Desta vez não teremos o habitual campeonato de
audiências em torno os números de adesão à greve para hoje agendada. O Governo,
desde há uns tempos, numa jogada política óbvia, retirou-se do jogo, deixando a
bola com o adversário. Deve sublinhar-se a forma pouco aceitável do ponto de
vista democrático escolhida para "não ir a jogo", pura e simplesmente
proibiu serviços e empresas sobre tutela do estado de fornecerem elementos sobre
níveis de adesão. Como exemplo de prática democrática, transparente e
respeitadora do direito à informação é, no mínimo, discutível.
No entanto, como é habitual, as estruturas
representantes da administração virão muito provavelmente afirmar que se
registou um bom resultado pois a iniciativa não teve a adesão referida e ou
esperada, não teve impacto significativo na vida das comunidades, que fica
evidente a aceitação ou, pelo menos, a compreensão das políticas seguidas e a
bondade dos seus pontos de vista, etc.
Por outro lado, as estruturas representativas dos
trabalhadores informam-nos que a adesão correspondeu às expectativas, que os
trabalhadores mostraram o seu descontentamento, que o movimento sindical obteve
mais uma retumbante vitória, etc.
A questão é que esta discrepância, do meu ponto
de vista, acaba por desvalorizar os efeitos da própria greve pois, como é
sabido, muitos estudos têm vindo a demonstrá-lo, os níveis de cultura política,
participação cívica, precariedade laboral, custos económicos do dia de greve,
etc., levam a que uma percentagem muito significativa de pessoas embora estando
de acordo com a razão dos protestos não adiram à realização da greve. Desta
questão decorre o facto de se defender que as manifestações podem um
instrumentos mais potentes de protesto por, provavelmente, terem mais
capacidade de mobilização. Aliás, o nível de adesão na manifestação de 15 de
Setembro parece-me constituir um bom exemplo.
Do meu ponto de vista, mais do que uma
contabilidade da adesão que nunca será objectiva, importa atentar na existência
de razões fortes para o protesto e descontentamento que estejam para lá das
diferentes agendas partidárias e da conflitualidade de interesses neste
cenário, a luta dentro da partidocracia.
Temos perto de 3 milhões de portugueses em risco
de pobreza, a União Europeia reconhece que as medidas de austeridade que têm
vindo a ser promovidas conduzem a um aumento da disparidade entre os mais ricos
e os mais pobres, temos 19% de desempregados, sendo que sobe para 36 % entre os
mais jovens.
Sabemos que os cortes nos recursos afectados aos
apoios sociais são manifestamente insuficientes para minimizar de forma
significativa as dificuldades de muitas pessoas o que faz aumentar
exponencialmente os pedidos de ajuda junto das instituições de solidariedade
social que, por sua vez, também não têm recursos para responder.
Neste quadro, ainda assim reduzido nas questões
referidas, releva a existência clara de um descontentamento geral, de um conjunto
de enormes dificuldades que é também geral, isto é que me parece a substância,
embora possamos discutir se a greve é geral, quase geral ou só um bocado geral.
Como é óbvio quem decide, não o pode fazer, como
se costuma dizer no jargão político, com base na rua. Mas manda o bom senso que
também não se pode esquecer a rua e que a rua não é apenas os que lá estão.
Não percebo a história do descontentamento geral quando as sondagens (a última do CM da Aximage, por exemplo) dão cerca de 33% dos votos à coligação PSD-PP. Isto numa altura de autêntico apertão... O descontentamento será assim tão geral???
ResponderEliminarMuito bem argumentado Pedro, você merece o céu. Abraço
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