda viragem na sociedade portuguesa. É por demais reconhecida a capacidade mobilizadora e aglutinadora dos símbolos. Deste ponto de vista, poderemos assistir a uma federação e congregação de comportamentos, atitudes e ideias que apesar das diferenças eventuais terão como dimensão agregadora e potenciadora justamente o conteúdo simbólico da Grândola.
Esperemos, portanto, para perceber a dimensão da indignação e do protesto e, consequentemente, a pressão e exigência que poderá criar-se para a reforma das políticas e mesmo da política.
Será indignação e protesto que chegue?
Como é óbvio quem decide, não o pode fazer, como se costuma dizer no jargão político, com base na rua. Mas manda o bom senso que também não se pode esquecer a rua e que a rua não é apenas os que lá estão. 

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