A maldita crise que os endeusados mercados, terroristas
sociais sem alma nem ética, agenciados em cada país por lideranças politicas
hipotecadas a tudo menos ao bem estar das pessoas, fizeram cair sobre nós, para
além dos efeitos devastadores conhecidos em Portugal e em muitos outros países,
fez entrar nos discursos quotidianos algumas expressões que considero
insultuosas e delinquentes em termos éticos.
A primeira dessas expressões é a propalada ideia de que temos
vivido e vivemos acima das nossas possibilidades o que terá sido uma das causas
dos males que nos atingem. È absolutamente falso e o facto de ser repetida até
à náusea não a torna verdadeira. A esmagadora maioria das famílias portuguesas
não vivia e não vive acima das suas possibilidades. Eu sei do nível altíssimo
de sobreendividamento em que muitas famílias pressionadas por valores e estratégias
agressivas e selvagens de mercado caíram e dos dramas que provoca mas, deve
sublinhar-se, esta situação NÃO atinge, felizmente, a maioria das famílias
portuguesas. O Estado, por mão dos que o governaram e dele se serviram, terá
gasto o que não tinha, errado nas prioridades, serviu interesses que não o bem
comum e alimentou clientelas, mercados e empresas amigas de forma despudorada,
criminosa e certamente impune. NÃO FORAM AS FAMÍLIAS, NA SUA GRANDE MAIORIA,
QUE VIVERAM OU VIVEM ACIMA DA SUAS POSSIBILIDADES. Que isto se entenda de uma vez
por todas.
A outra expressão que me embaraça até à raiva é o “temos que
empobrecer”. Claro que quem subscreve esta afirmação não corre o risco de que isso
lhe aconteça. O Primeiro-ministro, numa inaceitável demonstração de
incapacidade e de incompetência, afirma de há muito que temos de empobrecer. É
um insulto a 3 milhões de portugueses em risco de pobreza e exclusão ouvir o
Primeiro-ministro afirmar que “temos de empobrecer”. Para além de outras
pessoas, também Isabel Jonet veio agora afirmar que temos de empobrecer,
estranha afirmação por parte de quem dedica a vida a alimentar pobres. Será que
não são suficientes e precisamos de mais pobres e de gente mais pobre? Tenham
tento na língua.
Nós não precisamos de empobrecer, falar de empobrecer é insulto
e terrorismo social como já afirmei. Nós precisamos de combater a assimetria da
distribuição da riqueza e produzir mais riqueza, precisamos de combater
mordomias e desperdício de recursos e meios ineficientes e muitas vezes injustificados
que alimentam clientelas e interesses outros. Nós precisamos de combater a teia
de protecção legal e política aos interesses dos mercados e dos seus empregados
que conflituam com os interesses das pessoas. Nós não precisamos de empobrecer,
nós já somos um dos países mais pobres e assimétricos da Europa com perto de um
terço da sua população pobre ou em risco de pobreza. Ontem o MEC assumiu a
existência registada de mais de 10 000 crianças a chegar às escolas com fome e
dizem-nos que temos de empobrecer. Tenham
tento na língua.
Se vos restar alguma dimensão ética e de respeito por quem é
pobre, não voltem a dizer que precisamos de empobrecer.
Vi e ouvi várias vezes a entrevista da Dra. Isabel Jonet e não consigo compreender os comentários que tem suscitado. Em nenhum momento faz qualquer elogio à pobreza ou ao empobrecimento. Em nenhum momento afirma ser negativo as pessoas quererem viver melhor do que vivem. O que é mau é utilizar o crédito (a que todos têm legalmente direito) para criar um estilo de vida que não é real porque não está de acordo com as reais possibilidades das pessoas. Se usarmos esse mesmo crédito para criar ou gerar riqueza estamos a entrar num círculo sustentável e gerador de progresso pessoal e familiar. Devemos criar condições para que todas as pessoas tenham acesso a uma melhoria de condições de vida.
ResponderEliminarParece-me que quando a Dra. Isabel diz que vivemos muito acima das nossas possibilidades não está a dizer que é mau as pessoas terem acesso aos "bilhetes para o concerto" (usando o exemplo dado). O que é mau é colocar na minha lista de prioridades esses mesmos bilhetes quando o meu saldo mensal está negativo. Estas afirmações até podem causar "repugnância" ou "abjeção", mas, são verdadeiras. Atenção que quando a Dra. Isabel diz "vamos empobrecer" não está a desejar que os portugueses continuem a ficar mais pobres. Está a constatar uma situação óbvia de que não há dinheiro. Independentemente das causas que nos levaram a esta situação (e aqui muitos nomes haveria para apontar, incluindo talvez o meu), precisamos de nos organizar e reaprender a viver com o que temos. Mas, sempre procurando criar reais alternativas sustentáveis para melhorar o acesso a todos os bens a que como Homem tenho direito.
Não sei o que querem dizer quando se afirma "mentalidade caritativa", mas, os seus autores talvez desconheçam que a mesma pessoa que durante 20 anos procurou criar uma estrutura solidamente credível para atacar a fome de dezenas e dezenas de milhares de portugueses, também criou por exemplo um serviço educativo dentro da própria organização. O Banco Alimentar não trata apenas da fome. Procura educar na partilha e na solidariedade. Tem sido a génese da várias outras instituições que tentam reduzir a injustiça e cuidar da pessoa humana.
A situação está difícil para todos nós, mas, não podemos perder o património que ainda possuimos. Um imenso capital humano de tantas e tantas pessoas de todas as cores políticas e de todas as convicções religiosas ou sem religião. Por favor, não vamos atacar nem difamar este nosso património. Obrigado Dra. Isabel por tudo o que tem feito por este país!
Caro Caim da Paz,
ResponderEliminarDe facto, Isabel Jonet não disse, expressamente, que deseja mais pobres. O que ela disse é que os pobres devem resignar-se e que os remediados devem aceitar sem sobressaltos a caída na pobreza. O que ela quer é que os que menos têm interiorizem uma culpa: a culpa de serem pobres.
Não lhe causa confusão ela nada dizer sobre os que, como ela, vivem na luxúria e que assim conseguem manter-se graças à miséria dos outros?
Ricardo Alves
Existe uma clara diferença entre a solidariedade e a caridade porque a primeira não pressupõe que a pessoa que recebe esteja num plano inferior. Cada um dá segundo as suas possibilidades e recebe segundo as suas necessidades.
ResponderEliminarInfelizmente com a degradação das funções sociais do Estado tornaram-se necessárias instituições como o Banco Alimentar.
Em relação à Dra.Isabel Jonet faz-me lembrar as tias das crónicas do Lobo Antunes, que na freguesia onde vivo há 35 anos, tinham cada uma o seu pobrezinho de estimação.
Abraço
António Caroço
Caro Ricardo Alves,
ResponderEliminarObrigado pelas suas palavras corretas e sem agressões o que infelizmente acontece na maioria das mensagens nos blogues. No entanto, continuo a não concordar consigo. Mas, não me parece que devamos continuar a discutir o que uma outra pessoa quer dizer... Todos temos direito a ter a nossa interpretação. Não podemos é fazer dogma dela como está a acontecer nestes meios de comunicação. Vejo aplicar palavras como caridade com perspetivas tão diferentes... Claro que me causa confusão a Dra. Isabel nada dizer nesta entrevista sobre os que vivem na luxúria... Mas, não devemos olhar para as palavras das pessoas de uma forma isolada. Devemos ouvi-las noutras circunstâncias e, sobretudo, ver o que essas pessoas têm feito... Não sei se os leitores sabem que quando se diz que a Dra. Isabel é voluntária há 20 anos, não se trata de ir uma simples hora por semana a uma instituição dar uma ajuda... Trata-se de todos os dias da semana e tantas vezes ao fim de semana estar ao serviço permanentemente de um projeto sem ser remunerada por isso. Isso é viver na luxúria? Tenho tanta pena que não haja mais luxúria desta na sociedade portuguesa...
O que me causa muita confusão são, de facto, os comentários sem fundamento a uma pessoa e uma instituição que precisa de ser apoiada mais do que nunca... Não por gostarmos de ser pobres, mas, porque (independentemente das cores políticas da esquerda ou da direita) há pessoas que estão a passar mal e não são os comentários nos blogs que as alimentam.
Vem aí mais uma campanha do Banco Alimentar. Gostava de convidar todos os bloguistas a participar em qualquer uma das fases... na recolha, no armazenamento ou na partilha com quem nada tem... Não sei se isso é solidariedade ou caridade. O que sei é que não interessa a discussão sobre as palavras mas a ação com respeito (um respeito nivelado porque estamos a falar de pessoas).
O que eu queria dizer na 1ª mensagem é que, mais do que discutir palavras, não podemos destruirmos os projetos bonitos que fomos construindo.
Caro Caim da Paz, gostava de deixar uma pequena nota. Se bem reparou, no meu texto não belisquei minimamente o trabalho e a figura de Isabel Jonet. O meu texto apenas queria afirmar a ideia, que mantenho, de que a expressão "vivemos acima das nossas possibilidades" que muita gente subscreve é falsa, a maioria das famílias não vive acima das possibilidades, vive abaixo das necessidades, que a recorrente expressão "temos ou vamos empobrecer" é inaceitável num país que já tem perto de 3 milhões de pobres. Eu não faço juízo de valor sobre as intenções de Isabel Jonet, apenas acho que a exposição e os discursos em público estão sujeitos a escrutínio de quem ouve e, portanto, a suscitarem opiniões e divergências sem que isso signifique qualquer forma de desrespeito ou agressão.
ResponderEliminarCaro Zé Morgado,
ResponderEliminarAs situações de agressão e desrespeito não se encontram certamente nas suas palavras. Aliás, não se encontra no seu blog, que eu aproveito para agradecer.
Concordo com uma boa parte da sua primeira mensagem. Tem muita razão quando se refere ao abuso político da expressão "vivemos acima das nossas possibilidades" e à situação evidente de que "a maioria das famílias não vive acima das possibilidades, vive abaixo das necessidades"...
Só queria deixar claro que em situação de crise, não devemos certamente no meio do desnorte e descrédito em que a sociedade vai caindo, destruir as poucas instituições que promovem o bem e uma autentica caridade ou se quiserem uma justa solidariedade.
Não há instituições nem pessoas imaculadas. Mas, não faremos desmoronar todo o bem que essas mesmas pessoas e instituições fazem por causa de uma falha na comunicação.
Novamente lhe digo obrigado pelo espaço de reflexão que aqui criou.
Por vezes um ou outro "beliscão" são afirmações de posição que estabelecem a linha da critica legitima ou do populismo fácil, sendo que a ultima, apenas transmite uma ideia de alguém que diz algo, mas nada diz porque uma posição é, aparentemente, algo de negativo, e nossa-senhora-dos-recados nos impeça de ser negativos.
ResponderEliminarSomos efectivamente um povo de brandos costumes. A critica é sempre ao lado, a figuras ilusórias, não esclarecidas, de modo a agradar a gregos e troianos e dar sempre uma margem de manobra para evasão fácil com laivos de covardia. "Não disse que...","Não disse expressamente de...". Um pouco de coragem precisa-se.