AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 3 de março de 2013

AS DIFICULDADES SÃO IMENSAS, O NÚMERO DE MANIFESTANTES NÃO É TÃO RELEVANTE

Um dos aspectos invariavelmente envolvidos na realização de manifestações ou greves, independentemente da sua natureza, comemorativa ou de protesto e reivindicativa, é a contabilidade em torno dos níveis de participação e o seu significado.
Os trabalhos jornalísticos de cobertura mostram exactamente essas dificuldades não sendo raro o recurso a "especialistas" para em encontrar metodologias diversificadas que possam, de forma fiável, avaliar o número de pessoas que participaram neste tipo de iniciativas.
Do meu ponto de vista e tal como se verifica em muitíssimas áreas em que, supostamente, os números seriam como o “algodão, não mentem”, não haverá forma de proporcionar informação objectiva, não porque seja impossível obtê-la, mas porque as fontes da informação e a tentação de manipulação proporcionarão leituras sempre diferentes.
Quero dizer com esta introdução que ainda que a partir de um mesmo número, para uns o copo estará meio cheio e para outros estará meio vazio, consoante as fontes de informação e os interesses em jogo.
Lembrar-se-ão alguns de uma manifestação de trabalhadores da administração pública em 6 de Novembro de 2010, em que a organização estimou em 100 000 o número de participantes e um especialista americano que se encontrava em Lisboa avaliou a participação entre 8 000 e 10 000. Na altura lembro-me de ter escrito que não tendo estado presente e não tendo outras fontes de informação validada, só podia depreender que uma das avaliações estaria "ligeiramente" enganada.
A mesma questão se coloca com os níveis de adesão a greves quer no âmbito da administração pública quer no âmbito privado. As estruturas representantes da administração e dos empregadores afirmam habitualmente que a iniciativa não teve a adesão referida e ou esperada, pelo que fica evidente a aceitação ou, pelo menos, a compreensão das políticas seguidas e a bondade dos seus pontos de vista, etc. Aliás, como se sabe, o Governo decidiu há tempos não revelar o número de pessoas envolvidas em greves o que é, obviamente, significativo.
Por outro lado, as estruturas representativas dos trabalhadores ou outros organizadores informam-nos que a adesão correspondeu às expectativas, que os trabalhadores, os cidadãos, mostraram o seu descontentamento, que o movimento sindical e a condenação das políticas obtiveram mais uma retumbante vitória, etc.
A questão é que esta discrepâncias, do meu ponto de vista, acabam por desvalorizar os efeitos das próprias iniciativas, pois, é reconhecido, muitos estudos têm vindo a demonstrá-lo, os níveis de cultura política, participação cívica, precariedade laboral, custos económicos, etc., levam a que exista sempre uma percentagem muito significativa de pessoas que embora estando de acordo com a justificação das acções não participam nelas. Há circunstâncias em que quando todos afirmam que ganham, todos estão a perder.
Para já estamos a perder o presente, as dificuldades que estão na origem do descontentamento das pessoas, das que aderem às manifestações de protesto e de muitas que não aderem, são graves e sérias. E o risco de perdermos o futuro é também uma ameaça, os tempos estão difíceis e a desesperança é muita. Creio que nesta altura a maioria de nós, presente ou não na manifestação, achará que o copo está meio vazio. Vão muito difíceis os tempos.
Assim, mais do que a contabilidade relativa às manifestações de ontem, importa sublinhar a expressão clara de um protesto pela persistência insensível e insensata num conjunto de políticas que nos empobrecem, produzem desemprego e exclusão.

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